Marina não suportava a presença de Kate em qualquer lugar da casa. Não a odiava por ela, era a atenção excessiva que Logan dispensava, e já não tinha mais a companhia dele como de costume, exceto em seus momentos íntimos.

Era domingo. Havia se passado um mês desde a chegada de Kate, e Marina não trocou nenhuma palavra com ela exceto duas ou três essenciais.

Kate estava na sala e pela primeira vez Logan saiu sem ela. A pedido de Roby, foi visitar uma obra em andamento.

_ Tenho que ir com ele, - dizia Logan ao se despedir de sua filha – se não ele pode achar que não quero mais ajuda-lo, e eu não tenho desculpas para não ir.

Quando Marina se aproximou Kate ficou tímida e ela notou.

_ E então, papai não está aqui hoje... – falou sorrindo, mas com sarcasmo.

Mas Kate ainda não conhecia o sarcasmo.

_ Ele saiu com o tio Roby.

_ “Tio Roby”... Você sabia que seu “tio” está chateado com seu pai?

_ Por quê?

_ Por que você acabou tomando todo o tempo dele. Antes de você chegar Logan e Roby estavam sempre trabalhando juntos e ganhavam bem mais dinheiro. Sabe com o que eu estou preocupada? – Kate só ouvia, olhando por baixo – Que logo nosso dinheiro acabe e então ele vai nos levar à falência. E daí, adeus cursos e mordomias. – ela deu um sorriso cínico – O que você acha disso?

_ Eu não sei, meu pai nunca me disse nada!

_ E nem vai dizer, a menos que aconteça. O que quero dizer, Kate é que você precisa ser mais independente de seu pai. Diga a ele que pode ir e voltar sozinha dos seus cursos, e que sabe se virar sem ele. Basta ele lhe dar o dinheiro necessário.

Marina queria persuadi-la para que devolvesse a ela o direito de estar com seu marido, Kate não entendia aquilo, já que ela não era direta. Mas Kate sabia bem o que queria.

_ É que eu gosto de ficar com ele. Sabe, desde que minha mãe me deixou lá naquele internato eu queria tanto ser diferente, e não me importar se ela ia voltar. Mas, você sabe o que é sentir medo de tudo e pensar que não tem ninguém no mundo pra te proteger? E ver outras crianças com seus pais, todo fim de semana, ganhando beijos e abraços deles de uma só vez? Eu sei que não sou mais criança, mas eu nunca tive meu pai adotivo perto de mim, e ele morreu antes de termos chance de estarmos juntos. Nem imaginei que fosse encontrar o meu verdadeiro pai! E agora estou tão feliz que quero ficar o tempo todo com ele.

Marina não sabia o que dizer diante daquela declaração. Se convenceu de que Kate era inofensiva, e não conseguiu mais vê-la como antes. Imaginou a vida que ela devia ter levado sem o afeto da mãe.

_ Eu entendo, Kate. Bem, esqueça o que eu falei. Sei o que significa uma mãe na nossa vida.

_ Você tem mãe?

Marina sorriu e Kate correspondeu.

_ Claro! Todos nós temos. Ou tivemos, como é o seu caso e o meu.

_ Sua mãe... morreu também?

Ela ficou sensível. A pergunta a levou ao passado quando chorava a morte de sua mãe aos 20 anos.

_ Sim. Ela tinha problemas no coração, e um dia dormiu... e não acordou mais. Eu tinha vinte anos, e mesmo assim não entendia por que ela me deixou. Que egoísmo, não é? – Kate viu uma lágrima rolar de seu rosto, e também chorou um pouco – Ela foi tudo na minha vida, e de repente... Com licença, Kate.

Marina foi para o toalete. Há muito tempo não pensava naquela fase de sua vida. Entendeu então por que Kate estava tão apegada a Logan, se ela mesma se apegou a seu pai quando ele lhe restou.

Quando voltou à sala, Marina sentou-se novamente e Kate olhava atentamente para ela , como se quisesse ouvir mais dela.

_ Kate, eu quero que me desculpe por ter ignorado você quando chegou. Eu só estava com um pouco de ciúmes.

_ Tudo bem. Mas você está certa, Marina. Eu preciso aprender a ser independente. – Marina se surpreendeu – Meu pai é bastante ocupado, e às vezes deixa de fazer alguma coisa só para ir me buscar. Eu não quero que Roby e ele briguem um com outro, e não quero que ele deixe você sozinha também.

­_ Eu? – perguntou surpresa.

_ Eu sei o que é não ter uma mãe. Você também não tem, e eu não quero que fique triste como eu ficava.

Marina sorriu para ela. Não sabia se agradecia ou se explicava que sua situação era diferente, que Logan era seu marido e não pai. Mas entendeu finalmente o que Logan disse, que ela era muito inocente.

Antes que ela dissesse algo, Logan chegou.

Kate teria corrido para os braços dele como fazia quando ele a buscava na escola. Mas quis mostrar a Marina que faria o que disse. Apenas olhou para ele e o cumprimentou.

_ Olá, papai! Como foi lá?

_ Foi bem, querida. Olá Marina! – estranhou que as duas estivessem ali, juntas.

Marina então se levantou e o beijou.

_ Boa tarde, meu amor. Kate e eu estávamos conversando.

Logan nada entendeu.

Quando o dia acabou e Marina já estava dormindo, Logan foi ao quarto de Kate. Não se conformava por ela ter ficado afastada dele durante todo o tempo, desde que ele chegou. Achou que Marina podia ter dito algo que ela não gostou. Não quis perguntar para a esposa.

_ Papai! Onde está Marina? – ela perguntou pela fresta da porta.

_ Não vai me deixar entrar, querida?

_ Você nunca entra!

De fato, ele nunca se arriscava ficar com ela a sós em seu quarto. Mas daquela vez era diferente.

Estranhamente naquela noite, Marina o tratou como há tempos não fazia, estava feliz e atenciosa. Embora tivesse sido muito bom para ele, era estranho também. Pois estar longe de Kate o deixava insatisfeito.

Kate abriu a porta e ele entrou pedindo que ela fechasse. Depois a conduziu até a cama e se sentou com ela, bem próximo.

_ Eu queria saber o que houve, por que eu não vi você na sala e você passou o resto do dia aqui dentro.

_ Não foi por nada, papai. Eu só estava vendo umas coisas aqui nos meus livros.

_ Quer dizer que estava lendo seus livros?

_ Estava... Eu li um pouco.

_ Kate, estou notando que você está mentindo. O que foi que Marina e você conversaram hoje? Não minta pra mim!

_ Ela me contou que a mãe dela morreu também.

_ E daí?

_ Que ela se sente sozinha também! Eu estou sendo egoísta de querer que você fique sempre comigo e se esqueça dela. Ela deve sofrer como eu sofria.

Ele fechou os olhos por uns segundos e suspirou.

_ Ela disse isso a você?

Não... Quero dizer, mais ou menos. – Logan se levantou, estava indignado – Não fique bravo, papai!

_ Eu quero que você me diga exatamente o que ela falou.

Kate nunca o viu nervoso. Quando estava com Kate, Logan estava feliz o tempo todo. Sentia um prazer que nunca experimentou em sua vida. Ela o fazia feliz ao mesmo tempo que satisfazia seu ego. Mas Logan não percebeu que Kate estava virando uma obsessão para ele.

Obediente, ela contou exatamente o que conversaram.

Embora Logan tivesse percebido que a conclusão de que Marina precisava de mais atenção viera dela, e não da própria Marina, ele se indignou por sua mulher ter dito que eles poderiam ir à falência.

_ Não fique bravo com ela, papai! Ela se enganou, depois me pediu pra esquecer...

_ Mas você não esqueceu! Ficou longe de mim! Como quer que eu me sinta?

Achando que amenizaria a situação de Marina, Kate o fez sentar-se novamente e o abraçou colando seu rosto com o dele.

_ Olhe, eu estou aqui agora. Não fique chateado!

_ Oh, Kate!

Logan beijou seu rosto quantas vezes pôde e a apertava contra si. Quando sentiu que estava passando dos limites ele parou e disse que ia dormir.

_ Amanhã vou levar você ao zoológico.

_ Que bom! Eu te amo, papai!

Ele saiu rapidamente de lá. Ficou em sua roupa o cheiro do talco que ela usou depois do banho para dormir. Para que Marina não notasse, ele tomou outro banho, sentia seu corpo tão tenso que quase não conseguiu dormir.

No outro dia, quando Kate já estava pronta para ir ao zoológico, Logan recebeu uma ligação de seu contador pessoal. Ele precisava mostrar alguns papeis que deveriam ser assinados naquela hora.

_ Mas você não pode deixar para amanhã, Pontes?

_ Não senhor Logan. Não sei se o senhor se lembra, mas eu disse que ia viajar amanhã cedo, e o senhor me disse que eu podia ligar se precisasse. Esses papéis serão necessários amanhã. Não se esqueça que é uma viagem de negócios.

_ Está bem, eu vou esperar por você aqui.

Logan não queria que Kate fosse sem ele ao zoológico, e disse que poderiam adiar para o próximo final de semana. Mesmo triste, ela concordou até que Roby chegou e Marina deu a ideia de ele levar a sobrinha ao passeio.

Sem contestar, ele pediu que Roby fosse, mas que voltasse logo.

Roby e Marina percebiam o cuidado excessivo de Logan com Kate, mas não questionavam mais. Roby era o único que sabia sobre a verdade, mas apenas interpretava a atuação do irmão como pai protetor.

_ Não se preocupe, papai, eu vou cuidar bem de Roby!

Disse Kate sorrindo para seu tio, e Logan sentiu um ciúme forte que o fez virar o rosto. Justificou seu mal humor dizendo que Pontes havia arruinado seu domingo.

Quando Kate saiu com Roby, Logan aproveitou para falar com Marina sobre o que disse para Kate.

Eles discutiram muito, pois Logan pensava que Marina estava colocando Kate contra ele. Suas palavras de desprezo e íra fizeram com que ela o ofendesse também, mas ele só queria que Kate ficasse lá, então contornou a situação pedindo perdão a ela.  Ele a elogiou pela noite que tiveram e a seduziu para o quarto.

Logan estava descontrolado, sentia isso, pois suas atitudes eram sempre em prol de estar com Kate sem interrupção ou intromissão de alguém. Enquanto Kate continuava vivendo seu “conto de fadas” tendo a atenção dele e seus desejos realizados, ele fazia tudo que podia para manter Roby e Marina coniventes com a situação, manipulando a todos. 

Então seis meses se passaram.