Bad July escrita por SorahKetsu


Capítulo 6
Pensamentos




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Eles a seguiram à distância durante um tempo. Achavam que talvez Sabrina pudesse fazer qualquer coisa que envergonhasse Nina ou lhe causasse uma má reputação. Mas a garota se limitava a exibições na piscina e shorts curtos jogando vôlei – esporte que Nina nunca suportou. Isso já era suficiente para envergonhá-la, mas não o bastante pra superar as verdadeiras ‘vadias’ do colégio, o que lhe daria má reputação.

Ninguém questionou sobre quando Nina voltaria, mas achavam que quando dormissem, no dia seguinte ela estaria de volta, e Sabrina estaria esquecida para sempre. Exceto que, no dia seguinte não a encontraram. Tinham prova de Matemática e começavam a se preocupar. Julia, companheira de quarto de Nina, disse que dormira sozinha. A garota sequer voltou pro quarto naquele dia.

- E por que raios não ligou dessa vez? – brigou July, lembrando-se que na última noite quase foram mortas.

- Ela pode fazer o que quiser da vida. – disse Julia, como uma boa samaritana – Se quer farrear, ela é livre para isso, e eu não sou ninguém pra impedir. – fez uma voz de quem realmente queria que a ‘amiga’ fosse livre, mas que na verdade escondida um simples ‘foda-se’.

Os quatro preferiram não responder. Em silêncio, se afastaram.

- Ai, menina insuportável. – reclamou Dean, passando a mão nos cabelos. – Quem ela pensa que é?

- Calma, gente, não aconteceu nada. – disse Lua – A gente vai achar ela. Antes da prova.

July não estava tão certa, mas preferia acreditar que sim. Nina, ou Sabrina, quem quer que estivesse naquele corpo, deveria ter voltado pro quarto. Não havia muitos monitores durante a noite nos corredores, era bem verdade, mas depois da meia noite, as câmeras de segurança ligavam automaticamente. E qualquer aluno visto perambulando era expulso do colégio. Uma regra rígida o suficiente pra expulsar sonâmbulos. Esses que tranquem as portas e deixem a chave num lugar que, dormindo, não conseguirão encontrar.

Mas Sabrina sabia disso? Fazia alguma ideia de quais eram as regras naquele colégio? Ou talvez a pergunta correta fosse “ela se importava?”. Tinha um mínimo de preocupação com a verdadeira dona daquele corpo? Conheciam Nina, mas não conheciam Sabrina.

A hora não demorou a passar. Sete e meia da manhã teriam prova de Matemática. Não podiam simplesmente deixar de ir para procurar Nina, ou Sabrina, quem fosse. Podiam apenas esperar que ela chegasse. Mas ninguém tinha esperanças que a exibicionista Sabrina estivesse planejando fazer uma prova.

Sentaram-se um atrás do outro, como normalmente faziam, encostados na parede esquerda da sala. Logo a sala toda estava cheia, com exceção de duas pessoas.

Nina e Michel.

Sete e quarenta e cinco, e ninguém aparecia.

July se levantou. Colocou as mãos na cintura e olhou para os demais.

- Quem mais acha isso muito estranho. – e ergueu uma das mãos.

Dean foi o primeiro. Lua ficou de mão abaixada. Mike deu de ombros e também ergueu a mão.

- Gente, a tal da Sabrina disse que ia pegar o Michel pela Nina. E ela conseguia atrair qualquer pessoa. – disse Dean.

- Não acho que isso se aplique a alguém como o Michel. – protestou Lua.

- Ela beijou o Max! – disse July.

- Correção – disse Dean –, o Max a beijou. O que é ainda mais absurdo.

- E se ele gostou dela, sei lá? A gente não sabe isso. – sugeriu Lua.

- O Max não gosta dela. – disse Dean, quase irritado – E nem ela dele. Ela sempre achou o Max estranho.

- Mas gente, como pode uma pessoa do nada se apaixonar por outra? – disse Lua.

- Ah, e como pode umas criaturas bizarras perseguirem a gente do nada? – protestou Mike – Como pode alguém ou alguma coisa entrar nesse quarto com uma luz forte feito o Sol e quase cegar a gente?

- Tem coisas bizarras acontecendo, e não seria muito pior se a Nina tivesse ganhado uma dupla personalidade com o poder de atrair qualquer pessoa. – disse July.

- Tá, então a Nina passou a noite com o Michel? – perguntou Lua, achando aquilo absurdo – Gente, pensa, é o Michel!

Dez pras oito, os alunos começaram a sair da sala, e só os quatro ficaram. Alguém foi atrás da diretora pra procurar Michel.

- E também não justifica o atraso. – lembrou Lua – Eles podiam passar a noite juntos, mas nada impede que saiam na hora.

- A Nina não poderia ser vista na sessão dos professores. Provavelmente estão tendo dificuldades com isso. – ponderou July.

- Ainda acho que tem outra explicação. – Lua cruzou os braços.

- É isso ou foram ambos devorados por uma criatura medonha. – disse Mike.

Foi quando viram os alunos voltando pra sala, um a um, lentamente e sem nenhum ânimo. A ideia de que o professor tinha ficado doente e não viria aplicar a prova animara a maioria, e pela expressão de cada um, Michel havia chego, com uma saúde invejável.

Os quatro se esticaram pra ver se era o professor mesmo, e quando confirmaram, passaram a procurar por Nina.

Ela estava logo atrás dele, com a mesma roupa do dia anterior, sem os óculos para a miopia, mexendo muito os quadris ao andar. Com isso concluíram que ainda era Sabrina. Nina ainda estava presa em algum lugar dentro daquele corpo.

Ela sentara-se longe do grupo, então ninguém conseguiu perguntar nada até o fim da prova. Aliás, acabaram o mais rápido possível, pra evitar que a garota saísse antes deles e a perdessem de vista mais uma vez.

- O que aconteceu? – perguntou July, quando conseguiu reunir todos em volta dela, num banco de um corredor pouco frequentado – Por que não dormiu no seu quarto?

Ela sorriu, e July sabia que ela sorriria. Aquele jeito irônico e desprezível de sorrir.

- Passei a noite otimamente bem ao lado do Michel. Aliás, ao lado, em baixo, em cima…

Os quatro franziram o cenho, com nojo.

- Você e o Michel…!? – Lua era a mais espantada, talvez por ser a única que não acreditasse nisso até então.

- Querida, eu não sou a Nina. – ela a lembrou – Se bem que ela vai se lembrar muito bem de tudo isso quando voltar. E vai me agradecer, o Michel adorou.

- E quando isso vai acontecer? Quando ela vai voltar? – perguntou Dean.

- Quando eu quiser. – disse Sabrina, espreguiçando-se – Mas por enquanto, o corpo é meu, e eu vou ser uma Nina muito melhor do que a anterior. As pessoas vão gostar muito mais de mim, e vocês também. – deu uma piscadela e se levantou, dando as costas para eles e já indo embora. – Começando por aquele Max.

Foi quando Dean explodiu.

- Você não vai! – bradou Dean, e a segurou pelo pulso – Não vai transformar a Nina numa vadia, você não tem esse direito!

Os quatro, incluindo Sabrina, estavam perplexos. Nunca viram Dean tão nervoso.

- Calma, querido. Se quiser pode ser o próximo da lista. – ela se limitou a sorrir.

- A Nina não gosta do Max, o que você tinha pra fazer por ela, já fez, já pegou o Michel, agora deixa ela voltar!

- Eu posso fazer você se ajoelhar aos meus pés com uma simples palavra, sabia? – e tentou se soltar da mão de Dean, sem sucesso, deixando-se levar pela raiva.

- É, talvez você possa, mas a Nina de verdade não precisa disso pra conquistar ninguém, você nunca será melhor que ela, nunca vai chegar nem aos pés.

Sabrina havia parado de tentar se libertar. Agora simplesmente o encarava, muda e escondendo ira por trás dos olhos verdes.

- Nina jamais teria conseguido o que consegui com Michel.

- E o que você conseguiu com ele? Enfeitiçá-lo, ou sei lá o que é isso que você faz. Você não conquistou ninguém! Nina faria exatamente a mesma coisa se tivesse esses poderes.

A mão de Sabrina começou a tremer. Os outros três apenas assistiam o momento tenso. A garota loira fechou o punho e baixou a cabeça, ficando daquele jeito um tempo, antes de poderem ver uma lágrima em seu queixo.

- As pessoas deviam gostar de mim. – ela murmurou. – Todos deviam gostar de mim.

- Gostávamos. Quando era a Nina. – disse Dean, com desprezo.

Sabrina cerrou os dentes e tirou o cabelo do rosto. Então, num movimento brusco, soltou-se da mão de Dean e o empurrou forte o suficiente pra que caísse no chão. Depois pôs-se a correr.

Eles se entreolharam. Dean bufou e se jogou sentado no banco.

- Ai, que menina idiota.

Os outros ficaram em silêncio, sem dizer nada, e ainda ouviam o choro de Sabrina se distanciando pelos corredores em burburinhos e soluços. Ninguém sabia o que dizer. Só Dean não pensava mais em dizer nada, pois ainda se mostrava irritado e plenamente satisfeito de ter dito tudo que disse.

Mike era o mais incomodado. E também foi o único a admiti-lo, quando se levantou e ficou olhando na direção que Sabrina fora.

- Acho que… exageramos um pouco. – disse Mike – Ela deve estar mal.

Dean já não gostava de Mike.

A verdade era que os dois conviviam, mas não se falavam. Mike não entendia bem o por que, mas aceitava de qualquer forma. As outras também não reclamavam, contanto que isso não afetasse a amizade dos cinco como um todo, e assim se seguia. Mas quando Mike se levantou pra ir contra a bronca de Dean, sabiam que uma guerra começaria.

- Dane-se se ela está mal, ela é uma vaca. – Uma barreira havia sido quebrada. Há cerca de um ano, Dean não falava com Mike diretamente.

- Ela é nossa amiga. – Mike retrucou, e quase riu quando Lua e July encolheram os ombros, prevendo a briga – Ela não merecia isso.

- Aquela garota não era a Nina. Ela merecia isso e muito mais, e se ela aparecer aqui de novo eu repito. – disse Dean, cruzando os braços – Se não gostou vai lá defender ela.

- Não precisa falar. – Mike assumiu um tom sério que poucas vezes usava. – Eu vou.

Mike deu às costas a eles e correu.

Já não bastavam criaturas bizarras. Agora brigas.

Mike correu por vários corredores, procurando por Sabrina em cada sala que passava. Chegou a abrir uma ou duas em aula, e então olhou no relógio, tentando ver quanto tempo tinha até a próxima aula. Não mais que trinta minutos. Continuou correndo, sem a encontrar em nenhuma das salas daquele andar. Não sabia se descia ou subia, e acabou descendo. No corredor principal, que circundava a escola toda e dava vista para o pátio, parou para procura-la por lá, até vê-la dentro da piscina, de shorts – provavelmente o que usava para jogar vôlei – e um top. Ela mergulhava freneticamente, e tremia o queixo quando subia. Não era uma manhã muito quente, ventava bastante, e não passava das dez horas. A água ao seu redor brincava de tempestade, mas ela ignorava o frio e os olhares dos demais a estranhando.

Mike desceu as escadas até lá e se aproximou devagar. Parou na borda da piscina, de pé.

- Nina, o que está fazendo?

A menina nadou até a borda e o encarou com raiva. Os olhos verdes imóveis enquanto a boca se mexia e tremia de frio ao mesmo tempo.

- Eu não sou a Nina!

Mike se ajoelhou do lado dela, com uma expressão paciente, apesar da raiva que ela expressava. Agora parecia um adulto lidando com uma criança. Mike tinha dessas. De ser um garoto extremamente alegre e risonho, e então querer ser o rapaz responsável que a mãe o ensinara a ser.

- Eu sei. Mas as outras pessoas não deveriam saber.

Ela bufou irritada. Devia estar realmente muito triste pra esquecer o exibicionismo e a pose, e assumir um estado de raiva.

- Eu não sou a Nina. – ela insistiu.

- Eu sei, a Nina não estaria nadando pra esconder lágrimas.

Sabrina encolheu os ombros, os dentes tilintando de frio, mas os olhos verdes já não mais expressavam raiva.

- O que veio fazer aqui? Dizer que a Nina é melhor que eu?

- Eu acho bastante confuso que vocês dividam o mesmo corpo, mas ficou claro que são bem diferentes, independente de quem é melhor. E sai dessa água, vai pegar um resfriado.

Sabrina engoliu o choro e apontou uma tolha numa cadeira. Mike a pegou e a estendeu pra que a garota saísse. O short colado nas coxas, completamente empapado, e as costas curvadas, agarrando-se à tolha, tremendo enquanto Mike a levava até uma das cadeiras ao redor da piscina. Ele sentou-se ao lado dela, molhando-se um pouco, sem se importar.

- Eu não queria ser odiada assim. Eu não queria irritar ninguém. – ela choramingou.

Sabrina parecia depender constantemente de atenção, de olhares. Precisava ser o centro do mundo. Precisava de aprovação.

- Eu sei. – disse Mike – Mas você tem que entender. Você está no corpo de outra pessoa. É confuso às vezes. Sempre, aliás.

Sabrina olhou para o garoto. Ele a abraçara para aquece-la. Ainda tremia de frio, e ainda mais quando ventava demais, mas parecia ter acalmado sua fúria e sua tristeza ali. Ele lhe deu um beijo na testa e continuou calado.

“Eu gostaria que você gostasse de mim” ela pensou “Sem usar meu poder”.

Mike a encarou, um tanto quanto assustado. Ele sabia que a garota não tinha exatamente dito aquilo, mas ouvira. Com uma clareza estranha, um som em alta definição ecoando nos confins de sua mente. Era como tinha se sentido ainda ontem, quando pensou ter ouvido July falar sobre ser perseguida pelos monstros.

- Sabrina? – ele a chamou – Me faz um favor?

Ela o encarou com dúvida, mas fez que sim com a cabeça.

- Pense em um número. – ele pediu – Qualquer número.

“Trezentos e noventa e sete” ela pensou.

Mike a encarou, assustado. Ela olhou em seus olhos. Pelo jeito, dessa vez, ela também percebera algo de estranho.

- Diga-me – ela pediu, pausadamente – que não sabe o número que eu pensei.

- Trezentos e noventa e sete. – ele gaguejou pra falar.

Sabrina tapou a boca com as mãos, e Mike começou a respirar alto, assustado.

- Eu… leio pensamentos?


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