Bad July escrita por SorahKetsu


Capítulo 5
Sabrina




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- Eu estava na sala de aula – explicou Nina, pausadamente – quando o Michel chegou pra usar a internet.

Eles estavam numa área verde do colégio, todos os cinco, amedrontados demais sobre o que tinha acontecido para fazer qualquer piada sobre Nina e Michel na mesma sala, sozinhos.

- E ele não te mandou pro quarto antes do toque de recolher? – perguntou Dean, inconformado.

- A gente perdeu hora – explicou Nina – e quando fomos olhar o horário, já era dez horas.

Mike estava na iminência de soltar qualquer piada. Incluía Nina e Michel se divertindo demais para perceberem que horas eram. Mas a amiga tinha um olhar único de medo, que ele ainda não tinha visto nela. Em July tornara-se comum, mas Nina era orgulhosa demais pra expressar esse tipo de sentimento. Então ao vê-la tremer logo de manhã pra dizer que tinha algo a falar, decidira que era sério e que não devia brincar.

- Tá, e aí? – perguntou Dean.

Lua estava sentada ao lado de Dean no banco, olhando para um formigueiro pequeno no pé de uma mangueira. O olhar perdido e quase hipnotizado a tirava da conversa quase totalmente. July já tinha lhe dito o que havia acontecido na noite anterior.

- Aí eu estava voltando pro quarto quando a July apareceu correndo. – Nina fez gesto para que a amiga dos cabelos cor de fogo continuasse a história.

- A Julia ligou pro nosso quarto. – disse July. Os quartos do internato tinham um telefone como que de um hotel, para comunicação entre os dormitórios – Disse que a Nina não tinha aparecido ainda. Então eu e a Lua tiramos no par ou ímpar pra ver quem ia procura-la.  Eu perdi.

- Acho que isso é bem óbvio. – riu Mike.

- Tá, tá, e aí? – perguntou Dean, curioso.

- Daí eu estava no corredor dos dormitórios quando vi uma coisa se mexendo no fim do corredor. Fiquei parada um tempo, esperando pra ver se ia se mexer de novo, se era só impressão. Não vi nada então virei as costas e ia continuar quando aquilo começou a me perseguir e eu desci as escadas e encontrei a Nina. De início achei que fosse qualquer outra coisa, estava escuro. Mas aí ela falou e eu reconheci a voz. Continuei correndo, e aí nós duas começamos a fugir.

- A gente deu umas duas voltas no corredor principal com aquilo atrás da gente. Tinha um rosto humano e umas pernas assim – Nina contorceu os braços em posições estranhas para mostrar – e andava na parede.

- E no teto. – acrescentou July.

- Daí eu peguei um extintor e joguei.

- A coisa mordeu. Ou arranhou, sei lá.

- E o extintor explodiu. – terminou Nina.

- Nossa. – Dean moveu a cabeça pra trás, impressionado, talvez um pouco assustado.

Os cinco ficaram sem falar nada um tempo. As duas que contaram a historia tentando entender as expressões dos amigos, dando um momento para que eles a processassem. Lua continuava olhando para o formigueiro quando se pronunciou.

- A gente vai fazer alguma coisa?

- Fazer o que? – perguntou Dean – O que a gente pode fazer contra essas coisas?

- A gente devia comprar armas. – sugeriu July, que gostava demais de todo o tipo de armamento.

- Ah, claro. Porque todos nós temos licença pra ter armas, inclusive dentro desse colégio. – ironizou Nina.

- Armas de chumbinho. – explicou July – Qualquer um pode comprar.

- Qualquer um maior de idade. – disse Mike – Não rola, July. – explicou, paciente – A gente não tem idade nem pra comprar arma de chumbinho.

- Além do que, uma coisa que furou um extintor de incêndio não deve morrer com balas de chumbinho. – disse Nina.

As armas que July se referia eram armas esportivas, com chumbinho perfeitamente capaz de perfurar a pele humana. Mas ela mesma não sabia se ia machucar aquelas criaturas.

- E mesmo que a gente mande alguém comprar – disse Lua, com o olhar desviando do formigueiro e voltando aos demais – e a gente conseguisse enfiar dentro do colégio escondidos, um único tiro e iam vir ver de onde veio.

July concordou. Portar armas dentro do colégio, mesmo que fossem de chumbinho, podia ser extremamente perigoso. Não mais do que ficarem desarmados.

- A gente devia contar pra alguém. – disse Mike – Contar pra diretora.

- Ah, claro, perfeitamente razoável. Hey, pessoas, olhem, tem umas criaturas bizarras perseguindo a gente. Vocês nunca viram, mas acreditem. – zombou Nina, levemente irritada.

- E por que só a gente? – perguntou Lua – Por que essas coisas estão atrás da gente? Será que ninguém mais viu?

Estão atrás de mim” pensou July, mas não tinha motivos reais nenhum pra achar isso, só sua imaginação egocêntrica.

- Por que? – perguntou Mike, olhando para July.

- Não sei. – July deu de ombros – Por que eu saberia?

- Ué, você é quem está dizendo que estão atrás de você. – disse Mike.

July franziu o cenho, e seus lábios arquearam quase num sorriso, mas a expressão era de estranheza.

- Não, não estou.

- Você acabou de dizer…

- Não, não disse, Mike. – negou July, quase assustada.

O garoto deu de ombros, e a discussão voltou para o ponto em que Lua havia dado a opinião.

- Gente, primeiro aquela luz. – disse Dean – Pensa. As criaturas começaram a aparecer depois que teve aquela luz.

- Eu lembro de ver alguém saindo do quarto naquele dia. Depois da luz. – disse Mike.

- É, eu lembro também. – concordou Nina.

- Então alguém aqui no colégio está fazendo essas coisas acontecerem? – indagou July.

- É a Anna, aquela estranha. – riu Lua.

Nina sorriu, sem rir, mas Mike caiu no riso, torcendo o corpo pra trás. Dean também riu.

- É, vai falando aí. Depois é ela mesmo e a gente morre por isso. – riu July.

- Geeente. – chamou Nina – Sério agora. Precisamos achar um jeito de lutar contra essas coisas.

- Mas a gente nem sabe como elas morrem. – disse Dean.

- Sabemos que elas pegam fogo depois de morrerem. Talvez fogo também as mate. – disse July.

- A última criatura que atacou vocês também pegou fogo? – perguntou Mike.

As duas fizeram que sim. Então o grupo ficou em silêncio. Sem dizer nada, eles pensavam em formas de atear fogo a elas sem queimar o colégio todo, sem chegar a nenhuma conclusão.

Os cinco se assustaram e seus corações quase saíram pela boca quando Johanna, a garota puritana que o colégio todo admirava pela fofura e doçura, apareceu, com uma cestinha delicada e decorada com um lenço quadriculado em vermelho e branco.

- Olá pessoal. – ela disse, sorrindo e segurando a cesta a frente do corpo, com as duas mãos – Estou distribuindo biscoitinhos, alguém quer um? – ela abriu a cesta e exibiu os biscoitos cobertos com chocolate.

Eles se entreolharam e deram de ombros. Cada um pegou um, e se surpreenderam ao perceberem que era incrivelmente bom.

- Obrigado, Johanna. – disse Mike.

- De nada. Eu adoro fazer biscoitinhos.

Ela saiu saltitante, pra se aproximar de outros estudantes perto da quadra de basquete.

- Gente, eu odeio essa menina, mas ela faz uns biscoitos muito bons. – disse Dean, comendo.

- Você que é gordo. – zombou Nina.

- Ai, dane-se. – disse Dean, e continuou comendo.

A conversa tinha sido interrompida de vez. Eles não voltaram no assunto anterior, e não faziam ideia do quão próximos da verdade estavam.

Isso ia lhes custar caro.

Mas a chance de voltarem a discutir sobre aquelas criaturas se distanciou ainda mais quando Nina viu Michel se aproximar da piscina num short de banho. Estava extremamente longe, e mesmo a menina sendo míope, conseguiu reconhecer o professor.

- Ai, gente, para tudo. – ela se levantou e começou a andar. Os outros tiveram que segui-la.

- O que aconteceu, Nina? – perguntou Mike.

- Michel. Na. Piscina. – ela começou a aumentar a velocidade.

- Aff!!! – disse Mike, inconformado, e parou de segui-la.

Dean parou de andar tão rápido, mas continuou seguindo. Lua parou e ficou ao lado de Mike, rindo. July também achava o professor bastante bonito, então seguiu.

Nina passou do lado da piscina como quem não queria nada, acompanhada dos outros dois. Desviou o olhar depressa quando percebeu que ele olhara pra ela.

Passou reto, atravessando a área das quadras e da piscina, sentando-se num banco mais distante. Dean e July ao lado.

- Ontem ele falou que não tem relacionamento nenhum. – disse Nina, olhando-o de longe – Como pode isso?

Os outros deram de ombros.

- Ele é professor de matemática. Faz as pessoas chorarem. – disse July.

- E por falar nisso, tem prova amanhã. Considerando que não vão achar nenhum extintor com defeito. – lembrou Dean.

- Nina, todo mundo tá vendo que você quer ir até lá. Vai e conversa com ele. – disse July.

Por instantes, Nina pareceu tomar coragem. Mas por fim, quando se levantou, foi para voltar ao quarto. July e Dean ficaram por lá.

- Ele é bonito mesmo. – disse Dean.

- É.

- Acha que a Nina está mesmo apaixonada? Quer dizer, de verdade?

July deu de ombros.

- As vezes parece que sim.

Os dois ficaram algum tempo conversando, e o assunto acabou voltando pra criatura que perseguira July.

Isso consumiu pelo menos quinze minutos, tempo suficiente para que os dois se assustassem ao ver Nina saindo do vestiário com uma canga na cintura e um biquíni bastante pequeno.

E não foram só eles que olharam, já que a cena era bastante incomum. Nina pertencia aos mais ‘excluídos’. Era bonita, mas não popular, e certamente não era o tipo de garota que frequentava a piscina com trajes de banho tão pequenos. E não obstante, Nina rebolava enquanto caminhava, usando um óculos de sol grande, passos firmes, e a mais perfeita pose de modelo. Era outra pessoa. Uma pessoa exibicionista que simplesmente não parecia a amiga.

Nina passou pelos amigos, ignorando os olhares pasmos. Tirou os óculos e sentou na beirada da piscina, pondo os pés na água. Mike e Lua chegaram logo em seguida, de boca aberta. Lua rindo e perguntando se Nina havia virado uma vadia de uma hora pra outra. Sentaram no banco em que Dean e July estavam e tentaram chamar Nina, mas ela sequer se virou.

Ela olhou para Michel, que não a tinha visto até então. O professor ficou olhando alguns segundos, tentando entender a cena, até que se aproximou como se tivesse um imã em seu corpo. Parou ao lado das pernas de Nina, sorrindo.

Dean, Mike, July e Lua se limitaram a um engasgar de espanto.

De onde estavam, não conseguiam ouvir sobre o que conversavam, mas Lua começou a bater a mão na perna de Mike com força quando reparou que Michel tocara-lhe a perna muito rápido.

Michel era o tipo correto de professor. O tipo que valoriza os alunos que vão bem e inferniza os que vão mal. O tipo extremamente ético ao que dizia respeito a alunas vestindo decotes pra conseguir nota. Uma pessoa correta até demais, e seus olhos jamais desviaram para qualquer atributo feminino de aluna alguma do colégio, mesmo quando as mais bonitas e disputadas se jogavam em cima dele. Algumas por um cinco no boletim, outras meramente para dizerem que ‘pegaram’ o Homem de Ferro. Porem Michel nunca, absolutamente nunca retribuíra qualquer faísca de olhar. Nem pelas que eram maior de idade. Nem pelas que iam visita-lo depois de formadas. Nunca. Até aquele momento.

- Gente, o que está acontecendo aqui? – perguntou Dean.

Antes que alguém conseguisse falar, Nina se levantou, segurando o óculos. O colocou de volta, deu às costas à piscina, deixando Michel a sorrir na borda, apoiado no piso molhado. Passou pelo grupo sem nem olhar pra eles. Tiveram de correr até ela.

- Nina, o que diabos foi aquilo, sua vadia? – perguntou Mike, rindo. Aquilo não era xingamento, de forma alguma.

- Nina? – ela riu – A Nina ficou no quarto, chorando.

Lua foi a primeira a erguer as mãos como quem não tinha entendido, para em seguida rir.

- Heim?

- Nina ficou no quarto. Não sejam idiotas. – ela continuava andando, e eles nem sabiam pra onde.

- Ah, claro. Incorporou o demo no corpo agora? Saia deste corpo! – brincou Mike.

- Eu não sou um demônio, mas poderia ser. – ela disse, e sorriu para eles.

- Nina? – July diminuiu os passos – Nina, olha aqui. – ela segurou o braço da amiga.

- Calma, July, ela só tá brincando. – disse Mike.

- Com tanta coisa acontecendo, eu não duvido mais de nada. Tira os óculos, Nina.

Nina sorriu. Jogou o quadril de lado, apoiando-se melhor na perna esquerda, e então tirou os óculos.

Seus olhos tão profundamente azuis-piscina, estavam no mesmo tom, exceto que verdes.

- Eu posso estar enganado – disse Dean – mas seus olhos não eram azuis?

- Os olhos da Nina certamente são azuis. – disse, por incrível que pareça, Nina – Mas eu não sou ela.

- Usar lente de contato fez o Michel gamar em você? – perguntou Mike.

- Nossa, vai ter uma onda de meninas de olhos verdes agora. – riu Lua.

Mas July não ria. Nina a encarava, desafiando-a a fazer uma pergunta mais audaciosa.

- Quem é você? – July perguntou.

Nina, ou fosse lá quem fosse, sorriu. Sorria demais. Muito mais do que a Nina que conheciam, e com ironia e desprezo.

- Sabrina. – ela respondeu.

Os demais olharam pra ela, procurando mentira, agora um tanto quanto confusos.

- Isso é sério? – perguntou Lua.

Um silêncio se fez. A tal ‘Sabrina’ continuava a sorrir, e só se mexeu pra trocar a posição dos quadris.

- O que fez com a Nina? – perguntou July.

- Ficou chorando no quarto por um amor platônico que nunca ia se realizar se eu não entrasse em campo. – deu uma piscadela.

- Quem exatamente é você? – perguntou Dean, se sentindo idiota por perguntar à amiga quem era ela.

- Eu sou uma segunda personalidade plenamente consciente das minhas capacidades. – ela respondeu, aparentemente orgulhosa.

- Capacidades? De vadia? – perguntou Mike.

- Capacidades especiais de domínio. Ou conquista, como quiserem chamar, mas o que eu faço não tem nada de natural.

- Calma, espera. – disse Dean, levantando as mãos – Explica direito. Você não é a Nina?

Sabrina imitou o som de uma campainha de programa de auditório de perguntas e respostas, sinalizando uma resposta correta.

- Nina subiu pro quarto pra chorar escondida. Eu perguntei se ela queria mesmo pegar o Michel. Ela respondeu que sim. Não foi exatamente uma conversa, foi mais como uma auto-interrogação. Eu sou o resultado disso, e como bônus, tenho uma habilidade muito especial.

- Habilidade?

Sabrina sorriu novamente e olhou ao redor. Avistou Max sentado num banco na beirada do campo de futebol, esperando sua vez pra jogar. Max era o garoto mais bonito na opinião de muitas alunas, com raras exceções que não valiam a pena serem citadas.

Sabrina colocou o óculos e fitou Max por poucos segundos. Mike achou tê-la ouvido sussurrar. Dean ainda estava perdido e nem viu por que a amiga se calara. Até ouvi-la.

- Max encantarte.

O som foi quase como um suspiro, uma palavra em forma de água que vazou de sua boca quase fechada. Então a garota pôs-se a andar novamente, rebolando, até chegar ao garoto e tocar seu ombro.

Era visível. Max, que nem sabia o nome de Nina, ou sequer reparara em sua existência até então, de repente, levantou-se em desespero e a beijou.

Dean quase guinchou de espanto.

- Ela não é a Nina. – disse Mike, agora sem rir, e espantado.

- Alguma coisa está seriamente acontecendo nesse lugar. – disse July.

Dean deu as costas e saiu, aparentemente incomodado demais pra permanecer no lugar. Os outros mal perceberam. Lua deu a impressão de ter medo, mas não chegou a demonstrar. Sabrina – e agora tinham certeza que não era Nina – passou por eles de volta, ignorando-os novamente.

- Se isso vale de alguma coisa – disse Lua, olhando a amiga passar – eu prefiro a versão old.


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