Memória escrita por Guardian


Capítulo 14
Dói?


Notas iniciais do capítulo

Voltei rapidinho dessa vez, não? xD



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Eu realmente tinha ouvido o que eu acho que ouvi?

– M-Matt, você tem certeza disso? – Roger também parecia meio incerto de que Matt tinha dito mesmo aquilo. Não o culpo, já que eu mesmo fui surpreendido com aquele pedido.

O que ele tinha pedido? Para sair. Isso mesmo, ele tinha pedido para Roger, permissão para sair do orfanato e andar pela cidade, “conhecer” o lugar. Achei esse pedido estranho, óbvio, assim como o próprio Roger. Oras, do jeito como Matt estava apreensivo para voltar somente para o orfanato, já que tinha se tornado um local desconhecido para ele, eu não imaginei que ele fosse querer, de livre e espontânea vontade, ir visitar a cidade.

A cidade onde ele tinha ficado... Assim.

– Eu queria sair um pouco, ver o que mais têm por aqui. Por favor? – ele pediu com os lábios um pouco contraídos e os olhos ligeiramente úmidos e maiores do que o usual. Claro, como se Roger fosse resistir à essa cara de filhote abandonado! Sempre foi uma grande covardia da parte dele fazer essa cara, e o pior, é que sempre funcionava.

E como o esperado, Roger cedeu. Não disse?

Com toda a culpa que ele com certeza ainda está sentindo, estranho mesmo seria se ele disesse "não".

E com um “Está bem” saído entre um suspiro pesado e um fechar de olhos dando impressão de derrota, nós saímos da sala dele. Matt, aparentemente satisfeito consigo mesmo por ter conseguido o que queria, e eu, um pouco preocupado por isso. Preocupado sim, como não estaria?

– Tem certeza? – me senti um idiota repetindo a pergunta que Roger tinha acabado de fazer, mas mesmo assim não consegui evitar fazê-la.

Ele deu de ombros e virou o rosto para mim, sorrindo.

– Cansei de ficar só aqui – e então acrescentou, parecendo um pouco... Incerto? – Você vem comigo?

– Preciso mesmo responder?


~x~


Um dia comum.

Surpreendentemente comum.

Saímos do orfanato assim que acordamos e engolimos alguma coisa qualquer como café, e apesar de eu ainda estar um pouco apreensivo com isso, Matt parecia estar bastante ansioso com essa saída.

Coloquei os comprimidos dele no bolso, apenas por precaução.

Ocorreu tudo normal durante a maior parte do dia; andamos, compramos algumas coisas (teríamos comprado mais se a carteira e a consciência permitissem), besteiras em sua maioria, mostrei alguns lugares para Matt, almoçamos, e por aí foi. Chegava a ser estranho, na verdade. Quero dizer, eu achei que seria mais... Complicado. Parece que me enganei.

Em determinada hora da tarde Matt quis parar um pouco no parque pra descansar, então assim fizemos. Compramos sorvetes – resolvemos simplesmente ignorar o fato de que o tempo estava frio hoje. Sorvete de chocolate era bem-vindo em qualquer tempo, isso é um fato irrefutável e que ninguém se atreva a discordar– e sentamos em um banco de madeira em um dos extremos do parque.

Por um momento bizarro cheguei a associar aquela situação como um daqueles encontros clichês que sempre aparecem em filmes e séries.

...

Apague esse último pensamento, foi somente Por. Um. Momento!

...

Esquece.

Foi a voz dele que me trouxe de volta para a realidade e me tirou das garras dessa minha imaginação que chegava realmente ao ponto de me deixar alarmado com os pensamentos que criava.

– Mello, posso fazer uma pergunta?

Ao invés de uma resposta de verdade eu acabei resmungando – o que eu esperava que saísse como uma afirmativa -, por conta do doce gelado que mantinha minha boca bem ocupada no momento.

O importante é que ele entendeu.

–...- percebi ele hesitando por um momento antes de finalmente parecer criar coragem e perguntar – Dói?

Ahn? Mas do que é que ele está falando?

Terminei em uma última mordida o que restava da casca do sorvete, e lhe lancei um olhar confuso.

– O quê?

Ele concentrou o olhar em seu próprio doce, e eu percebi que ele talvez estivesse se debatendo internamente, para conseguir falar o que queria.

– Uma coisa é eu não me lembrar de nada, mas eu não sei como seria, como eu me sentiria, se alguém próximo não se lembrasse de mim. Às vezes... É que às vezes você parece tão triste, com um olhar tão distante, Mello, que... Eu queria saber. Dói?

Eu parecia triste? Eu deixava transparecer?

Ele estava preocupado comigo?

...

Senti uma pequena vontade de rir com aquilo. Ele tinha acordado no hospital sem nem saber quem era, e se preocupava comigo? Parece que Matt não havia mudado, afinal.

A verdade? Doía. Muito.

Nesses dias que se passaram, eu tentei ao máximo deixar bem no fundo da minha mente “aquilo” que eu tinha percebido em relação a Matt.

Admitir que era verdade, que a conclusão a qual eu tinha chegado estava certa, mesmo sabendo que sim, só complicaria ainda mais as coisas.

Não era certo, em um momento desses, sequer pensar em fazer algo quanto a isso parecia tão errado e inapropriado, que eu obriguei a mim mesmo a deixar de lado. E eu tinha medo também... Quero dizer, mesmo se fosse antes disso, algo desse tipo com certeza estragaria nossa amizade de uma maneira que eu sabia que não teria conserto, e isso era a última coisa que eu queria que acontecesse.

Ele me odiaria? Ele se afastaria?

Ele me abandonaria?

Eu não queria isso.

No passado, ser esquecido doeu. Ser deixado doeu. E eu sentia que se tudo se repetisse agora, mesmo que meio caminho já tivesse sido andado, seria infinitamente pior.

Quando aconteceu antes, mesmo sem saber de nada, Matt foi um ponto de apoio para eu me reerguer. Mas se acontecesse agora, ele não estaria ali ao meu lado para ajudar desta vez. Ele teria ido embora.

Nunca admitirei em voz alta, para ninguém que não seja eu mesmo, mas se isso acontecesse, eu não acho que haveria uma segunda recuperação.

Eu tinha medo.

– Mello? – mais uma vez foi sua voz que me chamou de volta.

Foi então que eu percebi que tinha ficado em silêncio por tempo demais, e que ainda lhe devia uma resposta.

– Eu... – o que eu iria dizer? Mentir? De alguma forma, senti que não deveria fazer isso – Sim.

– Desculpe...

– Por que está se desculpando? – me controlei para não acrescentar um “idiota” no final da frase – Isso é meio óbvio, não? Claro que machuca quando alguém importante pra você, é ferido desse jeito. Se aqueles idiotas não estivessem presos, ahhh, eu iria...

Minha tentativa de tirar aquela expressão de culpa da cara dele falhou miseravelmente, e sem muita escolha, tossi de leve, um pouco constrangido e falei - É melhor nós irmos embora. Vai começar a chover logo - sim, eu percebi o céu escurecendo cada vez mais somente na hora que falei isso. Mas oras, estávamos na Inglaterra, essa frase nunca seria sem sentido!

Pulei do banco e Matt me seguiu, ainda do mesmo jeito. Seu sorvete também já tinha sido totalmente e devidamente devorado.

Ele era importante. Nunca duvidei disso. A questão era que eu nunca me dei conta de qual grau de importância era esse.

Agora eu já sabia.

Só não sabia se saber era algo bom ou mau.



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Notas finais do capítulo

Agora eu quero deixar um agradecimento enorme à lerowaay pela recomendação mara que ela fez *----------*
Ah, e é claro: Feliz Páscoa!! Muitos ovos para vocês, queridos ~