Changed escrita por Shiroyuki


Capítulo 6
Capítulo 6 - Acostume-se com seu novo nome


Notas iniciais do capítulo

Eu sou Tsu- Souma Utau.



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Utau...

Ele disse, com aquela voz rouca que fazia a pele de Utau arrepiar-se por inteiro, como se ela estivesse embaixo da chuva de um dia de inverno. Hesitante, de uma forma que ela não estava acostumada a se sentir, ela abriu os olhos. Acima dela, o rosto que mais queria ver, sorria brilhantemente. Era tão mais fácil de entender o que acontecia dentro dela, agora que havia aceito esse sentimentos. E era tão óbvio que ela tinha vontade de bater em si mesma, apenas por ter cogitado outra possibilidade.

— Bom dia... – ela disse docemente, sorrindo. Tudo o que ela via agora, mesmo as paredes sem cor do seu quarto, ou o chão de madeira que fazia barulhos estranhos... tudo estava brilhante, cintilante, colorido! Utau teve vontade de saltitar, dançar e cantarolar. Seu coração batia tão rapidamente que ela nem conseguia senti-lo mais.

— Você está tão linda, Utau – Kukkai disse, pondo-se de pé puxando Utau para junto dele, delicadamente. Ela ofegou, mas não demonstrou oposição. Como poderia estar linda, com o cabelo bagunçado e os moletons amarrotados que usava para dormir? Só pensar nisso já dava um nó na cabeça de Utau. Ela preferia se focar nos olhos verdes, que estavam tão próximos dos seus.

— Eu sou um idiota, Utau – ele disse, sorrindo.

— Eu sei disso – ela concordou, veementemente.

— Você é tão perfeita, Utau!

— Eu também sei disso.

— Então case-se comigo! – ele bradou, tomando-a nos braços. Utau deixou-se levar, cerrando os olhos. Sentiu o rosto de Kukkai se aproximando. Sentiu sua respiração próxima. Sentiu seus narizes se tocando...

— Acorda Utau! – uma voz aguda e alta fez Utau assustar-se, sentando imediatamente sobre a cama. Sua cabeça dava voltas, mas uma única afirmação se fazia presente. Foi só um sonho. – Tá na hora da escola – sua mãe gritou novamente, da porta do quarto. Ela não se dignou em nem ao menos entrar no quarto para acordá-la! Droga, e por que logo naquela hora???

— Bom dia, Utau – Kukkai disse da cama ao lado, com a voz arrastada, enquanto sentava, esfregando os olhos e bocejando.

— Imbecil. Idiota! É tudo sua culpa, seu retardado!!! – ela bufou, levantando da cama num salto e correndo para o banheiro. Foi uma péssima ideia. Assim que fechou a porta, sentiu sua perna latejar. Desde o dia em que subiu no telhado com Kukkai, ela não era mais a mesma.

Tanto por ter finalmente descoberto seus sentimentos (o que, segundo ela, era uma fraqueza, que a deixava extremamente vulnerável, e deveria ser mantida oculta a todo o custo), mas também por que, graças as suas incríveis habilidades de escalada, ambos ficaram presos lá em cima. E o jeito foi pular. Kukkai saltou primeiro, habilmente, e ficou no chão, esperando que ela saltasse nos seus braços.

Utau podia muito fazer isso. Era o que ela queria, realmente. Pular nos braços do garoto e aproveitar para abraçá-lo, sentir seu cheiro. Seu corpo, recém-consciente de suas verdadeiras intenções, ansiava por isso. Seu coração, batendo rapidamente, gritava para que ela o fizesse logo. Porém sua mente, mergulhada em orgulho e amor-próprio, negou-se. Analisou bem as opções, e decidiu manter a dignidade. O coração queria que a dignidade explodisse. O corpo também. A mente foi a vencedora, e Utau pulou no ar, caindo sobre a calçada dura e áspera, e como consequência, acabou com as mãos e os joelhos ralado, roxos na perna e na barriga, músculos distendidos, e alguns dias enfaixada e com gelo por todo o corpo.

No banheiro, Utau olhou para o espelho, e analisou-se por alguns segundos. Estava com olheiras visíveis abaixo dos olhos. Seu rosto estava escarlate, tanto pelo sonho que ainda fervia em sua mente quanto pela lembrança recente. O cabelo mostrava a mais nova obra do se travesseiro, o Ninho de Rato.

Suspirou. Quanta maquiagem era necessária para tornar-se apresentável no primeiro dia de aula?

-

Utau parou em frente aos portões abertos, encarando o prédio cor de hospital, pequeno e baixo (apenas dois andares!) , por onde entravam mais dezenas de outros estudantes, todos usando o mesmo uniforme marrom e sem graça, com a saia amarelo-ovo, de um xadrez toalha de mesa desgraçado. Kukkai riu, ao ver a expressão de Utau. Ele ficava bem com a calça amarela, era claro que iria rir. Ele não cansava de repetir, durante todo o caminho, o quanto as marias-chiquinhas que ela usava combinavam com saia xadrez.

Como as aulas haviam começado algumas semanas antes dos seus documentos estarem prontos, tanto Kukkai quanto Utau eram alunos transferidos, e como tais, seriam tratados de maneira diferente, mesmo que apenas nos primeiros dias. Ela estava preparada psicologicamente para isso, tendo consciência de que pessoas como eles, vindos da civilização, seriam vistos como estrangeiros pelas pessoas nativas. Ou, pelo menos era isso o que ela esperava.

— Você deve estar acostumada com coisa melhor, não é? – ele indagou, andando em direção ao prédio.

— Está dizendo que eu não posso me adaptar? – ela desafiou, lutando para não fitar os discretos músculos que se salientavam por baixo das mangas dobradas do paletó que ele usava.

— Exato. – ele riu alto, atraindo a atenção de todos para eles dois. Utau disfarçou ao máximo, enquanto avançava a passos rápidos pelo caminho, que nem era assim tão longo. O esforço para andar rápido fez sua perna protestar. Ela perdeu o equilíbrio, e Kukkai segurou-a pelo braço.

— Vai com calma, essa perna nem tá boa ainda. – ele disse, tomando a frente pelo corredor. Sua mão deslizou pelo braço de Utau, até segurar com firmeza a mão dela.

A garota ofegou, com seu rosto fervendo. Ele tinha alguma consciência do que estava fazendo?

A mão de Kukkai era quente e confortável. Utau nada mais podia fazer, além de se deixar levar. O que havia de mal... ? Eles eram irmãos no final das contas! Irmãos... Utau nunca odiou tanto uma palavra, ou um pedaço de papel.

— É por aqui – ele disse, sem parecer se importar com o fato de estarem de mãos dadas. Será que não sentia nada? Ele era tão tapado ao ponto de nem mesmo conseguir ouvir o coração de Utau batendo loucamente? Estava tão alto que ela tinha dificuldades para ouvir os próprios pensamentos, como era possível que ele não ouvisse?

Kukkai já havia vindo à escola antes, com Tohru, que era professor de educação física, e parecia conhecer bem a estrutura de corredores complicados e estreitos. Ele e Utau ficariam na mesma sala, já que a escola era pequena e só possuía uma turma de cada série, além de ter turmas do ensino fundamental também. A construção que agora servia de prédio havia sido uma grande casa em estilo ocidental, lar de algum aristocrata europeu excêntrico, e após alguns anos, considerada patrimônio histórico, se transformou em orfanato. Apenas recentemente fora comprada e transformada em escola, e por isso sua arquitetura não comportava bem as salas de aulas, sem divisões bem distribuídas, e com passagens desconhecidas.

Repentinamente, Kukkai parou em frente a sala que trazia em sua porta a inscrição 1-B. Era a sala deles. Utau respirou fundo, só percebendo que ainda segurava a mão de Kukkai quando este a soltou. Ela sentiu falta do calor, mas prestou atenção à frente, quando o garoto abriu a porta, assim que ouviu o chamado do professor

A sala estava repleto de rostos desconhecidos naquele momento, e todos olharam para os dois no momento em que surgiram. Utau sentiu-se desconfortável, tanto com os indiscretos olhares masculinos quanto com as fuzilantes encaradas femininas. Irritou-se, ao perceber que as mesmas garotas que a fitavam com furor, olhavam com olhos gordos para Kukkai, praticamente babando em cima dele enquanto faziam o possível para abrir um botão da camisa e subir um pouco mais a saia.

— Por que não escrevem ‘estou desesperada’ na testa? Seria mais sutil. – sussurrou só para si, enquanto encarava de volta, com o máximo de censura e irritação, qualquer uma que se atrevesse a olhar na sua direção.

Kukkai, como já era de se esperar, nada percebeu.

Eles andaram até onde o professor esperava, com um sorriso cordial no rosto. Aquele caminho pareceu bem mais longe do que era realmente.

— Eu sou Nikaido Yu, seu professor encarregado. – disse o homem de cabelos longos e incrivelmente bagunçados, e óculos tortos no rosto magro. – Por favor, se apresentem – ele entregou um giz para cada um, indicando o quadro.

Kukkai tomou a dianteira, escrevendo seu nome rápida e desleixadamente. Olhou para frente, com um sorriso desnecessariamente enorme, e piscou um olho.

— Eu sou Souma Kukkai! Gosto de esportes, principalmente futebol! Espero que possamos nos dar bem! Yoroshiku nee! – ele terminou, erguendo uma das mãos em saudação.

Utau sentiu vontade de vomitar, ao ver todas aquelas garotas idiotas, emocionadas com o discurso idiota daquele garoto idiota. Ela estava cercada de idiotas!

Bufou, ao notar que era sua vez. Apesar de ter planejado fazer o possível para ser gentil, tentando usar aquela nova imagem que havia treinado com Kukkai, nada estava dando certo. Ela era apenas a mesma Utau reclamona e antipática. Fazer o que?

Quase quebrando o giz entre os dedos, ela começou a escrever seu nome no quadro. Percebeu que estava começando a escrever o kanji para Tsukiyomi, e o apagou rapidamente com as costas da mão, escrevendo cuidadosamente Sou-ma. U-ta-u. Não era tão estranho assim escrevê-lo dessa maneira... Ela virou-se para a turma.

Os garotos a encaravam com visível interesse e curiosidade. As garotas respiravam aliviadas ao notar que os dois tinham o mesmo sobrenome. A hostilidade em seus olhares permaneceu, apesar disso.

— Eu sou Tsu- Souma Utau.  – sentiu os olhares de todos pregados nela, e percebeu com o canto dos olhos o gesto de Kukkai para que ela prosseguisse – Eu gosto de... rámen. Yoroshiku onegaishimasu. – curvou-se ligeiramente.

Dizendo isso, ambos rumaram para lugares vazios aleatórios na sala, tomando cuidado para ficarem ambos longe um do outro, como havia sido estipulado por Utau previamente (uma decisão da qual ela se arrependia). Ainda sentia os olhares a perfurando, queimando em suas costas. Era difícil ser a novata.

Por sorte, Kukkai ficou em um lugar cercado por garotos.

-

Hora do almoço. Kukkai já havia arrumado dezenas de amigos, e todos eles estavam sentados em volta da sua classe, conversando alto e rindo animadamente. Aquele garoto era um imã de pessoas, com toda a certeza.

Utau suspirou, levantando-se lentamente da sua classe. Nenhuma daquelas garotas iria convidá-la para almoçar junto, certamente. Mas isso não importava!

Sentindo-se estressada e aborrecida, Utau caminhou com má vontade até o lugar onde estava a cantina. Era algo como uma grande cozinha, cheia de mesas redondas de madeira. Lembrava um restaurante rústico, ou algo assim, mas não se parecia om um refeitório de escola, de maneira alguma.

Colocou-se na fila, lendo cuidado o cardápio colocado na parede mais próxima. Rámen, rámen... onde raios estavam os rámens daquele lugar? Assim que ela encontrou o que procurava, voltou a olhar para fila, que havia aumentado subitamente, dobrando de tamanho. Que bruxaria era aquela?

— Ei, eu estava na fila! – ela empurrou uma garotinha que estava na sua frente. Ela era bem baixa, com duas maria-chiquinhas amarrando os cabelos castanho-avermelhados. Usava a versão vermelha e preta do seu uniforme, o que evidenciava que era uma aluna do ensino elementar.

— Yaya não furou a fila! Yaya estava aqui o tempo todo! – ela protestou, mostrando a língua para Utau. Criança insolente.

— Então, agora, Yaya vai dar licença para a Onee-sama, que chegou aqui primeiro – Utau cantarolou sarcasticamente, colocando a garotinha para trás e chegando a frente. – Eu quero o número 7, com porção extra de carne e bem apimentado – ela recitou, apoiando os braços no balcão.

Assim que seu rámen chegou, fumegante e convidativo, Utau percebeu que a garotinha finalmente chegou a frente da fila. Fez seu pedido, e ficou esperando pacientemente. Utau, sem perceber, ficou observando.

— Ei, Yaya-chan! – a moça da cantina chamou. Utau prestou atenção. – Está faltando 20 ienes.

— Mesmo? – Yaya olhou ao redor, preocupada, procurando pelo chão. – Mas a Yaya trouxe o dinheiro bem direitinho!

— Aqui. – Utau pronunciou-se, colocando o que tinha recebido de troco em frente a garotinha. – Problema resolvido – ela disse, pegando sua tigela e se afastando.

Não havia nenhuma mesa vazia, mas ela havia visto alguns bancos embaixo de árvores do lado de fora. Não era bom comer rámen no colo, mas era o jeito.

— Ei! Onee-san! – Utau sentiu seu casaco sendo puxado. Olhou para baixo, notando a garota das maria-chiquinhas que tratava a si própria na terceira pessoa. – Você ajudou a Yaya, então quer sentar com todo mundo na mesa?

Utau pesou suas opções. Ou comia seu rámen, que parecia particularmente atrativo, no vento de no mato, ou ficava do lado de dentro, com o conforto e praticidade de uma mesa ao seu dispor.

— Tanto faz – respondeu, andando atrás da garota, que saltitava alegremente com um pão de yakisoba nas mãos.

As duas pararam em frente a uma mesa, que estava parcialmente cheia.

— Essa é a nova amiga da Yaya, que ajudou ela com problemas financeiros! Ela é uma aluna transferida – adicionou, em tom de confissão. Utau se surpreendeu com a força dos comentários em uma cidade pequena. Até a aluna do elementar já sabia sobre ela!

— Eu sou  Tsuk.. Souma Utau – ela achou melhor se apresentar, antes de se sentar. Acomodou-se, abrindo os hashis e dizendo “itadakimasu” baixinho. Como esperava, o rámen estava perfeito. Enquanto comia, sem parar nem mesmo para respirar, as outras garotas falaram.

— Eu sou Hinamori Amu – a garota mais próxima disse Ela tinha curiosos cabelos cor de algodão-doce, e um ar um tanto quanto frio e distante. Seu uniforme, verde da cor do ensino ginasial, estava completamente personalizado.

— Mashiro Rima – a garota sentada a sua frente disse, num tom de voz baixo e monótono. Tinha abundantes cabelos dourados, que caiam em ondas ao redor do seu rosto pequeno e delicado. Usava saia verde, assim como Amu, e um suéter preto que cobria quase que completamente seu corpo diminuto.

— E eu sou a Yuiki Yaya! – a garota do elementar berrou, balançando os braços com determinação.

Oh, sim! Que perfeito! As novas companheiras de almoço de Utau eram kouhais!

Pode rir agora, Kukkai... você tinha razão! Parece que eu não vou conseguir me adaptar a este lugar, no final das contas.

Você é uma aluna do Ensino Médio – a garota chamada Mashiro Rima afirmou, fitando Utau profundamente como se pudesse enxergar através dela, de uma maneira que a deixava quase constrangida – Por que não almoça com suas amigas mais velhas?

— Por que elas não existem. – respondeu simplesmente.

— Não perde nada – Yaya confirmou, fazendo biquinho – Aquelas meninas são umas chatas.

— Vacas – Rima corrigiu.

— Eu pude notar isso desde o primeiro momento – Utau concordou, percebendo pela primeira vez que garotas mais novas não precisavam ser necessariamente infantis e irritantes. A garota chamada Yaya, talvez... mas elas poderiam conversar mais vezes, ao que parecia.

— Aquele garoto com quem você chegou... – Amu manifestou-se pela primeira vez, demonstrando desinteresse enquanto se concentrava no seu obentou – É seu irmão?

— Sim. Irmãos – Utau afirmou, com desconforto. Algo em seu estômago revirou-se, e ela se esforçou para não fazer uma careta.

— Não se parecem muito um com o outro – Rima notou.

— Eu tive sorte.

Yaya riu escandalosamente. As outras a acompanharam, um pouco mais discretas. E Utau, pela primeira vez no dia, sentiu-se bem.


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