POV Darkness

Raios... Já passou o efeito?

Quando abri os olhos, a calma assolava-me e eu soube que ainda estava sobre uma pequena acção do fármaco. A única coisa que vi foi o tecto e senti um pouco de frio.

Estava deitada no chão.

Comecei a levantar-me e os cantos da minha boca subiram involuntariamente. Depois, observei tudo à minha volta.

Algumas gavetas da cozinha estavam abertas, quase vazias por causa do stress imenso que trazia quando cheguei a casa. Tirara tudo dos armários à procura daquela porcaria e quando finalmente a encontrara, senti que não o conseguia fazer... Não outra vez... Todavia, fora
mais forte que eu, mais uma vez.

As cadeiras estavam perto da mesa, tal como antes. O sofá velho também estava no mesmo sítio. As escassas molduras e os quadros estavam iguais...

Quando olhei o soalho, vi algumas gotas de sangue.

Eram pequenas, irregulares. Vi também o objecto afiado. A parte metálica tinha uns 5 centímetros e o cabo era tão negro como o meu olhar vidrado.

Assim que vi os meus pulsos, senti-me confusa e chateada. Estavam cortados, com um pouco de sangue à volta da abertura na pele. Observei os cortes e verifiquei-os pouco fundos. Eram superficiais.

Suspirei e sentei-me no sofá, recostando-me.

Estava tão farta... de tudo aquilo.

Quero parar.

Não o dizia da boca para fora... Queria parar apenas porque era cansativo fazê-lo tantas vezes, não porque podia levar à minha morte.

Já estou morta há muito tempo...

Não o fazia por estar viciada, por gostar ou por outra razão estúpida...

Fazia-o porque precisava.

Era uma necessidade, não um desejo. E acima de tudo, não era uma drogada ou uma masoquista.

Raios, não!!! Não mesmo...

Continuei a dar justificações a mim mesma e a responder-me mentalmente, durante mais alguns minutos. A seguir, obriguei-me a levantar e fui até à casa de banho. Abri a torneira e deixei a banheira encher, ao mesmo tempo que me despia.

A roupa deslizou do meu corpo e poderia jurar que não sentira nada.

Estava tão longe dali, tão ausente, tão... morta. Estava desaparecida há tanto tempo...

Fechei a torneira e antes de entrar, procurei nos bolsos da sweatshirt preta o MP3 velho e de um tom azulado. Liguei-o, pus o volume no máximo e posei-o em cima da bancada que estava cheia de pó.

Levantei brevemente o olhar e encarei a cara e o corpo sem cor da rapariga refletida no espelho oval, por cima da bancada.

Todo o seu corpo era igualmente pálido. Para uma rapariga, até tinha umas ancas bonitas e o peito não era grande, nem descaído. O cabelo era comprido, limpo e algo ondulado... as pernas eram torneadas.

Depois vi os seus braços, as coxas, as costas... Cicatrizes, manchas sombrias por todas essas zonas.

A maior parte delas não eram recentes... Apenas as linhas bancas nos pulsos tinham ar de terem sido feitas há pouco tempo. O resto fora marcado no seu corpo numa época diferente da sua vida.

Antes de essas imagens emergirem do meu pensamento, enfiei-me rapidamente na banheira e toda a água límpida me envolveu de uma maneira reconfortante.

Deixei cair a cabeça para trás e quase que adormeci.

Todo o vazio me preencheu e deixei-me afundar em toda a irrealidade que era a minha mente...