Ele tossiu, chamando minha atenção. Virei-me, encarando o azul profundo. Ele sorria, estendendo-me as duas mãos. Uma delas, vazia, mas a outra trazia uma faixa negra.

Suspirei, revirando os olhos.

- Não vamos ter que voltar a esse ponto, não é? – perguntei, o sorriso brincalhão ainda estampado em sua bela face. Ele negou com a cabeça. – Ora, Garotão! Derek! Vamos lá! Sou uma boa garota!

Ele acenou com a mão para que eu me aproximasse e eu obedeci, sorrindo.

A venda foi posta e ele deu um nó apertado.

- Ai! – reclamei.

- Tenho de garantir, não? – respondeu, ainda podia imaginar seu sorriso. – Mas, acalme-se. Já, já você tira.

Revirei os olhos, embora ele não pudesse ver isso.

A venda apenas me foi tirada horas depois. O ambiente permanecia o mesmo: a tristeza espelhada nos olhos de cada um, os rostos sujos com a fuligem, os braços fortemente agarrados aos pertences que restavam.

Havia sofrimento em todos aqueles corações. Sim, havia. Pelas perdas, pelas mortes... Eu sabia que estas haviam ocorrido. Não sabia exatamente como, ou quanto, mas o Anjo da Morte parecia vagar por ali hoje, recolhendo as almas demoníacas e santas, deixando que as outras quaisquer fossem ao purgatório e fossem mandadas para o céu, ou para o inferno, como fora no meu caso.

Mas as vidas haviam sido salvas. Derek estava ali, conosco, e era por minha culpa. Eu o salvara e agora ele podia estar aqui... Podia, finalmente, mostrar o líder que é.

E meu tempo aqui acabara. Minha dívida fora finalmente paga e tudo o que eu precisava era do caminho. Apenas aquilo e toda a guerra estaria vencida... Finalmente todos aqueles humanos estariam salvos do que menos esperavam...

“Senti as pupilas se contraírem. Era a luz, muita luz. Eu não podia abrir os olhos ali ou minha visão seria comprometida, mas ela me atirou os óculos e a luz da lua que o gelo refletia não me fez mais tão mal.

- E o que a trouxe aqui? Qual foi sua missão? – a pergunta saíra tão alta, tão clara, tão... Sugestiva.

Derek ainda me encarava. Os olhos azul-céu praticamente, ou melhor, literalmente ordenavam minha resposta imediata. Mas... Eu não podia.

A visão do juramento me voltou à cabeça.

‘Eu me ajoelhava diante da suprema majestade. Nunca vi seu rosto, porém sabia que isto era melhor para mim mesma. Sabia que era algo tão ruim, tão demoníaco e cruel que jamais me permitiria ver qualquer coisa novamente.

O fogo que queimava minha pele era o mesmo que encobria a face sombria. A dor que eu sentia era tão prazerosa e desejada que eu pretendia me entregar ao cansaço. Foi quando a voz rouca falou.

Não era realmente uma voz. Um sussurro rouco demais para ser ouvido por qualquer outro sobre o crepitar das chamas. A tentativa de alguém fraco demais...

Não foi necessário ouvir suas palavras. Eu já as havia decorado. Um toque, apenas um toque significava tudo aquilo que as palavras jamais tentaram fazer: a confiança. A certeza. A lealdade.

O seguinte foi a resposta. Minha missão. A tão guardada, tão protegida, tão importante...’

Minhas mãos ainda tremiam, como naquele momento. O toque me influenciava até aquele momento. Eu possuía meu pensamento, coração e corpo em serviço da Majestade Suprema ainda ali, capturada pelo inimigo, pressionada, obrigada a dizer exatamente o que eu treinara tanto para manter em sigilo.

O motivo...

Ambos os pares de olhos azuis me encararam. Meus lábios entreabertos queriam dizer tanto quanto quereriam água após um ano no deserto. A queimação em meu peito me deixava agoniada, mas eu permanecia com a mesma expressão feroz nos olhos do dia em que fui capturada. Mas doía tanto...

Senti o som sair das minhas cordas vocais e me desesperei. Todo aquele treinamento fora a preocupação com aquilo. Eu imaginei a lâmina dourada, arma de nossa Majestade, atravessando meu corpo que caía morto finalmente, apenas para ser carregado pelo Anjo da Morte para o Fim. Eu queria aquilo. Fora nossa última esperança e fracassara, denunciando-nos.

Mas apenas então percebi minhas palavras que deixaram tão estupefatos o anjo e o humano, as palavras firmes e fortes.

- Não vai arrancar isso de mim.”

Sorri. Estava orgulhosa de mim mesma.

Mais uma vez, os olhos correram pelo ambiente. Os olhares ainda me eram hostis demais.

E estava na hora. Eu devia começar a cumprir a missão para a qual treinara tanto.

“Salvar.”