O Continente das Trevas escrita por Narsha


Capítulo 21
A Conferência - Primeira Parte


Notas iniciais do capítulo

Muitos foram os fatores que contribuíram para meu longo afastamento, mas, em momento algum O Continente das Trevas — bem como meu outro trabalho: a fanfiction Em Nome do Amor, a qual escrevo em coautoria com meu esposo Heitors — deixou de ser importante para mim. De modo que hoje retorno trazendo a primeira parte da seqüencial de quatro episódios, incluindo Epílogo, que formam o Final do Primeiro Livro desta grandiosa saga.
Espero que as linhas a seguir possam conduzir a você leitor, de forma agradável, para o universo fascinante destes personagens e que junto deles você possa fazer descobertas, viver fortes emoções e ir adiante na luta pela retomada da paz em Ernas.
Atenciosamente,
Narsha

Revisado por: André Erik.



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A madrugada fria aos poucos cedia lugar aos primeiros feixes dourados do sol, e o solo assim como a vegetação e a floresta situados próximos ao Castelo de Serdin pareciam despertar vagarosamente de seu sono profundo. O orvalho ainda banhava gentilmente a superfície das folhas das antigas árvores e deixava úmida a relva que cobria de verde aquela bucólica região, enquanto caramujos deslizavam despreocupados por entre os seus frondosos caules. Pássaros, em um coro afinado, entoavam seu cântico e davam boas vindas ao novo amanhecer. O ar estava puro, e o céu límpido estava matizado por uma profusão de tons vermelho dourados pelo raiar do sol, enquanto que o vento, como que numa carícia gentil, farfalhava as copas das árvores de forma suave.

Contudo, apesar da aparente normalidade daquele novo despertar de um dia, havia algo de inquietante no ar. E nem as criaturas mais singelas da floresta estavam insensíveis a isso e percebiam algo dissonante em meio aos acordes daquela bela música orquestrada pelas aves. Uma energia tétrica e sombria parecia condensar-se sutilmente, de forma vagarosa, por toda Ernas. Do alto, ao longe, o Continente sagrado de Xênia permanecia totalmente oculto envolto por pesadas nuvens. Raios raspavam por entre sua superfície gasosa e escura e pareciam querer mostrar a todos os seres de Ernas a fúria e o ressentimento dos deuses pela profanação que ocorrera em seu Solo Divino.

No aposento Real, recostada aos macios travesseiros de seu leito, a Rainha de Serdin, Saphyre V, vislumbrava a penumbra do quarto e via a claridade aos poucos adentrar no mesmo dissipando as trevas da noite. Ao seu lado, ainda adormecido, o Rei Valiant I estava sereno. Ela, porém, pouco havia dormido e os breves momentos de sono que tivera foram preenchidos por sonhos agourentos e perturbadores que a fizeram acordar em sobressaltos por inúmeras vezes. Portadora de uma grande sensibilidade ela sentia vividamente a densidade da sombra que se abatia por sobre Serdin e por toda Ernas, e seu coração se enchia de angústia diante disso.

Procurando não acordar o Rei, levantou-se lentamente e dirigiu-se até seu lavabo. O local estava igualmente em meia luz e ela seguiu até a bacia de fina prata, movimentou apressadamente os dedos pegando com firmeza uma jarra, feita igualmente de prata, e despejou um pouco da água fria contida na mesma para a bacia. Com certa ânsia, levou com ambas as mãos o líquido frio à sua face alva e depois pousou seus olhos no espelho que ficava diante de si, o qual era arredondado e cujas bordas eram em ouro branco e tinham o formato de minúsculas estrelas.

Ainda inquieta, deixou o local e caminhou até janela de seu aposento — o qual se situava no alto de uma das torres do belo palácio – e deixou a brisa fria do amanhecer acarinhar seu rosto. O sol começava a despontar sua majestosa coroa no leste e seu brilho dourado começava a preencher Serdin como um manto cor de ouro.

Deixando-se envolver por tal beleza pousou seu olhar muito além do horizonte, e ao observar o alto seu coração novamente pareceu congelar e tornou-se outra vez angustiado. Os relâmpagos que cortavam violentos as espessas nuvens em torno de Xênia eram hostis e ela podia sentir a grandiosa ira dos deuses. Atron, com seus malignos intentos, havia conseguido macular a pureza daquele Solo Sagrado, e mesmo a Grand Chase e as Forças Intercontinentais de Vermécia tendo rumado para lá e derrotado o mal vindo de Astrynat, de certa forma, eles próprios também haviam ferido a pureza do local com sua participação naquela guerra. E a mágoa das Grandes Divindades com relação a todas as Criaturas de Ernas, especialmente agora que como novo deus governante, Ashiva — um deus ancestral e verdadeiramente sombrio—, assumira o trono de Xênia transcendendo o poder de Thanatos, fazia com que grande inquietação e preocupação a dominassem. Sabia, no entanto, que havia sido pacífica a retirada de todas as tropas daquele continente e que as poderosas divindades – graças à Grand Chase haviam tido uma postura benévola para com todos, mas isso não diminuía sua fúria e sua mágoa e, por certo, os deuses não olhariam mais com tanta benevolência para nenhum povo doravante. Isso seu coração também dizia e, como mulher e, especialmente, como governante do Reino Mágico de Serdin, sua sensibilidade a colocava em alerta. A guerra contra Astrynat era iminente e nenhum mundo poderia viver novamente a verdadeira paz enquanto tal realidade estivesse presente.

Um suspiro escapou por entre seus lábios, e seus olhos violeta pareceram tingir-se de um tom acinzentado. A carícia terna de braços fortes que a envolveram, de forma segura, de repente, a fizeram despertar daquele estranho torpor em que imergira e ela relaxou e deixou-se proteger por aquele abraço.

— Adorada esposa, o sono deixou-a cedo? Você está bem? Algo com o bebê?

— Valiant, meu Rei amado, não há motivo para preocupar-se, estou bem e o nosso filho também. Minha gravidez, apesar dos tempos difíceis, está tranquila. Apenas o sono que me foi fugidio esta noite e como já está clareando resolvi ver o alvorecer...

— Compreendo minha querida Rainha, mas a conheço bem e seus olhos estão um tanto sombrios. Acaso sente-se preocupada com a Conferência desta tarde?

— Seria leviandade de minha parte dizer-lhe que não, meu Rei. De fato estou um tanto preocupada com o rumo que esta situação em relação ao governante de Astrynat poderá levar-nos. Temo por Serdin... Por Ernas... Não faz tanto tempo que uma guerra tingiu de vermelho este solo, e foram irreparáveis nossa dor e perdas... Arthur... – ela pronunciou o nome quase que num sussurro contido.

Valiant I baixou a cabeça ao ouvir a Rainha mencionar o nome de seu irmão mais velho — o finado Rei que lhe antecedeu no trono. Saphyre percebeu isso e, rapidamente, e de forma carinhosa, tocou o rosto do marido com ternura.

— Temo por você meu amado. Não quero perder novamente quem amo numa guerra sem sentido.

— E você não perderá! Eu te prometo isso. Serdin não ficará novamente sem um Rei!

— Ah, Valiant... – ela disse, abraçando-o e ele correspondeu-lhe ao gesto.

— Não há mesmo um meio de tentarmos resolver isso pacificamente com Astrynat?

— Veremos o que Canaban tem a nos dizer na Conferência de hoje, mas temo que não possamos nutrir grandes esperanças nesse sentido. Ao menos em relação à Serdin não obtivemos nenhuma resposta positiva aos nossos apelos diplomáticos com Astrynat.

— Compreendo Senhor meu marido.

— Seja como for, minha querida, temos as Tropas Intercontinentais de Vermécia e a Grand Chase ao nosso lado. E visto tudo que fizeram por nós em Xênia eu tenho plena convicção de que conseguiremos por fim aos intentos malignos de Atron. Seja de forma pacífica ou não, nós o faremos!

— Sim, meu amado Rei. O faremos.

A manhã de clima um tanto ameno cedeu lugar a uma tarde relativamente quente, e o sol reluzia imperioso na vastidão azul do céu. No alto das imponentes torres do Castelo de Serdin, o vento fazia tremeluzir as Flâmulas Reais de modo que o brasão do Reino destacava-se ao centro bordado em ouro.

O grande Salão Real, por sua vez, como um grande santuário, mantinha-se solene, suas grandes pilastras, cujos entalhes em formas espiraladas davam um ar suntuoso ao local, alcançavam o teto de forma abobadada onde belas pinturas descrevendo símbolos de antiga magia o ornavam e pareciam querer transmitir, de forma mítica, todo legado daquele Reino. Por entre as pilastras laterais e centrais do grande salão, archotes de ouro ornados com pedras preciosas iluminavam o ambiente com a força de chamas de um tom vermelho violáceo.  Um tapete aveludado cor violeta, com bordas em dourado, cobria todo o corredor principal desde sua entrada até o local onde os tronos reais, feitos em ouro maciço e com assento aveludado de tez violeta, estavam dispostos. Próximos a estes, pouco abaixo e em ambos os lados, altas cadeiras haviam sido colocadas, todas tendo assentos aveludados no mesmo tom violeta e feitas de madeira nobre escura. À exceção se dava para duas altivas cadeiras, ao lado esquerdo trono reservados aos Monarcas daquele Reino, cujo assento aveludado possuía cor vermelho rubro, e que eram feitas de ouro maciço — tais como o trono pertencente aos Soberanos de Serdin—, o brasão Real de Canaban ornava seus encostos, e estavam reservadas para os Soberanos do referido Reino.

Havia grande movimentação no ambiente e todos os assentos estavam ocupados — à exceção dos Tronos de ambos os Reinos. E pessoas de grande importância dentro da nobreza de Serdin e Canaban, como Ministros e Altos Oficiais das Forças Armadas, ali já se encontravam e mantinham uma conversação comedida e sem alterações. Dentre eles estavam o valoroso General Elscud Sieghart e sua esposa Luryen Lothos – a Suprema Comandante das Tropas Intercontinentais de Vermécia —, O Almirante Lucyus Lothos – irmão mais velho da Comandante Lothos e Grande Almirante Chefe da Coalisão Naval de Vermécia—, além do Primeiro Ministro de Serdin, o Gram Mago Rexyan, e o Primeiro Ministro de Canaban, o ilustre Gehard Hareupe.

Os membros da Grand Chase, por sua vez, estavam dispostos nas fileiras de cadeiras de madeira escura e assento violeta, que haviam sido colocadas de frente para a pequena escadaria que conduzia aos tronos destinados à Monarquia de Serdin. Mas nem todos ali presentes haviam preferido à comodidade de seus assentos, e tanto Sieghart como Zero Zephyrum mantinham-se mais afastados e preferindo recostarem-se as paredes de pedra fria do antigo Castelo. Sendo que Zero apoiou-se a uma grande pilastra lateral cuja sombra ocultava-lhe parcialmente a presença. Próxima a ele, a Oficial Elyedre parecia perdida em seus próprios pensamentos enquanto folheava um maço de documentos. A luz tênue de um archote a iluminava e Zero, sem entender bem a razão, fitava-a de forma insistente, porém tímida. E a mesma estranha força fazia com que a jovem, sem alterar a posição, o observasse de canto de olhos, discretamente. Para a bela mulher de olhos cor ametista e de longos cabelos verde profundo era extremamente difícil calar dentro de si os próprios sentimentos e não poder transparecer a verdade que o próprio coração havia lhe revelado quando o vira pela primeira vez no Pico Delevon, mas muitas eram as perguntas ainda sem respostas em torno do misterioso guerreiro mascarado que Zephyrum havia se tornado, e ela sentia-se profundamente confusa sobre isso.

Certa inquietação impregnava o ambiente, mas, apesar da seriedade envolvendo as razões da Conferência, os membros da Grand Chase sentiam uma leve descontração. Afinal, após as árduas batalhas pelas quais o grupo tinha passado no Continente dos Deuses, agora viviam, mesmo que fugazmente, um momento de paz e longe de um campo de batalha.

Lire e Ryan trocavam palavras em Élfico e observavam a tudo e todos com muita atenção. Possuíam uma sensibilidade aguçada, natural entre o Povo Elfo, e seus corações os alertavam para o perigo que rondava Ernas. E mais do que ninguém sabiam que a vitória em Xênia não fora em absoluto o fim. O mal que vinha de Astrynat começava a empestear a tudo e sua energia maligna podia ser sentida, mesmo que de forma tênue, por toda parte como que trazida pelo vento. E eles a sentiam, angustiavam-se com ela e, mesmo não querendo, temiam-na. Para os Elfos a ameaça já era real, presente e, independentemente da decisão tomada pelos principais Reinos dos Homens, tinham convicção de que em Eiryuell certamente os grandes sábios e os Reis-Elfos já estariam de prontidão – totalmente alertas para o perigo de longe.

Lass, por sua vez, mantinha-se calado e seus olhos azuis pareciam distantes, como que dentro de pensamentos longínquos.

Jin, contudo, um tanto inquieto, observava atentamente o cilindro que continha o pergaminho com a técnica secreta a qual Delevon o havia deixado através de Yavos. Tinha consciência de que essa técnica revelaria um poder grandioso e tal idéia fazia com que cada célula de seu ser fosse tomada de um desejo grandioso de dominar tal poder. Além do que, diante da guerra vindoura, com certeza, a nova técnica seria de grande ajuda e ele não tencionava desperdiçar momento sequer de seu tempo ocioso até dominá-la.

Amy o observava, mas não conseguia sequer imaginar-lhe os pensamentos.  E no modo da jovem fita-lo era notório que não mais o fazia com a frieza e desdém do dia em que partiram rumo a Xênia, e sim havia amor na maneira em que o olhava. Era estranho, mas sentia como se grandioso tempo houvesse transcorrido desde então – como se verdadeiros anos tivessem passado embora fossem poucos dias. Sentia-se diferente e, apesar de ainda manter um tanto de sua impulsividade, algo nela havia mudado e de forma significativa. Como que ter estado tão perto da morte após o ataque do hediondo Yunglu tivesse lhe provocado isso, pois como tanto ouvira dizer, tal experiência operava modificações grandiosas no modo de ser de muitas pessoas. Mas, independentemente disso, a certeza que se avolumava em seu íntimo era de que uma nova Amy nascia e sentia-se mais feliz com essa verdade.

Movimentou-se em sua cadeira e sentiu uma dor aguda, porém leve, em suas costas, exatamente na região do ferimento o qual, diante da brutalidade do golpe da terrível criatura, agora, milagrosamente, não passava de um simples arranhão. Girou rapidamente a cabeça e pousou seus olhos na mulher que salvara sua vida. E observando Elyedre que parecia absorta a ler algo importante em suas mãos, de tez clara e ar sóbrio dentro de seu uniforme, parecia-lhe difícil crer que a mesma moça fosse portadora de um dom tão especial como o que possuía. Apercebendo-lhe o olhar, a Subcomandante ergueu seu rosto da leitura e fitou Amy de modo direto, e diante da atitude da Oficial a jovem de cabelos cor-de-rosa corou e lhe lançou um sorriso discreto. Elyedre retribuiu ao gesto com um menear de cabeça e retomou sua leitura tranquilamente.  Foi nessa hora que Amy pousou seu olhar no casal sentado próximo a Subcomandante e sorriu diante dos próprios pensamentos. A cena que agora presenciava se tivesse ocorrido pouco tempo depois da partida rumo ao Continente Sagrado teria certamente a levado a uma atitude impulsiva e ciumenta, mas agora, segura dos próprios sentimentos e do amor que sentia por Jin, ver Ronan e Arme trocando olhares enamorados não lhe causavam menor desconforto, pelo contrário, sentia-se feliz por eles e por vê-los se entendendo. De forma sincera, percebeu o quão perfeitos um para o outro eram bem como havia sido profundamente tola por se julgar apaixonada por um homem “tão certinho” como Ronan. Eram definitivamente muito diferentes e a única verdade que sempre existiu foi a de que só havia um homem em toda Ernas capaz de fazer seu coração pulsar acelerado, e este homem era Jin. Carinhosamente segurou o braço do rapaz que, imediatamente, pousou seus olhos nos dela com ternura. Ela corou e o jovem também, e Amy aconchegou seu rosto junto ao ombro dele.

Mari, por sua vez, mantinha-se compenetrada fazendo inúmeras anotações e dificílimos cálculos em um pequeno bloco que apoiava em seu colo, embora vez que outra seus olhos bicolores se desviassem de modo sutil observando ao seu redor, e se fixassem mais detidamente na direção onde estavam Zero e a Oficial Elyedre.  Enquanto a grande líder dos Cavaleiros Vermelhos e da Grand Chase, Elesis Sieghart, tinha seus pensamentos totalmente focados no presente momento e no que seria abordado naquela importante Conferência.

Desde os tempos que antecederam a Guerra entre os Reinos de Canaban e Serdin por influência da malévola Cazeaje, os dois Reinos não faziam uma reunião de tal proporção. E, após a Cerimônia de Bodas da Rainha Saphyre e da Coroação do Rei Valiant I como novo Soberano de Serdin – em sucessão ao finado Rei, o valoroso Arthur IV –, era a primeira vez que os Monarcas do Reino vizinho pisavam em solo de Serdin para tratar assuntos militares e de interesse mútuo para ambos os Reinos. Mesmo não abertamente, como vogava o velho protocolo monárquico, grande mágoa havia crescido entre Serdin e Canaban após a guerra entre ambos os Reinos, especialmente por parte da Rainha Saphyre que nunca perdoara o fato de Arthur IV, seu, na ocasião, marido e Rei de Serdin, ter perdido a vida em batalha pelas mãos de Augustus VII – o antecessor de Alexyus III, que, na ocasião, era ainda Duque de Petruska e primo irmão do então Soberano de Canaban. Contudo, a guerra também trouxera a dor da perca para o citado reino, pois Canaban também perdera seu Rei pouco tempo depois, sendo morto por Cazeaje – que se revelou ao monarca no derradeiro instante, fazendo com que Augustus VI, tardiamente, percebesse o grande erro cometido para com Serdin e para com seu outrora amigo Arthur IV.  A morte de Augustus VI, no entanto desestabilizou Canaban, de modo que o Grande Conselho e a própria viúva de Augustus, A Rainha Vitória IV, não viu alternativa para contornar a situação senão contrair matrimônio e dar ao Reino um novo soberano. Foi assim que a Nobre governante de Canaban, seis meses após a morte do Rei Augustus VI casou-se com o Duque de Petruska, o impulsivo Alexyus Garhuart. Apesar disso, e da nova aliança ter trazido serenidade ao seu Reino naquele momento conturbado, para Vitória o novo matrimônio fora algo imensamente melancólico, nutria grande afeto pelo finado marido e nem pode se permitir o luxo de prantear lhe por muito tempo o luto, sendo obrigada a um novo casamento com repulsiva brevidade. Dessa união sem amor foram gerados dois frutos dando seguimento à linhagem de sucessão ao trono:  o príncipe Igor, de seis anos e a princesa Elisabete de quatro anos que eram desde então a única alegria verdadeira no coração da Soberana de Canaban. Ao passo que Alexyus III, com mão de ferro, porém com sabedoria e justiça, fez com que a prosperidade cada vez mais se tonasse a marca forte de seu reinado e, desta forma, gradativamente foi apagando as sombrias lembranças do mal que um dia Cazeaje ali trouxera.

Elesis olhou para seu pai e percebeu que, como ela, este também estava pensativo. Atron e seu grandioso Império, Astrynat, eram definitivamente uma terrível e hedionda ameaça e nenhum local em toda Ernas gozaria de plena paz ou liberdade enquanto ele se mantivesse sentado ao trono daquele longínquo e poderoso Continente.

O som alto de trombetas ecoou pelo vasto salão, e todos imediatamente se puseram de pé e com os olhos voltados para a entrada do local, enquanto um arauto, em alto e bom tom, fez o anúncio: — “Suas Majestades de Serdin, o Rei Valiant I e a Rainha Saphyre V.”.

Com reverência, todos se curvaram à passagem dos Soberanos de Serdin, os quais, altivos, caminharam pela nave até acomodaram-se em seus respectivos tronos. Saphyre estava impecável e seu longo vestido feito de fina seda era de tez azul celeste, todo ornado com pequenas flores de amor-perfeito bordadas em relevo e espalhadas de forma harmoniosa e delicada por sua veste; e o mesmo, no entanto mantinha uma costura mais larga para não prejudicar a mobilidade da Rainha e deixa-la ao mesmo tempo elegante, apesar de sua gravidez de sete meses já se fazer bem evidenciada. Carregava consigo um longo báculo — símbolo da Soberania de Serdin —, e, após sentar-se, fitou a todos os presentes com brandura. O Rei, por sua vez, estava soberbo e usava uma farda em tom azul marinho, um longo manto dourado envolvia-o, e sua coroa, cravejada de ametistas, passava magnitude e sobriedade. Em seu anelar direito usava um anel largo, feito em ouro maciço e ornado por uma grande ametista — O Anel da Casa Real de Serdin e que por todos os séculos indicava a presença do verdadeiro soberano.

Ele, através do límpido azul de seus olhos, fitou a todos com seriedade e grande força. Apesar de jovem, estando na casa dos vinte e oito anos — e de ser dez anos mais moço que a Rainha Saphyre —, sendo o primeiro de todos na linhagem de Reis que já ocuparam o trono daquele reino a possuir tão pouca idade, era evidente, por sua postura e pelo modo como o governante fitava a todos que era portador de grande maturidade e sabedoria e que Serdin tinha como Soberano um nobre Rei. Um Rei que trouxera segurança ao seu povo e que os presenteava com o tão sonhado herdeiro. E não fosse o momento agourento provocado pela iminente guerra com Astrynat, por certo, todos poderiam afirmar que Serdin nunca fora um reino mais próspero e feliz.

Após todos acomodarem-se novamente, Sieghart tomou seu lugar na cadeira ao lado de Mari, mas seu olhar se fixou no casal Asmodiano que ali havia chegado pouco antes dos monarcas haverem adentrado; definitivamente não conseguia olhar com bons olhos para Dio, embora para com Rey não mantivesse a mesma desconfiança. Estes, por sua vez, um tanto agitados, pareceram não notarem o olhar invasivo e, sentados mais atrás, trocavam olhares significativos entre si e cochichavam ao mesmo tempo em que voltavam, a todo o momento, seus rostos para a entrada do grande Salão Real como que na expectativa de algo que já tinham conhecimento, porém não compartilhado com mais ninguém além deles próprios. Sieg percebeu isso e, de forma incisiva, lançou-lhes um olhar desconfiado e inquiridor, o qual finalmente Dio percebeu, e de forma provocativa rebateu o gestou fuzilando o Imortal com os olhos. Caindo na provocação Sieghart fez menção de levantar-se, mas Mari – que, discretamente, já havia percebido a situação e a razão da ruga na testa de seu amado — segurou-lhe a mão, chamando-lhe a atenção e fazendo recobrar a razão, pois Suas Majestades Reais pareciam estar prestes a dizerem algo.  Foi quando novamente o ressoar das trombetas fizeram-se ecoar por todo ambiente de forma solene.

— “Suas Altezas Reais de Canaban, O Rei Alexyus III e A Rainha Vitória IV” — anunciou o Arauto com veemência.

Imediatamente todos os presentes puseram-se de pé outra vez, da mesma forma respeitosa com a qual haviam agido diante dos Soberanos de Serdin e prestaram educadamente profunda reverência aos Monarcas do Reino vizinho, curvando-se à sua passagem pelo longo corredor do pomposo salão.

E foi com imponência e solenidade que os Monarcas pisaram o aveludado carpete e atravessaram a majestosa nave seguindo com passos firmes, porém moderados, em direção ao grande centro onde Valiant I e Saphyre V, que haviam se erguido à chegada dos ilustres visitantes, os aguardavam eretos à frente de seus tronos.

Alexyus III trajava uma longa túnica em tom vinho cujos acabamentos eram todos tecidos em fio de ouro, um manto aveludado em tom de vinho mais escuro cobria-lhe os ombros e elevava-se por detrás de seu pescoço de forma pomposa. Sua pele alva e seus olhos de um verde profundo passavam um ar austero em combinação com a espessa barba, a qual era tão negra quanto seus cabelos. E contrastando ao negror dos mesmos, a altiva coroa reluzia em ouro dourado e era ornada por pedras preciosas de um tom roseado. Estava na casa dos quarenta e cinco anos, e seu semblante imensamente sóbrio transmitia um quê de severidade a todos que o observavam.  A Rainha, por sua vez, apesar de passar igual seriedade, tinha um olhar sereno e sua beleza era incontestável. Regulava com Saphyre em idade, estando na casa dos trinta e oito anos, mas, como esta, não aparentava de modo algum sua idade podendo passar seguramente por uma mulher bem mais jovem.  Sua pele era alva e seus cabelos de um louro dourado reluziam, dando a mesma um ar ainda mais jovial, e sua coroa, igualmente em ouro e ornada com pedras roseadas, fazia apenas realçar sua beleza. Seu vestido em tom rosa era longo e feito de um tecido mais pesado, do qual outras saias caiam em tom branco e violeta, sendo suas bordas também tecidas em fios de ouro. Em suas costas, um pequeno véu em tom violeta claro caía-lhe da armação cor de vinho que se erguia, de forma glamorosa, por detrás de seu pescoço. Como Saphyre, também trazia consigo um longo báculo, e caminhou de forma suave ao lado do marido pelo vasto salão sob o olhar atento de todos que a fitavam de forma admirada.

Um breve momento de silêncio instaurou-se após todos acomodarem-se, durante qual certa ansiedade ficou evidente no olhar daqueles que ali estavam. E quando a voz segura e grave do Governante de Serdin fez-se ouvir no Salão Real todos se puseram atentos às suas palavras.

— Momentos difíceis fazem com que nos reunamos aqui hoje e, como é de conhecimento de todos aqui presentes, o importante Império de Astrynat — grande ícone da Paz em tempos imemoriais — agora sob o regime do Imperador Atron, sucessor divino do deus Alkyraz, volta-se contra tudo para o qual os deuses de Xênia o designaram e lança mão de todo o seu contingente bélico com o intuito de dominar os demais continentes e fazer de todos nós seus escravos. Mas isso eu, Valiant I não permitirei! E junto de Canaban cujas Suas Majestades nos honram com a presença e de todos vós que aqui estão vamos dar início a nossa reação para coibir, de uma vez por todas, os intentos malévolos desse deus nefasto! E com fé nos verdadeiros deuses e confiança no nosso contingente militar traremos de novo a ordem, a justiça e a verdadeira paz a todos continentes de Ernas!

Diante de seus dizeres, o Rei pode perceber que conseguira chegar ao coração daqueles que o ouviam, pois todos compartilhavam do mesmo desprezo pelas atitudes do governante de Astrynat e, apesar de nutrirem temor pelos tempos sombrios que viriam, tinham dentro de si grande fé inabalável nos deuses de Xênia e em seus próprios Reis. E ele, apesar de ter assumido o trono de Serdin há pouco mais de dois anos, já havia consolidado sua estima dentre os seus súditos e, com a chegada do primeiro herdeiro pra logo três meses, seu reinado havia se consolidado por completo – principalmente por que todos em Serdin também haviam percebido algo muito importante: que o afeto entre seus monarcas era verdadeiro e sincero, apesar do longo luto de Saphyre que perdurara por quatro anos em memória a Arthur e da relutância da mesma em contrair um novo casamento. Ele havia conseguido com o tempo chegar ao coração da bela viúva e finalmente vivia completamente feliz junto da mesma.

Os olhos de Valiant percorreram o vasto salão e gentilmente fitou os soberanos do Reino vizinho. Apercebendo-lhe o gesto, Alexyus III tomou a palavra.

— Canaban comunga com Serdin dos mesmos ideais e se esse tirano que governa Astrynat agora se volta contra tudo e todos por que haveríamos de nos acovardar e simplesmente ficar a mercê de suas loucuras? Seja Atron um deus ou não, nós não devemos o temer e sim dar a ele uma resposta dura por sua ousadia! Como Rei de Canaban, coloco meus exércitos à disposição para defender as fronteiras de Vermécia e as de além-mar! Se for guerra que Atron está buscando, pois é isso que ele terá de Canaban! – disse com severidade. — Ernas já sofreu demais nas mãos de seres malignos que, com seus intentos, macularam-na com o sangue de inocentes! Muitas vidas importantes se perderam e tanto Canaban como Serdin há pouco tempo, devido a essas criaturas sórdidas, sepultaram seus monarcas. Homens de valor, de grande nobreza de alma e de honra, que, consumidos pelas intrigas de Cazeaje, perderam-se num jogo sórdido que fez com que a antiga aliança entre Serdin e Canaban ruísse de forma trágica e lamentável.

A Rainha Saphyre ao ouvi-lo remexeu-se em seu trono – o assunto que Alexyus III trazia à tona, e de forma inusitada, era deveras delicado e surpreendeu-a, bem como ao Rei Valiant. Além de que, certa inquietação ficou evidente entre os Ministros de ambos os Reinos, pois o assunto em questão reabria velhas feridas do passado referentes à Guerra entre Canaban e Serdin e à atuação de Cazeaje, fato este que gerou grande mágoa dentre ambas as Coroas, e em especial para a governante de Serdin.

 A Rainha Vitória – igualmente surpresa com o rumo que seu esposo direcionou seu discurso—, observando e sentindo o constrangimento que se abateu no local, evidenciado pelo modo como que todos se entreolhavam, e pelo próprio suor frio de seu primeiro Ministro, segurou de leve a mão de seu Rei e apertou-a. Este a fitou, compreendendo bem o que ela desejava, mas apenas devolveu-lhe um olhar frio e decidido e, ignorando-lhe o apelo, deu prosseguimento ao seu discurso a fim de concluir o que desejava dizer.

— E por esta razão, por querer honrar a memória dos verdadeiros anseios destes bravos homens, que hoje Canaban aqui se faz presente. Para reafirmar velhos laços de Cooperação e especialmente Amizade para com o Reino de Serdin. E para selar em definitivo, e de forma inabalável, uma nova aliança com este valoroso Reino. Estou ciente de que meu gesto, de forma alguma, poderá apagar as sombras do passado e nem, tampouco, apagar nossos erros, contudo, como Rei de Canaban, eu posso afirmar que doravante e com plena certeza um novo futuro será escrito. E nesse futuro seres malignos como Cazeaje, Astaroth e Atron não mais erguerão seus tronos. Iremos calá-los muito antes disso!

Uma lágrima desceu pela face da Rainha de Serdin diante das palavras do Monarca e Valiant, carinhosamente, enxugou-a tocando-lhe gentilmente no rosto. Voltando-se após para Alexyus levantou-se de seu trono; e este lhe copiou o gesto, permanecendo um diante do outro, altivos, e com semblante sério.

— Muito nos honra ouvir suas palavras – disse o jovem Rei, quebrando o silêncio, e um suspiro de alívio pode-se ouvir discretamente dentre alguns dos representantes de ambas as cortes –, e é com alegria e confiança neste futuro que Serdin deposita agora belas flores sobre o túmulo daqueles que construíram com coragem a glória de nossos Reinos. E é por crer nessa verdade e por desejar uma vida melhor e mais digna para o meu povo e para todos os povos de Ernas que eu concordo com Vossa Majestade. Não podemos mais ser enredados pelas teias nefastas do mal que envenena e corrompe a tudo. E hoje este mal é representado pelo deus Atron e deve ser destruído. Como Rei, volto meus objetivos para o bem do povo de Serdin e de todos os povos de nosso Mundo, bem como para esse futuro de paz. E por esta razão selo em definitivo os votos de Amizade entre os Reinos de Serdin e Canaban. Que o passado, que tristeza deixou-nos, seja de agora em diante guardado em nossas lembranças como um difícil e doloroso aprendizado cujos erros não mais serão repetidos. – concluiu o Rei estendendo sua mão direita para o Monarca de Canaban que, com firmeza, retribuiu ao gesto num aperto de mãos que consolidou a Aliança entre os dois importantes Reinos, bem como fez dissipar todo desconforto que, de forma sutil, ainda havia entre os mesmos.

Um clima de euforia pareceu invadir o recinto e a tensão inicial dentre os membros de ambas as cortes se dissipou diante do gesto de seus Governantes. E o mesmo ocorreu aos membros da Grand Chase que, ansiosos, haviam sentido vividamente o constrangimento que pairou no ar desde que Alexyus III, com seu discurso, fizera vir à tona velhas feridas da última e sombria guerra entre ambos os Reinos.

Vitória olhou para Saphyre e sorriu, e a grande Soberana de Serdin, sentindo como que se um grande peso houvesse sido retirado de seu coração, retribuiu ao sorriso de forma descontraída e sincera; em seguida, pousou os olhos em seu esposo a quem fitou com admiração, amor e ternura.

Valiant e Alexyus tornaram a sentarem-se e, aproveitando-se da oportunidade, o Primeiro Ministro de Canaban, Gehard Hareupe, adiantou-se e postou-se diante dos soberanos prestando-lhes longa reverência. Estes o fitaram com atenção e o jovem tomou a palavra.

— Majestades — principiou ele com voz serena, porém segura e grave —, visto os terríveis acontecimentos ocorridos em Xênia, bem como os relatórios que me foram entregues pelos emissários do Alto Oficialato das Forças Intercontinentais de Vermécia , e que foram obtidos de fonte segura por intermédio de espiões dentro do território de nosso inimigo, me sinto no dever de reportar-vos mais detalhes deste sério conflito com Astrynat.

— Prossiga. — disse o soberano de Serdin com seriedade. Alexyus III que já tinha pleno conhecimento do que Hareupe teria a dizer, apenas meneou a cabeça em assentimento.

Rapidamente o Jovem Ministro retirou do bolso de seu longo casaco um maço de pergaminhos repletos de anotações, muitas delas grifadas em tinta de cor mais escura devido a sua gravidade. E, de forma cortês, entregou os mesmos ao governante de Serdin, que junto de sua Rainha pôs-se a folhear e ler os documentos. Longos minutos se passaram enquanto os soberanos se inteiravam do conteúdo ali apresentado e, ao terminarem sua leitura, repassaram-no às mãos de Alexyus III e de Vitória IV que tornaram a observá-lo rapidamente. Hareupe nesse momento deu continuidade à sua explanação.

— Como vêem Atron baixou por todo Continente de Astrynat inúmeras sanções, e o povo que durante o Reinado de Alkyraz viveu uma era de paz e quietude agora passa por grande opressão. Os tributos foram elevados e as tropas governamentais impõem a lei marcial por todos os ducados, condados e vilarejos. A escassez e a fome começam a assolar alguns lugares, e jovens a partir de tenra idade estão sendo obrigados a deixar suas famílias e a lavoura para ingressarem no Exército Imperial, ao passo que o GCA, seu Grupamento de Elite, está reunido no Forte de Narazy, totalmente a postos e no aguardo de ordens para o iminente combate. Mas Atron, segundo nossos espiões, está enfurecido em função da derrota monumental que tivera no Solo Sagrado de Xênia e exigiu a presença de seu Supremo General, o Duque de Shalay, Feryus Vonsheys, em seu Templo. Ao que tudo indica o Imperador lançará forte represália contra as Tropas Intercontinentais e os Reinos de Vermécia. Seus objetivos são claros: ele deseja invadir e expandir seu domínio por toda Ernas.

— Acredita mesmo, senhor Ministro que ele cometeria tal desatino? – disse com voz grave e pausada o Rei Valiant I. — Teria a ousadia de atacar Serdin ou Canaban de uma forma mais direta em represália ao ocorrido em Xênia?

— De forma direta não posso afirmar, Majestade, contudo não tenho duvida alguma de que ele vai lançar mão de suas tropas em um ataque contra Vermécia bem como aos demais Continentes.

Gehard Hareupe tinha um ar sombrio ao dizer isso e foi com seriedade que prosseguiu.

— A bem da verdade, Altezas, Aton encontra-se por completo sob o domínio de Astrynat, e os seres que lá vivem pouca ou nenhuma resistência ofereceram a esse jugo, posicionando-se de livre vontade como aliados do deus Atron nesta guerra.  Com relação à Arquimidia as notícias que nos chegam também não são das mais animadoras, e uma relativa parte pertencente a esse território já foi subjugada pelas tropas Imperiais de Astrynat. Embora tenham chegado relatos de resistência a essa invasão, o que vem ocorrendo mais intensamente na região próxima ao que restara da Civilização de Calnat.

— Então possuímos tropas do Exército Intercontinental atuando nessa região? – inquiriu Alexyus III, um tanto surpreso com esse fato do qual realmente ainda não tinha conhecimento.

— Não, Majestade... — disse ele com certa hesitação. – Não são nossas tropas.

— E quem são então?

— Não posso afirmar nada ainda Majestade... Por hora só temos suposições... Mas estamos investigando...

Valiant e Saphyre trocaram um olhar significativo, ao passo que os governantes de Canaban, visivelmente surpresos com o relato de seu próprio Ministro, o fitavam com ar inquiridor.

— Permitam-me esclarecer melhor a situação, Vossas Majestades – disse Luryen Lothos Sieghart, Suprema Comandante das Tropas Intercontinentais de Vermécia, tomando a palavra. E recebendo dos mesmos o consentimento para falar.

— Há alguns meses enviamos para essa região de Arquimidia alguns soldados a fim de fazerem inspeção de rotina e averiguarem a situação da referida área, mas nada de anormal fora encontrado. Nas proximidades do Castelo erigido por Astaroth em Calnat, melhor dizendo, por Bardnard, e mesmo nos escombros do velho Reino havia apenas alguns vilarejos de população Asmodiana, cuja gente era simplória e aparentemente desarmada. Por essa época não existia presença de Exército Inimigo naquele Continente. Contudo, após o que presenciei em Xênia durante a batalha contra o monumental Exército de Astrynat eu creio que a providencial ajuda que tivemos no campo de batalha foi-nos oferecida por membros de Tribos Demoníacas. Não sei ainda ao certo o que os motivou a nos auxiliarem naquele momento, mas o fato é que o fizeram, e, graças a isso, conseguimos reverter o pior e derrotar os Líderes de Atron que ali atuavam. E algo me diz que são essas mesmas Tribos que estão formando a resistência contra Atron no Solo de Arquimidia.

— Tribos Demoníacas? – inquiriu Alexyus com certa incredulidade, pois sabia muito a respeito das velhas guerras do passado envolvendo o mundo Asmodiano e o Extinto Reino de Calnat.

— Sim, Majestade. – respondeu Lothos sem alterações e mantendo vívida sua impressão sobre o fato. Os Monarcas de Serdin, no entanto, permaneceram calados e o modo como seus olhares se encontravam parecia dizer claramente que o que a Comandante ali expusera, em absoluto, era algo do qual não já tinham conhecimento.

— E ao que tudo indica, Majestades — prosseguiu a Oficial —, tais Tribos estão agindo sob o comando de Duel Pon Zec.

Diante da menção de Lothos, Zero ergueu seus olhos naquela direção, atento, o coração batendo com mais vigor, tomado por forte e vivaz lembrança enquanto que sua mão esquerda se fechou com força, como que a conter a própria fúria.

— Duel?! – O grande patife que serviu a Astaroth na Conspiração para acabar com Ernas há seis anos? Mas ele não foi morto pela Grand Chase? – disse o Rei de Canaban com certa austeridade em seu tom de voz.

A pergunta do Governante de Canaban soara como uma espada a tocar o rosto de Zero que evidentemente transtornado com isso, estava cada vez mais tenso. Não se perdoava por ter havido deixar passar a grande chance de destruir seu rival naquele dia fatídico. Mas Duel fora ardiloso e, apesar de estar gravemente ferido, assim como ele mesmo estava, conseguiu fugir ao golpe de misericórdia que ele o desferiria escapando por entre um portal dimensional por ele criado.

— A essa questão creio que Elesis Sieghart, a Líder da Grand Chase pode melhor responder. – disse Lothos com seriedade, direcionando seu olhar para a bela guerreira de cabelos cor de fogo que prontamente deixou sua cadeira, curvando-se diante dos membros da realeza em reverência antes de começar a falar.

 — Duel Pon Zec foi um oponente que trouxe grande dificuldade à Grand Chase durante aqueles tempos conturbados, Majestade, mas no derradeiro instante, quando enfrentávamos Astaroth tendo a ajuda do Elfo Grandiel, ele impediu–o de dar seguimento aos seus maléficos intentos, pois este tencionava usar Mari – cujas lembranças eram a chave para acionar ao terrível Martelo de Ernasis — e, através deste, acabaria com o mundo.

Ela fez uma breve pausa antes de prosseguir.

— Astaroth fora então derrotado e levado por Grandiel para passar a eternidade aprisionado na Torre das Ilusões, e Duel retirou as memórias sobre a “chave” existentes na mente de Mari e, junto da Bíblia da Revelação, deixou o local.   Tivemos intenção de alcançá-lo e obter dele novamente a Bíblia, pois não ficou-nos claro, visto a alguns dizeres dele, se poderíamos realmente depositar confiança em um homem como Duel Pon Zec deixando em suas mãos algo tão poderoso, mas Zero surgiu nesse momento e interpôs sua Espada diante de nós, e disse-nos que daria conta dele sozinho. Que Duel era assunto seu e que ele próprio daria cabo dele.

Zero contraiu o cenho, ouvindo-a, pois o assunto o incomodava profundamente.

— E foi o que ele fez – prosseguiu a Ruiva com determinação —, e por certo o teria matado se não fosse Duel ter lançado mão de um ardil e criado uma passagem dimensional adentrando-se na mesma em fuga, feito um covarde! Os ferimentos dele eram graves e maiores do que os de Zero, pelo que soubemos, de modo que todos nós viemos a supor com seu desaparecimento todos esses anos que ele de fato estivesse morto.

 A voz de Elesis denotava que ela refletia sobre o assunto antes de mencionar cada palavra, contudo seu semblante era altivo. – Mas estávamos equivocados – continuou ela em tom mais firme e livre de hesitações —, ele sobrevivera e reapareceu durante a batalha contra as tropas de Atron em Xênia. Estávamos em situação de grande dificuldade, o contingente militar enviado por Atron para a base do Pico Delevon era grandioso e seguramente havia mais de três mil homens a seu serviço, incluindo criaturas nefastas como Orcs e os abomináveis Yunglus. E mesmo com a chegada dos reforços ao Exército Intercontinental, sob o comando da Subcomandante Elyedre, e de nossa dura investida avançávamos lentamente e o desespero nos rondava, pois lutávamos contra o tempo e este se esgotava. Um milésimo de segundo que atrasássemos e tudo estaria perdido e os deuses jamais poderiam ser resgatados. Seria o fim. E foi justamente nesse momento desesperador que as tropas demoníacas, a serviço de Duel, surgiram por entre os paredões da cordilheira que envolvia todo o vale e com vigor lançaram uma inesperada saraivada de flechas sombrias e desarticularam as orlas inimigas destruindo-as por completo. Não nos atacavam e nem aos soldados da grande Aliança Continental, pelo contrário, imergiram na batalha lutando lado a lado junto de nós e de nossas tropas contra o Inimigo. A essa altura encontrávamos numa situação muito delicada, pois muitos dos nossos estavam bastante feridos, e a própria Comandante Lothos havia sido atingida...  O cenário era por demais desesperador e eu mesma devo minha vida a uma mulher guerreira dessas Tribos – disse, após ponderar um pouco em silêncio —, eu estava com as forças exauridas pela minha luta com a Generala Narsha quando ela apareceu. Deu cabo de minha inimiga e me auxiliou.

— Acaso está dizendo que Duel Pon Zec com essa atitude, da noite para o dia, regenerou-se e agora usa seu poder e seu exército em prol da Justiça? Ora, não me faça rir! — ironizou o Soberano de Canaban; seu semblante profundamente severo. Percebendo o sarcasmo no tom do Rei, Elesis respirou fundo e segurou seu temperamento explosivo antes de responder.

— Apenas estou reportando fielmente os fatos ocorridos naquela batalha aos pés do Pico Delevon, Majestade. – disse com voz forçadamente calma.

Nesse instante, Ronan, que estava atento aos dizeres da Líder da Grand Chase deixou seu lugar e após uma leve mesura aos soberanos, desculpou-se pela intromissão e assumiu a palavra.

— É preciso que aqui seja acrescentado, Altezas, de que eu e Arme, juntamente de Dio e Rei, ao chegarmos ao cume do Pico Delevon, já tendo o tempo quase que por esgotado, deparamos com o próprio Duel Pon Zec. Ele posicionou-se entre nós e uma gigantesca cúpula de energia que envolvia todo cume e que havia sido erguida pelo próprio deus Atron para servir de barreira e impedir que qualquer ser ousasse adentrar à mesma. Imediatamente me posicionei em defensiva, precisava proteger Arme e preparei-me para atacar nosso velho inimigo que se interpunha outra vez em nosso caminho, contudo ele nos surpreendeu e, ao invés de atacar-nos ele ergueu a Sagrada Espada Eclipse e voltou-se na direção da cúpula, dando-nos às costas. Desferiu por sobre a mesma um poderosa golpe e fez com que a barreira energética fosse destruída.

Ronan respirou fundo e fitou Suas Majestades diretamente quando retomou a palavra.

— Por mais que sinta ferir meu orgulho ao dizer o que direi, minha honradez como guerreiro me impele a isso... Não fosse Duel Pon Zec não sei se teríamos conseguido adentrar no cume do Pico Delevon a tempo. Estávamos no exato minuto derradeiro e o prazo teria se extinguido durante nossa tentativa...

Alexyus III remexeu-se em seu trono, o cenho franzido, evidentemente contrariado e a Rainha Vitória IV – que conhecia muito bem o forte temperamento de seu Rei – tentou acalma-lo pousando sua mão delicada e alva por sobre a dele. Este, no entanto permaneceu tenso e foi com um misto de alteração e ironia que manifestou seu desagrado.

— Então de fato nossos valorosos membros da Grand Chase insistem em afirmar que esse criminoso converteu-se num salvador de Ernas! Mas e todo mal que fizera no passado junto de Astaroth isso tudo deve ser esquecido? Não estou recusando-me a aceitar o fato do que esse indivíduo fez em nosso favor em Xênia e nem em absoluto contestando o que me reportam, mas diante desse passado que o incrimina e o sentencia, eu tenho plena convicção de que ele não agiu dessa forma por altruísmo ou arrependimento, mas sim por algum tipo de motivação ou propósito que veio de encontro com seus interesses próprios. E aí outra importante questão vem à tona: que propósitos seriam esses?

— Por que não permitir que o próprio Duel Pon Zec lhe traga essa resposta, meu caro Alexyus – disse o Rei Valiant I com voz profundamente grave fitando seu ilustre visitante.

— O que quer dizer com isso? – retrucou o Rei de Canaban, surpreso com a inusitada pergunta.

Foi quando a grande porta do salão tornou a se abrir e, sem ser anunciado ou impedido por qualquer uma das Sentinelas Reais ali presentes, o General Duel Pon Zec, acompanhado de sua esposa Edna, ali adentrou com altivez. Trazia consigo, guardadas nas bainhas em suas costas, as lendárias espadas Eclipse e Crescente, ao passo que sua mulher mantinha dois sabres igualmente embainhados, presos à sua cintura. À sua passagem, todos se ergueram num sobressalto – exceto Dio e Rei que já tinham conhecimento do que estava a ocorrer ali. E Zero, que estava recostado à pilastra, voltou-se na direção de seu velho inimigo com furor, contraiu seus lábios e franziu o cenho deixando-se impregnar por um ódio incomensurável que só lhe compelia a um único desejo: fazer cumprir seu destino e acabar finalmente com Duel.

Continua...

 


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Notas finais do capítulo

A Chegada de Duel Pon Zec promete abalar os pilares do grande salão Real de Serdin em um dos momentos mais crucias da grande Conferência. Como Alexyus III, o austero Rei de Canaban, reagirá com relação a isso? E Zero Zephyrum? Novamente o destino lhe coloca diante de seu maior inimigo...
Muitas serão as revelações e surpresas que estão por vir e o próximo episódio dará seguimento a elas...



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