Atlantis - os Dois Reinos escrita por LadySpohr, Tay_martins


Capítulo 16
Memórias da Chuva


Notas iniciais do capítulo

Novamente o Dante. Esse tem música de fundo.



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Esse capítulo tem uma música de fundo. Que será tocada em certo ponto da história.

Sugiro que deixe a música carregada para o momento em que for dito que ela iniciará.

Link da Música: http://www.youtube.com/watch?v=L1ulh9QpdDQ&feature=related

- Dante -

Incertezas nos tomam

Vontades não supridas,

Num destino improvável

Onde não sabemos de nada

Tendo apenas a certeza

De que a morte chegará

Finalmente. Assassino descoberto e fora de ação por algum tempo. A paz voltava a reinar pouco a pouco. Minha missão fora cumprida, e as garotas se tranqüilizaram um pouco.

Digo um pouco porque não voltaram a tranqüilidade habitual. A resolução de um mistério nos levou a começar a desvendar um outro, mais antigo e mais profundo que nós mesmos. O mistério de nossas origens.

Atlântida, família real, Claredon, linhagem de ouro. Nada disso me surpreendia, era como um filme antigo que já se passara em minha mente. O estranho é que eu nunca havia assistido a esse filme. Mas sentia que em breve, passo a passo, entenderia tudo. Existe tempo para cada coisa nesse mundo. E já havíamos começado a avançar nesse antigo mistério sem resolução, pelo menos até agora. Então, por enquanto, é hora de descanso.

Quanto ao Johan. Jamais imaginaria que era ele... E como ele poderia ter tirado Ariana do hospital. Como poderia ter sumido. Algo vinha em minha mente. Ele poderia ter o poder de se tele-transportar, ou algo do gênero. Mas isso também seria resolvido em seu tempo.

Decidi dormir. A sensação de dever cumprida tomava conta de mim. Ursula e Aria, ambas deveriam se aquietar um pouco por enquanto. Em contrapartida, talvez ficassem ansiosas para entender mais sobre o que foi dito pela irmã Betina. E eu pensava que poderia me afastar delas quando tudo acabasse... Mas como eu sentia, nada voltaria ao normal. Tudo ficou bem, mas agora é que tudo começava a mudar. E ao invés de me afastar, apenas me uniria mais a elas.

Aquele dia amanheceu chuvoso. Depois de tantos acontecimentos, um dia chuvoso pra me fazer lembrar de tudo... tudo que se foi... não gostava de mexer no passado. Gostava de deixar os fatos para trás resolvidos. Mas havia um fato que nunca se resolveu para mim. E aconteceu assim, num dia chuvoso também...

Amo a chuva, é verdade. Água e gelo me fascinam. Dias chuvosos costumam deixar pessoas tristes. No meu caso, é o contrário. A chuva sempre me revigorou, me deixou feliz, e super proativo. Mas, ocasionalmente, me recordava daquele fato... No balanço, debaixo daquela árvore. Isso nunca morreu dentro de mim. Não consegui deixar esse fato no passado. E nos dias em que me lembrava disso, eu ia para lá. Não ia a aula, e as freiras sabiam disso. Era costume que acontecesse em certos dias chuvosos. Elas nem me cobravam mais, afinal, eu era um excelente aluno de qualquer forma.

Coincidentemente, era um dia que teríamos aulas extras de manhã. Para repor algumas aulas perdidas no decorrer do semestre. Acordei cedo, e ao invés de me arrumar e me dirigir a sala, fui direto para a velha árvore. Oh, aquela árvore. Só ela e eu sobramos daquele tempo. Daquele fato. Onde ela estaria? El...

Parei de pensar naquilo... Comecei a relembrar os fatos da infância. Éramos bons amigos. Eu estava ali quando ela perdeu os pais num acidente. Eu a amparei. Com ela eu descobri meus poderes. Com ela eu convivi na infância. E ela foi minha maior separação, minha maior perda... Ela se foi... Se não a única grande perda que tive... a única coisa com que verdadeiramente me liguei...

A manhã passou enquanto eu relembrava aqueles momentos. Chegou o horário de almoço. Mas ninguém nunca sentiu minha falta. Ninguém nunca notou por mim. Além da própria irmã Clara. Mas ela já estava ocupada com os dias de aulas extras. Não viria atrás de mim hoje. O que era bom. Não queria ser importunado. Eu queria aquele momento só pra mim.

Mas, infelizmente. As coisas começaram a mudar em minha vida. Nesse ponto, alguém passou pelo corredor. Alguém que me conhecia. Alguém que me via.

Era Ariana. Ao me notar sentado no balanço, todo molhado da chuva, sua curiosidade foi despertada. Eu tinha o semblante triste, e acho que isso era novidade para ela. No fundo ela devia me achar totalmente frio e sem sentimentos. Apenas uma casca de raciocínio, egoísmo e falta de consideração pelos outros.

Assim, decidiu se aproximar. Tinha um guarda chuva às mãos. Eu não a percebi. Estava num momento distraído, distante. A princípio, acho que ela iria puxar algum assunto. Mas, depois, desistiu. Ficou me observado. Minha respiração profunda. Meus olhos distantes. A chuva em minha face se misturava as lágrimas. Ela se surpreendeu com aquilo. E de repente. Comecei a recitar versos que havia feito num dia chovoso como aqueles.

[A música começa a tocar]

Elleonor... foi minha inspiração... Minha voz era fraca, incerta, tomada de angustias e sofrimento.

Por que as imagens se criam?

Nesse tempo chuvoso

E tudo que vejo, é sua lágrima escorrer

O rosto escultural, naquele instante

Éramos eu e você,

Éramos, cadê?

Algo não deu certo.

E tudo que sinto, é em meu peito

O coração parar.

Você está em algum lugar.

E eu aqui lembrando.

Nesse velho balanço,

Onde éramos nós dois,

Agora sou eu... sem você

Meu eu se perdeu...

A chuva cai,

Lembrando-me de quando estavas comigo

Dos muitos sorrisos...

Da lágrima do ultimo momento.

Onde éramos nós dois

Agora sou eu... sem você...

Sem ninguém...

Minhas memórias se perdem.

A chuva a cair

Derrete o que sobrou de meu coração

Minha inspiração se desfaz

Eu sou como apenas mais uma gota d’água

Nessa grande poça de memórias perdidas

Angustias sofridas

Onde sou eu, sem mais ter você

Ariana novamente se surpreendeu. Acho que ela percebeu algo mais sobre mim. Mas eu ainda estava perdido em devaneios.

Só duas garotas me impactaram nessa vida. Elleonor, que eu nunca havia superado. Ela fora muito pra mim, e continuava sendo... Eu ainda esperava encontrá-la. Um dia ela simplesmente se foi. Era um dia chuvoso como esse, ela saiu da instituição com um adeus, sem dar notícias, detalhes, nada. Sumiu da minha vida. A outra foi Ariana. Aquele soco foi realmente impactante. Mas isso não era tão profundo. Foi um impacto negativo, digamos assim.

Pensar nisso me levou a pensar na vida novamente. Minha alma poética estava liberada.

Ariana pensou em dizer alguma coisa. Mas, decidiu esperar um pouco mais.

Meus sentimentos me levaram a declamar outros versos de dias chuvosos.

Chorar por mil dores,

Sofrer por mil amores,

Cantar mil hinos de guerra

Pela dor dos outros

Pelo coração alheio partido

Pelos guerreiros, da casa, destituídos

Da pátria, desnutridos, sofridos

Todos lutando para viver,

E eu só vendo e sentindo...

Mil sons a mover

Um mundo perdido...

Eu não pude agir...

Só pude sentir...

A cada pessoa morrendo,

De mil mortes morri...

Sim eu sofri,

Do que todos sofreram...

Sim eu chorei...

Cada gota de chuva...

Após isso, fiquei refletindo por um tempo. Nada poderia me consolar. Nada poderia me ajudar. Eu só queria aquele momento para mim. Eu só queria Elleonor de volta, por pelo menos um momento a mais. Mas querer não é poder. A realidade não é tão simples. E eu tinha que encarar e seguir em frente.

- Olá idiota! – Aria resolveu falar como se tivesse acabado de chegar. – O que está fazendo aí? Tomando chuva. Parece meio triste, deprimido. Quer que eu te pague uma sopa? Com esse tempo eles preparam uma ótima canja lá na cantina – estendeu o guarda chuva para mim. Acho que estava tentando ser gentil. Mas eu não pedi por gentileza.

Não sabia que ela tinha ouvido tudo. E não queria que ela se metesse em meus assuntos.

Olhei para ela. Lembrei que me devia uma, daquele outro dia, o mata-leão que me deu. E agora seria a hora de cobrar. Levantei-me do balanço e fui me aproximando dela, lentamente. Ela foi recuando quando comecei a me aproximar demais. Em direção a árvore. Até que bateu no tronco da mesma. O guarda-chuva caiu da mão direita. Ela começou a se molhar também.

Estiquei meus braços dos lados da cabeça dela. Minhas mãos sobre a árvore. Aria olhou para o chão timidamente.

- O que é isso?!

Olhei bem para ela. Com meu olhar mais penetrante. Os olhos dela encontraram os meus. Faíscas verdes de encontro com faíscas castanho-escuro por um ínfimo momento. Rapidamente ela desviou o olhar. Ruborizada.

- Está próximo demais! – tentou lutar para me afastar.

- O que você acha que é? – Eu falei num tom sedutor. – Você sabe que quer isso, tanto quanto eu. Sua raiva toda é apenas uma válvula de escape.

Ela inspirou fundo. E parou de respirar por um instante. Ainda olhando para o chão. Seus olhos pareciam demonstrar que uma verdade que não queria admitir havia sido revelada. Ou que não estava gostando do rumo que a conversa estava tomando. Preferi apostar no primeiro.

Suavemente, virei o rosto dela para mim. Seus olhos brilhavam. Deixei-a sentir minha respiração. Meu hálito. Aproximei meus lábios dos dela. Ela mordeu de leve os lábios inferiores. Talvez eu tenha acertado o palpite. Aproximei-me um pouco mais. Novamente ela respirou fundo.

Então, próximo de consumar um beijo. Soltei uma risada e olhei para baixo. Comecei a rir incontrolavelmente. Ela ficou espantada. Tentando entender o que estava acontecendo. Eu só conseguia rir. Tive que segurar meu estomago com as mãos. Pois de tanto rir, já começava a doer.

Ambos molhados. Eu rindo. Ela com cara de palhaça. Fez uma expressão decepcionada. Não sei se comigo ou se com ela mesma. E depois ficou irritada.

- Você é um idiota mesmo! – e me deu um soco, muito forte, na boca do estomago.

De tão forte, cheguei a me ajoelhar, procurando ficar em posição fetal. Apesar da dor, não consegui parar de rir.

Enquanto isso, Ari saiu correndo, não percebi se eram gotas de chuva. Mas lágrimas pareceram cair de sua face. Uma certa pontada de culpa me percorreu. Levantei-me vendo-a correr, cada vez mais distante. Percebi que havia esquecido o guarda-chuva. Mas não era hora de ir atrás dela. Recolhi o objeto do chão. Olhei para o balanço e decidi que hoje não iria me proporcionar mais nada de útil. Fui até o dormitório onde tomei um banho e me troquei antes de me jogar na cama.

Aria ficaria brava por um bom tempo. Não que eu me importasse tanto... Pelo menos recebera o troco. Minha honra foi lavada. Olhei para o guarda-chuva... Não que me importasse... tanto... Talvez eu devesse pedir desculpas mais tarde. Fui realmente idiota e infantil... Foi um tanto extremo o que eu fiz. Acho que não feri apenas seu orgulho... Mas o que foi feito, foi feito.

Virei para o lado. E dormi profundamente. Meus sonhos foram completamente brancos. O que será que nos aguardaria?

No outro dia, passei pelo corredor. Cartazes estavam espalhados pelo mural. Faltava um mês para o termino das aulas. O fim do terceiro ano. Se aproximava o tempo de sair do casulo, ir para o mundo, caminhar com as próprias pernas. Os cartazes falavam sobre a formatura, sobre o baile, iria ser um baile de mascaras.

Só poderia ser idéia da presidente do conselho estudantil. Milly, aquela garota espalhafatosa, sempre com idéias do gênero. Mas talvez fosse interessante.

Caminhando até a sala. Aria passou em minha frente. Tentei chamá-la, mas ela não me ouviu. Ursula estava ao seu lado, e me olhou de soslaio, mas não me encarou de frente. Começou... Seja lá o que estava para começar... começou...

Corri até elas, parando em frente das duas. Olhei para Ari e comecei a falar.

- Desculpe por ontem... – ela não parou... continuei falando – eu sei que fui um idiot... – ela passou por mim, agiu como se eu não estivesse ali. Ursula novamente me olhou de lado. Mas seguiu com a amiga. Eu fiquei olhando. Esse era o troco?

Bem, havia tentado me desculpar. E ela decidiu me ignorar. Eu não faria mais nada. Ambos os nossos gênios eram ruins. Mas eu não me importava. Vivi grande parte de minha vida sendo invisível para todos. Ariana era apenas mais uma dessa grande multidão dos que me ignoravam, e que eu não dava bola. Não seria pelos últimos eventos que isso mudaria para mim...

Além disso, ignorar alguém é a maior forma de demonstrar seu ódio ou desafeto. Você não leva em conta nada que a pessoa fala, ou faça. Suas idéias, atitudes, palavras, sua existência, simplesmente desaparece para você, e não tem como ela reagir, pois você simplesmente não se importa.

Para quem se importa com a pessoa que ignora, isso realmente machuca. É a maior punição possível. Mas eu não me importo. E se ela me ignora, não existo para ela. Como não existo para muita gente. E ainda assim, sempre estive aqui, e sou melhor do que muitos a minha volta. Então, realmente, isso é o de menos para mim. Estou próximo de começar a desvendar minhas origens, e nada vai me tirar esse prazer.

Finalmente em sala. Professor Sebastian entrou como de costume. Cabeça baixa, óculos caindo do nariz. Cabelos despenteados. Mas após nos dar uma boa tarde, ao invés de dar uma revisão das aulas anteriores, e a introdução da nova aula, disse que tinha uma nova aluna para apresentar.

- Alguns de vocês podem conhecê-la. Ela estudou conosco há alguns anos atrás.

Ao falar isso, meu coração disparou. Não poderia ser, correto? Não tinha como ser ela...

- Dêem as boas vindas à Elleonor.

Aquela garota entrou. Mesmo nome, aparência semelhante ao que me lembrava, mais velha, mais alta, mais bonita... Mas era ela. Cabelos compridos até metade das costas, lisos, castanho avermelhados. Olhos castanhos. Lábios delicados, que lembravam pétalas de rosas. Como eu me lembrava dela... Lembrava como se a tivesse visto ontem.

Ela se apresentou. Sua voz era doce... como eu lembrava... e esses meus pensamentos já estavam me dando nos nervos... eu nunca fui assim... porque ela fazia eu me sentir dessa forma?

- Meu nome é Elleonor. Tenho 17 anos. E já estudei aqui há 8 anos atrás. Tive que sair porque meu tio, que é meu responsável, precisava fazer muitas viagens. Acabei tendo que acompanhá-lo.

Seus olhos cruzaram com os meus. Meu coração disparou. O olhar dela, por um simples momento, pareceu triste. Ela me reconheceu? Não soube dizer. Os lugares disponíveis, para que se assentasse, não eram próximos de mim. E agora. O que seria?


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. reviews?



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