Think Twice escrita por Nuvenzinha


Capítulo 14
C14. Despair


Notas iniciais do capítulo

Ou seja, desespero.
Meu Deus, essa porra ficou tão triste que não tenho o que dizer; nem comemorar por ter conseguido atualizar eu consigo.
Qualquer música serve para acompanhar esse capítulo.
Ok, agora que estamos no dia seguinte e a própria autora aqui conseguiu superar parte do remorso que sentiu depois de escrever o que escreveu, acho que dá pra dar uma nota do capítulo melhor.
Como uma própria leitora minha disse, "CINCO MIL PALAVRAS REPLETAS DE MELANCOLIA E SADNESS E TRISTEZA". E é isso mermo.
Isso está escrito há muito tempo em meu caderno, e os capítulos que eu escrevi em seguida dependem de uma puta tristeza agora. Por favor, tentem entender.
Mas, pelo menos, eu consegui atualizar ao menos uma vez antes das aulas o/ *ando demorando muito pra escrever because of reasons*.
Espero que... bom, não posso desejar uma boa leitura porque vai ser triste... então só peço que não chorem.
E não venham me matar depois de lerem :u



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Foi lentamente recobrando os sentidos.

Tsugumi abriu seus olhos devagar, ainda entorpecida. Seus braços e pernas não obedeciam aos seus comandos; seus músculos não reagiam, apesar de sentiam algo que não sabiam dar outro significado além de dor; ainda não era capaz de entender o que se passava e não ouvia nada além de seu coraçãozinho, batendo apertado contra seu peito.

Via apenas um ambiente completamente branco e vazio. Teria ela morrido de verdade? Estaria no céu? Ou aquele era apenas um lugar vazio para onde seu espírito havia ido ao não encontrar paz? Não queria realmente saber, apesar de todas as dúvidas. Queria apenas que aquele branco todo pudesse sumir, pois a claridade lhe incomodava os olhos. Queria muito fechá-los, mas algo fazia com que os abrisse de novo, apenas dando longas piscadas.

–Tsugumi!

Ela ouviu alguém chamando, meio ao longe, num tom de voz que não lhe lembrava nada, meio andrógeno. Tampouco parecia uma voz real. Será que era algum anjo o um espírito com quem acabou se encontrando agora no além-vida? Tentou erguer a mão para tocar o que estivesse falando com ela, mas seus membros continuavam a não responder.

–Quem... está aí?

Seus sentidos voltaram todos de uma vez só, bombardeando-a com informações. Ouvia o som das máquinas, sentia o cheiro de produto esterilizante e o elástico que envolvia sua cabeça e prendia uma máscara de inalação ao seu rosto, enviando oxigênio para sua boca e nariz, via um teto branco e pessoas desconhecidas aglomerando-se ao seu redor, todos usando jalecos e uniformes brancos. Foi quando se deu conta de que estava em um hospital.

Sentou-se afobada, olhando ao redor, fazendo as enfermeiras se assustarem com sua rapidez. Havia, ao seu lado, uma máquina que monitorava seus sinais vitais, que começou a fazer um barulho alto que correspondia ao seu coração acelerando, e uma outra que estava ligada à máscara em seu rosto, além de uma bolsa de sangue que gotejava em um tubo até que chegasse à sua veia por uma agulha. Apesar de o ambiente parecer cômodo em geral, as máquinas e o odor estéreo incitavam seu pânico e despertava aquele pavor de hospitais que sempre tivera. Aquela situação estava parecendo um pesadelo que se tornava real.

Com sua agitação, uma de suas feridas se abriu, sangrando outra vez. Tsugumi se debatia na cama, aterrorizada. Não havia nenhum conhecido sequer por perto, o que a deixava ainda mais amedrontada, ao ponto de querer que tivesse morrido mesmo apenas para não estar ali. As enfermeiras tentavam domá-la, mas não deixava que ninguém se aproximasse. De seus olhos escorriam grossas lágrimas de terror, enquanto as moças se acovardavam, algumas ainda saiam do quarto. De certo, havia certa consciência da relação entre ela e Heiwajima Shizuo, e todos ali temiam sua força. Aquilo lhe deu uma boa chance para fugir dali.

Por um impulso, levantou-se da cama e saiu do quarto com passos bambos, porém amplos, levando numa das mãos uma bolsa de sangue, uma vez que não conseguira tirar a agulha de sua veia com medo de se machucar mais. Com os mesmos passos inseguros, andou pelo corredor vazio, cujas janelas mostravam um céu sem nuvens e a luz do céu, que iluminava seu rosto amedrontado. Como uma criança, chamava a mãe em pranto, mesmo que som algum saísse de sua boca antes de repetir a palavra algumas vezes. Esforço tolo; a mãe provavelmente estava a quilômetros dali e, mesmo que viesse, lhe daria uma bronca por tentar fugir, isso sim.

Começou a andar mais rápido, na direção das escadas do hospital que chegavam ao andar abaixo, assim que suas pernas ganharam um pouco mais de força. O hospital, até então, parecia quase inteiro vazio, pelo silêncio que lá fazia, mas ela sabia que não demoraria até que alguém aparecesse. Olhava ao redor à todo momento, com medo de que alguém surgisse abruptamente e a parasse, mas não aparecia ninguém. Estava um tanto aliviada de não aparecer ninguém, mas apenas ficaria realmente tranquila quando estivesse fora dali. Todo aquele cheiro de remédio, as tosses vindas dos quartos, os barulhos das máquinas... Entravam por seus ouvidos e lhe davam nós na mente. Os olhos reviravam em seu rosto toda vez que piscava, de tão nervosa.

Estava terminando de descer as escadas quando sentiu uma mão pousar sobre seu ombro e segurá-la.

–Não encosta em mim! – gritou, virando-se com uma das mãos erguidas, pronta para bater na pessoa que a segurara; tão rapidamente que algumas das suas lágrimas se desprenderam de seu rosto e voaram na direção da pessoa a quem se dirigia.

– O que pensa que faz fora do quarto?! –pôde ouvir uma voz grave e irritada antes mesmo que pudesse ver quem era, mas, de fato, aquela tonalidade combinava com a textura áspera e calejada da mão em seu ombro; Shizuo, assim que ela terminou de se virar, encarou-a bravo, porém, no fundo de seus olhos castanhos, havia, de certo, preocupação – Você tem consciência do que faz?! Volte já pra lá!

–S-Shizuo-kun...

Respirou atônita, deixando o queixo cair. O rosto, que já estava vermelho de chorar e de nervosismo, tornou-se ainda mais rubro. O que ele fazia no hospital? Estava ferido? Mal entendia como ela havia parado lá – deveria já estar morta, pra falar a verdade. Observou-o uns instantes, percebendo alguns arranhões em seu braço e em seu rosto, além de uma manga da camisa inteira arrancada e das olheiras cravadas em baixo de seus olhos. Arregalou os olhos, perdendo o fôlego. Ele realmente havia se machucado! Antes de perguntar o que tinha acontecido, ele soltou um suspiro pesado, mandando que ela voltasse ao quarto mais uma vez. Não respondeu à ordem dele mais uma vez.

Depois de um longo tempo pensando, com seus braços magros abraçou-o com as forças que lhe restavam, caindo no choro mais uma vez, sofridamente. Ele é quem a havia resgatado aquela hora, ele que afugentara os Lenços Amarelos antes que ela apagasse, e ele também a trouxe lá. Era a única explicação para os ferimentos e para que ainda estivesse viva.

Sentira a dor física muito mais forte, mas o que realmente a fez chorar foi, de certa forma, gratidão. Não estava realmente pronta para morrer naquela noite; estava, na verdade, era esperando que alguma alma bondosa a salvasse, e ele aparecera. Já era seu herói antes, mas agora lhe devia a vida. Despencou sobre ele, não conseguindo mais se aguentar em pé. Todos os seus músculos retorciam agonizantemente, além do sofrimento emocional que sentia. Deixou todo seu peso em cima de seu mestre, deixando a cabeça repousar sobre o peitoral do mesmo, a soluçar. Sentimentos como pânico e profunda tristeza começavam a se misturar com a gratidão que sentia, criando um turbilhão de emoções com que não sabia lidar. Permaneceram ali alguns instantes até que ele finalmente reagisse, mesmo que de maneira inesperada.

–Você não tem juízo mesmo... – Shizuo pegou-a em seus braços, também erguendo o tripé em que a menina levava a bolsa de sangue conectada à sua veia, olhando-a com uma expressão severa, forrada com um fundo de preocupação – Você está machucada e mesmo assim sai andando por aí... Não se esforce, suas feridas vão abrir de novo.

–Sh-Shizuo-k-kun...

Mal pôde falar, o loiro já a silenciou com um olhar. Estava totalmente surpresa com aquele ato tão abrupto e incomum, mas não quis realmente fazer algo contra. Mesmo que o mestre a segurasse com os braços rígidos, sentia uma energia cálida vinda dele que transmitia uma sensação quase paternal que parecia acalentá-la, fazendo com que seus joelhos, tremidos, lentamente parassem de se bater. Aninhada no colo dele, esfregava os olhos numa tentativa de parar de chorar. Suas pernas e todo o resto do corpo, mesmo que não tocassem nada além do corpo do homem que a carregava, doíam de forma agonizante, e cada balançada que sentia fazia doer ainda mais. Tal dor fez com que se arrependesse amargamente de ter sido tomada por seu medo, desejando que chegasse ao seu quarto logo, mesmo que isso significasse levar uma bronca do médico responsável ou qualquer outro adulto.

Shizuo não demorou em chegar ao quarto de hospital do qual ela fugira e colocou-a na cama outra vez, ficando na sala para garantir que ela não escapasse de novo. Mesmo tendo ficado rígida de medo do mesmo jeito quando as enfermeiras começaram a fazer exames, preferia daquele jeito. Não estando sozinha, não havia motivo para tanto medo, apesar de que nada superaria o fato de que tinha pavor de hospitais e agulhas. Meteram-lhe várias injeções que diziam ser analgésicos – mas parecia mais que era apenas uma maneira de desviar a dor dos machucados para a dor da agulhada-, tiraram-lhe amostras de sangue e fizeram mais alguns exames físicos doloridos. Queria chorar, mas as lágrimas não mais caíam de seus olhos.

Quando as enfermeiras se retiraram, deitou-se na cama o mais encolhida que pôde, se cobrindo com o lençol branco. Estava se sentindo profundamente incomodada, com uma série de coisas, entre elas a camisola do hospital, que era muito aberta, quando ela não usava nenhuma peça de roupa por baixo dela além da íntima. Seu corpo e toda a sua pele, fina e branca, estavam expostos à corrente gelada do ar condicionado e aos olhares de qualquer um, o que a deixava ainda mais perturbada com a situação. Não que tivesse um real motivo para se preocupar com isso, pois seu mestre não olhava nada além da parede, mas aquela situação não deixava de ser constrangedora e perturbadora.

O silêncio dentro do quarto era tamanho que o cômodo chegava até a parecer vazio. Era possível ouvir o barulho dos outros pacientes nos quartos vizinhos, os carros passando pela rua; ouvia, também, o gorjear dos pássaros voando. Olhava pela janela de seu quarto e via o céu azul, com as nuvens pequenas e distantes umas das outras. Um dia lindo para se sair e ela lá, deitada numa cama de hospital, presa a tubos e máquinas de monitoramento.

Aquela experiência por si só já era angustiante, porém ainda se flagelava perguntando mentalmente sobre o que poderia ter acontecido ao seu irmão Kyouya e sua amiga Misaki. Lembrava-se tão claramente de um dos Lenços Amarelos que a encurralara mencionar os dois como “traidores”, e aquilo a preocupava de um jeito profundo. O que eles queriam dizer com isso? E o que eles faziam com traidores? Uma lágrima escorreu por seu rosto. A única coisa que podia imaginar que os aguardava, a partir do momento que eram tachados como traidores, era a morte, e se qualquer um deles morresse, todo o seu esforço seria em vão.

Soltou um suspiro aborrecido, logo depois fungando. Tsugumi estava cheia de dúvidas e inquietações, mas não tinha coragem de verbaliza-las. Shizuo já havia feito muito por ela e não queria ter de fazê-lo ouvir suas aflições, ainda mais porque, ao olhar em seu rosto, era possível ver grande apreensão. Algo já estava fazendo-o nervoso e não queria piorar a situação. Rolava de um lado ao outro, com o sangue borbulhando em suas veias de tanta inquietação. Queria um sinal, qualquer um, de que os dois estavam bem. A falta do que fazer a respeito lhe tirava do sério; tinha de ficar ali, recebendo sangue na veia. Que droga! Se aquele cara não tivesse uma arma... Nada a teria parado.

–Ei, qual seu problema? – Olhando por cima das lentes azuis dos óculos escuros em seu rosto, o loiro indagou com a voz rouca, apesar da tonalidade ter saído irritadiça – Parece que quer ir ao banheiro de tanto que se mexe. Se que alguma coisa, peça.

–N-Não é isso! – atirou as palavras no susto que a repentina quebra de silêncio lhe dera.

–Então me diga o que é. – insistiu.

–Não é nada que possa me ajudar, Shizuo-kun... – um suspiro de angústia escapou de seu peito, parando de se mexer no que fixou o olhar na lâmpada apagada – Preocupe-se mais com o senhor, que está ferido e doente.

–Você me disse coisa parecida naquele outro dia e olhe no que deu. – pôde perceber a seriedade na fala dele – E ainda me pede para não me preocupar com você. Sinceramente... - com as mãos, arrastou parte de sua franja para trás – Pare de birra e me conte o que você tem. Pior do que tá, não fica.

Soltou outro suspiro, desta vez de aborrecimento. Não queria ter de contar tudo pra ele, mas via-se numa situação em que não havia opções. A pressão psicológica que estava sentindo era grande e o mestre apenas agravava a sensação de sufoco que tinha, mesmo que ele tivesse todos os tipos de boas intenções ao ignorar seus próprios problemas para se importar com os dela. Ela realmente não queria se preocupar com ela mesma e gastava todos os seus neurônios pensando nos problemas de qualquer um, menos nos seus.

Ia começar a falar quando em sua mente surgiu a imprudente ideia de perguntar por que Shizuo a salvara. Tinha medo da resposta que ia receber, ainda mais porque não conseguia prevê-la. A resposta tanto poderia magoá-la quanto poderia lhe alegrar, ainda tendo a chance de receber resposta alguma. Riu, ligeiramente aflita. O que ela queria com aquilo? Queria ouvir uma confissão de amor ou algo do gênero? Que ingenuidade a dela. Ele não tinha que dar nenhuma satisfação, poderia muito bem tê-la salvo sem nem ao menos saber por que, ou apenas para cumprir com seu dever como cidadão.

Ele repetiu a pergunta, e ela ficou mais alguns minutos em silêncio. E agora? O que ela deveria fazer? O que ela deveria perguntar?! Queria perguntar a ele o que ela deveria fazer. Mas não poderia simplesmente fazer isso! Queria perguntar tantas coisas, sem realmente querer receber tantas respostas possivelmente ruins. O que fazer? O que fazer?

–S-Shizuo-kun... – ele voltou a mirá-la quando o chamou; agora, não tinha mais volta: a primeira pergunta que aparecera nos segundo seguintes em sua cabeça fora aquela que saíra por sua boca – Você... Sabe algo sobre o meu irmão?

O loiro fez uma cara de espanto, recuando as costas, com um desespero profundo bem no fundo de suas orbes castanhas. Parecia um animal encurralado, ameaçado. Ele parecia tão assustado com a pergunta que podia interpretar aquela expressão como a de alguém culpado. Mesmo com uma dor profunda em todo seu corpo, sentou-se em sua cama de hospital, olhando-o diretamente nos olhos, com desconfiança. Aquilo fez com que o bartender recuasse ainda mais, virando o rosto para a direção da porta. O fato de um homem daquele tamanho não ter coragem de olhar no rosto de uma menina pequena e indefesa fez todas as suas dúvidas serem subjugadas. Ele definitivamente sabia de algo!

Passou a olhá-lo com um olhar investigador, que lentamente assumiu um ar desesperado. Ele sabia alguma coisa de seu irmão e não estava querendo lhe contar, agora só precisava descobrir do que se tratava. Enquanto investigava o olhar de seu mestre, pôde perceber lá no fundo um espírito inquieto e um sentimento horrível de culpa. Em um sobressalto, sentou-se virada para ele, respirando nervosa. O que diabos estava acontecendo?! O silêncio no quarto persistiu, por mais que ela quisesse fazer perguntas e insistir até que ele lhe dissesse alguma coisa, quando a porta se abriu.

Na porta, uma enfermeira tentava dizer alguma coisa, com uma cara de espanto. Já no meio do quarto, o que parecia ser uma pessoa se aproximava, toda arquejada e imunda em sangue; criatura impossível de se reconhecer. Tsugumi se afastou em sua cama, até encostar as costas na cabeceira, encarando aquele vulto que tanto parecia um fantasma. Encarava, mas não via nada de verdade, não via uma única característica que pudesse tornar aquela visão que tinha real, a não ser pelo fato de que todos ao seu redor também pareciam ver. Observou um pouco melhor a figura parada ali, sem se mover, com os braços pendurados do lado de seu corpo, cheios de hematomas e feridas sangrentas.

Aquela pessoa parecia ser sua conhecida, pelo modo que entrara e se aproximara da cama em que estava sentada, pondo uma das mãos no pé da cama e a outra afastando os fios ruivos, imundos e emaranhados de seu cabelo de seu rosto, mostrando uma face completamente arranhada e sangrenta, assim como toda sua existência, além dos olhos molhados de lágrimas e desespero. Foi apenas no que esse rosto se mostrou que a ficha caiu.

A franzina deu uma única piscada e por seus olhos também escorreram lágrimas. Teve o impulso de levantar-se e foi tremendo até a pessoa, agora identificada como sua amiga Misaki, que em seu rosto esfolado abrigava uma expressão de pura melancolia, os olhos semicerrados por estarem meio inchados, assim como seus lábios, que não se moviam. Quando tocou seus ombros, os olhos da ruiva assumiram uma dose a mais de dor, por mais que, pelo jeito que estava parada ali, parecesse não sentir os membros do corpo. Esteve quieta daquele jeito até que pediu desculpas em tom baixo e caiu sobre a amiga, sem mais forças para se manter em pé, apesar de se manter consciente.

Shizuo acabou por tomar uma atitude antes da enfermeira que tentara impedir a menina de entrar, logo voltando com uma cadeira de rodas ao cômodo, onde colocaram a adolescente imóvel, tão frágil que podia-se ver todo o seu tronco se movimentar com o esforço dos pulmões, mostrando as roupas imundas e um pouco sujas de sangue. A menor, ignorando os espasmos de dor que sentia, foi atrás de seu mestre quando este foi levar sua amiga para o pronto-socorro, com o terror estampado no rosto. Segurava com força a mão da ruiva enquanto tentava fazê-la responder aos seus chamados, em vão; resistia à todas as ordens médicas.


–O que pensa que faz?! – mais uma vez naquela manhã, as grandes mãos do loiro a ergueram, tirando-a a força da sala de emergência depois de ter deixado a menina na cadeira de rodas lá aos cuidados de um médico – Só está atrapalhando!


–Misa-chan! – continuava a tentar alcança-la com os braços, segurando nos olhos seu pranto, mesmo que soubesse que não havia chance de escapar dos braços de seu mestre, que a envolviam fortemente numa espécie de abraço, que era apenas um jeito de imobilizá-la.


–Se acalma um pouco, guria! – bradou – Ela é sua amiga, não é?! Já não basta saber que ela está viva para se tranquilizar?! Sossega! – depois disso, a menina parou de se mexer tanto; a voz dele se tornou mais mansa e arrastada– Pare de se esforçar desse jeito... Pare de se preocupar mais com os outros que com você...


Calou-se de imediato, arregalando os olhos. Aquela fora uma atitude realmente repentina, mas o que lhe tirara os movimentos fora a tonalidade com que ele lhe dissera aquilo, que a petrificou. Sentira o queixo robusto apoiado em seu ombro enquanto ele ia repetindo para que parasse, abaixando o tom de voz a cada vez, assim como sentira uma ponta de melancolia na voz de seu mestre e sentira suas feridas se abrindo lentamente. Sentira, também, um desejo enorme de devolver a fala para ele, que sempre se machucava e agia como se nada acontecesse, mas suas cordas vocais não faziam som algum; estava realmente paralisada. O jeito com que o loiro se dirigira a ela naquele momento serviu como um sedativo, efeito que os médicos utilizaram para leva-la de volta ao seu quarto.


Shizuo não chegou a acompanha-la até lá para que pudessem trocar os curativos da menina em privacidade; eram feridas feias que os acompanhantes dos pacientes não precisavam nem tinham permissão para ver, mas, mesmo que não se debatesse ou tentasse fugir, foi aterrorizante passar por aquilo sozinha, ainda mais com o confuso turbilhão de pensamentos que a franzina tinha naquele momento em sua mente. Por que o senpai havia falado daquele jeito tão triste? Por que não conseguira reagir? Por que ele estava agindo daquele jeito? Perguntas de vários outros caráteres surgiram, perturbando até o fundo de sua alma. Tinha vontade de chorar. Não queria ouvi-lo falar daquele jeito nunca mais. Preferia-o falando da maneira que mais lhe agradava, que era daquelas vezes em que conversavam normalmente e ele não a tratava como um professor trata seu aluno, mas como se fossem bons amigos.


Ficou mais algum tempo sozinha em seu quarto antes que ele regressasse, com faces febris, o que a fez concluir que ele ainda deveria estar gripado e o volume de sua voz poderia ter falhado por causa de sua dor de garganta, mesmo que apenas o eco em sua mente a ainda fazia arrepiar. Havia uma grande possibilidade de aquela ser a causa, mas algo no fundo de seu coração dizia que era outra coisa. Começou a pensar mais profundamente; lembrava-se vagamente de algo que seu mestre lhe contara um bom tempo antes, provavelmente, em seu primeiro treinamento com ele.


“-Olha, como vamos nos ver todos os dias de agora em diante, - falava-lhe em tom grosso, com a fumaça do cigarro saindo de sua boca junto das palavras, dando ainda mais a impressão que estava de mal humor – já vou lhe dizendo que não quero lidar com os problemas pessoais seus.”


Não que ela pretendesse contar algo à ele, mas...


“ -E se eu precisar de ajuda? Não tenho nenhum conhecido na cidade. Tô sozinha.


–Desde sempre as pessoas me evitam, então, mesmo tendo meus poucos amigos, resolvi tudo sozinho.


–Are?! – não pôde esconder sua surpresa – Mas você não ficava triste de estar sempre sozinho?


–Nunca soube como era ter muita companhia, então não consigo entender a falta que ela faz. Mas isso não é da sua conta, fedelha.”


Aquela mente se repetiu por algumas vezes em sua cabeça até que conseguiu ligar fatos presentes aos passados, acabando por corar um pouco, também tendo a sensação de culpa. Talvez, apenas talvez, agora que ele se acostumara com sua companhia, a mais remota possibilidade de voltar aos tempos de solidão desestabilizá-lo-ia. Mas algo estava errado... Ele não a perdera, ela estava bem ali. Se era esse o problema, por que ele continuava triste? Será que havia algum motivo por trás?


Acabou, no meio de todas aquelas perguntas, surgindo mais uma, que soou maior: por que Misaki lhe pedira desculpas antes de cair? Teria de perguntar à ela, porque não importava o quanto ela tentasse refletir sobre isso, nada conseguia esclarecer tal dúvida, ainda mais agora que começara a relacionar de alguma maneira com o comportamento estranho de seu mestre. Tudo parecia tão interligado de certa forma que não pôde evitar estabelecer conexão. Shizuo chegara tão... “na hora certa” na outra noite que parecia que não era mera coincidência ele estar naquela área. Não conseguia manter as pernas quietas, elevando-as e deixando-as cair na cama, o que era uma demonstração de sua inquietação.


–Sério Tsugumi, o que você tem hoje?! – o loiro mirou-a por cima das lentas azuladas de seus óculos de sol, com as sobrancelhas franzidas – Sempre se mexendo, nervosinha e fazendo coisas estranhas! Qual seu problema?!


Aquela era sua chance de perfeita de perguntar, ainda mais porque ele fora o primeiro a discutir o assunto. Estavam ambos nervosos e não teria nada a perder se aquilo fosse bobagem dela – afinal, quando se está nervoso, nada mais comum do que perder a razão. Tendo isso em mente, decidiu pronunciar-se.


–Eu quero saber onde meu irmão está, Shizuo-kun. – encarou-o firmemente, sentando-se em sua cama para fazer isso se sentindo menos indefesa – E você desde manhã parece que sabe e não quer me contar!


~x~


Arregalou os olhos, aterrado.


Não esperava que Tsugumi descobrisse tão facilmente a verdade, provavelmente pois não se dera conta de que não estava conseguindo conter tudo aquilo que estava sentindo havia algum tempo. De fato, ele sabia muito bem onde estava Kyouya; na verdade, ele sabia muito mais que isso. Ele sabia de mais detalhes do que desejava saber a respeito do que acontecera àquela menina ruiva e ao irmão da sua aprendiz. O que ele não sabia era como ele iria colocar tudo aquilo que vira em palavras, pois sabia que se o fizesse acabaria por destruir uma vida inteira.


Shizuo deu um salto em sua cadeira, encostando as costas no encosto e os ombros na parede, perdendo o ritmo da respiração. Naquela mesma manhã, já estivera igualmente encurralado e acabara se safando, mas desta vez não tivera a mesma sorte de ter uma saída. O olhar profundo de Tsugumi e o jeito direto com o qual ela abordou aquele assunto lhe tirou a coragem. Não que a menina o amedrontasse ou intimidasse, mas não aguentaria aqueles inocentes olhos violeta corrompidos pelo desespero e depressão profundos que viriam com seu depoimento. Aqueles olhos doces, que tantas vezes o lembraram da moça gentil da loja de conveniência que frequentava quando criança, não queria vê-los destruídos. Aquilo que ela queria que ele contasse era tão cruel...


Como se conta a uma adolescente de 15 anos que seu irmão mais velho está morto?


Viu aquela brutalidade acontecer perante seus olhos e não havia nada que pudesse fazer, não por não ter como ajudar realmente, mas porque não tinha como entrar e fazer algo a respeito. Estava trancado do lado de fora do galpão dos Lenços Amarelos, enquanto assistia Kyouya e Misaki tentarem convencer os demais de que a menina não viria, quando um idiota chegou anunciando que a garota de cabelos castanhos claros e olhos roxos havia chegado de repente e derrubado todos os amigos com um latão de lixo. Aquele desgraçado chegara tão rápido que não pôde fazer nada para impedir que ele entrasse lá. A culpa automaticamente caiu sobre o casal que protestava, por motivos óbvios. As semelhanças físicas e o fato de serem os únicos contra as hostilidades confirmou a suspeita de todos.


Todos começaram a se agrupar no ao redor dos dois; alguns tinham canos nas mãos, outros facas e canivetes, e ainda tinham aqueles que viriam para cima com os próprios punhos – sem contar aqueles que saíram atrás da invasora com armas de fogo. Todos caíram em cima, furiosos. Os rapazes contra o Amano e as meninas contra a ruiva. Shizuo aproveitava da oportunidade para tentar arrombar a porta trancada à sua frente, pois com o barulho que faziam lá dentro não o ouviriam, mas aquela porta não caía por nada. Ouvia os gritos do líder, que tentava fazer com que parassem de agredir os dois como um louco, sem nenhum efeito; ouvia os rugidos de raiva dos membros que se sentiam ameaçados e traídos; o baque dos chutes, socos e pontapés que os dois, caídos no chão, levaram, além das batidas metálicas dos canos que alguns erguiam; o choro da menina agredida, que tentava fugir e chamava por seu líder, implorando por perdão. Mas não se ouvia uma palavra de Kyouya; este apanhava sem soltar um ‘ai’.


Depois de um último golpe mais brutal que os outros aplicados no rapaz, o silêncio gelado, adquirido com um último urro do chefe, que pegou a arma de um dos caras ao seu lado no palanque e atirou no teto de metal acima de sua cabeça. Uma pena que o líder daquela gangue maldita não tomou essa atitude antes que dois traidores acabassem estirados no chão, arranhados, esfaqueados, esfolados e ensanguentados, mas ainda acordados e respirando, mesmo que muito mal. Misaki, chorando por seu companheiro e por si. Todos já haviam se afastado dos dois caídos, quando o dono da arma que o rapaz havia usado tomou sua pistola de volta, desceu do palanque e atirou bem na cabeça do rapaz, dizendo que o sofrimento dele seria menor com um sorriso cruel no rosto, que contradizia o que acabara de falar.


Todos, absolutamente todos, se calaram, inclusive o barman, que gritava do lado de fora, praguejava. Não pôde conter o terror que penetrara em seu corpo com o grito aterrorizada da rapariga ao lado do morto, a quem vira os miolos serem estourados. O líder, tomado por um sentimento de fúria e horror, foi tentar acalmar a membra toda machucada, afastando-a do cadáver, que ainda vazava sangue, com o rosto desfigurado. Ela apoiou seu rosto no ombro dele e chorou, horrorizada. Mal o conhecia, mas ver alguém tão novo morrer em uma briga de gangue arrancou parte de seu coração. Mas não se deu muito tempo dando atenção àquilo. Quando se deu conta, grande parte do grupo tinha saído atrás de Tsugumi. Não havia mais o que fazer por aqueles dois coitados que apanharam. Chamou rapidamente a polícia e correu atrás do bando, em ordem de salvar sua aprendiz.


E lá estava agora, sentado numa cadeira ao lado dela, sem saber como dar a notícia. Ou ele ou Misaki contariam, ora ou outra, mas, nas condições em que estavam, só restava ele para fazer isso.


Depois de tantos longos minutos de silêncio, algo nos olhos da franzina mudou. Ela não mais o mirava com os mesmos olhos de raiva, mas sim com profunda preocupação e apreensão. Parecia começar a entender a gravidade da situação. Aquilo foi como uma facada no coração, um soco em seu estômago, um tiro na sua cabeça e um chute no estômago, daqueles que fazem todos os órgãos doerem. Teve um ataque horrível de tosse, que chamou também a atenção da enfermeira que estava no corredor. Quando se recompôs, olhou a aprendiz de novo; ela parecia ainda mais alerta de que algo ruim vinha, com os olhos já juntando lágrimas.


O sentimento de culpa jamais tomara seu espírito como agora. Se ele tivesse interferido na hora certa, se ele tivesse assistido de um lugar em que ele pudesse entrar naquela hora, se ele tivesse parado aquele babaca que veio dar o aviso, ou melhor, se ele não tivesse conseguido fazê-la falar naquela manhã em que ela derrubara aquelas árvores, as coisas não teriam sido daquele jeito. Ele não teria de estar ali, num quarto hospitalar, tentando contar a uma garota que seu irmão foi brutalmente assassinado e sua amiga apanhara para protegê-la, e, ainda por cima, nem terem conseguido o que queriam. Ele estaria na sua casa, vendo uma luta ou uma corrida na TV enquanto esperava sua gripe passar na sua santa paz, ou então planejando alguma outra lição para dar à ela naquela noite.


Rangia os dentes, já imaginando a tristeza de toda uma família, imaginando se algo tivesse acontecido com ela, ou com alguém de sua família. Colocou as mãos no rosto para esconder sua aflição e seus olhos, que se mantinham espremidos de tão nervosamente que piscava. Sua respiração e seu batimento cardíaco estavam no pico. Estava estupidamente nervoso.


Até que, não aguentando mais, falou tudo.


E, depois daquilo, apenas choro.


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