Metamorfose escrita por Mia Elle


Capítulo 9
Capítulo VIII




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“ ‘Cause everything that you thought I would be

has fallen apart right in front of you.

Every step that I take is another mistake to you.

And every second I waste is more than I can take!”

- Numb – Linkin Park

Frank deixou a St. Martin aquela tarde com usando fones de ouvido e tendo de prestar atenção no caminho, visto que havia chovido no dia anterior inteiro, e então a rua estava cheia de poças, nas quais ele pisava ocasionalmente, molhando seu tênis. Deu graças a Deus quando finalmente chegou em casa pela perspectiva de deixar seus pés livres das meias molhadas.

Destrancou a porta calmamente, e entrou em casa. Ergueu a mão ligeiramente, derrubando o fone da orelha esquerda e ouviu vozes vindas da cozinha. Estava cogitando a hipótese de seu pai ter chegado mais cedo, quando adentrou o recinto, dando-se conta de que não era seu pai.

Era um homem desconhecido. Alto, magro e com olhos azuis bonitos. Quando jovem devia ter sido realmente atraente, mas agora já devia estar beirando os cinqüenta.

- Querido! Nossa, você já está em casa? – a voz de Linda fraquejou ao dizer a frase e ela levantou da mesa, meio nervosa, mostrando que vestia apenas um roupão de seda por cima do que parecia serlingerie. Frank franziu o cenho e olhou do homem para a mãe, e para esta fez um sinal indicando que gostaria de saber o que estava acontecendo.

O homem pigarreou e levantou-se da mesa rapidamente, quase derrubando a cadeira. Estava visivelmente desconfortável.

- Eu... Hm, estou indo. Nos vemos então, Lind- Digo, Sra. Iero – foi em direção a mãe de Frank, inclinando-se para beijá-la no rosto, Frank esperava, mas acabando por cancelar o movimento na metade do caminho e apenas trocando um aperto de mãos com a mulher.

Dizendo isso, saiu em direção à porta, que Frank agradeceu por não ter trancado novamente, visto que estava mais do que disposto a acabar com todo aquele constrangimento. Assim que ouviu a porta se fechar, tirou a mochila das costas e jogou-a na mesa, puxando uma cadeira e sentando-se à mesa. Encarou a mãe, que estava apoiada com as duas mãos no balcão da cozinha, com o olhar parado em algum ponto fora da janela.

- Hm, Mãe? – ela acenou com a cabeça, ainda sem desviar o olhar do que quer que fosse que lhe chamava tanta atenção – quem era esse cara?

Ela fechou os olhos e abaixou a cabeça, mordendo o lábio inferior. Permaneceu assim por algum tempo e depois pareceu despertar, respirando fundo:

- Ninguém Frank. Lave a louça, sim? – ela deu um impulso com as mãos que seguravam o balcão e já ia saindo da cozinha, quando Frank, que levantara rapidamente, segurou seu braço. Ela virou para olhar.

- Olha mãe, eu não estou mesmo interessado em saber quem ele é – disse, ainda segurando o braço da mulher com força – mas eu tenho um palpite, muito provavelmente certo, sobre quem ele épara você– a mulher pareceu que não respirava, visto que nem se mexia. Frank soltou o braço dela e deixou o seu pender ao lado do corpo – então acho que deveríamos conversar.

Ela não respondeu, apenas tateou atrás de si até encontrar o encosto de uma cadeira, o qual puxou para si e jogou-se na mesma, apoiando o rosto nas mãos, escondendo-o, e deixando Frank ouvir alguns baixos soluços. Frank sentou na cadeira onde estava novamente e estendeu o braço esquerdo por cima da mulher, acariciando de leve as suas costas, e utilizou o outro para arrumar os cabelos desta atrás de sua orelha, numa tentativa de ver seu rosto. Aproximou a boca bem próxima do ouvido da mãe e resolveu que deveria deixar clara a sua opinião.

- Mãe, escute. Eu sei que as coisas entre você e o papai não estão nada bem. Mas por que, ao invés de ficar engolindo o que ele diz, ou discutindo o tempo todo, ou trazendo outros... Outras pessoas para casa, você não diz o que quer? Por que, já que você não quer mais estar casada com ele, não se separa? – à medida que foi falando, percebeu que os soluços da mulher se intensificavam. Ela sabia que o garoto estava certo, mas não sabia se podia fazer isso.

- É co-complica-do, Fi-lho-o – ela soluçou, limpando os olhos depois de se reerguer na cadeira. Respirou fundo e prosseguiu, a voz menos embargada agora – Apesar de tudo, eu amo o seu pai. Passei a minha vida com ele, não conheço outra coisa. Não teria como viver sem ele.

- Isso é amor ou comodismo? – Frank indagou preocupado, fazendo os olhos da mulher se marejarem novamente. Ela apenas fez sinal negativo com a cabeça, provavelmente incapacitada de responder.

Ela sorriu doce, mas não respondeu, visto que nesse instante, ouvira o marido entrar em casa, parecendo vir direto a cozinha, onde os dois se encontravam.

- Está chorando por quê? Sabe que chorar não leva a nada, não é? – perguntou, sem realmente olhar para ela. Frank pode ver a mágoa e o ódio nos olhos da mãe, mas decidiu que não ficaria ali para ver o resto da discussão. Bateu as mãos nos joelhos, respirando fundo, e levantou-se da cadeira, pronto para sair do recinto - Aonde vai? – ouviu a voz debochada do pai chamar por ele – sua mãe parece não querer responder, responda-me você.

Frank encarou a mãe que, ainda com lágrimas nos olhos, fez que não com a cabeça freneticamente, algum tipo de desespero em sua face. Frank pensou em dizer que eles podiam se resolver sozinhos, mas então percebeu que não podiam. Percebeu que Linda jamais abriria a boca contra o marido, e ele precisava fazer aquilo para o bem da mãe.

- Eu vou te contar por que é que ela está chorando, seu... Seu... Patife. Ela está chorando por que você é um completo filho de uma puta, que não entende a porra do significado de estar casado com alguém – viu que o rosto do pai começou a ficar vermelho, mas mesmo assim não parou – ela é a porcaria da sua mulher, é difícil assim entender? Ela precisa da sua atenção, do seu carinho... Ela precisa que você faça sexo com ela, porra! – A mãe levantou da cadeira, disposta a fazer Frank parar, mas ele esticou a mão para impedi-la – se você fosse a porra de um marido de verdade, ela não precisaria procurar o que você não dá, na rua – Frank pai ficou completamente vermelho e parecia ter algo queimando em seus olhos – e é por isso que ela está chorando. Ficou claro?

Dizendo isso, abaixou o braço esticado, e deu as costas aos dois, ouvindo os gritos que se seguiram. Achou estranho o pai não o espancar logo ali, mas pensou que ele devia estar realmente transtornado com o que acabara de ouvir sobre a mulher. O garoto subiu as escadas de dois em dois degraus, indo direto ao seu quarto, a fim de finalmente tirar os sapatos molhados.

Descalçou o tênis, tirou com dificuldade as calças justas e despiu as várias blusas e foi direto ao banho quente. Enquanto apertava o frasco de shampoo e observava o creme branco escorrer na palma de sua mão, pensou se o que fizera fora certo. Achava que o casamento dos pais não tinha mais salvação, mas, e se tivesse? Será que era justo ele se meter no meio da vida alheia assim, mesmo que se tratasse de sua mãe e seu pai?

Estava no meio desse devaneio quando a porta de seu banheiro se abriu num baque e seu pai entrou. Estava vermelho e suado, e parou de frente para o boxe, cruzando os braços. Frank franziu o cenho, e desligou o chuveiro, ainda que não tivesse terminado seu banho. Abriu a porta de correr e puxou a toalha, secando de leve o rosto antes de se enrolar nesta e perguntar:

- O que é?

- Você não esqueceu nada?

Frank franziu o cenho ainda mais, dando nos ombros e balançando a cabeça negativamente.

- Desculpas, quem sabe? – o pai disse, como se fosse óbvio. O garoto não pode segurar o riso, que escapou entre seus lábios sem permissão. Sabia que era um erro, o pai já estava possesso demais para ser mais provocado. Incrivelmente, o homem apenas respirou fundo e disse:

- Eu estou deixando essa casa, você vem comigo?

- Obviamente não – Frank respondeu.

O pai parecia prestes a gritar, mas respirou fundo e se segurou, dizendo apenas:

- Então se considere órfão de minha parte – mesmo isso soando como uma despedida, ele ainda não deixou o banheiro. Queria apreciar a reação do filho que, internamente, sentiu mais um pedaço de si morrer, mas não demonstrou.

Não importava quanto ele odiasse o pai, ou quantas vezes havia desejado que ele morresse, desaparecesse, qualquer coisa... Ele continuava sendo seu pai, e apenas quem ouviu alguma coisa como essa do cara que te criou a vida inteira, e que foi seu herói de infância, pode saber o quanto dói. Mesmo assim, ele se manteve firme e apenas acenou com a cabeça.

O pai abriu levemente os lábios e ergueu as sobrancelhas. Sem dizer mais nada, deu as costas e deixou o banheiro, o barulho de seus passos sendo o único barulho. Frank deixou-se desmoronar ali, e quando a primeira lágrima estava prestes a cair ele percebeu que era praticamente sua última chance. A única que teria.

Arrumou melhor a toalha em sua cintura e saiu o mais rápido que pode do banheiro, seguindo os passos que o pai fizera. Este estava quase fechando a porta quando Frank chegou ao topo da escada. Lá de cima gritou:

- Espere!

- Sim? – o pai perguntou colocando a cabeça primeiro para dentro da casa novamente, e depois entrando por completo. Era puro ceticismo em sua expressão, Frank observou.

- Eu... Sou... Gay. Eu sou gay! – Disse, criando coragem e dizendo de uma vez, sabendo que se enrolasse acabaria não dizendo nada. Para alguém que vê de fora a cena pareceria ridícula, mas para Frank foi um dos momentos mais difíceis de sua vida.

O pai deixou a maleta que carregava cair no chão e começou a subir a escada, ainda avermelhado e suado.

- Você o que?

- Gay – Frank respondeu sentindo a voz fraquejar pelo medo que sentia. Era como se estivesse certo de que era o fim de sua existência ali.

O homem chegou até ele e o empurrou em direção à parede.

- Eu sempre soube – disse, aparentemente não revelando a raiva que sentia em sua voz – você sempre foi essa porra de veado, desde que começou a andar. E quer saber? É exatamente por isso que você me dá vergonha. Eu tenho vergonha de ser o seu pai, por que eu estou certo de que não mereço um filho que me traga tanta desgraça – dizendo isso, soltou o garoto, mas não sem antes cuspir aos seus pés.

Desceu as escadas, juntou a maleta que jazia ao chão e saiu pela porta, batendo-a o mais forte que pode. Frank deixou-se escorregar pela parede até sentar-se no chão e sentiu as lágrimas virem. Ele queria ser forte.

Queria ser forte para dizer: “Foda-se você, foda-se muito. Não me importo se não gosta de mim assim, por que é assim que eu sou e eu gosto” queria poder gritar “você é tão ridiculamente preconceituoso, tão toscamente antiquado e eu não estou nem aí pra você, seu merda! Morra você e o seu racismo!”. Mas ele era a porra de uma bicha covarde. Ele não conseguira abrir a boca pra dizer qualquer coisa, a não ser que era gay. Ele sentia como se tivesse tirado um peso de cima de si mesmo, mas ganhado um bem maior. Como se ele nunca fosse conseguir se livrar de nenhum de seus problemas. Quando conseguiu parar de soluçar e ficar em silêncio foi que ouviu os soluços da mãe vindo do andar de baixo. Antes de descer vestiu uma roupa qualquer, e depois a encontrou na sala de estar, com o rosto escondido nas mãos e os soluços cada vez mais fortes. Frank foi até ela e simplesmente a abraçou, deixando suas lágrimas caírem junto com às dela.

Permaneceram assim por algum tempo até que Frank criasse coragem para dizer:

- Desculpe mãe.

Ela respirou fundo e apoiou a cabeça no ombro esquerdo do filho e murmurou:

- Está tudo ok, você fez o melhor. As coisas serão melhores agora, você sabe – ela ergueu um pouco a cabeça e deu um beijo estalado na bochecha do filho, antes de encostar a cabeça novamente no menino e voltar a olhar para o nada com os pensamentos vagando.

 Neste instante a campainha tocou e Frank, vendo que a mãe não levantaria para atendê-la, o fez por si mesmo e caminhou lentamente até a porta. Olhando pelo olho-mágico, verificou que se tratava de alguns amigos seus: Bert, Julian, Bob e um garoto agarrado com o último que ele não conhecia.

Ele realmente não estava afim de conversar com seus amigos, e estava certo de que eles só estavam ali para chamá-lo para alguma noite fora ou festa qualquer, coisa que ele realmente não queria fazer agora. Mesmo por que, deixar sua mãe sozinha naquele estado estava fora de cogitação. Mas também não podia deixá-los ali plantados, portanto abriu a porta e apoiou-se no batente, escondendo o interior, deixando claro que eles não deveriam entrar.

- Hm, oi Frank – Bob disse, esboçando um sorriso para apenas depois reparar nos olhos e face vermelhos do pequeno – está tudo bem?

Frank fez que não com a cabeça.

- O que aconteceu, pequeno? – Julian perguntou, dirigindo-se até o garoto para abraçá-lo. Frank retribuiu o abraço, mas soltou rapidamente, ficando apenas com a mão em volta da cintura do outro.

- Nada demais – respondeu, cansado – meus pais brigaram e ele saiu de casa, só isso.

- Vai ver foi melhor assim – sugeriu Bob dando palmadinhas no ombro do amigo.

- É, vai ver – o menino respirou fundo – mas eu... Aproveitei e contei a ele que sou gay – todos na roda, até mesmo o ‘amigo’ de Bob que Frank nem sequer conhecia, ofegaram.

- E ele? – Bert se arriscou.

- Disse que tem vergonha de ser meu pai – declarou o pequeno, sem emoção na voz.

- Ah, Frankie – Bob suspirou, largando o garoto em que estava abraçado e indo até o pequeno, apertando-o em seus braços – você sabe que tudo vai ficar bem, não sabe? E qualquer coisa, eu estou aqui.

Frank lutou para não começar a chorar novamente e, para o seu próprio bem, livrou-se do abraço do amigo, sem dizer nada devido ao nó em sua garganta.

- Mas hey, viemos aqui para convidá-lo para sair conosco – Julian disse, ignorando o clima tenso e usando um tom animado demais para a situação.

Todos olharam para ele e fizeram sons parecidos com ‘tsc’, o que fez o garoto dar nos ombros e murmurar que era realmente a intenção deles, e que ele achou que, talvez, Frank quisesse se distrair. Admirado com a falta de tato do garoto, o pequeno respondeu:

- É, não, realmente não. Só quero ficar sozinho e, além do mais, minha mãe está... muito mal, não posso deixá-la sozinha – concluiu.

- Bem, eu acho que deve ficar mesmo – concordou Bob – mas se mudar de idéia, ou quiser sair pra espairecer qualquer dia, ou... Só quiser um abraço, saiba que estamos aí – os outros murmuraram em concordância, e se despediram do pequeno, indo em direção ao Chevrolet de Bob em seguida.

Frank ficou observando o carro desaparecer na esquina e a rua voltar a ficar escura pela noite. Estava com frio, mas não queria entrar. Sabia que teria de consolar a mãe, e que isso apenas o deixaria pior. Realmente, seria bom sair para se distrair, mas a mãe sempre tivera tendência para depressão, deixá-la sozinha não era uma boa idéia.

Resolveu que já era hora de voltar para dentro de casa, e o fez, indo fazer companhia para a mãe, que ainda chorava no sofá da sala.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por estarem lendo e comentando, todo mundo. :D Quando possível, atualizo novamente.

Estamos exatamente na metade da fic agora.