1997 escrita por N_blackie


Capítulo 30
Regulus




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O som do farfalhar de corujas enchiam o escritório no terceiro andar do Ministério da Magia francês, seus pios alertando os homens e mulheres que circulavam entre seus cubículos para dividir pergaminhos e contar piadas. Os pergaminhos do próprio Regulus estavam prontos para despache, e o garoto de recados responsável chegou pouco antes dele terminar sua última assinatura do dia.

“Monsier Black, seus relatórios...?” o jovem se aproximou com agilidade, estendendo a mão enquanto tentava esfregar uma mancha do nariz enorme. Regulus apontou para a pilha organizada diante de si, e depois verificou se estavam todas carimbadas com o selo correto.

“Aqui, Cloutier, pegue logo antes que eu me arrependa de ter preenchido tanta coisa. Vocês deviam se preocupar menos com burocracia...”

“E os ingleses deviam tentar me meter menos em nossos negócios!” brincou o outro em resposta, num tom falsamente amigável. Regulus sorriu em resposta, acenando com a cabeça para indicar que entendera. Enquanto o francês magricela se afastava, começou a guardar suas pastas e recolher os pertences, apagando com a varinha uma fonte de luz próxima. Acenou para seu chefe, indicando a porta, e o homem assentiu.

Depois de murmuras algumas despedidas, entrou no elevador rebuscado, de paredes decoradas em azul com fios em ouro e botões prateados lustrados, e apertou o térreo, que na verdade ficava na altura da superfície. Riu de canto de boca, pensando o que seus colegas diriam se os confrontasse com o fato de aquilo ser uma cópia do ministério britânico, e parou quando sentiu uma pontada na cabeça. Bocejou, e limitou-se a encostar no canto até o fim da viagem, piscando longamente algumas vezes.

“Bienvenue sur le rez de chaussée, monsier. » A voz incorpórea saudou, abrindo a passagem para revelar o lobby abobadado. Eram quase cinco metros de pé direito espelhado em azul claro, com um teto decorado em afrescos retratando grandes momentos da história bruxa francesa. O chão de linóleo branco puríssimo se estendia até a área das lareiras, grandes estruturas em carvalho polido que tinham candelabros de prata sobre seus consoles, e era decorado com várias estátuas em mármore.

Regulus normalmente pegava a rede Flu direto para casa, mas aquela era uma sexta feira, e nas sextas ele gostava de sair para tomar um ar, decidindo usar os caminhos trouxas até Paris. Então, desviou-se das lareiras, e entrou por uma escadaria adjacente feita em pedra comum, onde vários anúncios publicitários decoravam as paredes côncavas.

A saída daquela escada era uma estação de metrô abandonada, escondida entre o mato que circundava o Petit Trianon, uma das propriedades de Maria Antonieta que compunham o complexo do Palácio de Versalhes. Saiu para a grama como se estivesse visitando o parque local, e recebeu um sinal de cabeça de um dos guardas que observavam a passagem.

Regulus desviou da nuvem de turistas que circulavam pelas estradas do pequeno refúgio, e seguiu pela trilha de cascalhos que davam para os portões principais. Pais e filhos andavam de bicicleta ali por perto, e o ar do fim de tarde balançava os pinheiros que estavam milimetricamente plantados na beira do caminho, levando um cheiro gostoso ao ar fresco do interior. Era um percurso longo até as fontes, mas Regulus não o notou, distraindo-se ao contemplar a liberdade que temera perder e agradecendo a intervenção de Sirius ao colocá-lo naquele cargo.

Não tinha sido fácil sua vida após a guerra, por mais que tivesse encontrado Amelie na mesma época. Considerado suspeito pelas autoridades ministeriais, e um traidor da pior espécie pelos comensais sobreviventes, ficara à beira de ser trancado em Azkaban, e só a intervenção dos membros da Ordem da Fênix o salvaram de ser julgado e condenado por muitos crimes que não cometera. Conservara uma boa herança da mãe quando esta morreu, pouco depois, mas logo o dinheiro estava acabando e ninguém lhe dava um emprego, sabendo de seu processo.

Quase cinco anos após os conflitos, Amelie engravidara, e as chances de permanecerem na Inglaterra sem um emprego ficaram difíceis demais. Então, depois de muita negociação, Sirius lhe avisara que tinha uma vaga disponível na ala burocrática do Ministério Francês, e que um dos chefes de departamento lhe devia um favor e estava disposto a dar o emprego a Regulus. Sem outra opção, aceitou, e Amelie ficou exultante. Voltaria à França.

Pensando bem, apesar das memórias serem vívidas, fazia dezesseis anos que viviam ali, e um pouco de nostalgia sempre abatia Regulus quando pensava na Grã-Bretanha. Pollux, que nascera poucos meses após a mudança, fora criado como francês por sua mãe francesa, falava inglês e a língua dela, e estudava em Beaubatonx. Fim de seu sonho de voltar à Londres.

A trilha de cascalho terminou num portão dourado próximo a área das fontes, fechada devido ao inverno que se aproximava, mas tão bonita quanto nos claros dias de primavera. Subiu as escadas que levavam ao castelo, e se juntou a um grupo de alemães que saiam pelas grades barrocas em ouro que separavam a residência real dos súditos na cidadezinha. Sorriu quando ouviu um pai contar uma piada ao filho em alemão, e fez uma nota mental de visitar Oreon em Berlin. Fazia tempo que não se viam, mais ou menos desde o primeiro ano em que ele fora morar na capital alemã, também fugindo das confusões aprontadas pelos Black durante a Primeira Guerra.

O RER C, trem metropolitano que ligava Versalhes a capital, sairia em dois minutos quando Regulus pulou para dentro, e recostou com preguiça ao assento assim que começaram a se mover para longe do castelo. Sentiu saudade da família que estava longe, e lembrou-se de quando Sirius, Marlene, e as crianças os visitaram, muitos anos antes, e os trouxera para conhecer Versalhes.

“Somos muito agradecidos por sua intervenção, Sirius, sempre,” Amelie ajudou Adhara e Jack a descer do trem, segurando Pollux firmemente com a outra mão. Atrás de Sirius, Marlene ajudava Leonard a traduzir alguns trechos do guia histórico que ele comprara. “é bom poder finalmente repagar tudo isso, mesmo que seja com essa visita.”

“Já disse a vocês que não me devem nada,” a resposta veio acompanhada de uma risada, “não disse, Reg? Que bom que gostou do emprego, Claude gostou muito de você também.”

“Tio Reg?” Adhara se soltara de Amelie, e andava do contrário diante dele. Marlene deixara de prestar atenção em Leonard para avisar para ela parar para não bater em ninguém, mas Regulus sorrira e dissera a ela para deixar para lá. “Diga, querida.”

“Eu ouvi falar que antigamente eles queimavam um montão de bruxas aqui, isso é verdade?”

“De certa forma, sim, mas apenas as falsas bruxas morriam, porque quem era bruxo mesmo conseguia fazer um bom feitiço congelante nas chamas... Foram tempos difíceis para as trouxas que tinham gatos de estimação!”

“Porque eram burras, cachorros são bem mais legais e nunca vi ninguém morrer por ter um cachorro!” ela gargalhou, e desviou o olhar para o pai, “certo, papai?”

“Time Cachorros!” Sirius bateu na mão estendida dela com a palma, e depois avançou para pegá-la no colo. Regulus invejou a força física do irmão, já que ele não conseguiria pegar uma garotinha de onze anos no colo nem que sua vida dependesse disso. Leonard passou por eles arrastando Marlene pela mão enquanto segurava o livro com a outra, e balançou a cabeça para a irmã.

“O animal que elas tinham é irreverente!”

“Irrelevante, Leo.” Corrigiu Marlene rapidamente. Leonard assentiu.

“Isso, irrelevante! Vamos ver os móveis que foram roubados na Revolução?”

“Ainda tem a cabeça daquela rainha trouxa pendurada aí dentro?” Jack perguntou, subitamente interessado em história. Regulus riu.

“Sim, Leo, e não, Jack. Uma cabeça dessas já teria apodrecido, e ia assustar criancinhas que nem vocês se ficasse pendurada ali, não acha?”

“Eles não têm medo de nada, papa.” Pollux o repreendera, e trocara um olhar cúmplice com a prima, que erguera o polegar para apoiá-lo.

Passaram o dia passeando pelo museu, Leonard rabiscando o livro inteiro em anotações extras, Jack se enfiando em cada porta que encontrada na esperança de ainda ter manchas de sangue, e Adhara conversando com Pollux sobre seus primeiros anos de escola. Ela já estava florescendo em o que Regulus sabia que seria uma jovem muito bonita, e já dava sinais do gênio forte que teria nos anos subsequentes.

Regulus abriu os olhos quando ouviu o anúncio de sua estação, os fantasmas das crianças sumiram diante de seus olhos. Saltou para a estação de metrô, trocou de trem, e se encostou em outro canto do trem, quando notou uma figura estranha lhe encarando.

Era um homem alto de capa, com a rosto obscuro por uma gola alta, mas de olhos penetrantes, castanhos, e pior, de alguma forma familiares. Não conseguia reconhece-lo usando tanta roupa, e se virou, vendo se ele pararia.

Embora não estivesse mais de frente para o vulto, um formigamento na espinha dizia que ele ainda o encarava, e Regulus bufou, vendo se a varinha estaria à mostra no blazer. Não aparecia nada estranho, então porque ele o mirava tão atentamente?

Começou a caminhar para outra parte do vagão, e se escondeu entre um aglomerado. A estação chegou, e quando as portas abriram e o grupo o deixou, percebeu que o homem andara com ele, e continuava encarando-o.

Um frio percorreu sua espinha e parou no estômago, e as sombras de sua antiga paranoia começaram a ressurgir em sua mente enquanto uma fraca voz racional tentava convencê-lo de que aquele devia ser apenas um assaltante trouxa, e que ele poderia neutraliza-lo com a varinha em dois segundos se a perseguição continuasse. Por outro lado, Sirius dissera que coisas estranhas estavam acontecendo na ilha, e que ele devia prestar atenção em qualquer coisa estranha. Mas não podia ser.

“Invalides.” Avisou o alto-falante, e Regulus correu para a saída, apressando o passo para a primeira saída que achou. Os barzinhos estudantis próximos à Catedral de Notre-Dame estavam cheios de trouxas bebendo e fumando, e a estrada da catedral cheia de turistas também, o deixando mais confortável. Não olhou para trás, e começou a rumar para casa, perto de uma livraria inglesa trouxa.

O formigamento ainda continuou quando chegou a ponte lotada de cadeados, e arriscou virar-se. O homem continuava seguindo-o. Regulus parou, pensando no que faria então. Não podia voltar para casa e arriscar a segurança de Amelie, e ao mesmo tempo não queria confrontar o homem, mesmo se fosse um ladrão trouxa. Tinha muita gente na rua para usar magia.

Ouviu passos firmes se aproximando de suas costas, e quando girou, o encarou de volta. “O que você quer?” perguntou rispidamente em francês.

“Vim buscar um traidor inglês.” Respondeu o homem com um riso sarcástico, e Regulus viu sua varinha sair do bolso do sobretudo. Todo o sangue de seu corpo evaporou, e se pôs a correr, murmurando “Não” para si mesmo como um mantra agoniado.

Avançou entre um grupo de estrangeiros que estendiam um mapa no ar, e desviou das pombas que comiam na praça, olhando para trás assustado. O homem o seguia igualmente rápido, e já não se preocupava em esconder a varinha, empunhando-a. Ofegante, passou correndo pelo asfalto, e contornou os prédios da orla do Sena enquanto tentava formular um plano para escapar dali. O homem virou a esquina também, e Regulus voltou a atravessar a rua correndo.

Correu para trás da catedral, e teve de pular de última hora para não entrar no parque fechado que se estendia pela torre sul da igreja, virando mais duas esquinas e depois voltando a correr pelo lado do rio. Um estalo atrás de si foi seguido de uma sensação de queimação em sua perna, e quando virou-se, viu uma sequência de raios vermelhos tentarem atingi-lo nos calcanhares. Começou a se concentrar para uma aparatação de emergência, mas o medo o dominava a cada passo desesperado que tomava, nublando todas as suas chances de pensar um destino seguro para ir.

“Quem lhe enviou aqui?” gritou em inglês, sem conseguir respirar.

“Os seus erros e mentiras, Black!” a risada dele era fria e vingativa, e Regulus não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. Virou outra esquina, e foi parar na praça central da Catedral novamente. Olhou para cima, e as estátuas medievais o deram uma boa ideia de lugar seguro.

Entrou correndo para dentro da igreja, desviando do posto de cobrança de entradas, e se enfiou num dos altares laterais, atrás de um oratório enorme de carvalho pesado e antigo. Viu, por uma fresta, o homem desacelerar e olhar para os lados, baixando a gola e tirando o casaco para jogá-lo num banco próximo. Quando olhou para o oratório onde estava, Regulus grudou-se á parede, sem acreditar no fantasma que via.

Como era possível, se perguntou trêmulo, que Rodolphus Lestrange estivesse perseguindo-o em Paris? A barba e a idade o deixaram diferente do que era da última vez que Regulus o vira, mas aquele rosto não podia ser confundido com nenhum outro. Eram os olhos cruéis e arrogantes, no conjunto com a boca fina que sorria o tempo todo, e era aquele ar agressivo de predador que o descreviam, e nada daquela atitude mudara desde Hogwarts. O pânico cresceu dentro de Regulus, ao pensar se Bellatrix também estaria viva, e atrás dele. Eles eram conhecidos por conseguir capturar todas as suas presas.

Um flash iluminou-o, e tentou se concentrar em algum outro lugar para ir. Não podia voltar para casa, de jeito nenhum, tampouco ao ministério. Era perigoso demais.

“Vamos, cãozinho, vem pegar o graveto...” sibilou Rodolphus, chegando mais perto. Regulus engoliu em seco, e antes que ele se aproximasse mais do oratório, aparatou para o outro lado da Igreja. O estalo fez Lestrange virar-se, e Regulus aproveitou a vantagem em distância para subir pela escadaria de madeira que levava à torre do sino.

Subiu pulando de dois em dois degraus, e logo outro estalo alertou-o para a proximidade de Rodolphus. Tropeçou, tirou o pé que ficara preso, e continuou avançando com a respiração entrecortada, correndo para a luz que vinha do andar de cima.

Os sinos ladeados por vigas em madeira o receberam monotonamente, e Regulus puxou a varinha, jogando um feitiço escada abaixo. Ouviu um grito de mulher, e outro estalo, e uma risada assustadora.

Deu alguns passos para trás, se equilibrando nas vigas. O vulto de Lestrange surgiu pela iluminação da escadaria, e logo ele surgiu, caminhando devagar.

“Me fez um favor vindo aqui em cima.”

“Me deixe em paz, Rodolphus!” gaguejou.

“Paz? Para você? Nunca vai ter paz, Regulus, não enquanto não acertarmos as contas contigo!”

Um passo em falso, e Regulus sentiu-se escorregar pela viga que dava no campanário inferior. Não era uma queda muito grande, mas com certeza não tinha tempo de se recuperar antes de Rodolphus acertá-lo, caso caísse. Ergueu a varinha.

“Expe-“

Um raio branco cegou-o por um segundo quando Rodolphus tirou sua varinha de suas mãos suadas. Regulus olhou sua arma cair nas tábuas abaixo de si, e percebeu que estava encurralado. Abriu os braços.

“Então me mate! Não vai tirar nada de mim, então poupe o seu e o meu tempo e me mate!”

Rodolphus ergueu a varinha, e começou a rir.

“Eu vou amar matar você, Black, mas ainda não.”

O gesto a seguir foi imperceptível, e antes que Regulus pudesse reagir, já fora engolido pela escuridão.


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