Droga, não é hora de ficar irritado!

"Tome cuidado"

 Mas as palavras daquele cara não saíam da minha cabeça; pareciam ficar ecoando sem parar, com aquela voz irritantemente calma dele.

 Aiai, eu vou ter que inventar alguma coisa pro Mello quando ele chegar.

 ...

 Por falar nisso, ele já deveria ter voltado pro quarto, por que estava demorando tanto?

 - Como eu sou burro! - exclamei para mim mesmo, levantando da cama. Como é que eu pude deixá-lo sozinho?!

 Não tem jeito, eu vou ter que procurá-lo agora.

 Mas eu mal dei dois passos e a porta se abriu.

 Ou melhor, se escancarou.

 Era impressão minha ou o Mello parecia quase feliz?... Não, acho que não chega a tanto. Acho que está mais para satisfeito. Mas com o quê?

 - Mello? - chamei curioso.

 - Me sinto um pouco melhor agora - ele comentou antes de se jogar na cama dele com os braços cruzados atrás da cabeça.

 Isso eu percebi, mas tinha a impressão de que ele não responderia se eu perguntasse.

Ahh! O que uma boa noite de sono não faz! Claro que ver o Mello ao menos um pouco mais animado também contribuiu para a volta do meu bom-humor.

 Até porque, por que eu deveria ficar perdendo tempo pensando sobre aquele cara? Que importância ele tinha?

 Nossa, ainda está muito cedo; dá pra ver o céu escuro pela janela.

 Procurei Mello com os olhos, e lá estava ele. O cabelo loiro todo bagunçado, com algumas mechas caindo por sobre seu rosto adormecido, em uma expressão tão diferente da que ele mantinha quando acordado.

 Como eu queria que essa semana acabasse logo...

 - Mello, você quer alguma coisa da cidade? - perguntei enquanto vestia meu casaco.

 - Não - respondeu seco.

 É, parece que o estranho lapso de satisfação dele se foi tão logo apareceu.

 Dei de ombros - Até mais tarde então - e saí do quarto.

 Ah, hoje ia ser um saco!

 Por que? Bom, devido alguns pequenos motivos: primeiro, o Mello não estava vindo junto; segundo, eu teria que fazer o trabalho sozinho e isso seria extremamente monótono ( eu poderia  tentar pedir à Roger para fazer o trabalho na próxima semana também, mas acho que ele não vai estar muito propenso a atender meu pedido depois do jeito que eu falei com ele ); terceiro, Alex Corliss entrou no ônibus junto com a gente.

 É brincadeira né?!

 Como eu fiquei enrolando para ir para o ônibus, quando eu entrei praticamente todos os bancos já estavam ocupados, o que não deixava de ser estranho, considerando que o número de alunos da Wammy"s não era tão grande assim.

 Tinha apenas um lugar vago.

 Suspirei e acabei sentando no banco atrás do amigável monitor mesmo. Tirei meu DS do bolso e liguei no Mario World, fazendo questão de deixar a musiquinha no último volume.

 Mello sempre reclamou que aquela música irritava depois dos primeiros dois minutos. E é exatamente por isso que eu deixei o som ligado agora.

 Infantil, eu sei. Mas quem disse que eu ligo?

 - Já terminou, Matt? - Near perguntou se aproximando de mim.

 - Quase. Só falta eu escrever um pouco sobre os esqueletos famosos que estão aqui - respondi, indo mais para o lado do banco para ele poder se sentar.

 Um dos motivos por esse lugar ser famoso era porque essa era a catedral onde Jane Austen,a famosa escritora do século XVII / XIX, está sepultada. Além, é claro, de diversos reis ingleses que eu não lembro e nem importo de lembrar o nome.

 Dei uma olhada de relance no caderno de Near e... Dá-lhe número um! O Mello vai ter de se esforçar para conseguir tirar uma nota maior.

 ...

 Por favor, que ele nunca me escute falando algo assim.

 Não dissemos nada por um bom tempo. Mas não tinha problema, aquele silêncio era algo bom, que não precisava ficar sendo preenchido com comentários inúteis e clichês.

 Estávamos só nós dois lá. O resto do pessoal já tinha se cansado de toda aquela arquitetura gótica há um bom tempo já, e estavam todos do lado de fora agora fazendo provavelmente, coisas bem mais interessantes.

 - Está com frio? - perguntei ao vê-lo estremecer levemente.

 Ele negou com a cabeça.

 É lógico que ele estava com frio! As imensas portas de entrada estavam abertas e uma corrente de ar frio entrava sem dó, batendo nas nossas costas, e ainda por cima o Near estava usando suas roupas de sempre!

 Tirei meu casaco e coloquei em cima dele, encarando seu olhar por um momento com um sorriso, e isso foi a última coisa que eu fiz.

 Ou melhor, a última coisa que eu lembro de fazer.

 Senti algo em meu pescoço, parecia uma picada, e logo em seguida meu corpo todo amoleceu e minha visão anuviou.

 Só pude visualizar a expressão chocada de Near antes de perder a consciência de tudo ao meu redor.