Manchas escrita por Juliiet


Capítulo 29
Capítulo 28


Notas iniciais do capítulo

Hey, gente, não tenho muito tempo porque preciso ir passear com os dogs, então vou correr aqui D:
Desculpem pela demora, mas eu tive que finalizar OAEC e tô cheia de provas/trabalhos e quase sem tempo pra respirar.
Capítulo dedicado às meninas que recomendaram a história *.* A Giovana, a Feeh e a Mandy. Muito obrigada *.*
Boa leitura :*



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   Gemi enquanto Paulo limpava gentilmente o sangue na minha testa com um algodão encharcado de antisséptico.

   – Desculpe – murmurou, vendo que eu me encolhia de dor.

   – Tudo bem – sinalizei para que ele continuasse.

   Nós estávamos na enfermaria da escola. Eu estava sentada em uma maca e Paulo estava de pé, na minha frente, limpando o corte na minha testa. O lugar estava totalmente vazio, já que todos os professores e freiras estavam dispersando a multidão de estudantes do refeitório e escoltando-os para seus respectivos dormitórios. Não eram nem sete da noite, no entanto, tudo estava envolto em escuridão lá fora; a chuva – que havia se tornado implacável, fustigando as janelas com violência – fizera com que ocorresse um apagão na cidade. Felizmente, a enfermaria era equipada com luzes de emergência – embora só uma estivesse de fato funcionando – que quebravam um pouco o manto negro que parecia envolver toda a escola.

   Segundo Paulo, só havia luzes de emergência na enfermaria, no refeitório, na sala da madre superiora e nos corredores dos dormitórios, embora nem sempre funcionassem.

   É, estávamos no fim do mundo mesmo.

   – Eu vou pegar quem fez isso – Paulo disse de repente, os dedos tremendo levemente de fúria. Eu não podia ver seu rosto, que estava mergulhado nas sombras, mas suspeitava que seus olhos estavam brilhando com um tom verde vivo de ódio.

   – Deixa pra lá – pedi, dando de ombros. – Tinha muita gente ali e você nem é mais monitor.

   Eu não entendia por que o garoto estava tão revoltado com aquilo se nem eu, quem mais deveria se importar, estava. Na verdade, tudo havia acontecido tão rápido que eu talvez ainda não tivesse pensado tanto sobre o assunto a ponto de me revoltar.

   Quando estávamos saindo do refeitório – depois que a madre superiora fez os policiais irem embora e liberou os alunos para os dormitórios – alguém decidiu ter a brilhante ideia de pegar uma das pedras que haviam sido usadas para quebrar as janelas do refeitório para quebrar a minha cabeça.

   Por sorte, a pessoa tinha a pontaria de um inhame e meus reflexos não eram de se jogar fora. A pedra só atingiu minha testa de raspão, cortando levemente a pele bem acima da minha sobrancelha.

   Paulo não deveria ter ficado tão insanamente furioso como ficou; a pedra havia machucado menos que as palavras atiradas contra mim. Mas ele parecia tão enfurecido que eu até senti medo pela pessoa que havia feito aquilo. Ele – ou ela – podia se considerar morto.

   Senti minhas bochechas esquentarem ao lembrar a maneira como o ex-monitor furioso me pegou no colo na frente da escola inteira enquanto eu implorava para ele não deixar a madre superiora chamar a ambulância de volta.

   Eu não saberia nem começar a explicar meu total pânico de hospitais.

   No entanto, ao ver que tudo o que eu tinha era um corte superficial – e um garoto demasiado super protetor achando que minhas pernas estavam ali só de enfeite – a madre superiora, que também estava furiosa como eu nunca havia visto, foi convencida de que não era necessário que os paramédicos voltassem e permitiu que Paulo me levasse à enfermaria e cuidasse de mim.

   Ela mandaria a enfermeira para ajudá-lo assim que as coisas se ajeitassem por lá, já que ela precisava de toda a ajuda que pudesse para conter aqueles estudantes que exigiam que eu fosse expulsa da escola.

   Eu me sentia uma espécie de Hester Prynne.

   Mas fiquei feliz que a madre superiora tenha feito Paulo e eu sairmos dali. Ela também deve ter sacado que não era nada sábio deixar o garoto ali, quando ele estava com aquela cara de quem está prestes a trucidar alguém.

   O algodão sujo de sangue foi jogado no lixo e logo um band-aid foi cuidadosamente colocado no meu ferimento. Os lábios de Paulo tocaram minha testa de maneira ainda mais delicada, para não me machucar, e eu fechei os olhos, sentindo todo o meu corpo relaxar com o carinho.

   – Eu não vou mais deixar ninguém machucar você – ele sussurrou, afastando meus cabelos molhados do meu rosto. – Você entendeu?

   Eu sorri um pouquinho com apenas um canto dos lábios.

   – Você não pode me proteger sempre – falei, encarando seu rosto sério.

   – Eu posso tentar.

   Eu sorri um pouco mais enquanto ele continuava sério. Então puxei-o gentilmente pela gola molhada do suéter que ele vestia e selei meus lábios nos dele, que ficou sem reação por alguns segundos. Porém, isso durou pouco e, com um gemido baixinho, ele colocou suas mãos na minha nuca e me beijou com vontade. Eu entreabri os lábios ao sentir a língua dele e soltei a gola do seu suéter, levando minhas mãos até seus ombros, apertando-os levemente.

   Eu já sabia – àquela altura – que estava completamente perdida. A grande surpresa era que eu não me importava realmente. Eu sabia que deveria me afastar daquele garoto, ir para bem longe, sair da vida dele. Mas eu não queria. E também sabia que não iria.

   Pela primeira vez em muito tempo, eu não guiaria minhas ações pensando no passado, pensando em me culpar, pensando que eu devia, que eu merecia sofrer. Eu iria ficar com Paulo pelo simples fato de que eu estava apaixonada por ele. Ele me fazia mal, mas me fazia bem. E era um prazer agridoce, uma suave dor misturada com prazer. Eu o amava. E queria pertencer a ele, queria que ele pertencesse a mim.

   Eu não fugiria disso. Não me privaria.

   Estava na hora de tentar ser feliz.

   Eu era má por pensar assim, depois de tudo o que já havia feito?

   – Eu amo beijar você – Paulo disse, parando de me beijar, mas ainda com os lábios tocando levemente os meus. – Eu amo o sabor da sua boca e amo como suas mãos tremem um pouco, sem que você note.

   – Idiota – murmurei, empurrando-o de leve, sem conseguir impedir que minhas bochechas ficassem quentes e vermelhas.

   Ele finalmente sorriu para mim, mas eu tive pouco tempo para admirar a beleza do seu sorriso, porque a porta da enfermaria foi aberta de supetão.

   – Julieta! – Gabe praticamente gritou, correndo em minha direção. – Você está bem? Está machucada? – perguntou, depois de ter empurrado Paulo para longe de mim, tocando meu rosto com carinho, seus olhos pousando imediatamente no curativo na minha testa.

   Paulo não me deixou responder, ele fechou uma mão no ombro do meu amigo e o afastou de mim com raiva e violência, o sorriso completamente morto em seus lábios, que passaram a ficar apertados numa linha fina.

   – Fica longe dela – rosnou.

   Eu levantei da maca em que estivera sentada e em coloquei entre os dois garotos imediatamente.

   – Não precisa ser violento! – reclamei, olhando o garoto mais alto com reprovação. – Gabe não fez nada para você.

   Paulo me olhava com raiva, respirando forte e audivelmente.

   – Eu não o quero respirando o mesmo ar que você – falou, os dentes trincados. – Eu não quero que ele exista perto de você.

   Gabe riu sem humor atrás de mim.

   – Se prepare pra ficar desapontado – provocou.

   – Chega! – gritei, detendo Paulo, que já se aproximava de Gabe pronto para brigar. – Paulo, será que você não pode se controlar? Gabe é meu amigo.

   – Eu não quero que seja – foi a resposta seca.

   Certo, aquilo estava me deixando danada. Quem ele pensava que era para falar daquele jeito comigo, como se eu tivesse que obedecer todas as suas vontades?

   – Ótimo – devolvi, com raiva. – Se prepare para ficar desapontado – joguei as palavras de Gabe para ele, sabendo que aquilo o enfureceria ainda mais.

   Ficamos parados, naquela estranha posição – eu entre os dois garotos – sem falar nada por alguns segundos. Eu só podia ouvir as respirações pesadas e ver os rostos deles meio encobertos pelas sombras. Não precisaria ter visão de gato para saber que a expressão dos dois não era das melhores.

   Cansada daquele clima tenso, eu me virei para Gabe e falei:

   – Eu estou bem, não se preocupe.

   Ele se aproximou e tocou meu rosto com a mão.

   – Não foi o que eu ouvi – respondeu, sem o vestígio do desprezo que impregnava sua voz ao falar com Chermont. – Estão dizendo lá no refeitório que alguém jogou uma pedra em você.

   Eu lhe dei um sorriso sem abrir a boca, embora tivesse dúvidas se ele seria capaz de vê-lo só com aquela luz fraca.

   – Você tinha que ver como ficou o outro cara – falei brincando.

   Ele só me fitou com o que eu imaginei ser uma expressão reprovadora. Suspirei e falei sério:

   – Foi de leve. Eu não estou nem de longe tão ruim quanto a Becker. Ela foi levada numa ambulância.

   Ele assentiu, aparentemente já sabia dessa parte da história. Sua mão foi do meu rosto para o meu braço, que me puxou para perto dele num meio abraço esquisito. O polegar da sua outra mão tocou levemente o curativo em minha testa.

   – Quem fez isso pode se considerar morto – murmurou, o que me fez ver que Gabe e Paulo talvez tivessem algo em comum e o pensamento quase me fez rir.

   Mas eu logo fui puxada para longe de Gabe por Paulo, que só faltava cuspir fogo de ódio por ver o seu maior inimigo me abraçar.

   Honestamente, eu não poderia viver assim. Amava Paulo e Gabe, de maneiras diferentes, mas amava mesmo assim. Um como um grande e estimado amigo, cuja presença já era tão constante e me fazia tão calma que eu até esquecera como era antes dele. E outro como...eu nem sabia explicar. Paulo acendia meu corpo, fazia-me desejá-lo, sentir seus lábios nos meus, suas mãos na minha pele. Ele também me fazia sentir protegida como nunca antes.

   E fazia com que sua presença fosse tão necessária quanto o ar. Ele vislumbrara minha alma, ele conseguiu fazer com que eu mostrasse meus fantasmas, meus demônios, meu inferno.

   Ele havia sido o único.

   – Certo, vamos tentar abaixar o nível de testosterona por aqui, ok? – pedi, olhando feio para os dois, mesmo que Gabe não tivesse feito realmente nada de mais. Ele só estava sendo meu amigo.

   Segurei seu braço para pará-lo quando ele foi se aproximar de mim novamente. Eu ainda precisaria ter uma conversa séria com o Chermont a respeito de Gabe, mas era melhor não provocá-lo por enquanto. No entanto, minha atenção foi desviada ao perceber – tardiamente – que o braço do meu amigo estava molhado e gelado. E mais, suas roupas estavam pingando.

   – Por que você está tão molhado, Gabe? – perguntei, franzindo o cenho.

   Ele deu de ombros e puxou levemente seu braço para eu soltá-lo, não voltando a se aproximar.

   – Eu me molhei enquanto corria para chegar aqui. A chuva está inacreditável.

   Como que para endossar sua afirmação, um raio cortou o céu, iluminando a enfermaria por meio segundo, logo seguido pelo forte ruído do trovão.

   E, mais uma vez, alguém entrou apressadamente na enfermaria. Era uma garota impossivelmente baixinha, com cabelos castanhos que estavam ligeiramente frisados – como se ela tivesse levado um choque ou algo parecido – e com os olhos escondidos atrás de óculos de armação vermelha.

   Eu lembrava vagamente de já tê-la visto em algum lugar, mas não conseguia lembrar seu nome.

   – Er...com licença – ela disse ao entrar, parecendo extremamente tímida e olhando o tempo todo para suas mãos. Isso quando não desviava o olhar rapidamente para Gabe. – A madre superiora está chamando vocês dois – seus olhos foram na minha direção e na de Paulo – em seu gabinete. E você precisa voltar ao dormitório, Gabriel.

   Franzi o cenho ao ouvir a menina se dirigir a Gabe pelo primeiro nome e fiquei ainda mais confusa quando percebi que suas bochechas pareciam ter ficado vermelhas. As da menina, não as de Gabe.

   – Tudo bem, Anna – Paulo respondeu, parecendo muito aborrecido, embora falasse gentilmente com a garota. – Avise a ela que já estamos indo, ok?

   Ela assentiu e se voltou para Gabe.

   – A-acho melhor você vir comigo logo – gaguejou. – A ordem é para todos os estudantes irem para o dormitório e se acharem você andando por aí sem uma autorização...

   – Eu sei, eu sei – Gabe a cortou com impaciência. – Que seja, vamos.

   A tal da Anna se virou para ir enquanto Gabe me presenteava com um último olhar e um meio sorriso um pouco exasperado. Eu acenei e sorri enquanto ele se virava para ir embora.

   – Julieta... – Paulo começou assim que a porta se fechou. – Eu realmente não a entendo. Você fica comigo e depois vai para esse garoto quando sabe que eu o odeio, quando sabe que ele não vale nada.

   Eu me virei para ele, frustrada e irritada, mas tentando me conter. Eu não queria brigar, mas queria que ele entendesse que não podia mandar em mim, por mais que eu estivesse com ele.

   E eu ainda não estava. Não de verdade.

   Afinal, nosso namoro ainda era de mentirinha, certo?

   – Paulo, o seu problema todo com Gabe é por causa do passado de vocês? – perguntei.

   Ele suspirou e passou a mão pelos cabelos, bagunçando-os e espirrando um pouco de água.

   – Também – revelou, sem me olhar. – Mas no momento, só o que eu consigo pensar é que vocês...porra, você deve saber que eu tenho ciúmes.

   Ciúmes. Certo.

   É assim que o Kimak faz com você?

   Ah claro, eu tinha esquecido totalmente que Paulo achava que eu passava os finais de semana transando loucamente com Gabe na casa dele.

   Eu não sabia se ria ou se ficava realmente furiosa com a ideia que o garoto que alegava me amar tinha de mim.

   – Nunca houve nada entre Gabe e eu – falei, rolando os olhos. Claro, eu o tinha beijado quando ele me falou sobre o passado, mas eu nunca nem vi aquele beijo como outra coisa que não fosse uma demonstração de amizade. – Somos só amigos – mas não falei que achava que ele gostava de mim um pouco mais do que isso. Afinal, nem o próprio Gabe havia me dito isso. Era algo pessoal.

   O olhar de confusão no rosto de Paulo era tão ridículo que eu não pude evitar de soltar uma risada.

   – Sério mesmo que você pensava que eu estava transando com ele? – voltei a perguntar, rindo. Claro que a ideia de que ele pensasse que eu era tão fácil e vagabunda que transava com um e me agarrava com outro era ofensiva, mas eu simplesmente não estava com disposição para ficar indignada.

   – Então, vocês...vocês não faziam nada? – ele perguntou, depois de um tempo de silêncio.

   Neguei com a cabeça.

   – Não fazemos nada – corrigi. Não ia deixá-lo mencionar Gabe como se ele fosse algo do meu passado. Gabe era meu presente. – Só conversamos, nos divertimos. Fomos fazer compras e depois ao cinema daquela vez que fugimos do colégio. E ele me pinta.

   Os olhos dele se arregalaram.

   – Pinta? – ecoou.

   – Sim. Bom, ele nunca me deixou ver como está ficando, mas ele deve estar terminando já. E pelo que eu vi nas aulas de pintura, o garoto tem talento.

   Paulo pareceu ficar meio perturbado. Começou a andar pela enfermaria, as mãos passando vez ou outra pelos cabelos, bagunçando-os ainda mais. Eu só fiquei parada, esperando por uma reação. Queria deixar algumas coisas claras já, porque estava cansada daquele papo “afaste-se do Gabe” e não queria passar o resto dos meus dias naquele colégio mediando brigas entre as únicas pessoas com quem eu podia conversar aqui.

   – Julieta, eu já disse o que o Kimak é – ele começou, finalmente parando e me fitando com aqueles olhos que continuavam muito verdes. – Mas talvez eu precise te contar a história toda para você acreditar em mim. Eu não queria fazer isso, mas você não me escuta.

   – Não precisa – eu retruquei. – Gabe já me contou tudo.

   – Tudo?! – sua voz soou como se ele tivesse levado um soco na barriga.

   Assenti.

   – E você acreditou nele?

   – Eu acredito no Gabe, Paulo. Ele não mentiu para mim.

   Paulo rolou os olhos e soltou um suspiro de exasperação.

   – Pensei que você fosse mais esperta. É claro que ele mentiu! Não ia querer ficar queimado com você.

   Certo, aquela conversa estava me deixando realmente irritada. Parecia que era mesmo impossível fazer com que qualquer pensamento racional entrasse na cabeça dura daquele garoto.

   – Você por acaso sabe o que ele me contou? Não, não é? Então como sabe se ele mentiu ou não?

   Paulo ficou calado e eu continuei, olhando-o com raiva:

   – Pare de julgar as pessoas. Você fez o mesmo comigo quando eu cheguei aqui. Pare de achar que você é melhor do que os outros, porque você não é. Claro, nem todo mundo tem a sua inteligência ou seu talento para os esportes, para a liderança ou sei lá mais o quê; mas existem outras coisas que também são importantes.

   E então eu passei a lembrar da primeira noite que passei na casa dele, do jeito como ele me abraçou, como se segurou a mim como se eu fosse sua última chance de salvação. Lembrei de como dormimos juntos sem absolutamente nenhuma malícia, do calor agradável do seu corpo e do jeito como eu sentia que nós dois nos protegíamos mutualmente. Lembrei da nossa guerra de tinta na aula de pintura, do jeito como – às vezes – ficávamos uma tarde inteira em silêncio, sem que ficasse desconfortável. A simples presença dele me fazia bem, de alguma forma. Eu não podia abrir mão da única amizade verdadeira que eu tive em tanto tempo. Eu nem sabia mais o que era deixar alguém se aproximar de mim quando ele chegou. Nossas semelhanças e nossas diferenças pareciam coexistir impecavelmente, quase como se ele fosse um pedacinho de mim.

   Eu não podia afastá-lo de mim por causa da animosidade do Chermont. E não iria.

   – Gabe nunca me julgou. Ele nunca me pediu mais do que eu posso dar, ele nunca me pressionou para nada. Ele simplesmente estava lá – prossegui, vendo que não iria ter uma resposta tão cedo, tentando explicar o inexplicável para alguém que nem queria entender. – Quando eu precisava e quando eu não precisava, ele estava lá. E, apesar de eu querer ficar com você, não pretendo desistir da minha amizade com Gabe por isso. Se você me quiser, Gabe faz parte do pacote.

   Parei de falar e dei às costas ao garoto que me fitava inexpressivamente. Por algum motivo, eu me sentia meio...emocionada? Meus olhos ardiam um pouco, como se eu estivesse segurando as lágrimas, mas eu mesma não entendia porque estava me sentindo assim. Eu só estava defendendo meu amigo...talvez fosse exatamente isso. Eu nunca havia precisado fazer isso antes. Nunca havia lutado por ninguém. Era algo tão novo que eu não podia controlar minhas reações.

   – Você quer ficar comigo, é isso? – a voz de Paulo soou atrás de mim.

   Eu não pude evitar soltar uma risadinha.

   – De tudo o que eu falei, você só prestou atenção nisso? – retruquei, ainda de costas.

   Foi a voz dele de rir.

   – Foi a única coisa que eu gostei de ouvir você dizer – sua voz agora estava mais próxima de mim e um segundo depois, senti suas mãos em meus ombros. – Eu também quero ficar com você.

   Ele me fez girar para fitá-lo, metade do seu rosto imersa nas sombras. Seu cabelo molhado grudava-se em sua testa e ele sorria levemente, apesar de seus olhos estarem meio tristes, como se ele estivesse lutando contra si mesmo. Contra tudo o que acreditava.

   Era exatamente o que eu queria que ele fizesse.

   – Essa coisa de namoro de mentira acabou, então? – ele perguntou de repente. – Você vai ser minha namorada de verdade?

   Eu fechei os olhos por um instante, depois os abri e sorri com um canto dos lábios.

   – Eu não gosto muito de rótulos – respondi. – Mas se é importante para você...

   – É – ele disse antes que eu pudesse completar a frase.

   Assenti. Eu meio que já esperava por isso.

   – Por mim, tudo bem – falei por fim. – Desde que você aceite minha amizade com Gabe.

   Paulo fez uma careta e negou com a cabeça.

   – Não estou pedindo que você seja amigo dele! – insisti, soltando suas mãos dos meus ombros e me afastando alguns passos para trás. – Só quero que você não implique com ele e com o tempo que eu passo com ele.

   – Eu o odeio, Julieta.

   – Mas você diz que me ama.

   – Eu te amo.

   – E eu gosto do Gabe. Se você me ama, tem que me amar por tudo. Inclusive por isso.

   Ele respirou fundo e fechou os olhos, como eu fizera um momento antes.

   – Podemos continuar essa conversa depois? – pediu, abrindo os olhos e direcionando-os para mim. – Nós estamos fazendo a madre superiora esperar.

   Eu dei de ombros, assentindo, e deixei-o pegar minha mão e me guiar para fora da enfermaria. Estava um breu total nos corredores, por isso Paulo pegou o celular no bolso – que inacreditavelmente ainda estava funcionando, apesar de ele estar todo molhado – e usou a luz do aparelho para iluminar o caminho.

   Eu sabia que aquele era só o início do que prometia ser um relacionamento conturbado e tinha bastante certeza de que, em algum ponto, ia acabar me arrependendo. Apesar de não pretender me afastar de Gabe, eu queria ser a garota do monitor. Queria poder beijá-lo e abraçá-lo de acordo com minha vontade. Queria-o por perto.

   Era pedir muito? Talvez fosse. Mas eu tinha negado tanta coisa a mim mesma por tanto tempo que de repente sentia como se devesse satisfazer todas as minhas vontades agora.

   E mesmo que fosse difícil, eu ia tentar.

   Estávamos quase chegando no gabinete da madre superiora quando alguém apareceu no caminho. Paulo levantou o celular, iluminando o garoto que eu facilmente reconheci.

   – Ciao, Julie, tudo bem? – Pietro exibia um sorriso largo que parecia meio fora de lugar naquele momento. Fazia bastante tempo que eu não o via, mas o garoto continuava bonito, principalmente agora que não estava usando o uniforme. Só seus cabelos que pareciam ligeiramente mais escuros. – Aproveitando o apagão para levar meu querido amigo aqui para o mau caminho?

   Rolei os olhos, o garoto também continuava atrevido.

   – Cala a boca, cara – quem respondeu foi Paulo. – Nós só viemos ver a madre superiora, ela nos chamou. Onde você estava?

   – No refeitório – respondeu. – Só agora que conseguimos fazer todos os alunos voltarem aos seus quartos. Juro, Chermont, aquilo estava uma anarquia.

   Paulo assentiu e acenou para o amigo antes de abrir a porta da sala de espera da madre superiora, puxando-me para dentro. Logo foi bater na porta da sala da diretora, no entanto, eu não estava mais prestando atenção.

   Algo subitamente surgiu em minha mente. Pietro estava no refeitório. Gabe mencionou que ouviu sobre meu machucado no refeitório. Pietro estava completamente seco enquanto Gabe parecia tão encharcado quanto eu.

   E então eu me lembrei. O refeitório e a enfermaria ficavam no mesmo prédio. Ou seja, o caminho entre os dois era coberto.

   Como meu amigo havia se molhado?

   E o pior, por que ele havia mentido pra mim?

   Eu estava ficando seriamente paranoica.


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Notas finais do capítulo

Desculpem se o capítulo ficou uma merda muito grande, mas ultimamente eu não ando muito inspirada :(
Beijos e vejo vocês no próximo :***