A Árvore Dos Pássaros Mortos escrita por Kacire


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/171735/chapter/1

Algumas gotas de álcool caiam de cima da mesa de madeira. Uma única poça, pequenininha, era o que sobrara da garrafa toda. O quarto deveria ser branco, mas estava todo rabiscado nas paredes com frases e desenhos em preto e vermelho.  Claus estava sentado na cama, uma lâmina próxima ao pulso e uma lágrima próxima da queda. Quase não se ouvia ruídos, como se o quarto fosse afastado de todo o resto do mundo. Claus só tinha em sua cabeça algumas frases picadas da música que estava ouvindo e os maiores dizeres da parede do seu quarto.

“Há muito tempo tenho estado só

Há muito tempo tenho estado na cama

Sem ninguém a quem pegar no joelho, homem

Ou mulher, tanto faz.”

A música e os dizeres de Ginsberg eram os mesmos. Claus musicara seus versos preferidos, como se sentisse que essa era a única coisa que não poderia deixar pendente antes de se matar. Apertou um pouco mais a lâmina antes de respirar fundo pela última vez, para puxar o resto de coragem.

- Ficou muito bom. – E ao ouvir isso com os olhos fechados, Claus sentiu uma paz que nunca havia sentido antes. Tentou abrir os olhos para ver o sangue escorrendo, mas não conseguiu. –Sabe... Eu acho muito difícil musicar Ginsberg sem perder a qualidade! Ainda mais em português! Mas você fez um ótimo trabalho.

Quando finalmente conseguiu abrir os olhos, Claus olhou para a direção que aquela voz áspera vinha.  No canto do seu quarto, de olhos fechados, Claus viu um garoto mais ou menos de sua idade com a cabeça recostada na parede, como os apreciadores de boa música fazem quando estão bêbados em um bar, deixando as notas entrarem e se misturarem junto ao álcool. Tinha um rosto grave, marcante e lindamente triste. E um reconhecimento cruzou na cabeça de Claus por um breve instante, como quando vemos, de longe, aquela pessoa que esbarramos há anos atrás numa rodoviária e pensávamos que nunca mais veríamos novamente. Claus tentou perguntar quem era ele e o que ele estava fazendo e como ele estava no seu quarto, mas não conseguiu falar.

O garoto se levantou lentamente. Claus viu aquele sobretudo preto, um tanto desleixado de tanto uso, o rosto mortalmente branco do rapaz e o leve lápis de olho preto que usava e teve a certeza de já ter visto aquele garoto outras vezes.

- Não fique alarmado, Claus. – Claus, que já começava a ficar com medo, tremeu ao ouvir seu nome na boca de um desconhecido. – Eu não vou fazer nada contra você. – Disse o garoto se aproximando e tocando em seu ombro.

- Quem é você? – Claus finalmente conseguiu falar.

- Elogio sua música e você me faz uma pergunta de forma agressiva? – O garoto sorriu.

- Desculpe... Mas você entra no meu quarto e...

- É que não importa muito quem eu sou, Claus. O que importa agora é o que você está tentando fazer.

Claus olhou para os pulsos, como se antes tivesse esquecido da leve dor que por ali havia passado, e viu a cama encharcada de um vermelho vivo, como nunca vira antes.

- Você é...

- Não, não sou deus. E infelizmente não posso te dizer se ele existe ou não. Nem mesmo eu sei. Mas se existe, abandonou tudo o que criou. Meu nome é Morte, Claus...

- Então... Eu consegui?

- Conseguiu que eu viesse falar com você. Ainda não é sua hora Claus. Você ainda tem muito tempo de vida.

- Sempre esperei a morte de touca e foice.

- Deixei em casa.

Claus tentou esboçar um sorriso.

- Não posso deixar que você morra agora, Claus.

- Mas...

- Se você não aguenta a vida, Claus, não queira descobrir o que é a morte!

Claus fechou os olhos e ficou pensando naquilo. Quando abriu os olhos novamente, encontrou-se sozinho. Olhou em volta, confuso. Não podia ter sido um sonho? Ou podia? Sentia-se como se tivesse dormido por dois dias seguintes. Olhou para os punhos. Um pequeno corte já cicatrizado estava ali. Na cama, apenas uma gota de sangue.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!