Capítulo 03. O Coração

07 de Outubro de 2011

03:57 a.m.

Mesmo que houvesse curado a doença que era Uchiha Sasuke, tê-lo com os lábios sobre os seus não era exatamente uma coisa fácil de processar. Havia esperado sua vida inteira por aquele momento, e secretamente estava ficando irritada.

Pisa, humilha e brinca com sentimentos alheios. Depois do nada vem e beija?

Onde é que ele estava com a cabeça?

Sacana.

E mesmo assim, não conseguia livrar-se dele. As mãos que apertavam de maneira tão possessiva sua cintura eram quentes, seus lábios tinham o gosto de sangue. Sua língua lutava contra a barreira que Sakura estava tentando formar com a boca.

Mas era inútil, porque a Haruno sabia muito bem que o moreno não descansava até ter o que queria. E no momento o que ele queria era enfiar aquela língua dentro da sua boca. E, bom, o que ela podia fazer? Cedeu.

Sua mente o amaldiçoava e em contrapartida sua boca se deliciava com o gosto agridoce que ele possuía. E continuaram nisso ate o ar lhe faltar, quando o empurrou de leve.

Não tinha coragem de encarar os ônix que por tantos anos fora obscecada, por isso manteve-se com a cabeça baixa enquanto ele respirava em seus cabelos.

Até sentir algo molhando-os.

O que viu lhe partiu o coração.

Ele estava chorando. Toda aquela mascara de eu-não-me-importo-com-ninguém havia simplesmente desaparecido de sua face, dando-o uma expressão infantil de completa dor e abandono.

Sakura teve gana de abraçá-lo, mas ele ainda se mantinha arredio. Suspirou, usando as duas mãos para segurar-lhe o rosto, mantendo o contato visual. Duas mechas rebeldes de seu cabelo tampavam o rosto, ela as tirou num movimento delicado, aproveitando a situação para deliciar-se com a textura de sua pele.

Uma lágrima caiu em seu nariz, escorrendo até sua boca, onde foi absorvida. Suspirou. Com sutis movimentos deixou as mãos escorregarem até seus ombros, onde fez uma leve pressão indicando-o a se sentar.

Sasuke nada falava, a encarava com os olhos úmidos e as bochechas molhadas. Obedeceu a seu comando de bom grado, e foi mais além.

A rósea não pôde deixar de se surpreender no momento em que o moreno aninhou a cabeça em seu colo, o corpo encolhido sujava-se na terra úmida, mas os braços, que ainda rodeavam sua cintura, serviam como apoio a cabeça sobre suas pernas.

Ficaram naquela situação não se sabe por quanto tempo. Sasuke chorando de maneira silenciosa e a rosada fazendo carinho em seus cabelos. Com um contato tão próximo a Haruno pôde vislumbrar as ataduras firmes em volta da sua cintura, além de diversos arranhões já quase que praticamente curados.

Ao afastar a franja para poder deixar mais visível seu rosto, viu um pequeno corte. Este um pouco mais avermelhado, talvez por ter passado despercebido por quem quer que tivesse feito os curativos no Uchiha. Com uma quantidade mínima de chakra curou-o, deixando a pele perfeitamente lisa.

Sasuke, assim que notou-a trabalhando em um de seus ferimentos interrompeu as lágrimas, amaldiçoando-se mentalmente por ter tido um comportamento tão infantil e fraco. Era isso que ele era, fraco. Quanto mais forte ficava, mais fraco se tornava.

Limpou a umidade devagar, como se o que fizesse fosse tirar a sujeira. Levantou-se até o ponto de ficar sentado ao lado de Sakura, que o observava em silêncio.

Houve um tempo em que ela provavelmente começaria a gritar e perguntar o que aconteceu, ali ela apenas esperava que ele lhe falasse. Talvez exatamente por isso que ele não se sentia tão absurdamente incomodado, mas apenas receoso e envergonhado. Detestava se mostrar fraco, na frente dos outros lutava pelo controle.

Mas aquela ali era a... Sakura. Diferente, madura e tão absurdamente familiar que não parecia tão assustadora a possibilidade de se abrir com ela. E talvez ela não tivesse mudado tanto assim, apenas o suficiente para lutar contra o impulso de perguntar algo toda vez que abria a boca, logo fechando-a, receosa.

- Acabou.

Os olhos esmeraldinos piscaram algumas vezes, os lábios se separaram poucos centímetros. A Haruno franziu o cenho.

- O que acabou?

Ele a olhou com uma sobrancelha arqueada, expressão única que dizia muita coisa, mas que no momento parecia silabar um "você sabe muito bem o quê". Só que ela não sabia, sinceramente não fazia sequer idéia do que ele estava falando. O Uchiha grunhiu incomodado. Não era de seu feitio externar sentimentos, e Sakura definitivamente não estava colaborando.

- Eu matei Itachi.

- Oh... – Não pôde impedir a exclamação de surpresa, ignorou as dezenas de perguntas que bombardearam em sua mente, sabendo que apenas uma era importante. – E como se sente agora?

Sasuke a olhou desconfiado, os olhos deslizando pela textura do cabelo emaranhado e um pouco sujo que ela tinha. Poderia dizer vingado, por que o que quisera sempre foi vingança. Mas de alguma forma a palavra não se encaixava com a dada situação.

Buscou por outras... Satisfeito. Não, também não. Feliz... Muito menos. Desviou os olhos para a terra, observando os padrões e as marcas recentes de pisadas. Enquanto analisava os tons do marrom a palavra surgiu em sua cabeça como uma verdade tão avassaladora que teve vontade de chorar novamente.

- Vazio.

A rosada que definitivamente já havia desistido de receber uma resposta, ouviu aquela sem entender. Tentou reconectar as palavras proferidas a poucos minutos antes e conseguiu entender. Ele se sentia vazio, de alguma forma, já sabia que isso aconteceria. Porém vê-lo admitir era doloroso.

Era como se tudo que ela, Naruto e Kakashi-sensei tivessem feito por ele, de nada havia valido. Não era justo. Mesmo que Itachi tivesse sido aniquilado, ainda sobraram aqueles que dedicaram suas vidas à ficar mais fortes para trazerem-no de volta para casa. Obrigou-se a engolir o nó que se formava em sua garganta.

- Não está sozinho. Não está vazio. – Ela proferiu com a voz cheia de amargura e fúria. – Eu estou aqui, Kakashi-sensei e Naruto estão atrás de você. Mesmo que tenha matado seu irmão ainda tem a nós, a todos nós Sasuke. Não nos menospreze... Não mais.

- Não posso voltar à Konoha, Sakura.

Sua voz ao contrário da dela estava absolutamente apática, não havia mais nenhum vestígio do choro de algum tempo atrás. Não tinha a menor intenção de contar à rosada o que realmente estava acontecendo, que o irmão não era o tal vilão que todos e principalmente ele próprio julgaram.

Contudo também não queria ser rude. Não com ela, e não de novo.

- Porque não pode voltar? Konoha está um caos, ainda estamos reconstruindo-a. Ninguém ficará realmente preocupado se será absolvido ou não pela Hokage. O complexo Uchiha não sofreu muitos danos, pense, Sasuke, você pode reconstruir seu clã, deixá-lo próspero novamente!

Ele a olhou de rabo de olho, um sorriso miúdo se formando nos lábios. Aquela expressão era nova para Sakura, era menos frio e mais quente. Não no sentido caloroso de Naruto, que só faltava irradiar, mas mais sutil, mais promíscuo.

- E com quem eu reconstruiria meu clã?

Seus olhos ficaram de tamanho de pratos, a boca entreabriu-se alguns centímetros e a face ruborizou. Se aquilo não fosse tão absurdo, inesperado e parte de suas roupas não estivessem úmidas das lágrimas dele, a rósea acreditaria que era fruto da sua mente bêbada de exaustão.

Abriu a boca várias vezes, fechando-a logo em seguida. Quando achou ter encontrado uma resposta plausível as palavras morreram em seus lábios, por que o Uchiha estava com a boca sobre a sua novamente, e a frase mal-educada que tinha em mente podia esperar.

Ao longe o sol finalmente começava a dar seus primeiros sinais, clareando o céu, transformando-o num degradê azul-anil e rosa-púrpura. De alguma forma ela sabia que ele voltaria com ela para casa, e que aquela missão quase fatal tivera uma grande vantagem. No espaço de três horas conhecera pessoalmente os três vermelhos de Sasuke que mais a amedrontavam: os olhos, o sangue e, talvez o mais importante, o coração.

.;. Fim .;.