Fé de Mediadora escrita por Persephonne


Capítulo 2
Capítulo 2




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2
        Acordo pelo despertador, e me levanto. Vaughn está num canto, me olhando. Há quanto será que ele estava me olhando?
        - Bom dia. - ele falou na sua voz que me faz ficar com frio na barriga.
        - Ai, eu não quero ir pra escola hoje.
        - Nem pra ver o Drop? - Pain falou. Aí eu lembrei do Drop.
        Drop, ou Henrique. Um roqueiro que eu conheci, muito bonitinho, e gosta de Nirvana. Estou a fim dele, mas acho que prefiro ser só amiga.
        - Ai meu Deus, de novo com esse Drop? - Vaughn falou.
        - Ciúmes? - eu provoquei. Ele riu. Aí eu me arrumei e fui pra escola.
        Ah, a escola. Sempre uma surpresa a cada corredor. Como sempre, tenho que seguir o Código de Silêncio (não falar da mediação pra ninguém). Menos com Jimmi. Ele é o outro mago da escola além de mim, e um dos meus (poucos) amigos. Só que ele é Cultista do Êxtase e Verbena, uma das piores combinações que eu já vi. Eu sou Adepta da Virtualidade e Vazia (embora eu deveria usar mais a esfera de Espírito), eu sei que é uma combinação estranha, mas dá certo.
        Combinação mais estranha ainda é eu e Jim. Porque ele está sempre falando daquele barato incrível em que ele acordou pelado no banheiro coberto de sangue, mas com uma habilidade muito doida de ouvir os pensamentos dos objetos de madeira, ou algo assim...
        Por outro lado, eu estou sempre contando da vez em que eu compreendi a complexidade filosófica do ser humano, mas quase morri escapando de um ICE na Rede, enquanto eu procurava o arquivo que me permitia essa habilidade dentro das áreas da Tecnocracia. Ou algo assim.
        Mas nós nos damos muito bem.
        - Adivinha o que aconteceu comigo. - Ele falou assim que nos vimos.
        - O seu lápis te falou o sentido da vida?
        - Não. Eu consegui fazer um velho índio entrar no meu quarto na forma de Lego e me passar os seus ensinamentos.
        - Que legal. E o que ele ensinou?
        - Não lembro agora, eu estava chapado.
        - O que você tomou?
        - Seiva- do- oeste.
        - Nunca ouvi falar dessa.
        Ele sorriu e piscou o olho.
        - É claro que não.
        Ele é sempre assim.
        Nessa hora, Felipe passou por mim. Me olhou, e fez uma coisa muito estranha: deu um sorrisinho.
        - Você viu isso? - perguntei a Jim.
        - Vi.
        Nota: eu e Felipe temos uma longa e triste história:
        Era uma vez uma garota e um garoto que se conhecem. Eles ficam amigos instantaneamente. Eles passam a só sentarem um perto do outro, e fazerem tudo juntos. Logo, ele demonstra pequenos sinais demonstrando atração. Ela responde os sinais. Mas os dois são lerdos e tímidos demais pra fazerem alguma coisa, então ela resolve tomar medida drástica: um plano doido completamente à prova de falha para fazer ele ficar com ciúmes dela e se mover finalmente. O plano dá desastrosamente errado e ele pára de falar com ela, se distancia completamente. No início, ela não faz idéia de qual é o motivo e pede desculpas exaustivamente, mesmo sem saber o que fez. Depois, acha que ele ficou doido e aí fica com raiva. E então, entra em pânico e não sabe mais o que fazer. Tudo isso dura 1 mês e meio sem eles conversarem direito. Os dois se gostam, mas não ficam juntos seilá porquê.
        - Isso foi bom? - perguntei.
        - Não sei. Um sorriso é melhor do que se ele virasse a cara, né? - Jim falou.
        - Acho que sim.
        ***
        - Como está Illyria? - perguntei a Jimmi no almoço.
        - Bem. Porquê?
        - Só pra saber.
        Outra nota: Illyria é uma demônia que a gente conhece. Ela encontrou Jim, e desde então mora no porão da casa dele (não me pergunte como a família dele ainda não a viu). Ela é bem legal, e tem uns poderes bem úteis, por ser uma deusa, e tudo o mais. (longa história)
        - Ela perguntou sobre você. - ele disse.
        - Diga que quando eu poder eu passo lá.
        - E quanto aos fantasmas? Faz um tempo que não aparece nenhum.
        - Um tempo quer dizer 3 semanas? E também, isso é uma coisa boa.
        - É, mas... fica meio chato.
        - Ele quer que a gente faça alguma coisa. - Pain (meu daemon, lembra?) falou na minha cabeça.
        - Eu sei. - pensei. Realmente, a daemon-lebre dele estava inquieta.
        - O que você quer, Jim? - perguntei.
        - O que eu quero?
        - Sua daemon te entregou.
        - Ah. Eu sempre esqueço.
        - Tá. O que você quer?
        - Bom... tem um lugar aqui na escola, que dizem que é assombrado.
        - Uau, isso é consistente.
        - Não se preocupe, eu já usei uns efeitos de Espírito, e senti alguma coisa.
        - E porquê você não me contou antes?
        - Porque eu não achava que fosse perigoso.
        Han?
        - Não, peraí. Primeira coisa errada: tem um fantasma por aí e você não me contou. Segunda coisa errada: perigoso?
        - Bem, ele não é exatamente legal. De jeito nenhum, na verdade. Me mandou voando pra fora. Literalmente. Doeu.
        - Quê?
        - Hum, eu tentei fazer contato, mas...
        - Você tentou fazer contato? Jim, você não é mediador! Se tem um fantasma por aí, é a sua obrigação me contar!
        - Eu não queria te botar em risco!
        - Risco?
        - Ele me fez isso. - ele me mostrou um roxo nas costas. - Eu tente fazer contato, e o cara me jogou longe!
        - Então porquê você não me contou?
        - Estamos andando em círculos.
        - Certo. Me diga onde é o lugar. Eu vou sozinha primeiro.
        - Você não entendeu a parte do "me arremessou pra longe"? Não viu o meu lindo roxo?
        - Foi porquê você usou magia. Utilizar magia pra falar com fantasmas é muito bruto.
        - Bruto foi ele me jogar na parede!
        - Quem é a mediadora profissional (e natural) aqui?
        Isso fez ele calar a boca.
        ***

        Mais uma preocupação na minha lista. Primeiro, eu tinha que lidar com a raiva do meu grupo de física. E de geografia. E de inglês. Eu não tenho uma memória muito boa, e como na escola nova as coisas são bem diferentes, eu ainda estou me acostumando. E aí eu descobri que os grupos de trabalho aqui não são como em... todos os outros lugares. Ao invés de pegar o conteúdo inteiro, dividir e passar pra cada um, os membros do grupo têm que adivinhar qual é a sua parte. Seja como for, todo mundo tá com raiva de mim. Os CDFs, pelo menos, porquê eu não apresentei nenhum trabalho. Mas o que eu podia fazer se a professora de inglês não me deixou entrar na sala?
        No primeiro intervalo, eu fui direto fazer o que eu tinha que fazer. Minha escola parece uma universidade, tem um monte de pavilhões (não são prédios), uma pracinha, e muito gramado. Bastante espaço, bom pra matar aula. Em um dos pavilhões, o mais antigo, tem uma sala antiga, que fica sempre fechada. Era lá.
        Eu fui discretamente até o pavilhão, esperei até ninguém estar olhando, e entrei no vão entre a construção e a parede, onde tem mato e um antigo chão de concreto, que o mato dominou. Eu entrei lá no meio do mato, agradecendo pelos meus coturnos, e fui na tal sala assombrada.
        Mas Jim já estava lá.
        - Eu sabia que você viria. - ele falou.
        - Claro. É o meu trabalho.
        - Eu não vou deixar.
        - Olha, você sabe como é o esquema. Eu vou ver o fantasma. Se for amigável, eu converso com ele, e ele vai embora. Se não, eu tento acalmar e conversar. Se mesmo assim ele não for, eu faço o que ele pede. Se não funcionar, e ele ficar violento, eu também fico. Se tudo der errado, aí eu faço o último recurso: exorcismo.
        - Eu sei.
        - E, você, Vaughn e Illyria só entram na parte violenta. Se eu gritar, você interfere.
        Eu entrei pela janela quebrada antes que Jim fizesse alguma coisa. Parecia uma sala de aula vazia, com algumas carteiras empoeiradas. Aliás, empoeirada era a palavra pra descrever aquela sala. A madeira das paredes parecia podre. E no canto, havia um cara.
        Ele parecia bem velho. Tipo uns 60 anos. Tinha umas roupas engraçadas, como se ele tivesse sido mágico quando vivia.
        - Hum, olá. - falei.
        Ele não parecia feliz. Pareceu menos feliz ainda quando atirou uma daquelas carteiras em mim. Sorte que eu abaixei e desviei pro lado.
        Ok, então ele era violento.
        Jim apareceu na mesma hora, com a mão direita em chamas. Isso mesmo, em chamas. Nós dois temos pirocinese mágica (habilidade mágica que a gente tem que desenvolver). A chama dele é amarela, a minha é azul. Então, eu fiz a mesma coisa, acendi as minhas. Minhas duas mãos estavam envoltas nas chamas azuis, pronta pra próxima carteira.
        Mas eu nem precisei usar o meu fogo. Quando a próxima carteira voou, Jim a queimou, o que distraiu o tal fantasma. E essa foi a minha chance de usar o gancho de direita.
        O fantasma ficou bem atordoado com aquilo. Ele não contava com o fato de que eu pudesse tocá-lo. Ele caiu e desapareceu. Mas não foi Embora.
        Eu e Jim saímos dali o mais rápido possível, primeiro porque devem ter tido pessoas que viram a pequena confusão ali. E também porque teria prova de biologia no próximo horário. Não que eu fosse conseguir fazer prova de qualquer coisa, sabendo que tinha um polthergeist na escola.
        ***
        Depois da prova, minha única amiga na escola nova, Sooz, me chamou pra andar por aí.
        - Eu, você e Jim. A gente pode ir de carro, agora que Jim conseguiu um e pode dirigir.
        - Ele já terminou as provas?
        - Pensei que você soubesse. Vocês não estudam na mesma sala?
        - Eu não prestei atenção. Hum, eu vou ter que ir pra casa agora, eu tenho que fazer uma coisa. À tarde a gente se fala? Aí a gente pode sair.
        - Beleza.
        E então eu fui correndo pra casa, não sem antes parar na minha escola antiga e falar um oi pra todo mundo. Só que só o Rafael estava lá.
        Rafael é o meu amante. Bom, eu sou a amante dele, mas eu o chamo de amante também. É porque ele tem uma namorada, que é amiga minha e tal, mas ele gosta de nós duas. Eu percebi que ele gosta de mim também na minha despedida da escola, quando ele me deu um abraço que podia ser tudo, menos de amizade.
        Eu fui falar com ele. Recebi um daqueles abraços, e falei:
        - Cadê o seu amor?
        - Saiu antes de mim, e foi pro shopping. Me deixou aqui.
        - Tadinho. Como vão as coisas na sala?
        - Normais. Não aconteceu nada.
        - Pô, eu saio e as coisas param de acontecer?
        Ele riu.
        - Eu tenho que ir pra casa. Tchau, amante.
        Abraço, beijinho e eu continuei o meu caminho.
        Já ouviu a frase "esta casa não é um lar"? É de uma música, acho. Bem, tem tudo a ver com a minha família. Quer dizer, eles têm que saber onde eu estou e o que eu to fazendo toda hora. E não é quando eu saio. É em casa, mesmo. Eu não posso ir pro quintal, que minha avó pergunta o que eu quero. Não posso nem ir no banheiro em paz. Quando eu estou no quarto, de vez em quando alguém abre a porta de repente só pra ver o que eu estou fazendo. Quero dizer, não tem uma lei contra isso? Se não tem, deveria ter. E eles não conhecem o ato de bater antes de entrar. Acham que podem simplesmente entrar nos lugares sem avisar, assim.
        Eu cheguei em casa e fui direto pro quarto, para ver Vaughn.
        - Oi. - Ele falou com aquele tom melancólico.
        - Temos um problema.
        - O quê?
        - Um fantasma violento.
        - Aonde?
        - Na minha escola. Eu vou tentar resolver isso hoje. Sozinha.
        - Sozinha? Você não pode...
        - Posso muito bem me virar. - falei, acendendo as minhas chamas. É bem legal, as minhas mãos ficam quase transparentes, só que... ah, é bem legal.
        - Está certo. - ele falou, mas era óbvio que não concordava.
        - Liz, vá lavar a louça. - eu ouço vindo de baixo. Suspiro.
        - Que horas você vai? - Vaughn pergunta.
        - Madrugada.
        ***
        De tarde, eu, Jim e Sooz fomos andar por aí no Camaro de Jim. Mas tem o pequeno detalhe de que Jim é doido. Quando eles foram me pegar em casa, ele dirigiu pela rua inteira de ré até chegar no cruzamento, porque ele tinha preguiça de manobrar na minha rua, que é estreita.
        No carro, eu fiquei ao lado de Jim, e Sooz no banco de trás. Nós dois não podíamos conversar sobre as "coisas", então ficamos ouvindo Sooz fofocando.
        - Sabiam que a Megan vai dar uma festa de fim de semestre? Eu ouvi por aí. Ninguém me convidou pra festa nenhuma, e vocês?
        - Não, nada.
        - Porquê você está tão interessada numa festa besta? - Jim perguntou. - Não vai ter ninguém interessante lá.
        - Eu sei, mas é bom ter uma vida social, não é?
        Nós fomos para o shopping, ver as vitrines, já que não tínhamos nenhum dinheiro.
        A vida é engraçada. Quando pensa muito numa coisa por muito tempo, fica difícil esquecer depois. Por mais que você tente se distrair, aquela sombra sempre vai estar lá no fundo da sua cabeça. E aí, quando você finalmente consegue esquecer completamente da coisa, seja por um segundo, ou por uma semana, a coisa em si te faz lembrar.
        Quando nós três estávamos numa loja de CDs, eu babando pelo do Three Days Grace, de repente ficou frio. Para qualquer outro, seria o ar condicionado. Para mim, era outra coisa. E então, uma voz no meu ouvido:
        - Na próxima vez que você interferir nos meus assuntos, seus amigos vão pagar.
        Eu virei, e só deu tempo de ver o fantasma lá da escola sumindo. Jim deve ter percebido que tinha alguma coisa errada, porque foi falar comigo.
        - Você está mais branca que de costume.
        - Tenho que ir na escola hoje. Fique em casa, eu resolvo isso sozinha.
        - Não. Você não pode com ele sozinha.
        - Eu não posso arriscar vocês.
        - Quê?
        E então eu contei o que tinha acabado de acontecer.
        - Eu não tenho medo de um fantasma. - ele disse.
        E aí eu percebi que não poderia agir ainda. Não hoje, pelo menos.
        - Eu queria ir lá hoje, mas...
        - Eu não deixaria. - ele disse.
        - ...mas agora, aparentemente, eu não posso.
        ***
        Em casa, eu não conseguia nem ver tv direito, do quanto que eu estava desconcentrada em tudo. E aí, o telefone tocou.
        - Alô.
        - Oi Liz, é a Megan.
        - Oi. - estranhei.
        - Eu só queria te convidar pra festa que vai ter lá em casa, de fim de semestre.
        - Eu vou ver se eu posso ir. Você convidou o Jim e a Sooz?
        - Quê?
        Eu sorri. Ela não esperava por essa.
        - O Jim e a Sooz. Você os convidou, né?
        - Eles... são os próximos da lista. Assim que eu desligar, vou ligar pra eles.
        - Ah, tá. Ok, eu vou ver se posso ir.
        - Tá bom. - e desliguei. Era impressão minha ou eu estava ficando popular?
        ****

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