Doce Pecado escrita por Akiel


Capítulo 14
Presença




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Doce Pecado

Presença


Eu não consigo acreditar que Alexis realmente está aqui. Ergo minha mão na intenção de tocá-la, mas paro antes que meus dedos possam alcançar a face bela. Tenho medo de que, se conseguir tocar a pele pálida, a imagem irá desaparecer como o pó quando soprado pelo vento. Os dedos longos tocam minha palma, envolvendo minha mão estendida em um calor nostálgico. 

Alexis leva minha mão até seu rosto, os olhos escuros fixos nos meus. Saio lentamente de meu estado de entorpecimento e toco livremente a pele sob meus dedos, sentindo a maciez, alcançando os fios escuros que contrastam com a palidez da face iluminada pelo vermelho das velas. Alexis dá alguns passos, aproximando-se lentamente de mim, deixando-me envolvê-la em um abraço.

Quando sinto o corpo de Alexis contra o meu, relaxo inconscientemente. Como se tivesse passado um longo tempo tenso, mesmo sem perceber, e agora a calma me invade, serenando meus pensamentos e meu coração. Passo um de meus braços pelos ombros de Alexis enquanto o outro a segura pela cintura. Respiro fundo apenas apreciando a sensação de tê-la em meus braços novamente. Só agora percebo o quanto ansiava por isso.

Penso em perguntar por que ela sumiu, onde ela esteve nos últimos dois séculos, mas não consigo. Não consigo perguntar, não consigo pensar, achar significado nessa pergunta. Imagino algumas respostas em minha mente, mas todas soam vazias e tenho a impressão de que mesmo que Alexis me responda, que me diga a verdade, esta também soará vazia.

Alexis levanta o rosto, observando-me com seus profundos olhos escuros, contornados com o brilho vermelho do fogo das velas. Contorno transparente, como as sombras de lágrimas escarlates. Imagem hipnotizante que me faz lembrar de outra face, de olhos dourados brilhando com o fogo do sangue.

Pergunto-me se Alexis sabe pelo que o que o irmão tem passado, o quanto ele está atormentado, assustado e sofrendo. Imagino se ela tem consciência do quanto Ludwig tem chorado, do quão frágil ele é.

- Eu sei. - ela diz tocando meu rosto com as unhas afiadas.

O toque dela faz com que um arrepio corra por meu corpo e um aperto forte envolva meu coração. Dói. Algo dentro de mim dói ao ouvi-la. É como se houvesse alguma coisa escondida na voz de Alexis. Medo, talvez. Ou simplesmente dor.

Dói? Retornar ao pó? Lembro-me da pergunta de Ludwig, do medo que ele demonstra de desaparecer, de morrer. Questiono a origem desse temor, pois ela deve ser antiga e profunda para que esse medo esteja tão arraigado em Ludwig.

- Ele irá morrer? - pergunto em um sussurro.

Um suspiro deixa os lábios de Alexis sendo seguido por um fraco sorriso. Um sorriso que não mostra felicidade, mas é parecido com o sorriso que Ludwig me ofereceu minutos atrás. Um sorriso de aceitação, de resignação.

- Não. - Alexis responde sem me olhar, inclinando-se e alcançando as velas no altar, brincando com a chama de uma delas - Ludwig ainda atravessará o tempo durante muitas eras.

- Então por que ele teme tanto desaparecer? - pergunto enquanto a observo pegar uma pequena parte da chama na mão e aproximar de meu rosto. Tal movimento me faz lembrar de quando Alexis me tirou do mar de fogo em que aqueles que, um dia, considerei meus irmãos, me abandonaram.

- Que ser vivo não teme o desaparecimento? - ela pergunta - Que criatura pode dizer, com cem por cento de certeza, que não teme a morte?

Não respondo, incapaz de achar uma resposta que negue as questões feitas por Alexis. Ela, por sua vez, não diz nada, apenas aproxima a chama da cicatriz sobre meu olho esquerdo.

- Eu gosto do fogo. - Alexis diz, a voz baixa e suave - Ele pode ter tantos significados... - uma pausa - Pode ser criador ou destruidor, uma boa ou má lembrança. Uma marca de amor...

- Uma marca de amor? - pergunto, curioso se esse significado pode ter alguma ligação com minha cicatriz.

- Uma marca de fé. - Alexis diz, ignorando minha pergunta - Com um toque do fogo, surge o pó e, com o assoprar do vento, uma faísca pode nascer. E, então, da junção do fogo e das cinzas algo novo pode aparecer.

- Como o quê? - pergunto. Ergo minha mão e envolvo a de Alexis, permitindo que o fogo que ela segura toque minha pele sem me machucar.

- Uma nova vida. - o olhar negro permanece preso ao meu enquanto as palavras são proferidas - Uma nova chance.

- Para quê? - estreito meu toque na palma de Alexis e a chama aumenta, o fogo se intensifica.

- Para estar presente. - ela responde com simplicidade.

- Aqui? - pergunto sentindo o aperto em meu peito aumentar.

- Ou em outro lugar. - o tom de voz de Alexis não se altera.

- Por que partir? - questiono, mudando - ou talvez não - o rumo da conversa.

- Às vezes é necessário.

Como poderia ser? Que necessidade poderia haver no abandono de um lugar, de alguém? Ou talvez somente aquele que é abandonado sente algo com relação àquele que o abandonou, o inverso não sendo verdadeiro. Meu coração dói perante tal perspectiva.

Alexis parece perceber meus pensamentos, pois volta a sorrir. O mesmo sorriso sem felicidade.

- Não consigo entender... - digo, minha voz falhando um pouco.

- Não consegue? - Alexis pergunta - Ou não quer?

O fogo morre, transformando-se em cinzas.

Are you the one?
Who’d share this life with me?
Who'd dive into the sea with me?
Are you the one?
Who' had enough of pain
And doesn't wish to feel the shame, anymore
Are you the one?


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Notas finais do capítulo

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