Alterego escrita por Gavrilo, Drablaze


Capítulo 3
Capítulo 3




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Os garotos conseguiram chegar à capital, mas Natt notou que Daisuke não parecia sequer estar no planeta e tentou acordá-lo de seu transe:

— Ei, tem alguém aí? Caso não tenha notado, chegamos.

Daisuke pareceu recobrar a consciência, mas ainda estava um tanto alheio à situação. Natt decidiu deixá-lo sozinho vagando pela metrópole enquanto procurava por um lugar para passar a noite, já que o sol estava se pondo. Era uma visão bonita: automóveis cruzando o céu alaranjado, turistas movimentando a cidade, prédios colossais emergindo do chão ou se ocultando... mas nada que despertasse a atenção de Daisuke.

A essa altura estava claro o suficiente que a Aliança tinha segundas intenções em seus movimentos, e mais ainda que não seria uma inimiga fácil de derrotar. Os povos devastados por questões de "incompatibilidade" sabiam bem disso. A cada novo dia a globalização avançava. Primeiro surgiram alianças econômicas, políticas e militares, então por que não unificar tudo de uma vez? Língua, cultura, tecnologia e muito em breve o governo.

"Era o jeito natural das coisas", pensavam os habitantes beneficiados pelas políticas de bem-estar social. Mas Daisuke era um dos poucos que não chegou a ter sofrido lavagem cerebral, compreendendo que a Aliança aproveitou o estado caótico fruto da dispersão da radiação há 100 anos para agir como os mocinhos com todas as respostas aos problemas. Não... não a Aliança em si, mas seus primórdios, a verdadeira causa para o mundo estar daquele jeito.

Naturalmente devia ser um esquema preparado por algum tempo, então devia haver pistas no passado, mas o quê? A resposta era Wakahisa Masaru, ou melhor dizendo, Evige. Daisuke deveria ser o único resquício dos tempos antigos, e só um já significava uma tremenda dor de cabeça à Aliança, então foi grande sua surpresa quando viu o retrato de Masaru-Evige estampado em uma capa de jornal. "Grande empresário é escalado como embaixador da Paz da Aliança Internacional" era o título da manchete.

Daisuke não sabia o que diabos estava acontecendo, mas esperava encontrar algumas respostas com Evige. De qualquer forma, Natt o chamou com notícias à respeito de um hotel que tinha encontrado. A boa notícia é que conseguiu reservar o último quarto disponível e a má notícia é que todos os outros hotéis estavam lotados.

— Então você vai dormir na rua hoje, ok?

— An... De preferência gostaria de evitar chamar muita atenção por enquanto.

— Por enquanto? O que pretende fazer, assassinar o tal de Evige? — acrescentou com ar sarcástico — Bem, se não acredita em mim pode vir ao hotel e ver por si mesmo.

Ao chegar no hotel, Daisuke tentou buscar alternativas, mas logo viu que realmente estava sem sorte. Natt decidiu deixar seu companheiro por conta própria, quando um senhor de meia-idade que passava por perto então sugeriu, maliciosamente:

— Você pode ficar no meu quarto comigo.

A garota continuou seu caminho, pensando que nem mesmo Daisuke seria tão ingênuo.

— Mesmo? Por mim tudo b...

— Não, seu idiota! — exclamou Natt — Tudo bem, pode ficar comigo.

— Pensei que não quisesse que ficássemos no mesmo quarto — disse o confuso Daisuke.

— Você não percebe que acabei de salvar sua vida? Enfim, espero que não se incomode de dormir no chão.

Daisuke decidiu passear pelo hotel enquanto Natt tomava banho e refletia sobre sua missão. Não haveria uma alternativa? Seus superiores a tinham mandado para monitorar e reportar todos os movimentos de Daisuke até que a ordem fosse dada para eliminá-lo, mas seria mesmo necessário trair outra pessoa apenas para seu próprio bem? Aquele incidente com seu mestre não seria o último? Interrompendo abruptamente seus pensamentos, ouviu-se um "beep".

Correu para atender o aparelho, esquecendo-se até de colocar uma roupa antes. As ordens não poderiam ser mais claras: "Limpeza", sua especialidade. Assim como tantas outras expressões usadas pela Aliança, limpeza era um apelido carinhoso para assassinato rápido, silencioso, sem evidências e com direito ao descarte do cadáver. Natt se perguntava quando tinha parado de se importar com a vida de terceiros quando Daisuke a surpreendeu sem roupa alguma.

Os dois se encararam por aproximadamente um minuto, sem saber o que fazer, quando Daisuke tomou a iniciativa e rapidamente fechou a porta, seguido por um grito de Natt do outro lado. Natt não demorou muito para se vestir e perseguir Daisuke pelas ruas estranhamente desertas da cidade. O serviço de limpeza seria conduzido ali mesmo se Daisuke não tivesse conseguido despistá-la de algum modo e retornado ao quarto onde, exausto, adormeceu na cama. Natt também desistiu da caça e decidiu repousar na cama, sem se importar muito com o garoto ali.

Pela madrugada, Natt foi subitamente despertada por seus instintos; sabia que era a melhor hora para uma execução bem feita. Ainda havia tempo para voltar atrás, até porque a transmissão pela minicâmera sofria interferências por campos AE, então o momento exato do assassinato não seria capturado. Talvez ela podia alegar que Daisuke teria fugido de antemão? Não importa, uma falha é uma falha, e a Aliança não tem falhas. E o fato era que Daisuke constituía uma ameaça ao mundo.

Natt lembrou-se de quando fora adotada por seu mestre, um senhor ríspido, mas eternamente devoto ao que é correto. Assim como o tutor, Natt também passou por muitas adversidades nas mãos da crueldade do mundo. Seus pais eram camponeses pobres que viviam com suas parcas colheitas e trabalhavam para grandes fazendeiros da região, já que tinham pouca habilidade com seus alteregos.

Como os governos sempre insistem em dizer, era de fato uma sociedade que dava muitas oportunidades... a uma elite favorecida, claro. Praticamente todos os serviços funcionavam à base da tecnologia AE (TAE), então apenas aqueles com o potencial esperado podiam usufruir deles, não caipiras com uma taxa de compatibilidade com TAE próxima a zero.

Também não ajudava o fato de que a terra natal de Natt tinha um governo desfavorável a essa política excludente recomendada pela Aliança. O drama da garota começou logo em seus primeiros anos de vida, quando seu alterego revelou suas habilidades surpreendente de transmutação: conseguia moldar seu campo AE em praticamente qualquer coisa, bem como armas TAE.

De repente sua vida estava cercada por aproveitadores interessados nesse poder e compatriotas hostis, nutrindo um sentimento misto de inveja e puro patriotarismo. Não era natural, mas sim algo alienígena, que deveria ser removido. Chegavam inclusive a dizer que as ocupações feitas pela Aliança no território nacional era por causa dela.

Com o tempo, a pressão e estresse fizeram os pais de Natt vendê-la a um grupo de artistas andarilhos. Ou é o que pretendiam ser. Aos 12 anos de idade a garota já tinha passado de mão em mão como uma mercadoria, foi disputada como um troféu e trabalhou como uma escrava, apenas para ser jogada fora como lixo quando suas habilidades enfraqueceram.

Acolhida por seu misterioso mestre sem nome, Natt aprendeu com ele tudo o que podia para se defender e sobreviver sozinha, mas parece que a filosofia dos dois não era muito compatível. O mestre falava em "verdadeiro progresso humano" e repudiava a exposição forçada da alma. Natt, por outro lado, não via como as coisas podiam ser revertidas naquele estado, e portanto a única saída era que todos tivessem as mesmas oportunidades.

Ela acabou envolvendo-se com membros da Aliança, inicialmente para discutir ideias, mas logo provou-se uma ferramenta útil. E como ferramenta que sempre foi destinada a ser, acabou revelando a localização do mestre, um ex-rebelde fugitivo. Apesar do remorso inicial, foi rapidamente convencida por seus colegas que seus dons nunca seriam compreendidos pelas pessoas, então a unificação não era apenas uma vantagem: era primordial para salvar o mundo.

Mas eram recordações inúteis que logo sumiram quando Natt sentiu o frio metálico de sua arma silenciosa. Um tiro e tudo estava acabado em um instante, apenas um. Levantou da cama, ajustou sua respiração, virou-se e mirou. Logo o tiro foi disparado, perfurando a nuca de Daisuke. Imediatamente a bala iria se dissolver em partículas microscópicas e congelar a corrente sanguínea da vítima, evitando o sangramento. Um simples gesto terminou tudo.


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