Masquerade escrita por Misu Inuki


Capítulo 2
Angel of Music




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Pousei a minha pena sob a mesa de madeira polida.
Da ampla e silenciosa sala, era possível ouvir claramente a tempestade que caia initerruptamente no exterior da mansão Chagny, como se quisesse desafiar sua sólida estrutura.
Friccionei meus dedos doloridos, e voltei meu olhar para o refinado relógio que estava fixo em uma das paredes do aposento.
Ainda eram sete horas da noite.

Suspirei, e me preparei para horas que estavam por vir.
Horas de puro ócio, algo que por sinal, era minha principal companhia quase que constante na minha rotina.
Chegava a ser irônico.

Quando vivia no teatro, as pessoas ao meu redor costumavam a se queixar do dia-a-dia estressante. Muita foram as vezes que eu ouvi, minhas companheiras de quarto, falarem invejosamente da vida da nobreza. Como se a felicidade estivesse atrelada a um nascimento ou casamento “abençoado” pelo sangue azul.

Sorri sozinha sem humor.
Eu era essa mulher “abençoada”, porém não conseguia ver a maravilha que tanto ouvi dizer que era.
Me sentia como um pássaro aprisionado numa gaiola de ouro.
Por maior que fosse o conforto da minha vida, eu apenas desejava ser livre.

Talvez, refleti, eu esteja sendo ingrata.
Eu tinha tudo que uma mulher poderia desejar.
Vestidos e joias caríssimas, um título de nobreza, uma casa gigantesca e criados próprios.
Mas ainda sim, sentia-me incompleta, e completamente perdida nesse novo mundo.

Olhei para as dezenas de envelopes recém endereçados sob a mesa.
Não conhecia nem metade dos nomes ali escritos por mim mesma.
Nomes de famílias nobres, pessoas que eu teria que receber na minha casa para uma festa, que nem eu mesma compreendia a razão.
Ainda era estranho para mim, a necessidade de participar de tantos eventos sociais, onde a maior parte das pessoas não conversa entre si.

Minha função era até simples: endereçar os envelopes com os convites para todas as pessoas da lista; depois já no próprio evento, deveria sorrir, e ser guiada pelo meu marido por entre os convidados, concordando com ele em tudo o que dissesse.

-Sra.Chagny, deseja seu chá agora? – uma garota franzina apareceu na minha frente pegando- me de surpresa.

Sorri para ela, enquanto tentava me recordar sem sucesso o nome da jovem a minha frente.

-Não, obrigada. -respondi - Assim que desejar, lhe chamarei.

-Como quiser, milady. Estarei a sua completa disposição- a garota me fez uma mesura um pouco desajeitada e saiu de volta para a cozinha.

Fiquei um tempo olhando para onde ela estava a instantes atrás.
Eu deveria ter a mesma idade dela quando toda essa confusão em minha vida começou.
Era difícil acreditar como tantos anos já haviam passado...
Eu me sentia tão assustada e indefesa, com tudo que havia a minha volta.
Afinal, não era para menos, tudo que eu acreditei durante toda minha vida era uma mentira.
Mas... Seria bom se pudesse viver pelo menos mais um pouco naquela rede de ilusão.

Mesmo presa naquela ópera, eu era livre.
A música para mim, era meu refugio, minha vida.
Mas eu não tinha ideia de sua importância até ser obrigada a esquecê-la.

Não culpava Raoul por ter feito isso comigo.
Uma vez que para ele, essa seria a melhor forma de me proteger.
Raoul achava que essa era a única forma de eu esquecer o autor das melodias em minha mente.

Ele, misterioso espectro escondido nas sombras do teatro.
O anjo paternal, que me ensinou escondido tudo o que eu sabia sobre a verdadeira beleza.
O homem deformado tanto na alma quanto na carne, cujo os olhos intensos tanto me assustavam quanto imploravam por um pouco de amor.
Gênio e demônio, meu mestre e meu carrasco.
Meu anjo da música, o temido Fantasma da Ópera.

Raoul jamais entenderia que era algo fora do meu controle.
Esteja eu dormindo ou acordada, ele sempre estaria ali, cantando com sua voz celestial e demoníaca canções dos mais diversos sentimentos, na minha mente.
Apenas na minha mente.

Eu fui a única pessoa a conhecer todas a faces do Fantasma.
Mesmo Raul estando comigo durante toda essa historia, ele não o conhecia como eu.
E por mais que eu nunca possa admitir isso, o Fantasma foi a única pessoa a me conhecer de verdade também.

Ele estava comigo quando eu chorava pela morte do meu pai no fundos do teatro.
Quando eu errava algum passo nos ensaios do Ballet.
O Fantasma velava meus sonhos toda a noite.
Mesmo sem aparecer, ele me consolava, me instruía, e me amava.

Um amor, que quando eu o descobri me pareceu ser tão deformado e distorcido como tudo que havia nele.
Mas estava enganada.
Porém não podia voltar a trás.

Tive a chance de escolher e essa decisão eu levarei por toda minha vida.
E eu fiz a escolha certa.

-Mamy, mamy!- uma voz infantil ecoou pela casa.

Instantes depois, a pequena criança surgiu correndo até a sala.
Os cabelos castanhos claros voando com o movimento do menino.

-Gustave, meu amor- sorri me levantei da cadeira.

O garotinho sorriu de volta, e correu em direção dos meus braços abertos.
Segurei-o em meu colo, e ajeitei seu desarrumado pijama.

-Acho que já passou a hora do mocinho estar dormindo, não?

Ele abaixou os olhinhos verdes, depois de ouvir minha repreensão.
Gustave era um menino muito gentil e obediente, eu nunca precisei repreende-lo de verdade.
E estranhei ele ter descido quando ele deveria estar na cama dormindo.
Esperei até ele me contar o que estava acontecendo.

-Eu não consigo dormir mamãe.

-E porque, meu pequeno príncipe?

Ele olhou em volta, e falou no meu ouvido.

-Eu estou com medo.

Tive que me controlar para não rir.
Tanto mistério só porque ele estava com medo de alguma coisa.
Depois eu entendi, afinal, Raoul sempre dizia para ele que homens não deviam ter medo de nada.
Sabia que ele não ia me dizer nada enquanto não tivesse certeza de que ninguém ouviria.

Ainda o segurando no colo, subi as escadarias e deixei-o na cama.
Depois fechei a porta, sentando me do lado dele.

-Pronto, agora estamos só nós dois... Me conta o que tanto te assusta.

O garoto apontou para a janela.

-A tempestade?

Ele balançou a cabeça afirmando.
Sorri, acariciei seus cabelos macios.

-Quando eu um pouco mais velha que você também morria de medo de tempestades.

-Sério?- ele me olhou com os olhinhos brilhando de curiosidade. - E como a senhora não teve mais medo, mamãe?

-Porque eu descobri que não precisava me preocupar, meu amor. Afinal, o Anjo sempre estaria me protegendo.

-O Anjo da Música?

-Sim, meu príncipe. O Anjo da Música sempre estava ali comigo.

-E ele falava com a senhora, mamãe?

-Sim, mas quando eu estava assustada ele costumava cantar para me acalmar.E ele me ensinou que a música é mais forte do que tudo.

-Mais forte até do que os raios?

-Até mesmo que os raios- o abracei fortemente- Então sempre que você se sentir com medo, cante, mesmo que baixinho, assim seu medo vai embora.

-Mas, mamãe....- o garoto parecia ainda meio desconfiado- Será que a senhora podia me emprestar o seu Anjo só hoje? É porque eu não consigo cantar dormindo.

Eu ri da esperteza do garoto.
Mal tinha cinco anos, e já tinha perguntas e respostas para tudo.

-O meu Anjo é o seu Anjo também. Mas, não se preocupe que eu mesma irei cantar até você dormir.
Ele balançou a cabeça concordando, e eu comçei a cantar uma música que meu pai cantava para mim quando era pequena.
Era uma canção suave, e em poucos instantes, Gustave já estava completamente calmo e com sono.

-Mas lembre-se meu amor, esse é o nosso segredo.


Ele balançou a cabeça sonolento.
Depois, se deitou com um sorisso inocente no rosto.
Sorri, e o cobri até o pescoço.
Fiquei ali observando até o menino estar dormindo profundamente.

Levantei, e caminhei na ponta dos pés.
Apaguei a lamparina, e fiquei algum instantes admirando aquele quarto dominado pelas sombras.
Esperando inconscientemente por uma resposta ao meu canto.
Uma repreenda por alguma nota errada, ou um elogio sussurrado.
Mas ali, não havia nada além de sombras.

Fechei a porta, pensando em como o silêncio conseguia ser mais assustador para mim do que qualquer tempestade.
Pois não havia ninguém para me acalmar.


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