1997 escrita por N_blackie


Capítulo 7
Rabastan




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RABASTAN

“Danke,” Rabastan respondeu assim que a última gota de sua cerveja caiu no copo alto que repousava diante de si, “ich bin gut für jetzt.”

Com uma leve aceno de cabeça, o garçom louro se retirou. Rabastan voltou a olhar para baixo, reprimindo um bocejo. Já estava em Weimar havia muito tempo, e já estava se esquecendo do cheiro reconfortante de uma bela xícara de chá. Os alemães tentavam – e muito – reproduzir a bebida sempre que ele pedia, mas nenhuma água com ervas que tomasse parecia refletir o mesmo amargor adocicado das xícaras que Folly, a elfa doméstica que lhes atendia quando crianças, fazia.

Bocejando novamente, voltou os olhos conformados para a cerveja, mas em vez da natural superfície amarelada no fundo, algo lhe chamou a atenção. Parecia um bilhete, e quando o homem ergueu o copo, o pergaminho pareceu escorregar para suas mãos. Na face dobrada estava escrito seu nome numa letra caprichada, e as sobrancelhas marrom esbranquiçadas de Rabastan franziram enquanto ele abria.

Meu Caro, começava a caligrafia vagamente familiar, Anos se passaram, e aqui estamos nós. Últimos sobreviventes de uma Era. Herdeiros de um Lord adormecido. Sente a falta da glória e liberdade? Deseja voltar para a casa de seu sangue?

O discurso, as palavras, pareceram despertar algo feroz dentro de Rabastan. Weimar era a décima cidade na qual se refugiava do esquadrão de aurores designado a captura-lo. Já passara por Paris, Viena, Munique, até a Cidade do Porto, e em todos aqueles lugares percebia a sombra dos britânicos o perseguindo. Quase o pegaram, em Praga, mas na última hora conseguira escapar, mas não sem uma lembrança, gravada em fogo no pescoço. Outro bocejo o acometeu, e Rabastan se viu afastando de si a cerveja que pedira, enojado com a falta que lhe fazia a comida do Reino Unido. Você pode ter tudo novamente, basta seguir as minhas instruções. Velho amigo, vamos fazer James Potter pagar.

O nome dele o fazia ter ânsia. Rabastan desviou o olhar, virando a cabeça para todos os cantos do pequeno pub em que se refugiara. O barman o olhou com ansiedade, como se perguntasse se precisava de mais alguma coisa, mas Rabastan apenas negou. Vamos fazer James Potter pagar.

Ansioso, deixou algumas notas sobre a mesa, e recomeçou a leitura quando já estava no caminho para o apartamento. Se a dor de perder o seu irmão ainda lhe corrói, me encontre no próximo sábado, às onze horas, no centro de herança de Bath. Abraços de um velho companheiro que ainda crê na volta do Lord das Trevas.

Frustrado, Rabastan virou a folha duas vezes, mas a mensagem era aquela. Parou para pensar que dia era aquele. Segunda, segundo um jornal local que ele viu na banca. Subitamente trêmulo, encurtou os passos até o prédio antigo em que se instalara, passando reto pelo porteiro magricela e quase tropeçando nos próprios pés enquanto se esforçava para atingir o terceiro andar.

Quando finalmente se viu dentro do cubículo escurecido, largou o bilhete sobre a escrivaninha manca e se sentou na cama, surpreso com o poder que aquele bilhete exercera sobre si tão de repente. Inconscientemente, Rabastan abriu uma gaveta lateral da mesa, puxando um caderno encapado em couro rachado e abrindo-o. Uma foto escorregou para seu colo, e o homem sentiu o peso dos anos nos ombros.

Estava muito jovem, um garoto magricela e rico demais para se importar com qualquer outra coisa além de se divertir. Usava um terno muito alinhado, que sua mãe repuxara inúmeras vezes durante a noite, e os cabelos cor de carvalho repuxados para trás com poção fixadora. Estava sorrindo, e percebeu que sorriu ao olhar para si mesmo sem perceber, só para testar se os músculos ainda faziam aquele movimento.

A seu lado, Rodolphus e Bellatrix posavam, cada um em sua roupa de casamento. Bella, como sempre, estava magnífica, os olhos muito negros olhando com superioridade para todos ao redor enquanto abraçava o marido com possessão. Já Rodolphus não parecia perceber a presença de mais ninguém, os olhos sombreados pelas grossas sobrancelhas fixos na noiva a seu lado. Rabastan não gostava de nostalgia, e a foto era muito menos lembrança sentimental do que era um lembrete constante das desgraças que acometeram sua família após a guerra.

O sorriso sonhador do irmão sumiu como um flash diante de seus olhos, e a lembrança de sua prisão, poucas semanas depois da queda de Voldemort, surgiu tão nítida quanto a foto que Rabastan segurava.

Depois que Voldemort foi encontrado morto no Ministério, não se falava em mais nada além de James Potter e seus amigos. Subitamente, tudo na vida deles era interessante. Se Lily Evans aceitaria se casar com ele, o que Sirius Black pensava de sua família, até as fofocas de Hogwarts adquiriam caráter geral ao serem vendidas por alunos interesseiros aos jornais, que não hesitavam em publicá-las.

Contudo, por baixo dos panos publicitários, uma caçada sem precedentes ocorria. Comensais eram presos nas casas de seus pais, na frente de seus filhos, tirados de suas camas, até atacados de surpresa nas ruas. Rabastan fora quem tirara Rodolphus do Ministério na noite no confronto, já que o irmão estava completamente devastado com a morte de Bellatrix. Se instalaram, temporariamente, num flat nos subúrbios, um lugar de dois cômodos só que cheirava a mofo e só tinha um estranho aquecimento por tubos. Rabastan dormia mal todas as noites, irritado com a falta de conforto a que tinham sido submetidos, mas Rodolphus parecia não se incomodar. Virara um zumbi, vagando pelos quartos a noite em pãnico, acordando com gritos e ensopado de suor, parecia totalmente sem propósito. Só Rabastan sabia o que precisavam fazer: sobreviver.

Naquela noite, no entanto, estava impossível se manter quieto. Receberam a notícia de que os Carrow haviam sido pegos na madrugada anterior não muito longe dali, e Rabastan estava decidido a ir embora para qualquer outro lugar. Fizera as malas correndo, usando a varinha para diminuí-las a tamanhos módicos e leves antes de enfiá-las no bolso. Confiava que os aurores ainda não sabiam de sua presença tão próxima ao casal de irmãos, mas sabia que não demorariam muito para acha-los. O melhor era escapar mesmo. Rod, vamos sair daqui, dissera, e o irmão o perguntara porquê. Não se lembrava o que explicara, ou qual desculpa dera, estava tão sem paciência com o luto dele que preferia apenas arrastá-lo como peso morto para onde fosse.

Tentou aparatar para a estação, mas percebeu que estavam numa zona bloqueada, provavelmente ainda por conta da prisão dos Carrow. Trêmulo, pegou Rodolphus pelo casaco e dispararam escadaria abaixo, derrapando assim que chegaram à rua de paralelepípedos. Tenso, ergueu a gola do casaco para proteger o rosto, e ordenou ao irmão que o seguisse. Passaram por alguns grupos de homens que se divertiram num bar próximo, e assim que viraram a esquina se depararam com alguns jovens trouxas.

Rabastan decidiu ignorá-los, mas assim que chegaram perto, um deles ouviu Rodolphus sussurrar, e o empurrou. Retardado, sai daqui! Cuspiu, e os amigos gargalharam. Rod o olhou assustado, e então a tristeza em seus olhos viraram ira. Antes de Rabastan pudesse pará-lo, ele tirou a varinha do bolso, e com um movimento ágil – aperfeiçoado por anos de prática – um raio verde envolveu o garoto, que logo caiu inerte e sem vida no chão. Os amigos se assustaram, e começaram a xingar alto, chamando atenção.

Furioso, Rabastan começou a correr, e sentiu-se ser seguido por Rodolphus, que parecia ter recuperado um pouco de vitalidade ao matar aquele trouxa nojento. Algumas vozes foram ouvidas atrás de si, e achou que fossem os homens do bar que queriam acudir o rapaz. Contudo, logo o primeiro raio atingiu o muro a seu lado, e sua raiva de Rodolphus atingiu níveis inimagináveis. Não eram homens no bar.

Eram os aurores.

“Rodolphus e Rabastan Lestrange,” gritou o auror mais próximo, mas Rabastan não parava de correr, “estão presos!”

Ignorando o chamado, correu o quanto conseguiu, sentindo os pulmões comprimirem conforme se esforçava para conseguir o máximo de ar possível para impulsioná-lo para longe daqueles aurores. A gritaria aumentou atrás de si, e quando atingiu a próxima esquina entrou numa ruela paralela à principal, cercada de casinhas trouxas que cheiravam a lixo e bloqueada por um muro alto. Rabastan olhou de relance para trás, e viu que de alguma forma Rodolphus conseguira correr e acompanha-lo até ali, seguido de perto pelos aurores. Os irmãos se entreolharam, e Rodolphus pareceu entrar em desespero de novo. Rápido, Rabastan tomou distância, e se jogou em direção ao obstáculo para agarrar na borda superior dele e tomar apoio para subir. Seguro por pouco tempo, estendeu a mão, mas assim que Rodolphus, enfraquecido, estendeu a dele para pedir ajuda ao irmão, os aurores pararam.

De repente, o céu perdeu todas as estrelas, e o chão foi tomado por uma sombra negra que avançava lentamente na direção deles. Rodolphus virou a cabeça na direção de seus perseguidores, aterrorizado, e Rabastan prendeu a respiração. Três figuras altas e encapuzadas tomaram o lugar dos aurores na perseguição, e deslizavam na direção dos irmãos secando todas as plantas que repousavam na janela dos trouxas que moravam ali. Rabastan sentiu o peito apertar, e o arrepio de frio arrepiou todos os seus cabelos. Suas mãos começaram a suar, e a mão de Rodolphus escorregou, levando-o ao chão.

Aturdido, ainda tentou segurá-lo novamente, mas os dementadores aceleravam em sua direção, sugando toda sua esperança de fugir e trocando-a por medo e ansiedade. Olhou para Rodolphus, que tinha escorregado as costas no muro até o chão, e percebeu que chegara a hora de decidir até onde queria ir para salvar a alma do irmão.

Assustado, Rabastan se viu acordando de um sonho, a foto amassada nas mãos trêmulas. Os gritos de Rodolphus ainda o assombravam, e por muitos anos sentiu remorso por ter virado as costas para ele, mas sabia que se não tivesse fugido, nunca poderia ter se salvado. Não era santo, e Rodolphus já estava perdido havia muito tempo quando os dementadores o capturaram. Rabastan, então, ignorou as lembranças, e terminou de fazer as malas em silêncio.

Não se lembrava da última vez em que estivera tão tranquilo, ou até mesmo, tão relaxado a respeito de pegar um trem. Dormiu profundamente pela primeira vez naqueles assentos acolchoados, e logo que sentiu o pesado ar londrino, abriu os olhos preguiçosamente, cuidando para sair junto da multidão que se dispersava antes que pudesse correr o risco de ser avistado, e saltou no próximo trem para a cidade interiorana.

Bath não estava tão diferente do que da última vez que estivera lá – uma visita chata para resolver negócios de família com os Goyle – ou mesmo muito menos tranquila ou pacata. O céu cinzento lhe trazia conforto e uma sensação de estar em casa, e as lojinhas fechadas eram pontilhadas por cafés repletos de famílias, enchendo o ar de conversas e do cheiro de chá que fazia o peito dele doer por dentro.

O centro de herança de Bath era surpreendentemente familiar a Rabastan. Mesmo com os prédios imensos do século XIX, os termas romanos, e as estradinhas em paralelepípedo, que normalmente confundiam os novatos, sabia onde deveria ir. O ponto de encontro da velha turma ficava na periferia do complexo, numa área verde com algumas árvores que davam cobertura para praticar a magia que quisessem. Fazia muito tempo que Rabastan não ia a este ponto, e contudo, quanto mais se aproximava, mais via sombras conhecidas, recostadas as arvores de forma displicente.

Antes de chegar mais perto, olhou para si mesmo e sentiu vergonha. O último terno que usara tinha ido para o lixo havia mais de cinco anos, e as calças já estavam gastas e desbotadas, e os sapatos já viram dias bem melhores. Juntando o que lhe restou de dignidade depois do infeliz diagnóstico, Rabastan ergueu a mão em saudação, e das sombras saiu aquele que ele imaginou estar por trás da convocação extraordinária.

Barty Crouch, muito ao contrário dele, não mudara nada. Ainda conservava a estatura esguia e imponente, a postura impecável, o nariz reto e os olhos castanhos penetrantes. Vestia um conjunto de terno e calça de risca de giz, e sapatos brilhantes combinando com a corrente de bronze que segurava o relógio de bolso junto ao colete apertado. Quando se aproximou de Rabastan, ergueu as sobrancelhas em surpresa. “Parece que a vida lhe puniu por tempo demais, Rabastan.”

Rabastan se irritou com o tom de pena que ele usara, mas não disse nada, se limitando a erguer o nariz e cumprimentar os últimos sobreviventes que ali estavam. Augustus Rockwood, vestido com o uniforme do Departamento de Mistérios, acenou com a cabeça quando se sentou ao lado dele.

Olhando para os lados, Barty pareceu espreitar, mas logo relaxou a postura rígida e se aproximou dos velhos companheiros, sorrindo penosamente para eles. “Isso é ao que fomos reduzidos, meus amigos,” começou, e tirou do bolso a varinha para brincar nas mãos, “mendigos, fugitivos, funcionários de baixa patente, tudo isso porque escolhemos seguir o que queríamos, o caminho certo, rumo a justa purificação do nosso mundo. Mas fomos ostracizados, caçados como animais, expulsos das nossas casas, privados da riqueza dos nossos clãs. Mas isso, meus queridos, vai terminar agora.”

“Vai fazer o que, apagar a memória de todo mundo, Barty?” zombou Dolohov, sentado num tronco próximo. O homem enorme tinha cicatrizes por todo o braço, como se tivesse sido acorrentado por muito tempo.

“Farei melhor, Tony, farei com que todos desejem esquecer. Sem delongas nem discursos emocionantes, acho que todos aqui sabem, de uma forma ou de outra, que nós merecemos a glória, e o nosso Mestre também. Tenho um plano, audacioso, mas eficiente, e vou fazer com que o Ministério, e especialmente aqueles que quiseram nos derrubar, se arrependam de ter cruzado o caminho do Lord das Trevas. Para isso, no entanto, preciso de vocês, preciso de sua lealdade, de suas vidas, de suas varinhas, para conseguirmos atingir o topo novamente. Tony, veja você, por exemplo. Não quer se vingar pelas amarras em que te puseram?” Dolohov grunhiu e apertou os dedos, “Rockwood, quer usar esse macacão cinzento o resto da sua vida? Rabastan, ah, Rabastan, não gostaria de ver Rodolphus novamente?”

Rabastan sorriu, e Barty se iluminou com a concordância, que, aos poucos, acometia o grupo. “Então, senhores, bem – vindos de volta à casa.”


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