Anne Bergerac: As Portas Da Contradição escrita por Ana Barbieri


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Obrigada pelas reviews e continuem acompanhando...



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Capítulo 8

 _ HOLMES! – acordei de um salto. Só me lembro do som do tiro e de Sherlock Holmes recebendo a bala em meu lugar. Salvou minha vida... Ele salvou minha vida. E estava certo ao dizer que pagaria uma promessa, eu o fiz prometer que entraria na minha frente caso alguém estivesse com a arma apontada para mim... Será que não percebeu que eu estava apenas brincando?! Agora deveria estar desabilitado por minha causa. Consciente disso, mas, ainda assim, morrendo de felicidade por poder dizer que ele salvara minha vida.

        _ Senhorita Bergerac! Oh, minha criança... Graças a Deus está bem! – enquanto a Sra.Hudson me deixa sem respiração com um abraço bem apertado de mãe, apenas uma coisa vem a minha cabeça.

        _ Preciso vê-lo...

        _ Como disse minha querida? – não respondi, saltei da cama em um pulo e me desviando dos braços da Sra.Hudson, corri para o quarto de Holmes. Contudo, a nossa governanta era insistente. – Anne Bergerac você estava desacordada, está fraca! Quer fazer o favor de voltar para o seu quarto?! – não mesmo! Não até ver o estado em que ele estava... Oh, se aconteceu alguma coisa eu nunca me perdoarei.

        Cheguei ao vão da porta e a abri com toda a força que reuni, poderia tê-la derrubado. Watson estava sentado ao lado de um detetive adormecido. Estava retirando a bala, um processo delicado e que exigia máxima concentração. Tanto que a minha entrada teatral não roubou a atenção dele. Fechei a porta atrás de mim e a tranquei, para que a Sra.Hudson não me tirasse de lá. Caminhei até o lugar onde John estava e me sentei aos pés da cama, olhando Holmes dormir.

        _ A senhorita não deveria estar deitada? – a voz dele não tinha um tom de reprovação, mas sim de contentamento. Eu sorri ao respondê-lo.

        _ Queria saber como ele estava... Pensei que... – aqui a minha voz baixou. Não poderia suportar vê-lo morto, não me deixaria... Quero dizer, não nos deixaria tão cedo.

        _ É preciso mais do que isso – ele disse me mostrando a bala, agora retirada do braço dele – para tirá-lo de nós. – sorri. Watson fazia o curativo agora. Deixou a bala suja de sangue em cima do criado mudo. Observei-a. Estava suja de sangue. A cena do incidente invadiu minha mente outra vez. Deixei uma lágrima escapar dos meus olhos.

        _ O que foi? Está triste por estar devendo uma a ele?

        _ Por que ele fez isso? Poderia ter morrido... Oh meu Deus Watson, eu não suportaria... Só de pensar eu... .

        _ Anne o pior já passou. Não deve ficar remoendo isso. – eu enxuguei as lágrimas e assenti. – Agora, você deve voltar para o seu quarto e descansar.

        _ Não... – o silencio no quarto era tamanho que minha voz soou como um pio baixo de um pássaro.

        _ O que...?

        _ Por favor Watson, deixe-me ficar. Não conseguirei fechar o olho até vê-lo desperto. Por favor, deixe-me ficar. É tudo que eu lhe peço.

        _ A Sra.Hudson não...

        _ Não vou ser retirada daqui nem por ela, nem por você, se ousar. – ele riu.

        _ Está bem. Pode ficar. Se ele acordar...

        _ Eu chamarei. – respondi fazendo sinal para ele sair e me sentando na cadeira ao lado de Holmes.

        Fiquei olhando-o dormir. Quem só o vê assim, pensa que é um santo. Mesmo sabendo que ele às vezes é muito arrogante, não posso deixar de pensar que talvez ele seja até um santo. Se não, teria me deixado morrer. Ele sorri enquanto dorme. Um sorriso de vitória, só gostaria de saber o porquê. Dando uma olhada pelo quarto, percebi o tão amado violino, deixado de lado em uma cadeira. Me levantei e o segurei.

        Um segredo meu, que nunca revelei a ninguém, nem mesmo para meus pais e que talvez venha à tona agora. Eu toco violino. Desde os 15 anos de idade. No meu antigo bairro, onde morei antes da morte de meus pais, havia um menino que tocava o violino perfeitamente. Eu o observava todos os dias, me deliciando com o som suave, até que um dia, passei por uma loja de instrumentos e comprei um violino com o dinheiro que pedira para meu pai, com o pretexto de comprar vestidos. Cheguei em casa e me certifiquei de que minha mãe e meu pai haviam saído e corri para o meu quarto, sabendo que era à hora de o meu vizinho praticar.

        Tocava durante todo o tempo que meu vizinho tocava. Comprei livros sobre teoria musical, livros de partituras e surpreendentemente aprendi a tocar sozinha, apenas observando meu vizinho. Minha mãe não gostava muito de música tocada no violino, então, para disfarçar, eu sempre toquei no mesmo horário que o meu vizinho e sempre a mesma música. Quando ele se mudou, abandonei meu hobby e assim que meus pais faleceram, ainda querendo que aquilo continuasse sendo segredo, queimei o violino.

         Contudo, as notas, os sons, a sensação do toque das cordas permanecia intacto em minha cabeça. E ultimamente, vivendo com Holmes e observando o talento que ele possui para compor suas próprias peças, sabe, venho fazendo a mesma coisa. Os sons das notas vinham a minha cabeça, guardadas pela lembrança de uma época feliz. Era uma música calma, uma meditação, como o clima de Baker Street. Percebendo que toda vez que olhava para Holmes, com quem eu passava mais tempo discutindo, ele estava pensando, achei que algo meditativo seria um ótimo tema. Só que, veio o problema... Todos os arranjos, sempre me pareceram compatíveis com ações dignas de Sherlock Holmes, fosse uma risada, um suspiro, um olhar de reprovação.

         Quando dei por mim, não podia negar, estava compondo para Sherlock Holmes. Sempre foi interesse meu, saber como ficaria a melodia no violino. Seria minha chance agora. E se ele não gostar quando me vir com o violino dele, bem, uma discussão a mais não fará diferença. O posicionei e comecei a tocar. Estava melhor do que eu pensei. Não aquela coisa chata que vinha a minha cabeça. Algo elegante, fino, imponente... Pomposo.

          _ Anne...? – me virei assustada. Ele havia acordado e estava recostado a cabeceira.

          _ Holmes! Vou chamar o Watson. – larguei o violino imediatamente e caminhei até a porta.

          _ Não vai não. Venha aqui. – ele não parece zangado. Sorte minha. Ou talvez seja o fato de não poder discutir comigo com a mesma vivacidade, nas condições atuais de inválido. Enfim, eu obedeci e me sentei na cadeira ao lado dele.

          _ O que foi? Se é pelo violino, eu juro que nunca mais colocarei as mãos nele, sequer olharei para ele.

          _ Há quanto tempo você... Toca violino Anne? – relatei ao Holmes tudo que disse a vocês anteriormente, exceto a parte da música composta para ele. E assim que eu terminei, ele pareceu encantado. – Por que queria que permanecesse em segredo? Não há nada de errado em...

          _ Eu sei. Fui tola. Não pensei direito na hora. Acho que só queria me livrar de tudo que me lembra-se aquela casa. Diminuir a dor das lembranças, sabe?

          _ Entendo. – de repente ele sorriu para mim, não o sorriso de escárnio ao qual estou tão acostumada, mas um sorriso de compreensão que quase não recebo. – Gostei muito da música que você estava tocando. É sua?

          _ Sim. Tem estado na minha cabeça há pelo menos uns três meses. Foi a primeira vez que a toquei.

          _ Tem nome?

          _ Na verdade, pensei no nome enquanto tocava. – eu me segurei. Se eu dissesse qual era o nome, ele perguntaria o porquê e eu não quero amaciar o ego dele, fazendo-o pensar que olhava demais para ele.

          _ Não vai me dizer?

          _ Acho que vou deixá-lo se roer de curiosidade, só para variar. – ele riu, mas continuou a me fitar. – Certo. Chama-se “O Pomposo detetive”. – Holmes sorriu e segurou minha mão.

          _ É um ótimo título. Não sabia que reparava tanto em mim, a ponto de compor uma música. As notas ficaram muito boas, só acho que pode, já que a música é minha, caprichar mais nos arranjos do meio. Deixá-los mais grandiosos. Use mais sis. – eu ri baixo. Sabia que isso iria acontecer. – Acho que Watson conseguiu resolver isso. – ele olhava para o braço enfaixado.

          _ Conseguiu. Obrigada.

          _ Apenas não me faça mais prometer entrar na sua frente, quando estiver prestes a levar um tiro.

          _ Vou tentar. Até porque, se um dia você morrer, será porque eu o matei por ser autoritário demais. – de repente a porta se abriu e Watson entrou, todo sorridente.

          _ Então, me avisaria quando ele acordasse.

          _ Ela bem que tentou meu amigo. Eu que não pude me privar da companhia dela.

          _ É John, você sabe como ele adora me irritar. Vou indo agora, com licencia. – disse saindo daquele quarto. Contudo, meu prazer por escutar uma conversa atrás da porta me fez esperar um pouco ali no vão. Não sabia sobre o que estavam falando, mas, com a porta entreaberta, pude ver Sherlock Holmes sorrindo, o mesmo sorriso triunfante que tinha nos lábios enquanto dormia.




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