Eu e Luka seguimos o tal cara que tinha uns três metros de altura até entrar no que me parecia um castelo de alguém da realeza ou sei lá. Nesses meus quinhentos anos, eu já tinha visto de tudo, mas um lugar como este... Nem em sonho.

Cada parede parecia enfeitiçada para que quando passássemos o quadro mudasse. Hum, até parecia que eu estava Hogwarts, era exagero de minha parte, ainda assim... Mas juro como esperei que a escada se movesse quando a gente subiu.

Notei que Luka tentava parecer calmo, mas suas mãos estavam cerradas em punhos e o vi engoli em seco. Em algumas vezes fingi que estava muito interessado no lustre do que na sua quase síncope ao meu lado.

 Assim que o grandão nos deixou em frente a uma grande porta prateada, puxei Luka para o lado e perguntei num cochicho:

-O que foi, cara? – Ele me olhou sobressaltado. –Tá com cara de quem vai pra forca.

-Nada.

-Quem nada é peixe, agora me diga que porra tá acontecendo pra você tá tão nervoso! – Mandei ríspido. Eu não dormia há quase vinte e seis horas, estava morto de cansado, morrendo de medo que algo tenha acontecido com a Naara e agora tinha que ficar preocupado com o frutinha aqui que está prestes a dar um chilique.

 -Eu era parte do concelho, há algum tempo atrás. – Explicou olhando para porta como se ela fosse bater nele a qualquer instante.

-E daí? –Perguntei já impaciente.

-E daí que eu não sou muito querido por aqui. –Constatou dando um pulo para trás quando a porta se abriu sozinha. – Quem é que está aí?!

-A porta é automática, imbecil! – Revirei os olhos e entrei seguido pelo medroso.

Lá dentro parecia um corredor imenso de um laboratório cheio de computadores, televisões e essas paradas aí. Notei que boa parte dos monitores tinham fotos de Naara e até minha com ela... Não entendi muito bem pra que tanta foto, mas também não quis perguntar.  Principalmente quando finalmente o mal encarado do segurança se encontrou com a gente no final do corredor, com a mão na maçaneta da outra porta ainda maior que a outra.

-Eles sabem que vocês estão aqui. –Comunicou como se fosse um prenuncio de morte.

-Meu Deus, eles vão me matar! – Luka guinchou e o segurança deu uma risadinha de canto de boca.

-É, é muita coragem você vir depois do que fez. – Comentou com cara de nojo fazendo Luka empalidecer. – Boa sorte ao entrar. – Desejou, mas soou como “Eu te desafio a entrar”.

É agora ou nunca. Pensei.

-Eu estou tentado ao nunca. – Luka falou e eu percebi que havia pensado alto.

-Então, é agora. – Categorizei o empurrando para dentro.

Naara POV
Assim como ele havia avisado, Baltazar logo tratou de começar o seu discurso entediante sobre como a terra foi criada que pra falar a verdade eu sequer ouvi quando Sr Flynn me ensinou na segunda série e pouco iria fazer diferença em minha vida prestar atenção naquela vez, igualmente aos outros assuntos da escola, imagine agora...

Evitei olhar para ele, pois eu sabia que ele iria me questionar com o olhar para saber se eu de fato estaria prestando atenção nele, coisa que eu não estava. E isso iria me envolver em uma situação um pouco delicada e indesejável.

Mesmo eu permanecendo quieta na minha, eu sabia que Yumi não estaria muito diferente de mim no momento e não iria precisar olhar para ela para ter uma certeza disso. Mas eu olhei e não foi muito surpreendente em vê-la lixando as unhas.

E então, todo aquele falatório sem tamanho dele foi interrompido pela chegada de Adeyemi – que havia se retirado pouco depois que Baltazar havia começado a falar, que cara esperto.

Fiquei surpresa, não com a chegada dele, mas com o que vinha com ele: Perséfone e Izabel, que pareciam terem apagado, em seus braços e Luka e Raoni logo atrás. E não foi só a surpresa que eu senti; mas raiva também.

Ninguém tem o mínimo direito de mexer com o que é meu e acreditar que vai se safar bem... Bom, seria burrice, pois todos sabem que eu não permitiria que uma coisa dessas acontecesse. Tentei me levantar da cadeira, mas o olhar nada amigável de Baltazar me obrigou a ficar ali.

Nenhum de nós falou, e aquele silêncio já estava dando nos nervos. Ignorei qualquer olhar ou ordem que eu pudesse receber e corri até meus amigos. A minha maior vontade era de pegar eles e levar embora dali, mas isso não iria ser possível no momento.

O máximo que consegui foi correr e abraçar Raoni e Luka, meio que ao mesmo tempo, mas ainda assim fui censurada pelo olhar das outras pessoas ali presentes.

- O que estão fazendo aqui? –Perguntei meio histérica.

-A pergunta correta é, o que diabos você está fazendo aqui? – Raoni perguntou me encarando irritado.

Afastei deles, mas não muito. Para o que desse e viesse, eu queria estar perto dos meus amigos.

-Desculpe. Mas esse não é o assunto em questão. Depois eu te explico. – fitei o chão, fingindo culpa. Direcionei-me a Baltazar: – Pode prosseguir, com seja lá o que for. Mas saiba que se fizer um mal a qualquer um deles você já era. – Lancei um olhar ameaçador para um cara grandão que estava atrás dos rapazes.

-Eles não podem ficar aqui! - Yumi guinchou se levantando. –Eles vão desestabilizar a sala e tudo vai ficar desarmonizado!

É sério, essa garota precisa urgentemente de um calmante! Ou dois, ou talvez, logo uns quatro... Mas assim que olhei para Baltazar, ele assentiu. Eu suspirei e me virei para a montanha que parecia ser o segurança da sede.

-Olha, leve minhas amigas para algum lugar e as traga de volta quando estiverem conscientes. Isso não foi um pedido. –Avisei-lhe autoritária e ele obedeceu sem dizer uma palavra sequer.

-Eles são meus convidados. – Falei para os outros que não pareceram nada contentes quando eu apontei para Raoni e Luka, principalmente Luka.

-Esse traidor não pode ficar aqui! –Exclamou Adeyemi. – De jeito nenhum!

Os outros dois apenas concordaram e vi meu marido hesitar ao meu lado. Olhei para ele e o vi engoli a seco como alguém que tem culpa no cartório...

 -Que. História. É. Essa? – Perguntei pontuando cada palavra para bem dar ênfase no fato que eu queria saber de tudo. Ele pareceu se assustar ao ouvir isso, principalmente ao perceber minha mandíbula trincar.

-Bom, é melhor você se sentar. – Baltazar me aconselhou e eu aceitei.

Rapidamente uma cadeira foi materializada ao meu lado esquerdo onde Raoni se sentou, enquanto Luka se sentou ao meu lado direito desviando o olhar, fazendo-me crer que ele estava me escondendo algo terrível.

-Se ele está sendo gentil, é porque a coisa é séria. – falei para Luka, tentando ficar calma e ainda assim sendo doce e compreensiva com ele. – Vai me contar o que ouve? Ou eu tenho de bancar a louca pra você me contar a verdade?

 - Eu vou te contar. – ele respondeu aos sussurros, evitando meu olhar.

 – Existe uma razão na qual ele se interessou em você e está além de sua beleza ou qualquer outra coisa. –Baltazar começou o cortando. - Ele foi designado pela sede para ficar de olho em você, exclusivamente em você.

- Mas o porquê disso...? – perguntei, aturdida. De uma coisa eu estava certa: não era coisa boa. E não era algo que fosse me deixar muito feliz de saber. E ainda assim a parte curiosa de minha mente, aquela que me aconselha a ir em frente, que estava controlando minhas atitudes. – Por que iriam querer que você ficasse de olho em mim? – Falei virada em sua direção, pois, queria que todos soubessem que eu queria que ele respondesse.

 – Prossiga, traidor. –Baltazar disse em um tom que eu tive a ligeira, quer dizer, a certeza que se ele não soubesse que eu o mataria logo em seguida, ele já teria matado Luka.

- A maneira na qual você despertou seu dom, e que você causou um incêndio pela primeira vez era intrigante. – ele prosseguiu com a voz embargada de medo. – Desde o inicio nós percebemos que você era mais forte do que aparenta e isso, logicamente, chamou a nossa atenção, em especial a minha. E não estranhe isso, até porque um avatar sempre será mais poderoso que outro. E eu sabia que só precisava do seu poder para conseguir o mais bem precioso que eu poderia conseguir de ti, a imortalidade. 

-Mas, ao querer isso ele estava descumprindo ordens e nós não gostamos nenhum pouco disso. – Yumi completou intimidante quando Luka se calou.

-Então é por isso que quis tanto se casar comigo. – sussurrei mais para mim do que para qualquer um ali da sala. – Para ficar perto de mim definitivamente.

-Talvez. – ele deu de ombros pouco ligando para os meus sentimentos que estavam sendo destroçados naquele momento. Ele me pareceu muito o Luka que eu conheci na casa de Perséfone. – Ou achou que seria por seu charme?

- E porque não seria? – retruquei, me sentindo uma idiota, coisa que eu sou. Não me importava como eu aparentasse para eles. Por dentro eu me sentia traída e confusa. Era só eu não aparentar isso por fora e tudo ficaria bem.

Eu olhei de esguelha para Raoni e ele parecia tão pasmo quanto eu. Sua boca estava escancarada e seus olhos encaravam todos na sala ao mesmo tempo. Eu segurei sua mão e ele se virou pra mim, afirmando:

-Eu jamais soube disso! – Seus olhos estavam complacentes e de uma forma gentil, ele pôs seu braço no meu ombro, confortando-me. – Se eu soubesse, nunca teria o deixado chegar nem um quilômetro perto de você, eu juro.

Senti que Luka enrijeceu ao meu lado e segurou firme na cadeira para não se lançar em cima de, mas se manteve onde esteve, pois nem dei ibope.

-Obrigada. – Sorri fraco para Raoni e fitei Luka. - Mas como você pretendia extrair essa imortalidade de mim?

-Simples, arrancando seu coração. – Disse calmo e friamente. Suas palavras, nada confortantes, só me fizeram ficar pior do que eu já estava. A minha vontade era a de fugir dali correndo e só parar de correr quando eu finalmente me sentisse segura. Seu olhar, só me deixou mais amedrontada. E eu podia ver o quanto Raoni empalideceu. Eu, com certeza, deveria estar muito pior. – Ah, ora, veja pelo lado bom: pelo menos você morreria fazendo uma coisa boa. – ele riu, bastante confiante. – E eu tenho sido muito paciente esperando o momento certo para agir. Ah, quer saber, eu deveria fazer isso agora. O que acha?

-Só passando por cima do meu cadáver. – Raoni disse, se levantando e ficando em frente a mim. Luka fez o mesmo e eles passaram uma fração de segundo se encarando furiosamente.

-Ah, agora resolveu bancar o herói. – Luka disse, rindo. – Só que isso é entre Naara e eu. Se você insiste em se envolver no que é seu, beleza. É bom que os dois morrem de uma vez, como Romeu e Julieta. Seria épico e acabaria de vez com o sofrimento de ambos, não acham? Ah, vejam, eu estou sendo gentil e perdendo tempo demais com palavras.

De inicio eu não percebi o que estava acontecendo. Tudo ficou confuso e sem sentido. Eu só senti o cheiro da água e terra juntos e os gritos de quem estava por perto. Só tive tempo de criar um campo de força improvisado para mim e Raoni. E ai finalmente eu vi o que aconteceu. Todos se afastaram e só estava nós três isolados em uma parte daquela saleta, no que me lembrou de uma arena de boxe.

Luka segurava um punhal muito bem detalhado, e seus olhos estavam uma fúria que eu nunca havia visto antes. Ele, literalmente, parecia um cão enraivado, com até a baba e tudo.

-É isso mesmo que você vai fazer? – desafiei-o olhando bem em seus olhos. – Me matar a troco de ser imortal? Continuar a viver solitário e com todo mundo te odiando? Nunca ser feliz e nunca ser amado? Viver para sempre, ressentido e com raiva de todo mundo? Tem certeza de que isso é o melhor para você, Luka? –Perguntei o censurando. - Eu realmente tenho pena de você. Mesmo que você me mate, saiba que eu não deixaria isso em vão. Se é isso o que quer, siga em frente. Mas se lembre de que eu o amaldiçoarei para sempre, como fiz com o Raoni.

Se ele já estava com raiva, depois de meu discurso ficou mais ainda. Raoni ainda estava em minha frente, mas eu o deixei ali e dei uns passos para frente, a fim de encarar Luka melhor. Ergui minhas duas mãos e em uma se materializou chamas de fogo e na outra uma chama de ar, invisível, mas que facilmente se sentia a presença desta. Ele me atacou, apagando o fogo, mas eu me defendi.

Raoni até materializou raízes de uma planta estranha que o manteve preso no chão. Eu já não me sentia com raiva, como Luka esperava que eu estivesse. Em vez disso, era uma sensação estranha de calma e tranqüilidade. Não sei bem o que causou isso em mim, mas eu estava nem querendo saber mesmo.

- Me poupe com esse discurso todo. – Luka debochou ácido, revirando os olhos. – Não me importa as conseqüências, eu só quero destruir todos vocês.

-Se é assim. – sorri, demonstrando gentileza para ele. – Assim seja.

Fechei os olhos, mas pude sentir uma energia diferente envolver o meu corpo. Luka e Raoni arfaram ao mesmo tempo e eu pude sentir a raiva e a surpresa que cada um, respectivamente, sentiu.

- Você não precisaria matá-la para ser imortal. – alguém da “platéia” disse e eu sabia que era Yumi. – Já bastava conquistar o coração dela, mas não foi o que aconteceu.

Abri os olhos a fim de olhar para ela. A energia ainda me envolvia, mas com um pouco menos de luz.

-Do que está falando? – Luka esbravejou. – Ah não me importa. Vou agir de uma vez.

-Não vai não. – Baltazar se intrometeu. – O coração dela não pertence a você. Pertence a Raoni.

E então pela primeira vez eu percebi que Raoni também estava sendo iluminado por aquela energia estranha e avermelhada.

-Então você nunca deixou de me amar? – ele me perguntou admirado, olhando bem em meus olhos.

- Em nenhum segundo de meu dia, Raoni. – respondi, compartilhando aquele olhar. – Nem mesmo Luka conseguiu destruir o que sinto por você. E ele nunca vai conseguir.

Ele sorriu e eu tive certeza de que estávamos juntos novamente. Nos demos as mãos e suspiramos, prontos para encarar o que estivesse para vir.