Alterego escrita por Gavrilo, Drablaze


Capítulo 18
Capítulo 18




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Na escuridão sinistra, as figuras fitavam uma à outra sem dar sinais de vida, como duas estátuas. A cena não durou por muito tempo, mas para Natt pareceu uma eternidade. Provavelmente poderia pelo menos evitar a imobilização e despistar Daisuke se fugisse a toda velocidade, então por que esperava pelo golpe fatal do algoz? Talvez por querer negar a realidade, acreditando que o companheiro daria um jeito de sair daquela situação como sempre fez.

O garoto percebeu isso enquanto contemplava a expressão enigmática daquela vítima, que não mostrava ódio ou confusão. Continha um desejo sutil, porém verdadeiro, de poder contar com sua força em qualquer situação. Daisuke dependia daquilo. Podia ser odiado pelo mundo, mas se pelo menos uma pessoa acreditasse em seus ideais, trilharia seu caminho sem hesitação.

Esse pequeno insight o permitiu anular — mesmo que incompletamente e apenas por alguns instantes — o controle absoluto sob o qual estava sujeito. Com o braço esquerdo, Daisuke mergulhou sua adaga em direção ao pescoço de Natt, e com a adaga no braço direito, impediu o braço dominado. Em um piscar de olhos, Daisuke decepou toda a porção do braço esquerdo um pouco abaixo do cotovelo, deixando em seu lugar uma fonte de sangue.

No mesmo momento, o choque fez com que se revelasse uma linha atrás da nuca de Daisuke cuja origem estava em um arbusto próximo. Percebendo o perigo, o soldado suprimiu seu espanto e apressou-se em fugir, sendo entretanto rapidamente perseguido por Natt. Sacou algumas adagas de lançar, mas a garota atirou em suas mãos antes de poder fazer qualquer coisa, e em seguida sofreu disparos no joelho e desabou no chão.

Logo a atiradora o alcançou e pisou em suas costas. Sem oferecer uma abertura sequer, Natt finalizou o homem com uma bala na nuca. Mas não havia tempo para reconhecer a vitória: Daisuke estava perdendo muito sangue devido ao corte. Não seria difícil operá-lo com a tecnologia AE e recolocar o membro perdido... se houvesse um médico e equipamentos por perto, pelo menos.

De qualquer modo, nem o melhor médico poderia reverter a situação se o corpo de Daisuke regenerasse rapidamente os tecidos e músculos por si só, impedindo a recolocação... e mesmo assim, apenas se o garoto não morresse por perda de sangue antes. O que fazer? Não se podia dizer que Natt estava em pânico, mas a única coisa que passava em sua cabeça era diminuir o sangramento e levar o companheiro a qualquer lugar, e rápido.

Então a cavalaria chegou. Os sujeitos mascarados de antes fizeram uma nova visita, tão abruptamente quanto antes. Em poucos segundos liberaram algumas cápsulas e improvisaram uma tenda médica com todos os equipamentos necessários, sendo Daisuke levado a uma mesa de cirurgia por alguns membros do grupo.

— Espera, o que vocês querem? — perguntou a desorientada Natt.

— Nada, só estamos prestando uma ajuda aos amigos — respondeu calmamente aquele que parecia ser o líder do grupo, com uma máscara de expressão feliz.

Velter, tomando o cuidado de não ser reconhecido, explicou sem entrar em muitos detalhes quem eram e quais eram seus objetivos como supostos seguidores de Gumendi. Enquanto conversava com a garota, Insek fitava Natt interessadamente, tendo a visto em uma antiga foto durante o período em que investigou a Aliança. Alguma coisa absurda à respeito de soldados perfeitos. Era de se esperar alguém no mínimo fatigado, completamente destruído, ou então algo mais próximo de uma máquina do que de um ser humano. Em suma, tudo menos Natt.

— Bem, o que vai fazer a partir de agora? — inquiriu Velter.

— Olha, eu não dou a mínima para esse lance de Maxell Gumendi, profecias ou o que seja, mas não vou entregar o Daisuke só porque...

— Espirituosa, gosto disso — interrompeu com uma gargalhada Velter —, mas não é bem ao que me refiro. Se você mesma acabou de afirmar dar pouca importância a questões do tipo, então por que continua nesse caminho suicida? Certamente deve haver algum bom motivo para você se arriscar em prol de um objetivo que não é seu.

— Não, não há — respondeu distraidamente a garota, desviando seu olhar para a tenda na qual Daisuke estava sendo operado.

E de fato dizia a verdade: Daisuke ofereceu uma nova vida ao seu lado e ela aceitou, nada mais e nada menos. Inicialmente tentava inutilmente se convencer que estava usando o ingênuo garoto como plataforma para atingir seus objetivos, até perceber que não tinha realmente objetivos. Patético? Era, mas não importava. Enfim estava vivendo por conta própria, sem precisar de um propósito para existir.

— Se realmente precisa de uma resposta, por que não encarar tudo como um jogo? É desafiador, emocionante e intrigante. Apenas quero chegar ao final disso e ver como tudo acaba.

— Diria que é mais como uma aposta — disse Velter —. As fichas são nossas vidas.

— Bem, se for só isso, não acho um preço tão alto a pagar.

Velter ria estrondosamente em frente à sua própria imagem. Mas a máscara bizarra de uma face risonha escondia sentimentos conflitantes que subiam à tona com a visão da garota. Era uma visão de si mesmo. Tudo havia começado naquele dia fatídico, quando o buraco negro em sua mente tornara-se um portal que levaria à esperança, à paz, à felicidade. Quando esse portal foi destruído, formou-se um abismo ainda mais profundo, e dessa vez sem volta.

Por que hesitava, por que insistia, se tais sentimentos já não existiam mais? Talvez houvesse alguma parte com esperanças de salvar a si mesmo, espelhado na imagem de Natt. Contudo, saíam apenas palavras vazias:

— Certo, certo, você que sabe. Mas se a preocupação for a Aliança atrás de você, posso facilmente mexer uns pauzinhos e providenciar alguma proteção. É a melhor estratégia para vencer o jogo, certo? Poder ver o final sem ter nenhum trabalho, isto é.

Previsivelmente, Natt não reagiu à proposta. A jovem fitava o céu com um olhar longo e melancólico, mas o que estaria procurando naqueles astros? No final das contas, nada. Velter conhecia bem aquela expressão; por anos fora sujeito à vontade de terceiros, detido em um cubículo pequeno, tanto metafórico quanto literal. Ao sair, buscou afobadamente o sentido da liberdade em sua árdua jornada. Mas não havia nada.

"É inútil, criança", refletiu o mascarado, "Nossos objetivos são utopias, e nem ao menos do tipo que pessoas admiram. Não, ninguém sabe a resposta para nossas questões, incluindo nós mesmos. Sabe que é ridículo, mas é a única coisa que passa pela sua cabeça neste momento confuso. Muito bem, talvez precise de um pequeno choque de realidade também".

Um dos mascarados aproximou-se de Velter e lhe sussurrou alguma coisa no ouvido, em seguida dirigindo-se a Natt:

— Senhorita Synd, por favor aguarde aqui por uns instantes. An... senhorita?

— Ah, o quê? Opa — respondeu a garota, despertando de seu transe —, o que está acontecendo?

— Permita-me, companheiro — anunciou Velter —. Natt, parece que caímos na armadilha dos sábio. Bem, vocês conseguiram frustrar seus planos originais, mas agora eles querem matar dois coelhos com uma pedra só. Ou melhor, fazer com que os dois coelhos se matem sozinhos. Nós e o grupo de Evige.

— Evige está aqui?

— Está se aproximando, mas sugiro nem tentar se mover — aconselhou o homem, com uma risada de escárnio —. O que vai presenciar é uma batalha real, entre indivíduos com ideais reais. Você pode ter talento, mas este é o limite de seu alterego lutando por algo irreal.

Natt escutava desatenta àquela besteira toda. Bem, o seguidor de Gumendi estava certo ao indicar seus limites, até porque ainda estava exausta do confronto anterior. Mas sobretudo, não podia deixar Daisue desprotegido. Deu uma nova olhada à tenda onde o garoto estava e verificou que a operação havia terminado. Aparentemente tudo ocorreu sem muitas complicações, mas Daisuke precisaria ficar um período em reabilitação antes de voltar completamente ao normal.

Sem ninguém perceber, a batalha já havia começado a bastante tempo. Tempo o suficiente, pelo menos. Explosões misteriosas começaram a ocorrer ao redor do grupo, mas Velter não se intimidou e levantou sua voz em tom autoritativo:

— Alfa, Lotus, façam alguma coisa sobre isso. Aos que não estiverem envolvidos no tratamento de Daisuke: sigam-me!

Os combatentes conseguiram neutralizar o que pareciam ser minas terrestres jogadas de algum lugar ao longe e moveram o campo de batalha para o mais longe possível de Natt e Daisuke. Estavam a centenas de metros de distância, mas a garota observava a cena nitidamente — não apenas por sua boa visão, mas pela intensidade tateável do confronto, que tanto aguçava quanto agredia os sentidos.

A violência podia ser sentida no ar, com cheiro de sangue. Cada impacto parecia a batida de um tambor gigante e raios de luz cegantes coloriam o local sem deixar um único ponto livre, de forma que era como se os guerreiros estivessem freneticamente dançando em uma festa infernal. Toda essa confusão de sentidos deixou uma profunda impressão em Natt, apesar de ter durado por poucos segundos.

Logo os lados se reagruparam e os combatentes buscaram coberturas para se ocultarem enquanto preparavam contra-ataques. O agonizante silêncio agora era predominante, mas não havia tempo para descansar. Insek já havia atuado como assistente na cobertura de um confronto entre as forças de Dakar e outra nação opositora, mas sentia-se tão oprimido quanto antes.

"Acalme-se, acalme-se", repetia um dos homens sentados no topo de uma macieira e ao lado do agitado Insek. O ex-jornalista aceitou a sugestão e recordou-se do básico em um confronto de alteregos, apesar de o companheiro estar falando consigo mesmo. Havia muito mais do que táticas e potencial bélico; a questão era dominar completamente o inimigo e, mais importante, dominar a si próprio.

A atmosfera tensa foi interrompida pelo som de sinos tocados harmonicamente a alguns metros de distância.

— Ops, eu conheço esse som, e certamente não é de celebração — sussurrou Velter, oculto nas sombras —. Ei... Magnum, certo? Reúna todos os homens que conseguir e vá na direção do barulho, rápido.

Sorrateiramente, Magnum submergiu no chão e "nadou" à procura dos companheiros, avisando brevemente sobre a estratégia de ataque. Quando chegou ao grupo de Insek, apertou um botão em seu anel rubro e um alarme foi acionado no anel dos outros homens. Era o sinal. Percebendo a movimentação, Evige e seus soldados ergueram-se como uma muralha humana para impedir o avanço.

"Então ele é do tipo direto, ein?", ponderou Velter, liberando seu instinto assassino, "É, eu gosto disso". Em pouco tempo, os líderes dos guerreiros opositores se enfrentavam cara a cara enquanto os mascarados competiam contra seus respectivos oponentes na corrida até os sinos. Sinos que, por algum motivo bizarro, adornavam uma grande bomba em forma de esfera negra.

Evige corria em círculos e disparava de suas duas pistolas enormes projéteis de luz em direção ao espadachim mascarado, que repelia os ataques com um sabre curvado. Velter abaixou a guarda e avançou no oponente, que dispensou as pistolas e defendeu-se com uma espada negra. As armas se chocavam em ritmo absurdo, produzindo faíscas e estrondos impressionantes, enquanto os duelistas permaneciam imóveis em suas posições movendo velozmente os braços para defender e atacar.

Subitamente, o sabre de Velter emitiu uma luz radiante e ofereceu uma brecha que permitiu a Evige ser facilmente arremessado ao chão e posteriormente subjugado.

— Oh — pronunciou o político, sem preocupação —, uma arma rank S de verdade, pelo o que vejo. Então não é uma surpresa que minhas "pistolas de luz" não tenham tido nenhuma chance contra a coisa real. Soldado, devo dizer que essa arma se encaixa perfeitamente em seu estilo de luta, hehe.

— Oh — iniciou Velter, imitando em tom de deboche o oponente —, sinto-me lisonjeado por ter sido chamado de covarde pelo grande Evige. Mas diga-me, bom senhor: quais são suas últimas palavras? Não precisa responder, é que sempre tive vontade de dizer isso, "hehe".

— Mas sabe, há mais à respeito das armas do que imaginamos — prosseguiu Evige, ignorando as ameaças —, e em particular estou bastante interessado em obter o verdadeiro potencial da tecnologia AE. Ainda tenho muito trabalho a fazer, mas já adianto que vai precisar de muito mais do que isso para me impressionar de verdade.

Sem prestar muita atenção ao discurso, Velter tentava perfurar algum ponto vital com seu sabre, mas a lâmina não conseguia ultrapassar o formidável campo AE opositor; este expandiu-se rapidamente assim que Evige terminou de falar e jogou Velter para longe. Evige se levantou e revelou uma grande arma de fogo vermelha que se assemelhava a uma metralhadora.

O ar se distorcia enquanto o atirador enviava projéteis invisíveis em direção a Velter, que de alguma forma conseguia defender o corpo com sua lâmina. Não, na verdade não eram invisíveis. Havia algo sendo disparado, e esse algo estava corroendo pouco a pouco o metal. Velter tinha uma vaga ideia, mais como uma intuição, da situação, e por isso precisava agir rápido.

Manifestou novamente o clarão cegante e a luz se propagava com intensidade tal que bastava para queimar qualquer despreparado que passasse por ali, mas o espetáculo luminoso durou por apenas alguns instantes. A arma do mascarado quebrou-se por completo e em sua frente fitava-o o atirador, aproveitando a oportunidade para liberar uma enxurrada de tiros sobre seu corpo.

Velter foi arremessado pelo impacto das balas, ou seja lá o que fossem, tendo seu corpo parcialmente perfurado e vários ossos quebrados. Notando a perda da máscara, rapidamente posicionou a mão direita sobre a face desprotegida, ao que Evige se pronunciou:

— Não precisa esconder sua identidade. Você é o produto do projeto Velter, não? Bem, eu planejava deixá-lo vivo de qualquer forma, mas... ei, o que-

Tolo. Enquanto falava, o campo AE de Velter estava completando sua expansão, englobando todo o local. Pequenas ondas eletromagnéticas permeavam pela área, buscando sua presa. Uma por uma, as ondulações encontraram seu caminho até o cérebro de Evige, violando o sistema nervoso do homem. Uma pessoa normal no mínimo ficaria desabilitada mentalmente, mas não ocorreu como esperado.

Ódio, rancor, desesperança, arrependimento, sensações perturbadoras que nunca deveriam ser trazidas à tona para o bem da sanidade do mundo: esse era o mundo de Evige. Completamente dominadas pelo turbilhão de almas presos no recipiente que tinha apenas forma de humano, as ondas retornaram de uma vez só ao seu mestre.

Estava terminado. Surpreso pelo ataque mental, Velter não conseguiu conter a intensa eletricidade percorrendo o cérebro e perdeu a consciência. "Foi uma boa luta", ponderou o vitorioso, "Mas sem dúvidas o melhor foi poder testar esta belezinha aqui em ação. Vejamos o que o Daisuke tem a dizer sobre isto".

Velter despertou algum tempo depois e deduziu que Evige estava a caminho de Daisuke, mas por outro lado não podia ignorar a ameaça da bomba. Bem, se as profecias fossem verdadeiras, o jovem deveria viver mesmo se ele não fizesse nada. Quanto à garota, "É, talvez seja melhor que ela morra aqui". Decidido, seguiu a trilha de seu esquadrão em direção à bomba.

Mesmo impressionada pelo confronto, Natt sentiu a aproximação do inimigo tão logo quando ele adentrou em seu campo de monitoramento e identificou o campo AE de Evige imediatamente. O político nem ao menos levava a situação a sério, fazendo pouco ou nenhum esforço para conter sua presença. Mas não era hora para se preocupar com isso.

Aproveitando a localização ligeiramente mais elevada daquele ponto em relação ao resto do vilarejo, Natt deslocou-se rapidamente enquanto disparava contra seu alvo fácil abaixo. Evige, sem se incomodar em ocultar o corpo, enfrentava a chuva de projéteis diretamente e lançava tiros da misteriosa metralhadora em todas as direções... Ou ao menos era o que parecia.

O homem não estava disparando ao acaso procurando a oponente, apenas acompanhava a ágil assassina precisamente, não importando a facilidade desta em se deslocar. Natt evitava os ataques de raspão, tendo suas armas completamente estraçalhadas por algo misterioso. Nem mesmo as armas de tiro tele-guiado serviram para alguma coisa naquela situação.

Enquanto tentava se reorganizar, a garota foi surpreendida por Evige, que surgiu em suas costas e mergulhou o enorme punho abaixo, mas Natt rolou pelo chão e escapou com segurança. Ainda em tom de brincadeira, Evige desferia golpes físicos usando a metralhadora como espada e sua oponente tentava se defender o máximo que podia com as pistolas em mãos.

Logo as armas se quebraram e a garota fora arremessada pelo impacto de um chute, percorrendo alguns metros de distância em pleno ar. Estendeu os braços e interrompeu o voo ao segurar-se em uma pedra e pousou graciosamente, materializando dezenas de adagas ao seu lado. Natt arremessou sucessivamente as lâminas banhadas de pólvora e, antes de Evige poder sequer defender-se, atirou na direção de um deles.

Seguiu-se uma enorme explosão, mas não por acaso haviam se afastado o suficiente de onde a luta teve início. Estilhaços de metal e pedaços de corpos espalharam-se pelo local enquanto a atmosfera enchia-se de uma fumaça densa. Mesmo com apenas uma vaga ideia do potencial inimigo, Natt aguardava silenciosamente para ter certeza de tê-lo eliminado completamente.

Sob circunstâncias normais seria uma boa escolha, mas a fez não notar o perigo vindo dos céus. Como uma estrela cadente, o grande homem pousou logo atrás de Natt, formando uma grande cratera que destruiu tudo ao redor. A garota escapou por pouco saltando para trás, mas Evige logo recuperou-se da queda e, em pleno ar, desferiu uma série de socos extremamente rápidos.

Antes que Natt pudesse tocar o chão novamente, arremessada pela barricada de golpes, Evige recuperou sua arma e finalizou o combate com intermináveis projéteis invisíveis disparados em direção à oponente; esta enfim caiu, possuindo diversos cortes e rasgos nas vestes. Satisfeito, o vencedor declamou:

— Não se preocupe, esta minha "anti-arma", como o nome sugere, é direcionada a armas. Ainda machuca bastante humanos, mas você deve sobreviver se ficar quietinha aí enquanto faço uma visita ao meu amigo. Tudo bem, você não poderia vencer de qualquer forma.

A jovem sentia como se o cérebro estivesse sendo batucado continuamente como um tambor e os olhos tivessem vontade própria, atordoada pelos próprios sentidos. Apesar disso, alguma coisa a mantinha acordada, escutando o discurso de Evige, que continuou:

— Sabe, normalmente é difícil quebrar armas feitas com tecnologia AE, mas só quando se considera coisas exotéricas como proteção de alma, vínculo espiritual e tolices do tipo. Acha que a ciência real se preocupa com algo disso? Em frente à minha tecnologia "obsoleta", "sem alma", aperfeiçoada pela inteligência humana sem contar com truques inexplicáveis, nada disso vale.

Gargalhando estrondosamente pelo sucesso da invenção, Evige deixou a cena. Agora só restava um ser cadavérico, quase sem consciência, tentando fixar sua atenção em algo. Era inútil, não havia nada ligando-a ao mundo externo, então vasculhava pelo interno. Mal sentia os membros do corpo, mas com certeza havia algo ali... "Ah, é assim que funciona", deduziu Natt.

Nanorrobôs. Quantos haviam? Milhares, milhões, talvez mais. Era uma potente arma de ar comprimido que, embora causasse dano devido ao impacto, forçava com que saíssem nanorrobôs na direção do disparo. Estes agiam como agentes corrosivos, consumindo qualquer material feito com tecnologia moderna. Mesmo sabendo de tudo isso, o que alguém poderia fazer?

"Se apenas pudesse fazer tanto quanto antes, talvez tivesse uma chance", lamentou Natt, recordando-se aleatoriamente de lembranças longínquas. Como se fosse uma turista em alguma civilização exótica, a garota percorria interessadamente pela sua mente. "É, acho que poderia até transformar uma pistola comum em uma bela arma dourada. Bem, não custa sonhar".

"Não, espera, eu acho que podia realmente fazer isso, mas não com qualquer coisa. O ouro já estava presente nos materiais, mas encontrava-se misturado a outros metais. Se eu utilizasse correntes elétricas, poderia obter um ouro mais puro através de reações químicas. Além disso, precisaria redefinir a estrutura interna para que a arma não simplesmente se desmontasse".

Montagem, remontagem, alteração. Com isso em mente, a garota rastejava pelo chão, recolhendo pedaços de suas armas e a de Evige. Por que não sabia, mas sentia-se guiada pelos nanorrobôs que não podia ver e motivada pela possibilidade de conseguir o poder que precisava. O poder para derrotar Evige e superar a anti-arma adormecido dentro de si. Esse era seu verdadeiro potencial, esquecido ao longo dos anos.

O paciente repousava profundamente à despeito de tudo o que ocorria ao redor. Não apenas ao longe, onde Velter tentava neutralizar a bomba, mas na tenda na qual dormia. Os dois médicos estavam caídos inconscientes no chão, sobre uma poça formada pelo sangue de ambos. Evige observava o cenário atentamente, um pouco desapontado por ver seu rival desacordado.

— Sei que me instruíram a não matar você agora, mas poxa, esta arma existe especialmente por você. Bem, vamos conversar então. Quer falar sobre o estado sócio-econômico da capital? Hehe, brincadeira.

Sentindo uma presença atrás de si, Evige, sem virar para trás, disparou em direção do inimigo. Então por que, apesar de ter apertado o gatilho, nada ocorreu? "Mas o que...", surpreendeu-se o homem, mas era tarde demais. O oponente havia sido mais rápido. Fitou o alvo diretamente, encontrando uma jovem empoeirada e sangrando, em um estado tão deplorável que era como se pudesse matá-la só com um toque. Isso é, se não fosse pela exata mesma anti-arma em suas mãos.

— Que interessante — exclamou, enquanto sua arma era reduzida a pó —, então pode copiar armas?

— Está enganado sobre isso, e também quanto à natureza de sua arma. Seu erro de interpretação foi a causa de sua derrota.

— Oh, não é bom abusar da vantagem, criança. Eu sei muito bem a estrutura dessa sua réplica e veja, ainda estou de pé.

— Sim, mas não por muito tempo — concluiu com um sorriso Natt.

Imediatamente, Evige sentiu uma irritação em algumas partes do corpo. Quando percebeu, aterrorizado, o que poderia estar ocorrendo, os nanorrobôs já estavam reproduzindo-se incessantemente sobre sua pele. De fato havia se enganado; não era uma réplica. A garota reprogramara os robôs, dando-lhes a capacidade de auto-replicação. Como verdadeiros vírus, naquele ritmo seu corpo não seria a única vítima.

Recordou-se do gray goo: o cenário no qual o mundo inteiro seria consumido por máquinas auto-replicadoras. Ao final teríamos apenas uma grande massa cinza cobrindo toda vida orgânica, oceanos, terras e qualquer outra matéria. Tal era o potencial assustador daquela arma. Por que não havia pensado nisso? Claro, desde o início errou, subestimando a invenção. Não era estranho, então, que ela se rebelasse contra o criador.

Entretanto, a multiplicação parou antes de se alastrar à face de Evige, e logo em seguida os robôs foram destruídos. "Parece que ainda não está completa", refletiu Evige, "Mas droga Daisuke, por que você sempre tem as coisas mais legais?". O homem saiu andando alegremente de volta à base; Natt tentou persegui-lo, mas caiu exausta.

Contemplando o calmo semblante de Daisuke, a garota suspirou:

— É só por hoje, OK?

E fechou os olhos, esperando despertar e prosseguir a vida normalmente, como sempre. Mas não foi como ela esperava. Quantos anos haviam se passado? Mal podia lembrar, tendo perdido a necessidade de senso de tempo. Alguns anos depois, a figura solitária da jovem fitava o horizonte no topo de uma alta montanha. Desde aquele incidente, as coisas mudaram. Não, simplesmente se mostraram como realmente eram.

O mundo mostrou-se um oponente formidável e continuou suas provações, até que Daisuke eventualmente desistiu e sucumbiu à escuridão. Perdeu batalhas, perdeu o caminho, perdeu o sentido, e eventualmente perdeu a si mesmo. E então o herói morreu.


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