Observando Daniela tão próxima de Igor e a pergunta de Edith martelando em minha cabeça; me perguntei quando é que eu tinha ficado assim. Tão... absoluta e inteiramente fora de órbita. Eu tinha certeza sobre tantas coisas. E agora? O que eu era?

– O que está fazendo com Victor, então?

– Não sei. Na verdade, não sei o que estou fazendo comigo mesma. – Edith pousou a mão no meu ombro. Companheira. Éramos tão parecidas. – Sinto muito por você estar confusa por causa de Pablo.

– E eu por você estar perdendo a chance de pegar Igor.

– Você estraga o clima, sabia disso? – eu falei bufando e ela deu uma risadinha.

– O que vai fazer agora? Eles logo vão vir pra cá te dar a notícia.

– Agir de forma profissional.

– Arranca os cabelos dela! – ela provocou. Apontando com queixo o sorriso gigante de Daniela. – Olha que sorriso falso.

– Achei que você gostava dela.

– Por você, eu desgosto.

– O que seria de mim sem você? – a abracei de leve e ela riu no meu ouvido:

– Mais pura, sem dúvidas.

– Sem dúvidas. – concordei.

– Então, o que as moças estão aprontando? – Pablo apareceu por trás de nós. Nos fazendo pular de susto. Ele estava sorridente, mas percebi que estava meio rígido e evitava olhar Edith. Os dois um pouco acanhados. Sorri maliciosamente.

– Planejando mortes.

– Femininas?

– Não, exatamente... – ele acompanhou meu olhar.

– Ela vai trabalhar conosco, pelo que eu ouvi falar. – ele comentou, sorrindo sugestivo.

– Temporariamente. – Edith frisou.

– Temporariamente. – repeti, tentando me consolar.

– Não estou interessado nelas, garotas. Não tenham ciúmes.

– Está pensando em jogar ela pra cima de Igor, sem dúvidas. – murmurei a contragosto.

– Você escolheu Victor, pelo que eu soube. Não pode me julgar por querer desencalhar Igor.

– Soube?

– Vejo você desfilando com Victor por aí e Igor não xinga mais ele. Não tanto. – revirei os olhos. – Meio óbvio que você escolheu.

– Eu não tinha escolha.

– Você ainda tem escolha. – Edith resmungou com Pablo em uníssono.

– Bem, vai ser interessante ela aqui... Ela é bem gostosa, mesmo.– Vimos Igor se aproximando com Daniela e Gustavo. Quem sabe se Igor não quiser, eu tente.

– Idiota. – Edith resmungou, se afastando.

– Qual o seu problema? Provocando ela assim?

– Não estou provocando Edith. Estou provocando você! – ele disse, erguendo os braços em rendição. – Sempre brincamos assim. Foi só uma brincadeira! Não sei por que ela ficou brava.

– Não sabe mesmo?

– Oláa. – Daniela disse, contente, nos interrompendo. E eu sorri polidamente. O olhar de Igor queimando meu rosto. – Viemos te dar o recado, Malu...

– Sobre os arquivos bancários, certo?

– É... Que ótimo ver que você já está a par do assunto. – olhei para Igor com a sobrancelha erguida e ele deu de ombros. – Estava pensando em como vai ser ótimo Igor me ajudando esses dias com os arquivos e tudo o mais. – ela sorriu abertamente por mim e eu devolvi o sorriso do mesmo jeito debochado.

– Eu pensei um pouco diferente, Daniela... Preciso da ajuda de Igor com os relatórios e ele tem que ficar de olho nos funcionários. Supervisor, essas coisas. Ele não pode ficar enfurnado com você numa sala fazendo contas, porque ele conhece aqui muito melhor que eu. E Edith é simplesmente magnífica com números. Logo, ela podia te auxiliar, para que assim você não se demore. É ótimo que tudo fique bem organizado. E fico super contente que tenham mandado alguém tão profissional e competente. Os arquivos precisam de organização, urgente!

Sorri abertamente e Pablo tossiu discretamente ocultando uma risada. Sabia que as palavras tinham saído para meu próprio benefício. Não saberia como lidar com Daniela e Igor juntos o tempo todo. E ainda tendo que encarar essa situação. Edith saberia lidar melhor com isso e eu confiava mais em seu bom senso. E além do mais, ela ficaria grata por não ficar tão constrangida ao lado de Pablo; certo? Gustavo olhava a situação, com uma expressão divertida sem pronunciar nenhuma palavra.

– Pensei que Igor ia me ajudar com as contas. – ela disse, visivelmente desanimada.

– Eu costumo cuidar de algumas contas. Mas nada demais. Edith que cuida disso, e eu fico com os relatórios. E bem... Igor não é um contador, é um astrônomo. Logo ele não poderia te ajudar muito.

– Mas me mostrando os arquivos seria de grande ajuda...

– E passar a tarde toda te mostrando arquivos? E quando precisarmos dele em outro lugar? Você mesma tem que admitir que não faz o menor sentido.

– Achei que eu decidiria essas coisas, Malu. – Igor interrompeu nosso contato visual, e eu olhei para ele que me olhava curioso. – Pois eu sou o supervisor como você fez questão de deixar claro.

– Foi uma sugestão. Só estou mostrando meus pontos de vista. Falei algo errado?

– Não... Faz sentido. Edith é ótima com os arquivos e contas. – ele se virou para Daniela, sorrindo educadamente. – Vai tornar seu trabalho mais divertido. O que acha disso, Gustavo?

– Uma ótima escolha. Edith realmente é boa com números e muito atenta. Vai ser de grande ajuda a você, Dani. Vamos atrás dela para lhe contar como vai funcionar sua tarefa nos próximos dias.

– Certo. Você não vem? – ela sorriu para Igor.

– Não... Tenho que acertar umas coisas com a Malu.

– Ok, então. – ela me encarou e eu sorri de forma angelical. Ela se afastou com Gustavo, volta e meia olhando para nós enquanto andava. Pablo agora ria sonoramente. Igor me olhou, falando lentamente e de forma debochada:

– Uma ótima divisão, hein? Já que afinal... Eu realmente preciso de ajudar com os relatórios, certo? E já que Edith não te auxiliará, eu ajudarei você. Passando o dia com você e etc. Consegue lidar com isso?

–Érr... Sem dúvidas. – acenei com a cabeça, não muito certa disso.

– E a mim, quem me ajuda? – Pablo disse, parando pra analisar a situação.

– É só por alguns dias. Não estão tão bagunçados assim os arquivos.

– E eu farei hora extra. Já estou vendo e já sinto saudade de Edith.

– É bom ter essa saudadezinha. – murmurei, olhando para ele acusatoriamente.

– Porque acho que está me castigando, Malu?

– Não sei. Diz você.

– Ihhh, ela te contou. – Igor riu e Pablo ficou vermelho.

– Bem, se ele contou pra você, óbvio que ela podia me contar também.

– Eu vou arranjar algo pra fazer. Tchau vocês.

Pablo se afastou constrangido e eu fiquei chocada ao vê-lo vermelho. Nunca imaginei que ele ficaria assim. Era esquisito. Essa história com Edith talvez me arrancasse algumas risadas. Olhei para Igor e então ficamos os dois um olhando pra cara do outro. E eu respirei fundo, analisando minhas palavras anteriores. Burra, burra, burra! Praticamente atestei que sentia... ér... ciúmes de Igor. E fui totalmente contrária a minha decisão de simplesmente parar de continuar aceitando que ele fizesse parte de mim vida.

– Como Edith está lidando com essa complicação de Pablo? – ele quebrou minha linha de pensamentos, parecia sorridente e satisfeito com tudo isso.

– Está histérica, é claro.

– Ele está confuso. – ele deu de ombros, divertido. – Não sabe como agir.

– Como assim?

– É fácil pro Pablo ter apenas uma noite com uma garota e dar uma enrolada básica nela. O problema é que ele está na fase Malu da coisa.

– Fase Malu?

– É, fase de negação.

– Ai. Isso doeu imensamente. Estou terrivelmente magoada. – ironizei e ele riu alto, a risada reverberando pelo corredor.

– Ele gosta dela... Só não admite.

– Isso vai dar uma bela confusão.

– Maior que a nossa?

– Não... De jeito nenhum. Ninguém nos supera.

– Ficamos felizes ou tristes com isso?

– Antes da vodka tristes; depois da vodka muito felizes. – ele gargalhou novamente e eu ri junto, contagiada pela sua risada, que me deixou em alerta.

– Levar você aquele bar foi a melhor ideia que eu tive.

– Idiota... – cruzei meus braços, desconfortável.

– Pois bem... Tenho que trabalhar e você, é claro, me ajudar.

– Oh droga.

– Consequências do ciúmes. – ele cantarolou, mas não tão animado quanto estaria em um dia normal. Ele estava tenso e não estava tão sorridente. Os ombros estavam curvados e as mãos nos bolsos mostravam seu desconforto. Ele queria dizer algo. Eu sentia isso.

– Não tive ciúmes.

– Tsc tsc, ainda na mesma fase Malu, Malu?

– Vamos de uma vez. – revirei os olhos, começando a andar.

– Antes, espera... – ele segurou meu braço e contato me fez corar. Ele pareceu surpreso e soltou meu braço, me virei. Ele colocou as mãos nos bolsos novamente, me olhando sério. – Qual o problema de ser eu a ajudar Daniela?

– Já expliquei, precisamos de você em outro lugar...

– Me poupe das suas enrolações, Malu, por favor. – ele disse rispidamente e isso me assustou. Há quanto tempo que eu não ouvia sua voz dessa forma? Anos? – Aquele banana do seu ‘noivo’ engole essas coisas, mas não acho que eu possa também. Por quê? Não apenas isso. Porque é tão difícil me desculpar? O quão está disposta a me ver sofrer? Está me castigando, não é? Pelas dores passadas.

– Eu só...

– E se eu me machucar demais, Malu? E se eu não conseguir voltar pra você? Você vai se casar com Victor e deixaremos de nos amar? Será que isso é possível? Será que vale tanto a pena sacrificar... não sei... sua felicidade só pra me fazer ficar tão ferido quanto você acha que ficou?

– Estou me sentindo meio Google. Quantas... ér... Perguntas.

– Não faça piada, esse papel é meu. – ele sorriu de leve e eu senti meu coração pesar.

– Igor, eu... Não sei. Você não está certo. Não quero que você sofra. – Ou eu queria? Queria me vingar? Queria que ele sofresse? Eu teria me tornado tão mesquinha assim?

– Tem certeza? Você vai ficar um bom tempo na fase Malu, Malu. Será que eu estarei errado se dizer que simplesmente estou cansando de assistir isso? Que eu também já sofri bastante e só quero... Não sentir como se... Como se todo dia quando você voltasse pro seu apartamento pra dividir a cama com aquele babaca fosse como aquele dia que você me deixou? Você não faz ideia de como foi pra mim. Não faz a mínima ideia e... Sabe. Melhor eu só... ir embora...

Ele virou as costas, a expressão atordoada, e dessa vez fui eu quem agarrou seu braço, o fazendo parar. Ele virou, confuso. E eu senti minha garganta apertar. Soltei-o e ele me olhou curioso.

– Espera... Eu... Não quero ela aqui. – baguncei os cabelos com as mãos. – Pronto, respondi sua pergunta.

– Ela é competente e bem legal. Sério.

– Não a quero aqui... – balancei a cabeça, irritada comigo mesma.

– Por quê? É só uma garota.

– Igor, como você se sente quando Victor está perto de mim?

– Você acordou sádica, é isso? – ele pareceu irritado mais uma vez e eu me senti péssima por isso. Logo, Igor... sempre tão brincalhão. – Porque hoje você está impossível.

– Não, é que...

– Sinto como se pudesse matá-lo. Só pelo fato de ele tentar tocar em você já me faz sentir raiva. É absolutamente... Doloroso. Dói não ter o direito de batê-lo. Afinal, não é culpa dele você não querer ser minha. Mas isso não anula nem um centésimo da minha raiva. – Seu tom de voz me fez arregalar os olhos.

– Então... Sabe que não porque não quero Daniela aqui. – mordi o lábio me xingando internamente. Confessando a Igor como me sentia, fazia com que eu me entendesse um pouco. Sozinha eu não pensava, evitava pensar. Mas aqui, ao lado dele... Tudo fluía.

– Só que eu não tenho um compromisso com ela, Malu. É essa a diferença. – ele disse rapidamente. O tom de voz rouco e tremido. – É pior pra mim do que pra você. Estou pagando... Pelas vezes que você me viu com Ceci.

– Estou fazendo tudo errado, não é? – coloquei a mão trêmula na cabeça, fechando os olhos. – Todos me olham como se eu estivesse fazendo algo errado.

– Olha... Não cabe a mim dizer o que você está fazendo errado. Mas todos tem direito de errar, Malu.

– Só que... E se não me perdoarem? E se eu perder tudo? – falei rapidamente, me assustando com minhas próprias palavras. Era disso que eu tinha medo? De perder tudo? Mas como eu podia ter medo de perder tudo quando eu nem sabia o que esse ‘tudo’ significava. Seriam meus restos de sentimento para com Igor? Meu relacionamento com Victor? Eu só queria respostas.

– Sempre irão te perdoar, Malu. Sempre...

– Eu estou perdendo você para ela. Acho que não percebo que vocês andam...

– Eu saí com ela algumas vezes. – ele me interrompeu, dando de ombros. – Noites de folga. Por isso que eu sei que ela é legal.

– Você está saindo com ela? – Não pude conter meu tom indignado e chocado. Edith havia comentado que Igor andava saindo com alguém em suas folgas, mas eu preferi não acreditar. Porque era... errado demais.

– Você me jogou fora e Daniela está querendo os restos. – ele deu de ombros, seu semblante triste. – Você não está competindo. Você apenas não me quis mais. É assim que as coisas funcionam agora. E não fui eu que escolhi isso.

Ele virou as costas dessa vez para mim. Me deixando lá. Sozinha... Eu tinha conseguido. Provavelmente, Igor nunca mais iria atrás de mim. Eu podia ver sua mágoa. Podia ver minha mágoa refletida nele. E assim como eu, ele procurara outros braços para ao menos... se sentir aquecido. E eu não podia julgá-lo. Tudo isso era o que eu queria no começo. Era só o resultado do que eu tinha plantado. Era o resultado. E para minha infelicidade, tinha um gosto terrível de abandono.