Bad Girl Fuckin Perfect escrita por Nikkmoon


Capítulo 9
Cap IX: Mudando


Notas iniciais do capítulo

Sinto muito pela demora, mas espero que gostem.
Gomem qualquer erro. Boa leitura.



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Cap IX: Mudando


“Durmo com a sensação estranha de que quero ser diferente do que sou, ou de que sou diferente do que quero ser, ou talvez de me comportar diferente do que sou ou do que quero ser.”

O Diário de Anne Frank




Subi a escada com calma, carregando o frágil embrulho em meus braços. Degrau após degrau, usando toda a habilidade e equilibro que haviam me restado para executar aquela tarefa. Depois de cinco longos lances de escada havia chegado ao apartamento 31, desajeitada bati na porta equilibrando da melhor maneira possível o embrulho em um braço só, mas não obtive respostas as batidas. “Consuelo ainda não deve ter chegado” cogitei, chateada.


Eram quase seis da tarde, não tinha muita certeza do horário que Consuelo voltava do trabalho, mas não deveria demorar. Sentei-me ao lado do surrado tapete de boas-vindas do apartamento 31, colocando o embrulho junto ao corpo. Não costumava visitar Consuelo, ela trabalhava muito e não tinha tempo, mas aquela era uma ocasião especial, era seu aniversario e não poderia deixar de vê-la. Não sabia exatamente quantos anos estava completando, talvez 60 anos ou menos, mas não era algo que fizesse diferença, pois sua alma era cada vez mais jovial, e a cada ruga que lhe surgia parecia ficar ainda mais.


– Espero que ela goste – murmurei olhando o embrulho ao meu lado.


Havia passado a tarde toda fazendo aquele bolo, não que eu soubesse cozinhar, muito pelo contrario, mas não poderia deixá-la sem nada. Sabia o quanto Consuelo amava doces – que acabaram causando seu excesso de peso – e um bolo feito por mim era a única coisa que poderia lhe oferecer. Bati a massa, recheie de creme de limão, fiz a cobertura e escrevi um “Feliz aniversario” de glacê verde. Já podia ouvir os gritos de excitação de Consuelo, seus braços roliços me apertando e querendo que eu comesse metade do bolo com ela. Abracei meus joelhos, ansiosa para que ela chegasse, mas não chegou...


Duas horas depois não podia esperar mais, caso demorasse muito era provável que recebesse a fúria de meu pai no rosto. Levantei e coloquei o bolo devidamente embrulhado sobre o tapete, mexi na parte de baixo do embrulho ate conseguir puxar um guardanapo de papel, tirei do bolso da calça uma caneta e comecei a rabiscar. Escrevi com a melhor letra que pode um: “Feliz aniversario, Consuelo. Eu mesma que fiz, espero que goste. Emily”. Coloquei o guardanapo sobre o embrulho e desci as escadas.


Fui para meu quarto sem precisar falar com meu pai, ele estava jogado no sofá, inconsciente. Deitei na cama e tirei os sapatos, pensando que talvez Consuelo já tivesse chegado em casa e encontrado o bolo. Não a via fazia quase duas semanas, desde o incidente no halloween. Naquela noite mais tarde, depois que consegui me levantar do chão do banheiro e me lavar, Consuelo apareceu em minha porta vestida com um longo vestido preto, uma mascara colorida de papel mache e uma sacola nas mãos. Consuelo ficara desapontada por não ter conseguido me assustar, mas seu sorriso brincalhão não durou muito quando sentiu o cheiro de meu cabelo. Meu cabelo ainda fedia a ovo e algo mais, e realmente não queria falar sobre o que tinha acontecido, era humilhante demais, mas para ela isso não tinha a mínima importância e me puxou pelo braço ate os fundos da casa, escondido para que meu pai não a visse. Obrigou-me a sentar no chão e falar, mas acabei apenas por contar que havia sido mais uma brincadeira do pessoal da escola, uma peça para o halloween, sem qualquer detalhe a mais. Foi quando seu rosto ficou vermelho e esbravejou alguma coisa em espanhol, para logo depois me olhar com ternura e sorrir, dizendo que me arrumaria um bom xampu, mas que por hora doces já eram suficientes e abriu sua enorme sacola. Acabei comendo aquela noite dois caramelos e um pedaço de chocolate, enquanto Consuelo esvaziara toda a sacola me contando que no México não tinham um halloween e sim uma ‘festa dos mortos’ por isso estava usando aquela mascara, me explicando com detalhes a festividade.


Passei as mãos pelo cabelo, parecia que o cheiro de ovo ainda estava impregnado neles. Não havia recebido o tal xampu.



*



Dedilhei o arame encaracolado do caderno, esperando sem qualquer ansiedade o fim aquele período.


Antony resmungava alguma coisa em sua mesa, enquanto corrigia a prova. Não me surpreendia ele estar zangado, para um professor deveria ser difícil saber que metade dos seus alunos nada sabiam sobre a matéria que dava.


Suspirei longa e demoradamente quando o sinal tocou, guardando sem presa nenhuma o caderno na mochila. Permaneci com um livro sobre a mesa, esperando a sala ficar vazia. Quando finalmente todos correram para fora, levantei-me com o livro nas mãos e o levei ate o professor.


– Obrigada pelo livro, professor – pus sobre a mesa o livro de Anne Frank que ele havia me emprestado há tempo.


Ele ergueu os pequenos olhos verdes da prova, aparentemente surpreso com o meu ato.


– Não foi um empréstimo, Emily, eu o dei a você – riu, divertindo-se com a situação.


Senti meu rosto arder, recolhi o livro sobre a mesa e o abracei contra o peito.


– Gostou do livro? – perguntou, largando a caneta e entrelaçando as mãos em baixo do queixo.


– Ah, sim... – ruborizei novamente. Não era mentira, havia gostado do livro, mas não tinha terminado de lê-lo. Abaixei os olhos ate o livro entre meus braços, porque eu havia de terminar de ler? Ela morre.


– Sabia que iria gostar, por isso é seu. É um ótimo exemplar, mas de fato, é triste. Anne sempre soube qual seria seu destino, nunca se sentiu de fato segura, mas todos sabemos, inconscientemente negando-o, qual será.


Não me atrevi a olhá-lo, tive medo de que os pequenos olhos verdes pudessem ver algo neles que não deveria. “Todos morremos, outros escolhem morrer”.


– Ah, você tirou A na prova, Emily – exclamou Antony, um sorriso grande surgiu em seu rosto redondo – Parabéns.


O fitei por um momento... Os olhinhos piscando, a testa brilhando de suor que seguia para o circulo liso de sua cabeça, rodeado por um ralo cabelo fino loiro; as mãos de dedos grossos segurando a prova com um grande A circulado. E eu simplesmente não sabia o que responder. Abaixei os olhos novamente, apertei o livro contra o peito, como um escudo.


– O-obrigada pelo livro – sai apresada.


Do lado de fora da sala pude respirar aliviada por um momento. Eu apenas tinha respondido a prova, merecia algum elogio por isso? Não recebia elogios ou qualquer palavra enaltecida com nenhuma frequência. Eu merecia? Mas antes que pudesse chegar a qualquer resposta sobre, ou me afastar 5 metros da sala, fui lançada ao chão por um forte empurrão nas costas. Bati os joelhos no chão, usando as mãos para aparar a queda o livro rodopiou pelo piso.


- Preste atenção onde anda, querida – cacarejou Lucy atrás de mim.


Não me atrevi a levantar, de nada adiantaria se logo em seguida seria derrubada de novo. Apenas me sentei e vi Matt caminhar ate o livro, Timmy e Jimmy riam enquanto Lucy se apoiava no ombro de Gary.


– Anda recebendo presentinhos do velho gordo, é? – Matt ergueu o livro pela capa, balançando-o de um lado para o outro.


– A retardada tem um namoradinho – disse Jimmy ou Timmy, não fazia diferença, porque logo em seguida o outro ria. Mesmo sentada no chão, podia sentir o cheiro de queijo velho e cebola do hálito de ambos.


Matt andou gracioso de volta para perto do grupo. Ao vê-lo se aproximar ergui minha mão na direção do livro, um ato imprudente que eu mesma corrigi o recolhendo de volta para perto de meu corpo.


– Que porcaria é essa? – Lucy puxou o livro das mãos de Matt, fitando confusa a capa, talvez tentando saber o que poderia estar escrito. Não me admiraria se ela realmente não soubesse, era divertido pensar nisso diante a situação.


– Um livro sem desenhos – observou um dos gêmeos. Esses não me causavam duvida nenhuma sobre a capacidade de ler, principalmente a falta dela.


– Não importa – os dedos finos de Lucy arrancaram uma pagina, depois outra e outra, lançando cada uma em cima de mim. – Agora vá chorar para seu namoradinho gordo, idiota – riu, largando o que restara do livro.


Matt a puxou para perto de si, beijando os enjoados lábios vermelhos de Lucy, e foram embora. Os gêmeos pisotearam o que sobrou do livro antes de segui-los. Me atormentavam e iam embora rindo, enquanto eu ficava para recolher o que restava, sem nunca ninguém ter estendido uma mão para ajudar. E por que fariam?


Recolhi as paginas uma a uma silenciosamente, mas aquele não era o único som no corredor. O barulho opaco de passos se afastando era mais alto do que o meu recolher de restos. Olhei para trás e vi a cabeça coroada de cabelos loiros de Antony, andando na direção oposta. A sala dos professores era do outro lado...


– Estúpida – murmurei, voltando a recolher as folhas.



*



Desci vagarosamente as escadas. Era sábado de manhã, não que isso significasse algo de bom, a não ser pelo fato de não precisar ir a escola. Arrastei-me ate a cozinha, fazia o que podia para acordar cedo nos sábados e tomar café da manhã com minha mãe. Bem, não era exatamente tomar café, enquanto eu comia, Yolanda lavava os pratos ou fazia qualquer coisa relacionada a limpeza da cozinha. Naquela manhã estava limpando a geladeira. Na mesa, uma tigela estava posta com uma caixa de cereal barato e um litro de leite ao lado. Puxei uma cadeira e sentei-me.


– Bom dia, queria. – disse Yolanda com metade do corpo dentro da geladeira.


Servi uma porção do cereal e comecei a comer. Esse era o café da manhã com minha mãe. Normalmente quando terminava de comer ela saia para trabalhar, com as únicas palavras trocadas sendo o “bom dia” e “tchau”. Queria aproveitar aqueles minutos para conversar com ela, mas o que falaria? “Hey, mãe, ontem o pessoal da escola rasgou meu livro, mas tudo bem, semana passada eles me espancaram.” Não tinha nada para compartilhar, nada que ela devesse saber, então me calava. Yolanda, por sua vez, parecia não querer saber de nada que não estivesse a ver com notas e trabalhos de casa. Mesmo com esse silencioso e vazio tempo, onde tudo que normalmente era feito era um interrogatório sobre notas, eu ainda queria passar aqueles 20 minutos com ela. Talvez fosse apenas para lembrar como era sua voz quando não estava berrando aos prantos, como acontecia quase todas as noites enquanto brigava com Taylor.


Meu cereal estava quase no fim e Yolanda já tinha fechado a geladeira, era quase hora dela ir trabalhar. Quando voltasse a noite, como em todos os sábados, encontraria meu pai bêbado, e eu escutaria a discussão, os gritos e os tapas do meu quarto. Tinha algo que queria saber e aquele era o único momento para perguntar. Coloquei a colher de lado.


– Mãe... – perdi a fala por um momento quando a vi se virando em minha direção, os casados olhos verdes a me encarar – Consuelo... Soube se aconteceu algo com ela?


O receio me percorreu, por mais que Consuelo fosse amiga de minha mãe não sabia se ela tinha noção de suas visitas e de nossas conversas. Yolanda torceu a boca e demorou um minuto antes de responder.


– Taylor... A Consuelo voltou pro México.


E isso foi tudo. Sem esclarecimentos, sem explicações, sem consideração, sem despedidas. Fiquei imóvel. Não lembro de Yolanda ter passado por mim, mas no que pareceu ser o instante seguinte ela não estava mais lá. Olhei para baixo e vi a tigela de cereal parcialmente terminada, empurrei-a para frente e me levantei. Sem expressão, sem qualquer manifestação de emoção subi as escadas. Não fui pra o quarto como de costume, rastejei ate o banheiro.


Parei frente a pia, onde tantas vezes estive antes. Vendo meu reflexo no espelho, senti vontade de gritar. Mas para quem? Não tinha ninguém, estava completamente sozinha. Mordi com força o lábio inferior para reprimir o choro, a única pessoa que se importava comigo tinha ido embora sem me dizer nada. Mas não poderia me zangar com ela por isso, Consuelo fez por mim mais do qualquer fez, acreditou em mim. Estendi a mão ate a gilete em cima da pia e a segurei entre os dedos. Mordi o lábio com mais força, ate sentir o sangue na boca e as lagrimas quentes nas bochechas. Tudo tinha gosto de abandono. Olhei-me no espelho mais uma vez, a boca vermelha, os olhos mais vermelhos ainda, o cabelo solto escorrido.


“É uma menina tão bonita...”


Podia ouvir sua voz me dizendo aquilo. Ela gostava de mim, acreditava em mim, e eu nunca fiz nada para retribuir isso.


“Mi Madre sempre me disse, ‘Se você não acreditar em si mesmo, ninguém vai fazer isso por você’ ”.


Mas como eu poderia? Acreditar no que? Uma fracassada era tudo que eu via.


“Vamos garota, arrume esse cabelo, seja quem você quer ser.”


Sua voz ainda ecoava em meus ouvidos, a voz que eu não ouviria de novo, o riso que não poderia mais ter, a luz que me iluminava se apagara... Tudo que havia me restado era eu, e eu não gostava do que tinha. Enquanto Consuelo esteve comigo, nada fiz para que sentisse orgulho, talvez tenha sido por isso que não se deu ao trabalho de me dizer adeus, afinal, perdera seu tempo comigo. Mas eu já havia perdido tempo demais, perdido o que me sustentava, o que mais poderia perder? Sem desviar o olhar do espelho, trouxe a lamina da gilete para mais perto de mim. “Seja quem você quer ser.” Eu detestava tudo que era ou tudo que fingia ser, mas eu não me sentia como se fosse eu, então poderia ser qualquer outra coisa... certo? Por Consuelo, por mim...


Segurei com mais força a gilete e deslizei... Deslizei por uma mexa de cabelo, por mais outra e outra. O chão do banheiro foi tomado por fios e fios castanhos. O cabelo que antes ficava no meio das costas, escorrido, reto... odioso... Agora, estava quase a cima do ombro, em cortes irregulares, com uma parte jogada sobre o rosto, quase a tapar um dos olhos. Não parecia ruim.


Então a vontade de gritar me tomou mais uma vez, porem dessa vez não reprimi. Gritei, gritei ate a garganta doer, gritei ate ficar sem ar. Ninguém poderia ouvir a não ser eu, e foi um grito por mim. O grito agudo e dolorido, grito de dor que reprimi por anos e que não queria mais suportar. Larguei a gilete e me fitei pela ultima vez no espelho... O cabelo desgrenhado, os olhos vermelhos, uma veia saltada no pescoço e sangue seco num lábio...Não parecia muito diferente de antes, mas não queria ser mais como antes.


– Me desculpe, Consuelo...




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Notas finais do capítulo

Yo.
Bem, como disse sinto muitíssimo pela demora, serio. Mas tenho uma fic paralela a essa, ai piora, alem da falta de motivação de minha parte para escrever. Porem, não abandono a fic e quero continua-la o quanto antes, porque tem muito a acontecer ainda. Maas... Agora eu realmente estou sem tempo. Estou trabalhando, estudo pro enem por conta propria e estou voltando as aulas, então... SEM TEMPO! Mas vou tentar me organizar pra arrumar um tempo pra escrever a fic, por vocês e por mim mesma. Para quem quiser, escrevi uma fic curtinha nesse meio tempo, quem quiser passar por la, sinta-se à vontade (http://fanfiction.com.br/historia/386545/Vodka/)

Obrigada por quem lê e comenta, espero que estejam gostando.
Bjos e ate!!



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