Fronteiras da Alma escrita por By Mandora


Capítulo 13
Reencontro Através Dos Séculos




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– E então, Houjou? Quer realmente saber o que aconteceu? – O rapaz afirmou com a cabeça. – Então é melhor se sentar. É uma longa história... – Observou com o canto dos olhos Houjou sentar-se no sofá. Respirou profundamente antes de continuar. – A primeira vez que vi Inu-Yasha, eu estava ferida e assustada. Eu era muito pequena para entender o que acontecia naquela época. Aonde quer que fossemos, eu e meu pai sempre encontrávamos apenas o desespero e a morte. Além, é claro, dos tolos humanos, ávidos pelo nosso sangue...

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– Hei, Inu-Yasha! Inu-Yasha! Me espere! – O jovem youkai raposa pulou nos ombros do hanyou e berrou-lhe aos ouvidos.

– Shippou! – Atirou o pequenino contra uma árvore. – Pare de gritar!

– É que você anda muito rápido! – Retrucou Shippou.

– E você é mole demais! Vamos logo, não temos todo o tempo do mundo. Se por acaso eu perder a cerimônia você será um youkai de corpo tão frio quanto o cadáver naquele funeral.

Shippou engoliu o comentário a seco. Com o passar dos anos, Inu-Yasha e Miroku se tornaram muito amigos e ele não gostaria de perder o funeral do monge por nada neste mundo.

– Você poderia me carregar nas suas costas?

– Você não é mais tão pequeno assim, Shippou. Se comporte como um homem!

De fato, após cinqüenta anos, Shippou havia crescido consideravelmente, tendo a aparência de um garoto de oito anos. Corpo esguio e sempre com seus cabelos cor-de-fogo presos em um rabo de cavalo, que agora lhe chegava aos ombros.

Aquela era a primeira noite de lua nova. Ele sabia como Inu-Yasha ficava irritadiço naquele período, por causa de sua forma humana. Naquela noite ele teria corpo humano. Mas naquele dia ele parecia estranhamente calmo, apesar da grosseria com o pequenino. Sua face fora amadurecida pelos anos, assim como seu comportamento. Para o hanyou, os anos se fizeram perceber mais rapidamente do que para o pequeno youkai raposa que lhe fazia companhia durante a viagem de volta ao vilarejo. Tinha agora a aparência de um homem beirando os seus vinte e dois anos. Passou a usar os cabelos presos em rabo de cavalo, facilitava nos combates. Estivera travando muitas lutas ultimamente, tudo por causa daquele eterno objeto amaldiçoado e de uma jura que fizera no passado. Mas era isso o que ainda o mantinha vivo e lhe dava uma razão para continuar lutando. Além da esperança de estar novamente ao lado dela.

Estavam em plena primavera e as matas, apesar da devastação que a guerra vinha causando, se mostravam densas em determinadas regiões. Havia pouca visibilidade e as copas das árvores não permitiam que a tênue luz das estrelas chegasse até os viajantes. Inu-Yasha parou por um instante, observando um ponto qualquer no escuro.

– O que foi?

– Quieto, Shippou... – Sussurrou ele. – Você não acha que esta floresta está muito silenciosa?

Só então o pequenino parou para prestar atenção nos sons da natureza. Nada escutou.

– Está quieto demais... Até parece que a morte passou por aqui.

– Talvez tenha passado, Shippou...

Apesar da forma humana, com o passar do tempo, ele aprendera a aguçar seus sentidos e algo na vegetação chamou-lhe a atenção. Imediatamente colocou a mão na cintura, sobre sua espada, Tessaiga.

“Foram quarenta anos de treinamento, Tessaiga...”

Escutou um barulho e algo se moveu rapidamente através da escuridão. Ele sorriu e deu um pulo alto, acomodando-se em um galho. Shippou permaneceu onde estava, confuso, olhando para o alto. Só então se deu conta do que o hanyou em forma humana havia percebido antes dele. Alguém se aproximava, rapidamente. Ele apressou-se em se esconder, mas acabou esbarrando na criatura da qual queria se esquivar. Do galho, Inu-Yasha saltou sobre a criatura, prendendo-a contra o solo.

– O que você quer?

A resposta foi um ganido seguido por um choro agudo, como o de uma criança ferida. “Criança?” A criatura estava coberta por folhas e lama e mais parecia tremer de medo do que querer atacar.

– Por favor, senhor, me solte! – Suplicou a criatura.

– Essa coisa fala? – Surpreendeu-se Shippou, arregalando os olhos.

Inu-Yasha, ainda segurando sua presa com sua mão direita, utilizou-se da que tinha disponível para limpar parte do rosto daquela criatura com a manga de sua roupa.

– Shippou, ilumine aqui um pouco.

– Certo. Kitsune-bi!

Agora, com aquela idade, o youkai raposa já conseguia controlar seu dom com facilidade. A luz revelou então o rosto de uma menina, um pouco mais nova que Shippou. Estava assustada e ao mesmo tempo zangada por ter sido capturada de forma tão fácil.

– Mas olhe só o que temos aqui... – Sorriu o hanyou.
Havia algo de familiar naquela menina, um cheiro inconfundível. – Como se chama, garota?

– Me solte!

– Que espécie de pai daria um nome desses para um filho? – Aquela frase levou lágrimas aos olhos daquela criança, que começou a soluçar diante do hanyou. – Hei, não precisa chorar, eu estava só brincando... – Notou que a menina tinha um ferimento no braço, por onde o sangue vertia. Tratou de rasgar da manga de seu quimono um pedaço de tecido e fez uma bandagem improvisada, estancando o sangue. – Pronto, assim está melhor... Onde estão seus pais? Posso te levar até onde eles estão...

– Inu-Yasha... – Disse Shippou, cutucando-o. – A cerimônia...

– E o que você quer que eu faça? – Virou-se e encarou o pequeno amigo meio irritado. – Quer que a deixe sozinha por aqui? – Percebeu o brilhante olhar dela. – O que foi?

– Inu... Inu-Yasha? Você é Inu-Yasha?

Ele apenas afirmou com a cabeça. Ela novamente começou a soluçar, mas dessa vez parecia o choro de quem encontrara o que estivera procurando há muito tempo. A menina se lançou nos braços dele, agarrando-o com força. A princípio ele ficou sem ação, mas retribuiu o abraço de forma carinhosa.

– O que aconteceu com você, garota?

– Meu pai... O senhor precisa ajuda-lo. Ele me pediu para ir embora porque não queria que eu me machucasse e ficou lá, lutando... Eram muitos youkais e ele estava tão ferido... Por favor, ajude o meu pai.

Ela tinha grandes e solícitos olhos dourados que o cativaram.

– Me mostre onde eles estão. – Ela afirmou com a cabeça e enxugou as lágrimas. Depois os três seguiram pela trilha pela qual viera a menina, guiados por ela. – Você ainda não me disse o seu nome...

– É Hikari.

Após algum tempo de caminhada a passos apressados, começaram a escutar ruídos de luta. O som de um estalo soou ligeiramente familiar a Inu-Yasha. “Faz muito tempo que não ouço algo assim... Será possível?” Olhou novamente para a menina, que observava atenta e apreensivamente adiante. Havia uma clareira poucos metros a frente, infestada de youkais. Naquele ponto da mata, as árvores eram mais espaçadas, o que permitia a luz natural das estrelas. Viu que a menina já havia removido praticamente toda a sujeira do rosto. Só então ele pôde notar um sinal, um sinal em forma de meia lua bem no centro da testa daquela criança. “Eu sabia... Sesshoumaru...” Novos ruídos de luta chamaram sua atenção para a clareira. Cinco youkais seguravam estranhas esferas reluzentes, incrustadas em bastões de ouro, formando um círculo. Era como se criassem uma barreira ao redor de alguém. Um alguém que lutava no centro de toda aquela confusão, por debaixo de uma pilha de youkais.

– Papai! – Gritou a menina que correu na direção do perigo, ignorando-o.

– Hei, Hikari, espere! – Disse Inu-Yasha, agarrando a menina pela mão.

Acabaram por chamar a atenção das criaturas no local. “Maldição! Agora vou ter que lutar e proteger a menina ao mesmo tempo...” De repente, um estrondo se fez ouvir e, por debaixo da pilha de youkais, dentro daquela barreira, surgiu um clarão que reduziu os monstros a meros pedaços de carne que voaram pelo ar. Alguns bateram contra a barreira, desfazendo-se. Outros caíram sobre o solo e aos pés do responsável pela carnificina. No centro da pilha de youkais mortos, Inu-Yasha viu surgir seu meio-irmão, Sesshoumaru, que o fitou seriamente.

– Inu-Yasha... – Depois direcionou o olhar para a menina, mais repreensivo ainda. – Não lhe disse para sair daqui?

– Desculpe, tive medo de que o senhor se machucasse...

Na verdade, ele já estava. Sua armadura havia sido destroçada e havia pedaços de flechas fincados em seu braço, pernas e até mesmo no abdômen. No peito, do lado superior esquerdo, havia um enorme ferimento, provavelmente causado por alguma espada ou lança que vertia muito sangue, fora inúmeros outros ferimentos, causados por armas de fogo.

– Não seja tola, Hikari... Saia daqui agora.

No centro daquela prisão reluzente, ele continuava com seu jeito frio de ser. Sequer piscava. Já não havia mais youkais que o pudessem atacar àquela altura. Estava preso apenas por aqueles cinco youkais empunhando bastões sagrados. Sesshoumaru lançou seu chicote na direção de um deles, mas não fez efeito contra a barreira.

– Shippou, tome conta da menina.

– Certo! – Segurou Hikari pela mão e se afastou, encontrando proteção atrás de uma árvore.

– Sesshoumaru... Quer uma ajudinha?

– Não preciso da sua ajuda... E, além do mais, – Esboçou um sorriso com um certo ar de desprezo. – que espécie de ajuda você poderia oferecer nessa forma patética na qual se encontra?

Os youkais que seguravam os bastões estavam um tanto confusos com a situação. Era como se fossem ignorados pelos dois irmãos. Mas eles nada temiam, pois tinham aquelas poderosas armas a seu favor. Após dias de caçadas ininterruptas, o poderoso youkai dentro do círculo estava retalhado e banhado no próprio sangue. E aquele estranho que recém havia chegado era um humano que nada poderia fazer. O que poderia dar errado?

– Feh... Você continua tão arrogante quanto antes, não é mesmo? – Segurou sua espada e a sacou da bainha, que se manteve em sua forma rústica.

– Insolente... Você acha que pode lutar com a Tessaiga desse jeito? Ela precisa de sangue youkai para se transformar. Não pode sequer usar o Kaze no Kizu...

– Há quanto tempo que não nos encontrávamos, Sesshoumaru? Cinqüenta anos? – Desviou o olhar e ficou a encarar a lâmina de sua espada. – A Tessaiga realmente precisa de sangue youkai para se transformar. Mas só porque estou na forma humana, não quer dizer que tenha perdido a parte youkai dentro de mim. – Sesshoumaru surpreendeu-se ao notar que aquela espada nas mãos de seu meio-irmão pulsava. – Durante todos estes anos, eu fiquei tentando descobrir o verdadeiro significado dessa espada que o nosso pai me deixou como herança. Apesar da aparência que tenho agora, o meu espírito não mudou. E ela é a parte que completa o meu espírito...

Um discreto brilho percorreu a lâmina da espada, como uma onda e a envolveu. Em seguida, ela transformou-se, assumindo sua forma de canino. Os cinco youkais estremeceram um pouco, mas mantiveram suas posições. Sesshoumaru estava preso em seu campo de energia e a cabeça dele valeria muito.

De uma única vez, Inu-Yasha cortou o ar habilmente, gerando faixas de energia luminosas que acertaram dois dos cincos youkais, o que fez com que a barreira de energia fosse desfeita. Sesshoumaru permaneceu onde estava, com cara de poucos amigos. Era difícil acreditar no que acabara de ver, ainda mais naquela situação. Ele, ajudado pelo meio-irmão na forma humana. “Como ele conseguiu usar a Tessaiga nessa forma?” Mas sua atenção tomou outra direção atrás de si, aquela na qual corriam os três youkais remanescentes do golpe. Mas eles correram apenas até serem atingidos pelo chicote certeiro de Sesshoumaru, que acabou cortando-os ao meio.

– Você continua sutil como sempre, Sesshoumaru...

– E você continua insolente como sempre, Inu-Yasha. – Voltou sua atenção para a menina que se escondia com Shippou atrás da árvore e que a tudo assistia atentamente. – Hikari. – Chamou ele.

A menina correu em sua direção imediatamente, abraçando-lhe a perna. Ele pôde então notar a bandagem improvisada no braço dela, comparando o tecido com o que notou estar faltando na manga do quimono de Inu-Yasha. Encarou o meio-irmão.

– Não precisa agradecer. – Ironizou o hanyou. – Sei que não é do seu feitio. – Guardou sua espada e olhou com mais atenção os ferimentos de Sesshoumaru. “Ele se faz de durão, mas esses ferimentos estão feios.” – Você está parecendo um retalho. Por que não vem comigo para se cuidar? – Perguntou Inu-Yasha, retomando a trilha que o estaria levando de volta ao vilarejo antes daquela confusão.

– Eu não preciso dos seus favores, Inu-Yasha.

Sesshoumaru fez menção de sair, mas estancou ao escutar Inu-Yasha.

– Na verdade, estou tentando pagar um favor que você me fez há muito tempo atrás. E, além do mais, sua filha está com um ferimento feio no braço. Vou pedir que cuidem bem dela no vilarejo.

O youkai virou-se e encarou o irmão de forma dura, mas resignada. Ele já havia perdido muito sangue e outra emboscada como aquela poderia custar a vida de Hikari. Mas nada disse, apenas afirmou com a cabeça e seguiu pelo mesmo caminho que o hanyou e o pequeno youkai raposa.

A caminhada pela trilha seguiu-se silenciosa e, ao mesmo tempo, inquieta. Sesshoumaru vez por outra arrancava de seu corpo algum pedaço de flecha, o que deixava a menina assustada. E, apesar da ausência de conversa durante o caminho, ao adentrarem o vilarejo o silêncio foi desfeito. Inu-Yasha era conhecido no lugar, mas o que dizer daquele youkai ensangüentado e daquela menina que o acompanhava, agarrada a sua perna?

– Não se preocupem, ele não vai machucar nenhum de vocês! – Percebendo a estranheza das pessoas, Inu-Yasha procurou entre elas um rosto conhecido. E encontrou. – Massaro!

Um rapaz sorridente, de uns quarenta e poucos anos se destacou da multidão e foi ao encontro de Inu-Yasha cumprimenta-lo.

– Inu-Yasha! Shippou! Que bom que chegaram a tempo! Meu pai está esperando por vocês...

– Pensei que ele já tivesse...

– Não, ainda não, mas não lhe resta muito tempo. Ele rezou muito para que vocês pudessem se falar uma última vez.

– Certo. Onde ele está?

– Eu levarei vocês até ele. – Olhou para Sesshoumaru. – Quem é esse?

– Ah... Massaro, esse é o meu meio-irmão, Sesshoumaru. Preciso que dê a ele um lugar calmo por aqui para que ele e a filha dele possam se recuperar.

– Tudo bem. Se está com você, não há problema. – Sorriu e gritou para a multidão. – Senji! Hiroshi! – Dois rapazes, um pouco mais novos que Massaro se destacaram. – Mostrem ao irmão do Inu-Yasha aquela minha cabana que está desocupada.

– Certo, mano! – Afirmou Hiroshi.

Sesshoumaru não gostava nenhum pouco daquela situação, mas o ferimento no braço de Hikari estava sangrando novamente, talvez por causa da caminhada. E ela parecia bem cansada.

– Inu-Yasha... – Chamou Sesshoumaru, atraindo a atenção de seu irmão. – Depois temos muito o que conversar.

– Com certeza...

Sesshoumaru retirou-se com sua filha, seguindo os irmãos mais novos de Massaro, enquanto o próprio Massaro mostrava ao hanyou o local onde se encontrava o pai dele, Miroku. Às portas da velha cabana, Inu-Yasha estava apreensivo em entrar. Encontrar o amigo moribundo não seria algo fácil de se fazer. Despedidas nunca o são. As imagens do funeral de Sango ainda estavam frescas em sua mente, apesar de ter acontecido tantos anos antes.

– Seus irmãos estão bem grandinhos, Massaro...

– Estão sim, não é mesmo... – Concordou ele, com um sorriso sem graça. – E apesar disso, estão terríveis com as garotas. Não sei como vão conseguir firmar uma família desse jeito...

– É, acho que sei a quem eles puxaram... – Retribuiu o sorriso e respirou profundamente. Não havia mais porque adiar o encontro. Resolveu entrar na cabana, sendo seguido por Shippou.

Lá dentro, trajada de sacerdotisa, uma bela moça trocava uma bandagem úmida sobre a testa de um velho monge, deitado sobre um futon. O local era iluminado por velas, vária delas. Inu-Yasha logo reconheceu a moça, era Kansha, a filha mais nova de Miroku. Provavelmente a filha mais velha e gêmea de Massaro, Megumi, estaria no templo.

Ao por os olhos no hanyou, o velho monge teve o olhar repleto por lágrimas e fez um esforço para sentar-se.

– Senhor, meu pai, não deviria se esforçar desse jeito...

– Eu estou bem, querida. Por favor, deixe-me a sós com nossos amigos.

– Sim senhor... – A moça retirou-se e ao passar por Inu-Yasha, sussurrou-lhe ao ouvido. – Que bom que você voltou a tempo, Inu-Yasha...

Ele apenas afirmou com a cabeça para ela, que se retirou de vez. Shippou correu e abraçou Miroku, enquanto Inu-Yasha sentava-se silenciosamente ao lado deles dois. Nos minutos seguintes, conversaram sobre amenidades, apenas pondo a conversa em dia, sorvendo um delicioso chá que Kansha havia preparado poucos instantes antes da chegada do hanyou. Parecia que ela havia adivinhado de que ele chegaria naquele exato momento.

– Ela é realmente espantosa, tem muito da mãe dela... – Comentou o monge, com um ar saudoso.

– Hum? – Inicialmente, Inu-Yasha não entendeu porque aquela súbita mudança de assunto. – Está falando de Kansha, Miroku? Megumi é muita mais parecida com a Sango do que ela. Ela lembra muito mais você...

– Megumi... Megumi me disse que lhe pediu algo muito difícil de conseguir, mas que ajudaria a proteger o vilarejo e aquele maldito objeto.

– É, não foi fácil, mas eu trouxe o que ela pediu. Onde ela está?

– No mesmo lugar de sempre, enfiada naquele templo, orando, protegendo e purificando aquela coisa... – Havia um certo ressentimento na voz de Miroku.

– Shippou, pode nos deixar um pouco a sós? Aproveite e entregue isso a Megumi no templo. – Disse Inu-Yasha, entregando um pacote ao pequeno youkai.

– Certo! Até logo, Miroku. – E saiu da cabana com o pacote.

– Até logo, Shippou... – Colocou a cuia onde bebia o chá no chão ao lado. – Ele vai ficar muito forte, Inu-Yasha.

– Sim, eu sei. E irá proteger o restante de sua família quando eu não estiver mais por perto.

– Não diga uma coisa dessas. Você ainda tem muito tempo pela frente. Eu já não posso dizer o mesmo.

– Miroku...

– Não, tudo bem. Eu estava ansioso por este momento. Só que ultimamente, eu tenho tido muito medo.

– Medo? Do quê?

– Medo de não ser bom o suficiente para estar com ela do outro lado. Você sabe, Inu-Yasha, eu nunca fui santo. Mas Sango me colocou no caminho certo, depois de um tempo... Mas mesmo assim, eu...

– Hei, não fique desse jeito! Se não quiserem te aceitar lá em cima, você volta e fala comigo que eu vou lá pessoalmente dar uma boa surra nos porteiros!

Inu-Yasha falou isso com tanta certeza que, por um momento, Miroku se convenceu de que o amigo falava a sério. Por um instante, viu o inocente amigo de tempos atrás, dos seus dias de juventude. Acabou por rir alto, com gosto, como não fazia há muito tempo.

– Qual é a graça? – Perguntou Inu-Yasha, cruzando os braços.

– Me desculpe, mas é que não pude me conter... – Interrompeu seu riso e encarou sério o hanyou. – Você irá protege-los quando eu me for, não irá? Meus filhos, Inu-Yasha, por favor, não deixe que aquela coisa maligna atraia o mal para perto deles.

– Pode deixar, Miroku... Eu não vou permitir que nada de mal aconteça a eles.

– Obrigado, meu bom e velho amigo...

Os dois sorriram e ficaram se encarando mutuamente alguns instantes. Então Miroku pegou novamente sua bebida e sorveu mais um gole.

– Quando eu falei de Kansha, eu me referia ao que está por dentro, Inu-Yasha. Fora que ela tem uma percepção extraordinária. Sabe o que ela me disse pouco antes de vocês entrarem? Que estava preparando um chá do jeito que você gostava para que você tomasse ao chegar. E no momento seguinte você entra por aquela porta... Não é fantástico?

– Sim, ela sempre teve isso desde pequena.

– Ela é a lembrança mais doce que tenho da minha Sango... – Por um instante, Miroku ficou parado fitando o conteúdo de sua bebida, mas parecia não ver o que tinha em mãos. Era como se sua mente houvesse sido transportada para um outro lugar, uma outra época. – Jamais conheci uma mulher tão forte e corajosa como ela. Mesmo ferida e grávida de Kansha, ela teve forças para lutar, derrotar aquele maldito youkai e dar à luz a nossa filha...

– Eu sinto muito, Miroku, por não estar aqui para ajudar.

– Tudo bem. Talvez as coisas tivessem que ser da forma como aconteceram. Mas acho que se não fosse pelos meus filhos, eu não sei o que teria feito a mim mesmo. Por isso dei esse nome a Kansha, porque sou eternamente grato à mãe dela por ter me tornado o homem que sou hoje. – Parou, olhando para o nada.

– Acho que está na hora de você descansar um pouco.

– Eu? Não se preocupe, eu estou bem. E estou preparado. Massaro já está na liderança do vilarejo, não tenho com o que me preocupar. – Soltou uma risada meio senil. – Eu jamais vou saber o que aquelas duas conversaram...

– Duas? Quem? “Acho que ele vai começar com a história da velha Kaede de novo...”

De vez em quando, Miroku se deixava levar pelo passado e delirar em meios a suas lembranças. Isso estava ficando cada vez mais freqüente e a paciência nunca fora o forte de Inu-Yasha. Mas naquela noite, ele não se sentia incomodado em ficar escutando, talvez pela centésima vez, as memórias do amigo.

– Quando nos casamos ela queria muito ter filhos, mas não conseguia. Isso estava acabando emocionalmente com ela. Na noite em que a senhora Kaede morreu, as duas ficaram durante horas naquela velha cabana conversando. Nunca mais vou esquecer a forma como ela entrou por aquela porta e disse “A senhora Kaede está morta...” E logo em seguida, antes que eu pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, me abraçou e me beijou. Eu sei que foi naquela noite que Massaro e Megumi foram concebidos... – O monge fez uma breve pausa, parecia estar meio que perdido em suas lembranças.

Aproveitando o ensejo, Inu-Yasha lembrou-se da novidade que não podia deixar de contar ao amigo.

– Você não vai acreditar em quem eu encontrei no caminho de volta...

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O cheiro de fumaça atraiu Sesshoumaru para fora da cabana onde se encontrava. Notou ao longe uma pira funerária cercada por uma multidão chorosa. Lembrou-se de algo que um daqueles dois rapazes dissera: “Vamos voltar logo. Acho que o papai não passa desta noite...” Provavelmente era o que ele estava vendo. A cremação do corpo do pai daqueles dois rapazes e depois haveria o enterro dos restos mortais.

– Como os humanos são patéticos em seus rituais... – Sussurrou ele para si mesmo, enquanto voltava sua atenção para o interior da cabana e para a pequena e adormecida Hikari. “Rin...”

-x-x-x-x-x- FlashBack -x-x-x-x-x-

– Senhor Sesshoumaru! – Exclamou a moça alegremente. – Veja o que eu peguei!

Rin exibia com orgulho um par de peixes que havia conseguido pegar com sua lança de pesca. Sesshoumaru permanecia deitado sobre um lado do corpo, com um olhar meio entediado para a direção dela. Jyaken cochilava profundamente mais à frente.

– Você nunca se cansa de comer essas coisas inúteis, Rin? – Perguntou ele.

– Como assim inúteis? Peixes possuem muitos nutrientes... O senhor não vai querer comer nada?

– Eu não como esse tipo de comida, você sabe disso...

– Sim, eu sei, mas... – Ficou meio que procurando as palavras certas. – Eu nunca vi o senhor comer... Que tipo de comida o senhor gosta? É só me falar que eu vou buscar para o senhor se estiver com fome!

Agora sim ele achou a situação divertida, tamanha era a inocência da jovem diante de si.

– Rin, você não vai querer ir buscar a comida que eu costumo comer...

– Mas é claro que vou sim! – Ela saiu correndo de dentro do riacho e colocou os peixes dentro de um cestinho que ela mesma fizera a partir de vinhas. Ajeitou a barra do quimono azul que havia enrolado para entrar no riacho e sentou-se sobre os joelhos diante de Sesshoumaru, encarando-o. – É só me dizer o que é que eu trago para o senhor!

– Eu já disse... Você não vai querer buscar... – Sentou-se sobre o corpo. A situação deixou de ser divertida para se tornar um tanto desconfortável. Ele jamais havia confessado a ela e provavelmente ela entraria em pânico, no mínimo. – Deixe de bobagens e vá comer o seu peixe. – Notou um ar choroso na moça. – O que foi agora?

– O senhor não confia em mim...

– Eu não confio em ninguém.

Ela parou boquiaberta, olhando para ele incredulamente. Deu um profundo respirar seguido de um soluço baixo.

– Rin, não faça isso... Você não é mais criança.

Os olhos dela se encheram de lágrimas e ela escondeu o rosto entre as mãos, aos soluços. Ela poderia não ser mais uma criança depois de onze anos, mas chorava como uma. Vê-la chorar daquele jeito o deixava mais desconfortável ainda.

– Tudo bem... Se você quer tanto assim...

Ela rapidamente ergueu o rosto, inchado e vermelho por causa do choro, mas sorridente ao mesmo tempo. “Que menina estranha...” Pensou ele consigo mesmo.

– Me diga, senhor Sesshoumaru. O que o senhor quer que eu vá buscar para o senhor comer?

O sorriso do rosto dela se desfez com a resposta dele.

– Carne humana, de preferência fresca.

Ele sequer olhou para ela quando disse a frase. Ficou esperando algo como um grito e depois vê-la sair correndo em direção a mata para nunca mais aparecer na frente dele. Mas, após um minuto ou dois, ela permanecia estranhamente em silêncio, olhando para ele, sem qualquer expressão no rosto.

– Diga qualquer coisa! Ou vou achar que você morreu e vou acabar comendo você para evitar o desperdício de comida!

Ele falou seriamente, mas para sua surpresa, ela riu.

– Senhor Sesshoumaru... Eu sou muito magrinha para o senhor comer, não vai ficar bem alimentado. – Disse ela, ainda sorridente.

– Você não está com medo ou nojo?

– Eu deveria? – Perguntou-lhe ela, com um olhar de curiosa. Depois ela voltou o olhar para o cestinho de peixes. – Sabe, eu provavelmente não vou estar por perto quando o senhor estiver comendo, mas não é por causa disso que eu teria medo do senhor.

– Rin, eu mato pessoas e me alimento de seus corpos. Isso não assusta você?

– É assustador sim, mas... – Pegou o cestinho e o colocou no colo, alisando um dos peixes. – Esses peixinhos estavam vivos até alguns minutos atrás... Eu tive que matá-los para comer e ficar viva...

– Rin...

– Acho que é isso o que chamam de cadeia alimentar, não é? Os mais fortes sobrevivem comendo os mais fracos. – Levantou o olhar e o encarou. – Mas o senhor se incomoda se continuar pegando a sua comida sem a minha presença?

– Não, eu não queria mesmo que fosse buscar.

Ela sorriu, colocou o cestinho no chão novamente e o abraçou. Ele foi pego tão de surpresa que sequer teve tempo de escapar.

– Rin, o que pensa que está fazendo? Você sabe...

– O senhor me vê como comida? – Perguntou ela, interrompendo-o, com um tom de voz sussurrado e triste.

Ela era humana, fraca, não tinha serventia nenhuma. Provavelmente tão inútil quanto o seu meio-irmão. Ele sequer sabia porque permitia que ela o acompanhasse. Ela era barulhenta e sempre costumava ter esses arroubos de demonstração de afeto, coisa que ele particularmente evitava. Mas, apesar disso tudo, apesar de todo o desprezo que ele tinha pelos humanos, ela lhe passava alguma coisa muito boa, algo que ele não sabia explicar exatamente o que era. Naquele momento, ele se sentiu compelido a fazer o que nunca havia lhe passado pela cabeça fazer. Retribuir um abraço. O caloroso e doce abraço dela.

– Não... – Foi o que ele lhe sussurrou.

-x-x-x-x-x- Fim do FlashBack -x-x-x-x-x-

– Está perdido nos seus pensamentos, Sesshoumaru?

Ele fechou o semblante e encarou o hanyou. Inu-Yasha, por sua vez, deu mais uma olhada na menina. Dessa vez podia ver com clareza os traços dela. Era uma cópia fiel do pai, não fosse pelo sexo.

– O que você tanto olha, Inu-Yasha? Perdeu alguma coisa?

– Não, eu só estava vendo como essa menina é parecida com você. Mas também, só poderia, afinal é sua filha, não é?

– Hunf! – Virou o rosto e cruzou os braços. – Você veio aqui só para ter essa certeza? Por acaso não deveria estar naquele funeral?

– Eu já fiz o que tinha que fazer. Massaro já assumiu a situação agora. Só tem algo que me deixa curioso em toda essa sua história... – Sentiu Sesshoumaru olhar para ele de rabo de olho. – A mãe da menina... Quem é? E onde estão Jyaken e aquela garotinha que andava com você?

Sesshoumaru descruzou os braços e um lampejo de tristeza passou por seu rosto. Certificou-se novamente de que a menina dormia e saiu caminhando em direção à árvore onde Inu-Yasha fora lacrado há cem anos atrás. Sentados aos pés da frondosa árvore, Sesshoumaru voltou a encarar seu irmão.

– Por que viemos até aqui, Sesshoumaru?

– Não quero que Hikari nos escute... Ela ainda é muito jovem para entender.

– Entender o quê? Que ela é uma hanyou?

– Então você percebeu...

– Só se tivessem arrancado o meu nariz para que eu não percebesse o cheiro dela. Ela cheira como você, mas também tem sangue humano correndo nas veias dela. O que aconteceu com aquele discurso “Eu não tolero humanos...” Eu sabia que você iria perpetuar a sua ‘linhagem’, mas jamais imaginei que...

– A garotinha que andava comigo se chamava Rin, ela é a mãe de Hikari. – Interrompeu Sesshoumaru bruscamente. – Ela e Jyaken morreram há muito tempo atrás tentando proteger o bebê.

Por um instante Inu-Yasha ficou boquiaberto com o que acabara de escutar e levou cerca de um minuto ou dois para assimilar a informação. Mas como sempre acontecia nesse tipo de situação, ele se atropelou nas palavras.

– Sesshoumaru, ela era só uma criancinha...

– Não seja ridículo, Inu-Yasha! Aquela criança cresceu...

– Ah, entendi... “Que mancada a minha...” Bem, o que aconteceu?

– Por que tanto interesse nessa história?

– Ora, você quer saber sobre a Tessaiga, não quer? – Os dois se entreolharam. – Você me conta o que eu quero saber e eu conto o que você quer saber. Ponto final!

– Hum... Naraku... – Inu-Yasha arregalou os olhos. – Aquele maldito devorou Jyaken e Rin na tentativa de absorver a energia da minha filha. Me ludibriou com um kugutsu e quando descobri a armadilha era tarde demais...

– Sesshoumaru...

-x-x-x-x-x- FlashBack -x-x-x-x-x-

– AAAHHHH!!!!

– Acalme-se, senhorita Rin... Tudo vai dar certo!

– Eu estou sentindo muita dor, senhor Jyaken! Não me diga para ficar calma! – Novamente Rin contorceu-se devido à dor causada por outra contração. – Senhor Jyaken, faça alguma coisa!!! – Sem perceber, acabou por segurar no braço esquerdo de Jyaken e apertou-o com toda a força que pôde.

– Iaaiii!!! Eu não sou parteira, senhorita Rin! – Olhou ao redor e localizou o seu Jintoujou. – Aqui, morda isso...

Ele colocou a ponta do bastão na boca da jovem, que o mordeu com toda força. “Jamais imaginei que pudesse doer tanto colocar um filho no mundo... Se eu soubesse antes, eu...” Seus pensamentos foram cortados por mais uma contração, seguida por fim do rompimento da bolsa. Ofegante, ela sentiu-se aliviada, pois agora sabia que não faltaria muito para que a criança nascesse. Voltou seu olhar para o teto da rústica cabana, procurando no que prender a atenção. Era um local ermo, no meio da floresta, que Sesshoumaru improvisara para que ela tivesse o bebê. O youkai, por sua vez, permanecia do lado de fora, vigiando o local. O cheiro do sangue do parto poderia atrair algumas visitas indesejáveis.

A cabana ficava às margens de uma nascente, assim teriam água fresca sempre que precisassem. Sesshoumaru permanecia sentado sobre uma pedra próxima ao pequeno córrego formado pela nascente. Vez por outra, voltava o olhar para a cabana, enquanto pacientemente aguardava escutar o choro daquela criança, ao invés dos gritos de Rin. Aun permanecia deitado sobre a relva, ao lado de seu mestre, também esperando. Viu Jyaken sair apressado da cabana com um balde, pegar um pouco de água no córrego e retornar correndo para o local, após escutar novamente outro grito de Rin. “Quanta gritaria por causa de uma criança...” Não fazia muito tempo que Rin havia começado o trabalho de parto, mas a paciência do youkai já estava por findar. “Por que não nasce logo?” Levantou-se da pedra e ficou a olhar em volta do local, seguido atentamente pelos olhos de Aun.

O sol estava se pondo, teriam que passar a noite naquele lugar. Mais um dia naquele lugar. Nas últimas semanas, Rin se cansava facilmente das andanças e eles costumavam acampar por muito mais tempo do que ele desejava. Aquela já seria a quarta noite naquele lugar. Um som invadiu seus ouvidos e ele olhou satisfeito para a cabana; era o choro de uma criança. Dirigiu-se calmamente até a porta e parou diante dela. Jyaken saiu novamente apressado e acabou por esbarrar nas pernas de seu mestre. Ele estava carregando os lençóis sujos de sangue para joga-los no córrego e desfazer o cheiro de sangue do ar.

– Perdão, senhor Sesshoumaru!

– O que é, Jyaken?

– Hã?

– A criança... O que é?

Antes que Jyaken pudesse abrir a boca, a voz de Rin se fez soar do interior da cabana. Era uma voz cansada, mas determinada.

– Se deseja tanto saber, então venha se certificar.

Sesshoumaru deu um sorriso convencido para si mesmo. “Tão geniosa como sempre...” Ignorando o servo caído no chão, ele entrou. O local estava iluminado por uma meia-dúzia de velas espalhadas pelos cantos. Um fogareiro no centro mantinha a água fervida. Nos fundos do lugar, deitada sobre um futon que Jyaken havia roubado – assim como tudo o mais na casa – de um vilarejo próximo, estava Rin com o bebê envolto em uma manta amarela nos braços, aos berros. Ela o encarou e sorriu, com um jeito doce e até meio infantil. Infantil talvez por causa do jeito como ela prendera o cabelo com aquelas fitas de seda branca: em duas partes separadas, como marias-chiquinhas. Ela parecia cansada, mas, apesar disso, havia também muita alegria em seu rosto jovem. Após tantos anos juntos, ele nunca vira tanta alegria no rosto dela como agora. Nem mesmo as marcas dos doze anos que se passaram desde que se encontraram pela primeira vez poderiam diminuir aquele sorriso.

– É uma menina, meu senhor Sesshoumaru...

De fato, para ele pouco importava o sexo do bebê. O que lhe importava era que era sangue do seu próprio sangue, carne da sua carne, gerada pela mulher que o fez olhar com outros olhos para a humanidade. A mulher com quem ele muito se importava.

– Deixe-me vê-la...

Ele sentou-se ao lado de Rin e segurou a menina. Apesar de ser a primeira vez que segurava uma criança tão pequena, era como se seu instinto o orientasse de como faze-lo. E com o único braço que possuía, aconchegou a criança em seu peito. E como que reconhecendo nele algo muito confortador e familiar, o bebê cessou o choro.

– Ela precisa de um nome. Como vamos chamá-la, meu senhor?

– Ela é tão branca... Hikari, é como vamos chamá-la...

– É um lindo nome...

Rin encostou-se ao lado dele com um doce sorriso, enquanto fitava sua filha nos braços do ser que ela tanto amava. Mas foram poucos os instantes de tranqüilidade. Ele levantou-se olhando desconfiado para a porta e com todos os sentidos em alerta.

– Meu senhor Sesshoumaru, o que foi?

Ele abaixou-se sem tirar os olhos da porta e devolveu o bebê a Rin.

– Não saia daqui, a não ser que eu mande.

Ela assentiu com a cabeça e agarrou seu pequeno tesouro, enquanto ele sacava a Toukijin. Caminhou lentamente na direção da entrava do cômodo com a espada em punho. Um ruído chamou-lhe a atenção e ele saltou para trás no exato momento em que um tentáculo gigante atravessou a cabana de uma ponta a outra, escapando do golpe. Com a mesma agilidade, desceu sua espada sobre o tentáculo, cortando-o em dois. Parte do telhado desabou, era uma estrutura muito frágil. Ele ouviu o grito de Rin e correu na direção dela, segurando o teto e impedindo que ela fosse soterrada. Ela estava assustava, mas mantinha-se firme, por causa do bebê.

– Rin, saia agora e fuja em Aun!

– Sim!

Ela levantou-se cambaleante e sentiu o fôlego escapar por causa das dores que ainda sentia. Reuniu todas as forças que podia encontrar dentro de si mesma e saiu do que sobrara da cabana. Lá fora, viu um emanharado de tentáculos presos a um misto de youkais com uma cabeça humana que, de alguma forma, lhe parecia muito familiar.

– O filho de Sesshoumaru... – Disse o youkai com um sorriso maldoso no rosto.

Ela apertou ainda mais Hikari contra o peito e olhou na direção onde Sesshoumaru havia ficado. Foi quando viu um dos tentáculos descer sobre ele, que ainda segurava o teto da cabana.

– Sesshoumaru!

Uma nuvem de poeira levantou-se alta e Rin deu um passo ou dois até escutar o choro do bebê em seus braços. “Tenho que tirar Hikari daqui!” Olhou ao redor e viu Aun segurando um dos tentáculos com uma de suas bocas, enquanto a outra cuspia fogo sobre outro. Também notou o Jintoujou caído no chão, mas não havia nenhum sinal de Jyaken. Então um estrondo atrás dela lhe chamou a atenção. O tentáculo que fazia força sobre os restos da cabana foi feito em pedaços que foram lançados ao ar e dos destroços surgiu Sesshoumaru, com um olhar furioso. Ele reconheceu imediatamente o youkai a sua frente.

– Naraku!

– Humm... Sesshoumaru... Vejo que continua tão forte quanto antes... Que bela aquisição seria ter você no meu corpo. E, é claro, o seu filho também...

– Não se atreva... – Sesshoumaru moveu-se rapidamente, pondo-se entre Rin e Naraku. – Não vou permitir que toque em um único fio de cabelo deles.

– Eu já peguei um deles, não sentiu falta de ninguém? – Perguntou Naraku, rindo em seguida.

Só então ele se deu conta do sumiço de Jyaken. Olhou inquisidor para Rin, que apenas deu de ombros e balançou a cabeça negativamente. Varreu rapidamente o local com o olhar e pôde identificar o chapéu do fiel servo caído perdido, próximo ao córrego.

– Ele estava delicioso... Uma pena que ele não tivesse muito o que acrescentar em poder. – Escarneceu Naraku.

– Seu... Seu... Maldito...

Sesshoumaru partiu para o ataque com a Toukijin em punho. Rin tratou de pegar o Jintoujou e afastou-se um pouco da luta. Só teve tempo de ver Aun ser jogado contra uma árvore por um dos tentáculos de Naraku. Imediatamente ela correu até ele, que tratou de se levantar e impor-se entre ela e a luta que acontecia mais adiante, protegendo-a. Sesshoumaru dava golpes certeiros com sua espada, atravessando o corpo de Naraku e podando-o como se fosse uma erva-daninha.

– Droga! – Blasfemou Naraku, tentando se retirar do campo de batalha. – Eu vou voltar, isso eu prometo.

– Não se eu acabar com você primeiro! “Não posso perder essa chance e deixa-lo escapar...”

Naraku arrastou-se para dentro da floresta, seguido por Sesshoumaru bem em seu encalço. Ele aplicava tanta força nos golpes que dava com sua espada, que chegava a derrubar fileiras de árvores inteiras. A cada golpe, arrancava um pedaço do corpo de sua presa. Por fim, acertou a base do corpo e Naraku caiu ao chão, mas antes que pudesse tocar o solo, Sesshoumaru avançou rapidamente contra ele e deu-lhe um golpe certeiro na cabeça, de cima para baixo, cortando-o em dois. Foi então que algo estranho aconteceu, uma luz saiu do corpo partido de Naraku e logo ele se desfez em pedaços. Do meio daqueles pedaços surgiu um pequeno objeto envolto por um pedaço de cabelo.

– Mas o que é isso? – Perguntou-se Sesshoumaru.

O objeto partiu-se ao meio e o silêncio tomou conta do local. “Isso foi muito fácil... Fácil demais...” A brisa noturna soprou um cheiro familiar que lhe invadiu os sentidos. “Rin!” Voltou sua atenção para a direção pela qual viera e partiu em disparada. Sentia o cheiro do sangue dela, muito sangue.

Ao retornar aos destroços do acampamento deparou-se com o seu maior temor. Um enorme youkai, talvez enviado por Naraku e que estivera a espreita, estava ao centro de toda a destruição. Tinha as mãos e a boca banhadas em sangue. Aos pés do monstro estava um pedaço de tecido amarelo, rasgado e ensangüentado. Então ele sentiu seu sangue frio ferver ao notar a fita de cabelos de Rin escapar pelo canto da boca do youkai, enquanto ele terminava de mastigar e engolir algo. Ou seria alguém?

Sesshoumaru avançou insano na direção do youkai e o retalhou apenas com suas próprias garras venenosas. Ao tombar o youkai, ele pôde ver, não muito afastado, o Jintoujou caído novamente ao chão, mas dessa vez, havia um detalhe macabro. Ainda agarrado a ele estava uma mão humana. Uma mão que havia sido separada de seu corpo a dentadas. Ele perdeu o sentido da visão e caiu de joelhos, olhando para o nada. Uma lágrima quente escorreu pelo canto dos olhos. Tamanha fúria tomou conta de seu ser, que ele já não era mais capaz de controlar-se. Seus olhos tornaram-se vermelhos e seus caninos se projetaram boca afora. Suas garras aumentaram de tamanho e uma energia tempestuosa começou a emanar de seu corpo. O que mais lhe doía era saber que jamais poderia traze-las de volta com a Tenseiga, uma vez que seus corpos haviam sido destruídos.

– RIN!!! HIKARI!!!

Aun, que até então estivera encolhido e quieto em um canto, levantou a cabeça e soltou um rugido, chamando a atenção de Sesshoumaru. Ele voltou-se para o servo dragão e o encarou, com a baba venenosa escorrendo pelo canto da boca.

– Você!... Por que permaneceu parado e não fez nada?!

O servo permaneceu quieto, olhando-o com uma curiosidade quase inocente. Isso enervou ainda mais Sesshoumaru, que ergueu suas garras para dar o golpe final no dragão. Foi quando um som o trouxe de volta a razão. O som do choro de um bebê.

“Hikari...”

Aos poucos foi saindo de sua forma monstruosa, enquanto tentava localizar com a audição de onde vinha o choro. Para sua surpresa, Aun levantou-se e revelou o bem mais precioso que ele aquecia e protegia com seu próprio corpo: a filha de seu mestre. Sesshoumaru caminhou ainda incrédulo até o bebê desnudo e o pegou no colo. Havia sangue sobre o corpo da criança e ele tratou de se certificar de que ela não estivesse ferida. Mas o sangue sobre ela era o sangue de Rin; o bebê estava ileso. Ele aninhou a menina contra o peito e respirou aliviado. Observou então o servo dragão aproximar-se do Jintoujou e soltar lamurias pela morte da jovem senhora. Parecia até estar chorando por ela. Algo que, por enquanto, ele próprio não poderia se dar ao luxo de fazer. A luta e o cheiro absurdo de sangue espalhado pelo local logo atrairiam mais youkais e talvez até soldados humanos curiosos com o que acontecera. Deveria sair dali o quanto antes.

“Hikari, minha prioridade agora é você...”

-x-x-x-x-x- Fim do FlashBack -x-x-x-x-x-

Inu-Yasha permaneceu quieto por alguns instantes. O relato de Sesshoumaru lhe trouxera dolorosas lembranças.

– Eu jamais deveria tê-la deixado sozinha...

– Você não tinha como adivinhar, Sesshoumaru... – Surpreendeu-se com o olhar irado que o irmão lançou sobre ele.

– Por que não me disse que aquele demônio ainda estava vivo?

– Porque eu também pensava que ele estivesse morto. De qualquer forma, você desapareceu sem deixar destino. Mesmo que eu soubesse, como poderia avisa-lo?

Sesshoumaru respirou profundamente, resignado. Ele próprio havia escolhido permanecer isolado, mas talvez essa escolha tenha custado a vida de Rin. Não havia ninguém mais a culpar além dele mesmo.

– Ei, onde está aquele seu dragão?

– Aquela não foi a última emboscada que Naraku preparou. Várias outras se seguiram e, a cerca de um mês, Aun foi devorado por aquele monstro. A luta que você viu naquela clareira essa noite também foi obra de Naraku. Ele nunca faz o trabalho sujo. Alicia outras criaturas, humanos ou youkais, com promessas de poder e riqueza.

– A ganância pelo poder corrompe qualquer ser... – Sentiu Sesshoumaru olha-lo com jeito de quem já havia terminado o que tinha para dizer. Sabia que havia chegado a sua vez de falar. – O que você quer saber?

– Como a Tessaiga pôde obedecer você nessa forma humana?

– A energia de que ela precisa para se transformar, a minha energia de youkai, está contida em meu espírito, Sesshoumaru. Estando na forma humana ou na forma de hanyou, o meu espírito continua sendo o mesmo. E por isso, eu consigo usa-la. Mas para fazer isso na forma humana, eu utilizo muito mais energia. É muito mais desgastante.

– Humm... Há quanto tempo?

– Descobri poucos anos após a última vez que nos vimos. No começo era difícil quando estava na forma humana; eu só tinha uma chance por mês para praticar. Levou tempo, mas eu consegui domina-la.

Sesshoumaru permaneceu em silêncio por alguns instantes. Depois se levantou e seguiu na direção de volta à cabana onde havia deixado Hikari.

– Vamos voltar, não é seguro deixa-la sozinha por tanto tempo.

Inu-Yasha levantou-se e ficou parado por um tempo olhando o irmão afastar-se lentamente. “Eu sei o que ele quer...” Sesshoumaru parou e voltou seu olhar um tanto impaciente para ele.

– O que foi, Inu-Yasha?

– A Jóia Shikon... Essa é a razão pela qual Naraku está tão ansioso para obter o seu poder, Sesshoumaru. Porque ele perdeu todos os fragmentos que tinha. A Jóia foi reunificada e é mantida aqui, neste vilarejo, protegida pelos filhos do monge morto naquela pira funerária que você viu há pouco. Nenhum youkai ousa se aproximar deste lugar por causa do poder espiritual aqui contido. Somente aqueles que possuem permissão podem entrar, como eu e Shippou. Você e Hikari estavam comigo, logo o seu acesso também foi liberado.

– Eu não pretendo permanecer por muito mais tempo além do necessário...

– Se ele voltou a se mostrar, é certo de que logo virá atrás da Jóia, Sesshoumaru... Pois você não estaria mais zanzando por aí. – Agora ele havia entendido o que Inu-Yasha estava tentando lhe dizer. Seria muito mais fácil obter sua vingança aguardando tranqüilamente naquele lugar que Naraku viesse até ele. – E, além do mais, mais pessoas poderiam ajuda-lo a proteger Hikari...

– A quem você se refere, Inu-Yasha? Você?

– É... Eu mesmo.

– Eu não preciso da sua ajuda par cuidar da minha própria filha.

– Como eu disse antes, estou tentando pagar o favor que me fez no passado...

– Por falar nisso, eu não me lembro de ter visto aquela humana perto de você... – Interrompeu Sesshoumaru.

– Não, ela realmente não está mais por aqui.

– Você a matou de novo? – Perguntou Sesshoumaru, com um sorriso maldoso no rosto.

– Não, eu não... – O hanyou mantinha-se cabisbaixo.

– Ah, é claro... Os humanos envelhecem muito mais rápido do que nós. Fico tentando imaginar a sua cara patética no enterro dela. Mas, não se preocupe, Inu-Yasha, você envelhece um pouco mais rápido do que um youkai puro como eu, então você também terá a pele enrugada e morrerá. Assim como ela.

– Eu... – Estava tentando se segurar para não pular em cima de Sesshoumaru, mas o tom de escárnio na voz dele estava testando os limites da pouca paciência que aprendera a ter nos últimos anos. – Eu não a vi envelhecer, Sesshoumaru...

– Como é?

– Isso não importa agora. – Ergueu o olhar e o encarou. – O que importa é que eu tenho uma dívida com você. Talvez eu nunca consiga pagá-la, mas eu posso tentar protegendo Hikari. Acredite em mim quando digo: não há lugar mais seguro para a sua filha do que aqui, neste vilarejo.

A idéia lhe soou desagradável por alguns momentos, mas, se não tivesse que se preocupar com Hikari, teria mais liberdade para vingar a morte de Rin. Decidido, ele encarou o irmão e assentiu com a cabeça.

“Acima de tudo, Hikari ainda é minha prioridade...”


Continua no próximo cap...

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