O que se deve fazer quando sua melhor amiga
não para de chorar por causa da morte de um ciclope, eu pergunto. E então você
responde: “Não sei, nunca vi nenhum ciclope na vida”.

Bom, mas eu já vi. E eu tenho uma melhor amiga chorosa no banco ao meu lado, encarando com os olhos vagos a janela, como se esperasse que logo um ciclope fosse aparecer.

E esse nem era o pior. O pior era o Art, no banco do meu outro lado. Ele olhava para todos os lugares do ônibus, parecendo um maluco, como se esperasse que de repente um bando desesperado de empousas fosse aparecer.

Cristal não era um problema. Ela dormia profundamente, a cabeça encostada na janela e uma baba medonha escorrendo da sua boca. Pensando bem, talvez ela tenha morrido durante o sono…

Não! Não distraia sua mente, Alice! Você tem que se concentrar nessa missão!

Sinceramente, eu estava começando a achar que essas missões iriam nos matar.

Achei que o melhor era começar por Yasmin.

Coloquei a mão no ombro dela.

_Escute, Brontes morreu como um herói…

_Eu sei. – ela disse. – Cristal disse um monte de vez. Ele morreu para me salvar.

Nos salvar. Eu tive vontade de corrigi-la. Eu, Cristal e Art também estávamos lá. Mas vendo-a em estado também horrível, eu não disse nada.

_E-eu estava pensando em Christian. – ela confessou. – Se ele teria feito o mesmo.

O que eu podia dizer para ela? Eu não conhecia Christian. Eu não tinha ideia do que o garoto faria. Tudo o que eu sabia, era que ele tinha dois irmãos gêmeos, a quem odiava.

E com isso, eu me virei para Art, sem dizer mais nada para Yasmin.

_Está tudo bem?

_Está. – ele disse, olhando por cima do ombro para o final do corredor.

_Não tem monstros aqui.

_Nunca se sabe.

E os olhos azuis dele se voltaram para mim, me encarando. Vi a preocupação aparente neles.

_Depois de termos perdido Brontes. Não posso podemos nos dar o luxo de perdermos mais alguém.

Então ele se importava. Por mais que dissesse que odiava Brontes, ele se importava. Tinha ficado triste com a sua morte.

Ou será que estava feliz? Por não ter sido outra pessoa a morrer?

O quê? Eu nem sei da onde eu tirei essa ideia. Feliz com a morte de alguém? Não, o Art não era um psicopata, ele tinha sentimentos.

_Art?
Ele voltou a olhar para mim.

_Vai ficar tudo bem. Eu vou estar aqui com você.

Peguei a sua mão e a acariciei delicadamente, sorrindo fraco para ele.
Art sorriu de volta para mim, mas era um sorriso forçado, como que se ele estivesse tentando achar um motivo pelo qual sorrir.

***

Chegamos em Kansas City, onde depois pegaríamos um trem, mas, como ainda faltava alguma horas para o trem sair, resolvermos passear pela cidade. Art se ofereceu para roubar um carro, já que em alguns meses ele iria tirar a carta de motorista, mas a ideia foi recusada.

Estávamos passando em frente a uma lojinha que aparentemente vendia de tudo, quando a Cristal gritou que tínhamos que entrar lá.

Depois de discutirmos um pouco, acabamos entrando na loja, onde duas vendedora, uma de cabelos pretos e olhos cinza, e a outra de cabelos enrolados e ruivos e olhos de caleidoscópio, estavam debruçadas sobre um balcão, conversando aos sussurros e levantaram os olhos, animadas, quando nos entramos.

Eu estava com a leve impressão de que as conhecia de algum lugar…

Subitamente, me senti apaixonada por Art de um jeito que eu nunca tinha sentido antes. Ele era lindo, eu percebi. Lindo de verdade. Ele tinha o sol nos cabelos e o céu no olhar. Parecia um pouco abatido e talvez triste, mas não era assim sempre. Isso era culpa da ausência de sol. Ele tinha braços fortes e abdômen definido. E era alto. Incrivelmente alto. Perfeito…

Talvez percebendo que eu olhava para o Art, a vendedora ruiva riu e disse:

_Ele é realmente lindo. Cuide bem dele. – e então ela piscou para mim, recebendo logo depois uma cotovelada da outra vendedora.

A ruiva mostrou a língua para a morena.

_Vou te mostrar o que fazer com essa língua. – a morena sibilou.

_Calada, Ann.

Desta vez, Ann rolou os olhos.

_Sabe de uma coisa, Alice? Eu acho que você e o louro lindo são perfeitos um para o outro. – continuou a ruiva, com um suspiro.

_É meu último aviso, Edith.

A ruiva fez uma careta.

_Edith?

_Edith. – insistiu Ann.

Só pude concluir que Edith não gostava do nome.

Continuei a observar Yasmin e Cristal, que mexiam em discos velhos empoeirados, sem saber direito como, eu tinha certeza de que eram dos anos 70.

Edith e Ann continuavam a discutir aos sussurros. Aparentemente Edith queria fazer algo e Ann não queria deixar.

Mas alguns segundos se passaram até Cristal vir correndo até mim com um copo na mão.

_Ah! Será que nós podemos comprar isso? Por favor…

Certo, ou a Cristal tem algum probleminha mental ou ela tem algum probleminha nos olhos.

Bastava dar uma boa olhada para o copo para entender que ela precisava com urgência de tratamento médico.

Edith fez uma careta.

_Tem certeza, querida? Quero dizer, você não prefere algo mais assim? – ela pegou uma taça de prata onde estava gravado um desenho do um sol e uma lua.

_É prata de verdade? – perguntei.

Ann assentiu.

_Uau! – disse Cristal. – Quanto é?

_Ah, isso? Não precisa pagar. Podem levar, é toda de vocês.

_Tem certeza? –perguntei, impedindo Cristal de se atirar para cima da taça.

_Claro que sim, Alice. – confirmou Ann.

Lancei mais um olhar desconfiado para as duas vendedoras antes de pegar a taça e agradecer.

_Mas alguma coisa? – perguntou Edith.

_Não. – eu disse. – Já estamos indo. Obrigada por tudo.

Chamei Yasmin e Art e estávamos na porta, quando, de súbito, eu percebi uma coisa.

Eu não tinha dito como me chamava. Mas tanto Ann quanto Edith pareciam saber.

E Ann podia ser um apelido para Atena.

Edith, para Afrodite.

Aquelas eram as duas deusas, que tinham vindo ajudar-nos.

A taça devia ter um valor muito importante. Mas qual seria?