Memória escrita por Guardian


Capítulo 15
Marcas


Notas iniciais do capítulo

...
Ainda lembram de mim? ó_ò
Estão bravos comigo?
Mas juro que a culpa é do cursinho... Não duvido que daqui a pouco eu vire um zumbi...



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~Mello~

 - Ah, porcaria!

 Entramos pingando, completamente encharcados, no nosso quarto. Não tínhamos conseguido ser mais rápidos que a chuva, e acho desnecessário dizer que Roger nos deu a maior bronca por causa disso. Ou melhor, eu levei a bronca, já que aparentemente ele estava incapaz de brigar com Matt, independente do que ele fizesse. De qualquer forma, ele podia estar bravo, mas como estávamos molhados e tremendo de frio, só fomos parados por sua raiva por uns cinco minutos, ou menos até.

 Peguei uma toalha para me secar um pouco e mandei Matt ir tomar banho primeiro. Ele disse não, claro, mas acabou por ceder no final. Ele era teimoso, mas eu era mais, isso era fato comprovado.

 Fiquei alguns segundos olhando para a porta fechada do banheiro, sentindo a água ainda escorrendo da minha franja para meu rosto, apenas... Olhando. Matt parecia estar normal agora...

 Tínhamos que andar depressa e volta antes que começasse a chover, mas independente disso, acabamos fazendo exatamente o oposto. Ao invés de nos apressarmos, ficamos parados.

 Melhor dizendo, Matt parou e eu acabei por imitá-lo. Que outra escolha eu tinha? Largá-lo lá sozinho? Até parece.

 Estávamos passando por aquela rua qualquer, uma das tantas comerciais daquela região, preenchidas com as mais variadas lojas por todos os lados. Realmente apenas mais uma rua sem qualquer importância para ser guardada na memória.

 Ou pelo menos foi isso que eu pensei a princípio.

 Acontece que aquela rua não era apenas mais uma entre tantas. Não era uma que devia ser facilmente esquecida. Não, porque aquela era a rua.

 E só me dei conta disso quando Matt parou e não voltou a se mover por um bom tempo.

 Quando olhei para trás, me dando conta de que não estava mais sendo acompanhado, vi Matt parado e olhando de frente para um beco lateral de onde estávamos. Sua face estava inexpressiva e seu olhar, vazio.

 Eu estava prestes a ir até ele e reclamar para irmos logo, mas foi nessa hora que por algum motivo que desconheço, olhei o nome da bendita rua e o reconheci. Roger tinha me dito antes de sairmos. E consequentemente, identifiquei logo que beco era aquele que Matt encarava.

 Era onde ele tinha sido encontrado.

 Quando me dei conta disto, meu corpo recusou-se a se mover e minha voz negou-se a sair. Só me restava esperar.

 Eu não sabia o que mantinha Matt olhando por tanto tempo para aquele exato mesmo ponto; não fazia a menor ideia do que se passava pela mente dele, não sabia se ele reconhecia o lugar ou se apenas sentia algo de familiar ali, como um deja vú; não tinha certeza se caso minha voz colaborasse, devesse dizer algo, ou mesmo, o que dizer. Não sabia. Então esperei.

 Sei que alguns minutos se passaram, e em nenhum momento Matt fez qualquer espécie de movimento. Se ele não estivesse de olhos abertos, poderia até dizer que ele tinha dormido em pé. E por algum estranho motivo, eu não consegui desviar o olhar.

 Isso continuou até um pouco depois de sentir as primeiras gotas frias em contato direto com minha pele. Talvez aquilo tivesse servido para “despertar” Matt também, porque logo que o chuvisco iniciou e antes mesmo que se acentuasse, seus olhos perderam aquele estranho vazio e ele virou para o lado, de volta para a direção onde eu me encontrava, e começou a andar.

 Sem nenhuma palavra, sem olhar para trás. Apenas andou.

 E eu aproveitei a deixa para também não comentar nada.


Até agora ficava me perguntando se ele tinha conseguido se lembrar daquele lugar... Acho que não. Se tivesse, a dor de cabeça teria se tornado evidente, não teria?

 Bom, só espero que ele não esteja escondendo de mim... Acho melhor que não esteja.

~Matt~

 Esses últimos dias têm sido no mínimo... Estranhos. Não de uma maneira ruim, mas... Curiosos.

 Desde que eu comecei a frequentar as aulas – que admito, não estavam fazendo um bom trabalho em prender minha atenção e interesse como eu esperava -  vim tentando ao máximo me concentrar em conseguir lembrar de alguma coisa. Alguém, algum lugar, alguma situação mínima que fosse. E nada. Eu realmente estava tentando! Falava com todos que se aproximavam, forçava a mente a revelar algo, mas simplesmente não adiantava de nada. Não consegui me recordar de nenhum deles, e para ser bem sincero, aquela repetição incessante das exatas mesmas perguntas começava a me deixar impaciente. Para não dizer irritado.

 ...

 Se for parar para reparar... A maior parte do que eu consegui me lembrar envolvia de alguma forma, o Mello. Então ele servia como espécie de catalisador, por acaso?... Cada vez mais a impressão de que ele realmente era uma parte vital da minha vida aumentava e concretizava um estranho sentimento de culpa por estar... Assim. Quero dizer, não era justo com ele, essa situação.

 Deixei sem demora o banheiro – tinha tomado banho o mais rápido que consegui – para dar vez ao loiro que já devia estar mais do que impaciente no quarto, se não espirrando.

 Tendo o grosso e quente – ou melhor, em homenagem ao professor de Física do dia anterior: “bom isolante térmico” – pijama protegendo meu corpo, logo depois de uma ducha que tinha enchido o banheiro todo de vapor – o que era a melhor coisa em um dia frio como este -  eu cheguei a estremecer quando me deparei com esse mesmíssimo loiro seminu sentado em cima da cama, só com umas calças velhas de moletom e nada mais. A roupa molhada tinha sido jogada em um canto próximo à janela e ele estava com uma coberta sobre os ombros, mas sem cobri-lo por completo. Para variar, tinha um chocolate em mãos.

 E...

 Estava com aquele mesmo brilho que tomava conta de seus olhos de quando em quando, perdido em pensamentos aparentemente distantes demais para qualquer um de fora descobrir quais eram. Mas de algo era possível ter certeza: era um brilho de tristeza. Uma tristeza que eu odiava ver ocupar aquele azul tão belo, como se fosse o céu em pleno nevoeiro e sem previsão próxima de sol.

 Não gostava.

 - Mello? Pode ir agora – falei, dividido entre a preocupação dele acabar pegando um resfriado desse jeito, e em tirar aquela impressão de seus olhos.

 Com isso ele pareceu sair do “transe”. Deixou a coberta cair embolada na cama e falou como se tudo o que estivesse fazendo antes fosse realmente comer chocolate e encarar a parede:

 - Okay – apenas isso. Até o momento que ele deu alguns passos e reparou que eu o olhava fixamente. Mais especificamente, para seu tronco totalmente à mostra – O que foi? – talvez fosse impressão, mas acho que ele estava um pouco mais vermelho do que antes.

 -... - hesitei, não sabendo se deveria fazer aquele comentário que coçava em minha língua. No fim, acabou sendo mais forte do que eu e minha apreensão de estar sendo intrometido demais – Essa marca...

 Ele pareceu confuso por um momento, mas como se precisasse de um único segundo para entender a o que eu estava me referindo, olhou para baixo. Não entendo por que e nem sinto muita vontade de tentar entender, mas seja pelo que for, eu não conseguia desviar o olhar daquilo. Sua pele era alva – talvez até mais do que a minha –, chegava a ser possível ver seus pelos loiros arrepiados pelo frio, e pelo que minha vista alcançava, havia algumas pequenas cicatrizes espalhadas aqui e ali. O que não era nenhuma surpresa, considerando o jeito dele de fazer as coisas não importasse o quê.

 Mas tinha aquela marca.

 Era diferente das outras, isso era um tanto óbvio. Uma cicatriz relativamente grande – se comparada às outras, era a maior e mais profunda, mesmo vendo de longe –, comprida, desenhando uma linha contínua no lado direito de seu corpo, destacando-se.

 E não foi preciso nem ele dizer nada para eu me tocar de que tinha dito besteira. Não falei do jeito como ele olhou para baixo, falei? Aquele brilho mais uma vez, e para completar, agora inegavelmente doloroso também.

- Esquece! – apressei-me em dizer, desviando enfim o olhar, constrangido, e virando para a repentinamente tão interessante parede, completamente arrependido por não ter ficado quieto e controlado essa maldita curiosidade – Desculpe...

 Senti algo frio tocando de leve no meu ombro, aparentemente firme, mas ao toque, inesperadamente trêmulo. Sua mão.

 - Você se desculpa demais, idiota.

 Então ele se dirigiu ao banheiro e eu fui deixado ali, com o resquício da sensação de seu mínimo calor na minha pele, intensa como se sua mão ainda estivesse ali.


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Notas finais do capítulo

Agora... *acionando a cara-de-pau* Alguém quer me dar um review de presente de aniversário? Mereço pelos meus 18 aninhos? :3
Ah! Depois de muito (muito mesmo) tempo, a inspiração voltou a se mostrar pra mim, e eu comecei a escrever o próximo capítulo. Se, um grande SE, eu conseguir terminar, posto ainda hoje. Não prometo porque sei que vou acabar me arrependendo, mas vou tentar.