Carnage Coffee escrita por Ana Bela


Capítulo 4
Sobre Ervas e Chuva


Notas iniciais do capítulo

Nesse capítulo vocês vão comer meu fígado, mas tudo bem.
Boa leitura.



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- Sim, logo nesse momento da minha vida... Vou ficar uma semana por lá... – Suspirou, realmente não queria viajar.

- Ah, você volta então. – Comentou mais para si do que para o outro, sentiu certo alívio por dentro.

- Achou que eu não voltaria? – Perguntou rindo do comentário do outro, como se pudesse ficar longe de Londres.

- Ah achei que você seria transferido, sei que você trabalha num jornal grande e que têm filiais por vários países.

- Na verdade... Queriam que eu ficasse por lá, eu disse que iria passar uma semana lá, se eu gostar, eu fico.

- Ah sim... – Ken deu outra tragada no seu cigarro, se sentindo incomodado com aquela conversa.

- Só vou mesmo uma semana, não posso deixar meus pais aqui num momento como esse. – Respirou fundo, soltando pela boca aquela fumaça branca, depois soltando um leve sorriso. – E além do mais... Eu gosto daqui, eu gosto de todos os dias ir ao café.

- Que bom, sinal que minha comida e meu café são bons.

- Sim sim. – Seu sorriso ficou ainda maior, era estranho dizer coisas assim, nunca teve coragem de dizer, mas percebeu que conversar com alguém não era tão ruim assim. – Mas mesmo assim... Há dias no jornal parece que querem me matar logo de vez também... Está ficando impossível.

- Por que não arranja outro emprego? Você deve ter estudos, fica mais fácil. – Sugeriu se colocando no lugar do outro, era o que teria feito há muito tempo.

- Eu até gostaria, mas no momento que estou agora eu não posso.

- Entendi, por causa de tudo que aconteceu né?

- Sim, está tudo tão complicado... – Soltou um longo suspiro abaixando a cabeça, estava cansado daquilo tudo.

 - Não fica assim. – Colocou uma das mãos no ombro de Hyde como se fosse uma forma de tentar o consolar. – Eu sei que não posso fazer muita coisa, mas te ouvir acho que ajudaria...

Era tudo que Hyde precisava ouvir naquele momento.

- Obrigado... Sabe as coisas andam estranhas... Antes da morte de meu irmão, um dia antes para ser mais preciso, eu andava tão inquieto e não sabia o motivo... Desde então anda tudo difícil, não só para mim, mas também para meus pais, eles nem saem de casa mais, por dor da morte e o medo de acontecer algo, ele foi assassinado perto de casa... Meu trabalho parece que resolveu me massacrar de vez, nem tenho mais para respirar. Minha vida profissional e pessoal está um fiasco...

 O menor acabou dizendo tudo que estava sentindo nos últimos dias. Não aguentava mais sentir tudo aquilo, não aguentava o inferno que sua vida estava se tornando. Desde que seu irmão morreu as coisas estavam todas erradas, sabia que misturava muito o profissional com o pessoal, mas era algo que não conseguia evitar, afinal não é normal saber que um parente tão querido morreu, e ao mesmo tempo o trabalho cobrando mais.

- É, estamos passando por coisas parecidas meu amigo. – Ken comentou, mas sabendo que havia uma grande diferença, mesmo com problemas semelhantes Hyde chorava no luxo e quanto a si chorava ali, ansiando para voltar a sua terra natal.

Depois do desabafo de Hyde, Ken resolveu mudar de assunto, também ambos não iriam ficar eternamente lamentando da desgraça que estava a vida de cada um. A conversa de um ar pesado e melancólico foi se tornando leve e engraçada, conversavam sobre diversos assuntos e perceberam que tinham muito gostos em comum.

Hyde nunca pensou que um dia estaria na casa de um desconhecido, usando suas roupas e conversando tão comum, nunca gostou de conversar, nem com a família, e de repente tinha alguém para contar sobre sua vida.

Só depois de um longo tempo Ken foi secar as roupas de Hyde. Mesmo depois o mais baixo com suas roupas de volta e bem lavadas, ainda ficou para o almoço. Só foi embora no começo da noite porque no dia seguinte teria que ir para o jornal e teria que refazer o trabalho que no sábado tinha errado. Tinha a sensação de si mais leve, como uma pluma.

Na hora de ir embora, Ken acompanhou Hyde até fora do prédio, primeiro por o outro não conhecer nada ali, e segundo por ele querer passar mais um resto de tempo com ele, estava amando passar o dia com ele e não queria se despedir, mas não teria jeito e prolongar mais aquilo.

- Bem, então eu vou indo. – Hyde sorriu de leve encarando o outro. – Obrigado por tudo e desculpe o incômodo que lhe causei.

- Ok, e não agradeça, eu sei o quanto é difícil uma situação assim. Venha aqui mais vezes. – Correspondeu o sorriso de outro sem saber mais o que dizer.

- Realmente obrigado... Eu nunca havia conversado com alguém assim abertamente, e foi bom, porque foi como se um peso dentro de mim tivesse sumido.

- Eu sei bem como é isso, muitas vezes precisamos ter alguém para conversar.

- Agora eu vou realmente indo. Até mais.

-Até.

Ken observou Hyde indo para o outro lado da rua e seguindo para o lado esquerdo a passos muito rápidos que em poucos segundos já tinha perdido a visão do baixinho. Entrou no prédio percebendo que algumas pessoas ali o encaravam com um olhar diferente dos dias comuns.

 Ele até entendia nunca havia levado ninguém para o seu apartamento, na verdade quando chegou a Londres não fez nenhuma amizade, o seu único amigo sempre foi o pai e quando este morreu se sentiu totalmente sozinho.

Para Ken nenhum domingo havia sido tão diferente e especial em sua vida. Foi como um sonho conversou abertamente com Hyde e viu o quanto ele estava transtornado com a morte do irmão, mas também não era para menos, queria o ajudar o máximo que poderia então o ouviu e cada vez mais as palavras de Hyde traziam a nostalgia de seis meses atrás.

Entrou no apartamento vendo que a bagunça estava ainda maior, com tocos de cigarros espalhados por toda a sala e a bandeja do café da manhã ainda ali com os pratos sujos. Resolveu que iria organizar aquela baderna lembrando de todo o seu domingo.

***

Hyde quando já se viu próximo de seu apartamento diminuiu aos poucos a velocidade de seus passos, passou o caminho inteiro pensando de como seu domingo transcorreu. Foi diferente de todos os domingos que tinha vivido em Londres, não sabia se era bom ou se era ruim. Falou de sua vida para alguém! Um desconhecido até, mas naquele domingo frio, não tão mais desconhecido assim, o conhecido de vista, sabia seu nome, Ken, já não era qualquer um cruzando em sua vida.

Parou em frente aos portões negros do prédio procurando por suas chaves, as encontrou facilmente antes de sair do apartamento de Ken por sorte se lembrou que precisaria delas mais tarde.

Abriu sem presa e entrou sentindo o cansaço do dia, não era um cansaço como dos dias de semana quando voltava do trabalho, ou um cansaço mórbido como quando voltou do enterro de seu irmão, mas era um cansaço de que não sentia há anos, cansaço de quem havia se divertido.

Quando colocou os pés sobre o carpete vinho desanimou novamente. Não era bagunça de seu apartamento, estava tudo arrumado como sempre, mas era a maldita atmosfera que carregava. Resolveu esquecer, foi até a cozinha colocar o vidro com a erva que havia ganhado de Ken e foi tomar banho para tentar esquecer qualquer coisa que pudesse se machucar.

Após colocar uma roupa confortável olhou, procurou saber das horas, encontrou seu relógio digital jogado em alguma parte da sala e percebeu que ainda era muito cedo para ir dormir. Suspirou, ainda daria tempo de refazer aquele maldito trabalho, mesmo que não quisesse. Pegou as inúmeras folhas em cima de um dos sofás e as levou para o seu quarto refazer.

Quando começou a ler a maioria de erros que havia cometido, diferente do dia anterior começou a rir, logo passando para uma alta gargalhada.  Quando o ar realmente começou a faltar tentou se controlar logo parando. Parou para refletir. Por que estava rindo da própria desgraça? Nunca ria das burrices que cometia, pelo contrário, saia xingando céus e infernos por aquilo.

Estava de alguma forma diferente, e aquilo era graças ao seu domingo junto ao dono do café. Lembrou-se de quanto bem humorado ele era mesmo vivendo sob uma desgraça tamanha e nunca no trabalho se deixava abater. E ainda sim, lembrou-se de uma das frases que ele disse durante o almoço, para nunca chatear com coisas bobas e rir dela que seria a maneira mais fácil de resolvê-las. Involuntariamente havia feito isso.

Pensava seriamente se seria ruim aquilo, se influenciar por alguém que mal havia conhecido, mas abriu um pequeno sorriso, vendo que problemas poderiam ser encarados de uma forma menos pesada, diferente do que fazia uma vida inteira e cobrando demais de si mesmo por besteira. Concentrou-se e voltou a trabalhar se desligando do resto do mundo.

Hyde estava tão concentrado que as horas se passaram como minutos. Concertou tudo com calma e boa vontade, afinal de contas, por mais que não fosse o trabalho dos sonhos, ainda sim era onde trabalhava e não poderia fazer tudo de qualquer jeito, sempre foi tão organizado e dedicado ao jornal, não seria naquele momento que mudaria.

Na verdade havia mudado desde que teve que voltar para sua antiga casa por um motivo tão cortante para alma, mas depois de dias e após ter ganhado ajuda de Ken, havia voltado ao estado normal. Não seria fácil visitar os pais como antigamente, sabia disso, mas também não se martirizaria todos os dias por causa daquilo, era apenas caçar o maldito assassino e colocar atrás das grades.

Espreguiçou-se logo olhando para outro relógio digital ali em cima da escrivaninha vinho, faltavam uma hora e meia para ir dormir e havia terminado tudo a tempo. Lembrou-se que deveria preparar o chá de valeriana e foi isso o que foi fazer.

Demorou alguns minutos preparando o chá e quando terminou se sentou em uma das cadeiras de sua mesa da cozinha e esperou que o líquido esfriasse um pouco. Olhava profundamente para dentro da xícara e via o brilho da lâmpada da cozinha refletindo ali.

Passou alguns minutos pensando em diversos assuntos quando finalmente resolveu beber seu chá, bebeu de uma vez não estava com paciência de apreciar o gosto lentamente como fazia com café.

A sensação quente tomou conta de si, levantou-se da cadeira e colocou a caneca na pia vazia. Agora bastaria esperar, algo que Hyde não gostava muito. Aliás, nunca gostou de esperar qualquer fosse a circunstância, as investigações sobre a morte de seu irmão então nem se fala! Sua ansiedade por mais que não aparenta é muito grande parecia que todas as vezes que recebia notícias que a situação estava na mesma, era como se uma agonia enorme corresse pelo seu corpo.

Voltou para o quarto, preparou tudo para o dia seguinte, escovou os dentes e quando não tinha mais nada a fazer se deitou esperando o sono. Bastaram dez minutos refletindo novamente para que o sono chegasse e o fizesse cair num sono profundo sem sonhos, sem pesadelos apenas aquela profunda escuridão confortante.

***

Hyde acordou atrasado e saiu de casa como um foguete. Era a primeira vez na vida que tinha se atrasado e não sabia como reagir com aquilo. O chá realmente funcionou a ponto de que pudesse dormir tanto que perdeu a hora. Estava atrasado meia hora e não sabia como encarar os colegas de trabalho.

Corria pela calçada como um louco e pouco se importava como as pessoas olhavam para si. Chegou ao jornal banhado em suor, tentou se recompor antes de entrar, aparentemente havia dado certo. No elevador não tinha ninguém dos dias habituais porque provavelmente já estava cada um fazendo o que deveria fazer.

Foi rapidamente para sua mesa e ignorando os olhares de deboche que lançaram sob si. Fechou a chata cortina que todos os dias lhe atrapalhava e começou a trabalhar. Nada mudou em Hyde, continuava o mesmo frio de sempre com os colegas e não dava a mínima para isso e foi até pior quando alguns ainda vieram até sua mesa fazer piadinhas sem graça com motivo de seu atraso.

No horário do almoço não fez como nos dias anteriores, saiu para ir até o café, se ficasse trancado novamente no jornal seria pior para si, só lembraria-se de momentos ruins e toda aquela sensação sombria voltaria assombrar. Andava tranquilo pelas ruas olhando para o chão e sentindo o sol um pouco frio. Londres sempre parecia frio em qualquer época do ano, pelo menos para Hyde.

Chegou ao café, entrou e foi para o seu lugar favorito. Quando Ken notou a presença de seu cliente favorito ali, abriu um leve sorriso que pela primeira vez foi correspondido por Hyde, mesmo que foi um meio sorriso ainda sim foi um sorriso. Resolveu ir o atender e quem sabe até puxar assunto.

- Olá – Aproximou-se vendo o outro agora com a face indiferente de sempre.

 -Boa tarde. – Respondeu encarando o outro e batendo os dedos na mesa.

- Como você está?

- Eu estou melhor do que semana passada.

- Isso é bom. E você fez o chá que te falei?

- Fiz sim. – Novamente sorriu. – Funcionou bem, dormi sem ter nenhum pesadelo e até acordei atrasado para o trabalho hoje.

- Ah, eu te disse que funcionaria. – Acabou rindo. – Meu pai sempre dormia muito quando tomava o chá...

- Entendo... – Hyde percebeu que aquela conversa estava tomando rumo muito pessoal, e aquilo não era bom ali. – Bem vou querer o de sempre.

- Está bem, logo estará pronto. – Logo em seguida e saiu de perto.

Hyde agora olhava para fora da janela, como sempre observava o mundo exterior, sentia-se como nos dias normais, antes o dia daquela tragédia, era como se lentamente pouco a pouco seu cérebro estivesse acostumando com a ideia que de que uma pessoa morta não voltaria nunca mais à vida.

E boa parte daquilo devia ao dono do café que lhe serviu de um ombro amigo quando precisou desabafar, o acolheu mesmo sem saber ao menos o nome do cliente, simplesmente o ajudou. Pensou que pessoas assim só existiam em livros.

Ken sentia como se Hyde estivesse diferente, conversava diferente sem ser frio, claro que considerava o domingo que passou com o baixinho, mas é como se ele estivesse mais calmo de quando o viu nos dias passados, até o inchaço dos olhos havia sumido.

Ficou em dúvida se foi realmente a conversa que os dois tiveram durante uma tarde de domingo ou o chá de valeriana que havia acalmado Hyde. Mesmo que ele estava com a mesma face de nervosismo no rosto, mas sabia que por trás daquela máscara de alguém frio e pouco caso, se escondia alguém sentimental.

Em poucos minutos Hyde viu o outro lhe trazer eu pedido. Estava mais interessado no café do que no alimento em si, já que de manhã saiu tão às pressas que nem havia tomado café, só no jornal, mas Hyde considerava o café do jornal um veneno fatal, o gosto era horrível.

Ken até tentou puxar assunto com o cliente novamente, mas chegou uma porrada de clientes e teria que os atender.Esperava ter mais tempo para conversar com seu cliente favorito, já sentia saudades de domingo. Não sabia explicar ainda o motivo de Hyde o fazer bem, estava feliz por ter criado uma amizade com ele finalmente, entretanto se perguntava todos os dias por considerá-lo tão importante assim, era uma pessoa normal, um cliente normal.

Hyde almoçou com pensamentos perdidos, agora pensava em mais nada, e era assim que gostava. Nem lembranças boas ou ruins, algumas vinham de relance, mas iam embora. Mas quando já quase terminava seu almoço pensou em sua viagem.

Não queria viajar, coisa chata. Só viajaria para tirar um pouco a mente do estresse e porque não queria ver as pessoas de seu trabalho. Mas não ficaria na Suécia mais do que uma semana, não poderia largar sua vida em Londres, ainda mais porque o jornal queria.

Terminou de dar o último gole no café já frio, deixou o dinheiro sobre a mesa e saiu lançando um último olhar para Ken que viu e abriu um pequeno sorriso. Caminhava lentamente sabia que estava ainda com tempo de sobra, correr só faria com que depois ficasse olhando a mesma paisagem enjoada da sua janela.

Hoje aquele sol frio não lhe incomodava tanto como nos outros dias, tinha mais coisa para se preocupar, sabia que aquela semana estava apenas no começo e demoraria a chegar o fim de semana para preparar suas malas para a viagem.

Queria que algo inesperado acontecesse na semana, algo realmente bom, como um avanço nas investigações. Nunca mais recebeu notícias sobre o assunto desde que deixou claro para chefe das investigações que queria coisas concretas e não lhe arranjasse mais dúvidas.

***

Hyde acordou pulando da cama, olhou a hora e soltou um longo suspiro de alívio. Pensou que havia se atrasado novamente, mas foi apenas impressão. O chá funcionou mais uma vez bem, só que Hyde com medo de acordar atrasado foi dormir uma hora mais cedo e deu certo. Faria isso todos os dias.

Arrumou-se com um pouco de sono, praticamente se arrasando por cada cômodo do apartamento, só acordou de uma vez quando jogou água extremamente gelada quando lavava o rosto. Pela primeira vez na vida queria voltar para cama, mas agora não mais fazia sentido, seu sono havia praticamente ido junto com a água pelo ralo da pia do banheiro.

Saiu de casa sem pressa, porém não pegaria elevador, sua manhã seguia normal, não precisava se tornar um porre pra arruinar o resto do dia. Desceu as escadas lentamente para não cansar tanto, era uma tarefa difícil, mas estava conseguindo. Chegou ao térreo respirando fundo para retomar a respiração normal.

O resto do dia foi normal para Hyde, ou pelo menos ele tentou o deixar normal. No horário do almoço, novamente, Hyde percebeu que Ken tentou puxar conversa, mas cortou, como da outra vez chegou um bando de clientes e Ken não poderia focar a atenção só no menor.  Mesmo Ken sabendo de boa parte e sua vida, este sempre agia indiferente porque sempre desconfiava que as pessoas a sua volta escutassem até suas batidas cardíacas e odiava profundamente aquilo.

De noite, quando Hyde chegou em casa a única coisa que queria era descansar. Após sair de um demorado banho preparou o chá o tomando fervendo mesmo. Passaram-se apenas meia hora e Hyde já estava em um sono profundo, tendo sonhos abstratos, mas nada que parecesse ruim, apenas normais.

***

O dia seguinte de Hyde foi o verdadeiro inferno da semana. Pensou que seria a mesma coisa de sempre, mas suas expectativas morreram quando chegou ao jornal. Tudo caiu sobre si novamente, reclamações, pessoas mais chatas do que o de costume, o sol parecia mais quente. Não aguentava ficar naquele ambiente. Lembrava-se de todo o momento daqueles dias em que estava mal e tudo caia sobre sua cabeça.

Saiu do jornal como um rojão para almoçar, na verdade estava extremamente sem fome, mas só queria sair daquele maldito prédio. Chutava pedras durante o caminho e queria apenas desaparecer dali.

Quando Ken viu Hyde entrar no café, notou que ele estava um pouco estranho, estava bufando mais do que o comum e sua face parecia de poucos amigos. Foi o atender, e suas suspeitas foram confirmadas quando ele foi extremamente hostil.

Não levou muito a sério, talvez alguma coisa deu errado na viagem ou coisa parecida. Hyde pediu apenas café. Quando levou o pedido nem puxou tentou puxar conversa que sabia que era gastar saliva de besteira.

Hyde quando chegou em casa de noite, saiu chutando tudo que via por perto, o resto do dia foi igual ou pior do que de manhã. Queria esquecer de tudo, queria esquecer de todos os problemas, queria apenas desaparecer daquele caos que novamente sua vida estava se enroscando.

***

Quinta-feira, Hyde se arrastava para sair de casa, temendo que acontecessem coisas piores do que o dia anterior. Sabia que em sua vida tudo aos poucos piorava até chegar a um ponto que explodisse. E de madrugada deu uma vontade súbita de saber como andavam as investigações. Queria que o dia passasse logo para que no período da noite pudesse saber de algo.

A manhã no jornal foi normal, nem boa ou ruim, apenas normal como Hyde estava acostumado a trabalhar, ouvindo pessoas fofoqueiras, os famosos piadistas sem graças, que no dia nenhum havia ido a sua mesa tirar uma com sua cara, os folgados. Pessoas que apenas por existir irritavam profundamente Hyde. Seu sonho era viver num lugar onde ninguém lhe enchesse tanto a paciência.

Não saiu para almoçar, não estava a fim. Estava chovendo. Quando faltava meia hora para sair dali começou a cair um temporal sobre Londres. Ficou sozinho naquele andar, adiantando trabalho e pensando no quanto bom seria talvez viajar um pouco, sair de perto dali, quem sabe até ficasse por lá. Não seria tão má ideia assim.

Mas quando se lembrou que tinha algo mais importante que pessoas importunas ali em Londres, sua vontade de ficar na Suécia foi para o ralo, vida maldita. Se pudesse, teria escolhido trocar com seu irmão e no momento estaria comendo terra e sabia que ele aproveitaria muito mais a vida.

No começo da noite Hyde saiu sem pressa, e tomou rumo diferente, não estava indo para casa. Andou poucos minutos pisando em pequenas poças d’água, ainda bem que a chuva tinha parado antes de sair do jornal. Nunca carregava um guarda-chuva consigo por achar incômodo e todas as vezes que chovia se arrependia.

Atravessou a rua vazia e viu que através da porta de vidro, o café estava vazio. Apenas com o dono limpando o balcão com o costumeiro sorriso no rosto. Hyde entrou silenciosamente e sentou em um banquinho em frente para o balcão como quando visitava o estabelecimento de madrugada.

Ken viu o seu cliente preferido entrar e sentiu-se bem por dentro. Ficou preocupado quando deu o horário do almoço e Hyde não apareceu por lá. Pensou milhões de coisas que poderia ter acontecido a ele, e eram coisas apenas ruins. Mas toda sua preocupação passou quando ele estava com o mesmo semblante de sempre o observando enquanto limpava o balcão.

- Olá, Hyde.

- Boa noite...

- Como você está?

- Hoje estou melhor... Apesar da chuva... Por isso não vim aqui no horário do almoço

- Entendo. Eu também não gosto de dias chuvosos, sempre são entediantes e todos cheiram a cachorro molhado. – Riu do próprio comentário, vendo que o outro não riu e estava parecendo um pouco preocupado. – O que foi?

- Desculpe... Desculpe-me por ontem no horário do almoço eu ter sido grosso com você. –Admitiu, por dentro estava um pouco mal por ter tratado o outro tão mal.

- Ora Hyde, não se preocupe com isso. – Ken abriu um sorriso gigantesco se sentindo feliz com a declaração do outro. – É normal, não é? Tem dias que não nos sentimentos bem e acabamos descontando em alguém sem querer.

- Você nunca desconta em ninguém...

- É porque eu trabalho com pessoas, né? Mas em dias assim quando chego em casa grito o quanto mais alto possível, mesmo recebendo reclamações dos vizinhos de que estou doido.

- Mesmo assim... Aquele dia você me ajudou tanto e depois te tratei daquele jeito...

- Está tudo bem... Mas me fala o que aconteceu?

- Aquele trabalho maldito... – Suspirou pesadamente olhando para as mãos em cima do balcão. – Lá está cada vez mais impossível...

- Entendo. Mas você vai viajar sábado, então será bom, vai ver outras pessoas, outro ambiente.

- É... Se eu pudesse ficaria por lá e nunca mais voltaria...

Ken ficou incomodado com a frase de Hyde, estranhamente não gostou daquilo. Ainda não sabia explicar exatamente por que sentia aqueles incômodos quando ele falava coisas assim, mas talvez fosse coisa da própria cabeça.

- É né... – Comentou querendo mudar de assunto. – Mas relaxa tá tudo bem sobre ontem. Eu imaginei que algo assim aconteceu.

- Obrigado. – Hyde abriu um sorriso sincero, sentindo um alivio por dentro.

- Vai querer algo ou veio só conversar? – Sorriu guardando o pano que usava para limpeza.

- Ah, eu quero café. Estou o dia inteiro sem ele, graças aquela chuva maldita.

Ken apenas riu e foi preparar o café de Hyde. Depois ficaram conversando sobre coisas aleatórias da semana e Hyde aos poucos foi tirando o peso que estava em suas costas de vez. Não sabia explicar, mas sentia como se realmente deveria pedir desculpas para o outro.

Uma parte dentro de si havia mudado, nunca foi de pedir desculpas, sempre muito orgulhoso, nem para os pais pedia desculpas. E de repente estava assumindo o erro e pedindo desculpas para o novo amigo.

Ken estava por dentro eufórico, só não poderia transparecer isso, se não Hyde poderia pensar que ele realmente era um completo idiota. Nunca pensou que um dia de chuva, após as gotas darem uma trégua seu cliente favorito chegaria ao seu café para pedir desculpas. Passaria a dar mais valor a dias de chuvas, talvez ele s não fossem tão ruins assim.


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Notas finais do capítulo

É isso, não me matem porque logo logo acontecerá algo para vocês me matarem com razão.
Último capítulo do ano, então feliz ano novo!