Perspectiva escrita por mamita


Capítulo 2
Confissões




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PDV Rosálie.

Não senti sua aproximação, quando percebi alguém estava ao meu lado e pelo cheiro só podia ser Esme. Depois de transformada não gostava que me tocassem, ser tocada me dava medo, pânico.

Mas aceitaria qualquer coisa que me ajudasse a sair daquela tortura, então rolei e me aninhei a ela. A sensação era ótima, ela me ninava como a um bebê, alisava minhas costas e meus cabelos dizendo que tudo ficaria bem e que eu não estava sozinha.

Me senti segura, tão protegida ali, era tão aconchegante e confortável, como se eu me encaixasse em seu colo.

 As lembranças não sumiram, mas passaram mais rápido, e então da mesma forma que vieram, acabaram. Aos poucos consegui me acalmar, abri meus olhos e agradeci.

Ela me abraçou e disse que quando precisasse, contasse com ela. Depois me olhou demoradamente como se estivesse ponderando e disse:

- Rose, eu te amo como a uma filha, não te abandonarei ou te deixarei só, não permitirei que te machuquem novamente. É pra isso que servem as mães, para amar e proteger. Entende?

Você é a minha menininha, e farei o que for preciso para que se sinta amada, segura e feliz. Estou aqui meu amor, sempre estarei.

Filha, menininha, as palavras giravam em minha cabeça. Por um momento me lembrei de Violet (minha mãe biológica), no sofrimento que devo ter lhe afligido. Gostaria de dar um corpo para ela enterrar, não ter um desfecho para meu sumiço deve ser mais doloroso que o luto, ao menos ela teria onde chorar e motivos para seguir em frente.

Considerei se aceitar o amor maternal de Esme era de alguma forma traí-la, se ela se ofenderia, fiquei indecisa.

Mas era Esme que estava agora comigo, ela que me consolou e confortou. E apesar de minha relutância sempre tentou se aproximar de mim, me ajudar e me entender (se bem que desconfio que ninguém jamais possa me compreender).

Eu não posso me aproximar de Violet, nem ser abraçada por ela, mas agora esta vampira me recebe em sua família e em seus braços. Não sei quanto tempo se passou, mas depois de pensar todas essas coisas eu lhe dei um sorriso de satisfação e aceitação.

Ela deve ter entendido, pois sorriu ainda mais.

Então um horizonte aterrorizante se apresentou para mim, dentro de poucas horas eu estaria casada e isso significava que teria deveres a cumprir, não tinha considerado esta parte. O casamento de Esme e Carlisle parecia ser muito parecido com o dos humanos neste aspecto. Pensei nos momentos anteriores, não podia magoar Emmet, rejeitando-o em nossas núpcias, ele me amava tanto e parecia não se importar com minha história.

Sentia tanta vergonha, queria conversar com ela, mas só de pensar, meu rosto pálido de vampira parecia se lembrar de meu tempo como humana e corar. Também sentiria vergonha se fosse minha mãe. Não era costume conversar sobre essas coisas, me lembro que minha mãe me levou a seu quarto e perguntou se já tinha beijado Royce quando fiquei noiva. Eu disse que não, mas era mentira, ele me roubara um beijo.

Ela me instruiu sobre minha lua de mel, disse que depois de casados os homens gostavam de certos carinhos, que dividiríamos a cama e que ele me faria coisas que envolviam certas intimidades, toques em algumas partes de meu corpo e o contato de nossas vergonhas. Que não devia me negar a ele, pois era assim que gerávamos filhos e eu faria qualquer coisa para ter um bebê.

- Um pequeno sacrifício para se sustentar um nome e este anel. Minha mãe disse.

Depois ela falou que talvez, com o tempo chegasse a apreciar estes momentos, sinceramente não vejo como isso pode ser agradável.

Esme estava ao meu lado, me ofereceu ajuda e pensar sobre esta parte do casamento estava me deixando muito aflita. Eu não podia me casar, como pude ser tão tola, como pude esperar que o destino fosse perdoar tão grande infortúnio. Iria esperar o Emmet regressar e desfazer o noivado, Carlisle iria me apoiar, ele é sempre tão razoável.

Ela me tirou de meus devaneios.

- O que foi querida, o que está sentindo agora? Pode me dizer qualquer coisa, não se acanhe. Posso te entender.

Então eu escondi meu rosto entre seu pescoço e seus cabelos e disse quase sussurrando, num volume que os ouvidos humanos não captariam:

- Esme, amanhã estarei casada e o Emmet espera uma noite de núpcias, eu o amo, mas não consigo passar por aquele momento novamente. Eu tenho tanto medo, estou apavorada!

Se ele me vir no mesmo estado que você me encontrou, vai desejar saber exatamente o que aconteceu. Quando ele descobrir, nem quero pensar. Ele poderá enxergar toda a minha desonra, minha indignidade.

Não quero magoar o Emmet, ele me ama tanto, não merece isto, melhor, eu não o mereço. Fui irresponsável e egoísta permitindo que isso fosse tão longe só por ele me fazer sentir bem estando próximo a mim.

Não pude continuar. O choro que minha mente reprimiu por anos assumiu o controle de meu corpo e se tornou compulsivo. Era tão estranho chorar como vampira, seus olhos ardem e parecem formar uma lágrima que nuca cai, sua garganta se fecha em uma ardência diferente da sede e no meu caso (agora) meu corpo tremia.

PDV Esme

Entrei em pânico, Rose ficou em silêncio como se ponderasse sobre o que tinha lhe dito. Será que ela não me aceitava como mãe? Violet ainda era tão viva em sua memória.

Depois ela me olhou e sorriu, e eu fiquei tão feliz, acho que meu sorisso foi ainda maior que o dela. Eu tinha uma filha, uma menininha, estava maravilhada com a idéia.

Então numa velocidade estonteante sua aparente felicidade transformou-se em uma expressão de agonia, angústia. Será que ela só tinha conseguido compreender agora e estava com medo de ferir meus sentimentos ao perceber que não se sentia minha filha? E o sorisso? Queria tanto ter a habilidade de Edward agora.

Eu a encorajei a falar, ela se aproximou mais de mim, enterrou o rosto como se tivesse a intenção de desaparecer, se esconder em mim e falou aos sussurros tudo o que pensava e sentia.

Então era isso, Carlisle tinha razão, em algum momento ela iria perceber a proximidade física implícita no casamento. Entendo a Rose, se eu tivesse passado pela mesma experiência não sei como agiria. Deve ser constrangedor saber que outros homens (que não seu marido) já te viram nua, que seu corpo foi violado de forma tão rude, sua virtude arrancada.

Em meu tempo humano gostar deste aspecto do casamento era uma coisa escandalosa, apenas as mulheres de vida desfrutável apreciavam. As esposas honradas entediam como uma obrigação, chamavam de: “Obrigações matrimonias” ou “Deveres conjugais”.

Mas meu relacionamento com Carlisle tinha feito com que eu questionasse este conceito, com sua paciência e ternura ele me mostrou outra significação para o amor físico. Carlisle tinha me feito enxergar como era algo correto, se compartilhado com alguém que você realmente ama e que também te ama, e não apenas busca o prazer. Com o tempo e a prática eu comecei a compreender o quanto era natural nossa sexualidade.  Havíamos combinado que eu conversaria com ela sobre isso, mas no fundo meu constrangimento fez com que eu desejasse que este momento não existisse. Eu estava muito envergonhada, desfrutar da intimidade física com meu marido era uma coisa, falar sobre este assunto com minha filha era outra. Mas não podia permitir que Rose deixasse de experimentar a felicidade ao lado de Emmet por conta de meus receios em falar sobre isto.

Esperei que se acalmasse, me levantei carregando minha filha nos braços, levei-a a meu quarto e a sentei com as costas na cabeceira da cama (bem ao meio). Depois me sentei ao seu lado e ergui seu rosto até que nossos olhos se encontrassem.

- Querida o que aconteceu naquela noite não pode ser comparado ao amor físico que se compartilha entre eu casal. Foi brutal e contra sua vontade, o que os leva à questão de que não há nada indigno em você, não é desonrada, muito pelo contrário é vítima.

Emmet sabe a sua história, ele te ama e saberá esperar o seu tempo de se sentir preparada e segura para isso. Rose. Olhe para mim, não pode se furtar a felicidade por um erro que não cometeu.

Ela se desvencilhou de meu colo e afastou-se, com a cabeça baixa, fitava as mãos. Então disse baixinho

- Mas se eu não fosse tão bonita...

Não consegui entender, talvez o único motivo para  ela não ter nos atacado após a transformação foi a fascinação que sentiu ao olhar-se no espelho. Ela adorava o fato de ser linda, da admiração visível dos humanos e imortais por sua beleza.

- Como Rose? Eu argúi.

Ela se afastou ainda mais, estava agora quase na beirada da cama, respirava fundo como se estivesse tomando coragem para revelar algo que não era capaz de admitir nem para si mesma.

- Eu gostava de ser bonita, admirada, até desejada. (senti como se ela estivesse tentando verbalizar algo que não conseguia entender, ela parecia batalhar com as palavras.)

E continuou:

- Ainda hoje não consigo controlar, e eu me odeio por isso.

Fiquei fascinada por minha beleza como imortal e demorei em perceber a maldição que ela foi para mim. Ser linda era a única coisa que eu sabia ser, minha única qualidade.

Se eu não fosse assim, o demônio nunca me desejaria, não me cortejaria ou teria me proposto o noivado. Ele me quis por que minha beleza era algo para ser exibida, e eu adorava me exibir. A admiração constante fez de mim uma pessoa, fútil, mimada e ambiciosa, e eu aceitei o que ele me oferecia por que podia obter os alimentos da minha alma: SOBERBA, ADMIRAÇÃO, AUTOCONGRATULAÇÃO, RIQUEZA, PODER.

Era muito preocupada com as aparências, jamais me aproximaria de um grupo de homens à noite estando sozinha. Só o fiz por que meu noivo estava lá. Sou culpada Esme, minha futilidade me conduziu para aquela situação, eu fui andando com meus próprios pés para o abismo e nem se quer reagi.

Eu, eu, eu...

Ela gaguejou e uma torrente de invisíveis lágrimas voltou a brotar transbordando em seu pranto sentido. Eu estreitei a distância entre nós trazendo-a de volta ao meio da cama. Ela se deu por vencida e reclinou-se passando o corpo à frente do meu e recostando sua cabeça em meu ombro, eu ergui o braço esquerdo e ela o agarrou com força. Seu corpo tremia e suas mãos estavam frias até para uma vampira. Com o braço livre afaguei seus cabelos acolhendo minha filha em meu colo. Me senti mãe dela pela primeira vez, e tentei acalentá-la:

- Meu amor, sua beleza não é um defeito, nada do que tenha feito ou sido é capaz de justificar o que aquele monstro te fez. Não é sua culpa, não pode tomar para si a responsabilidade de um ato quando é a vítima. Responda-me, você queria passar por aquilo?

- Não, ela soluçou.

- Na hora do perigo às vezes nossa reação é estagnar, não reagir. Isso é normal, ele sabia muito bem que estava te agredindo, seu silêncio não autoriza a violência que ele cometeu. (frisei bem a palavra ele).

O silêncio se estabeleceu enquanto eu esperava que ela absorvesse a palavra e como uma explosão, de tão repentina, eu pude sentir a compreensão me assaltar. Eu tentei abrigar a Rose em nossa família para diminuir a culpa e o remorso de Carlisle, pelo meu instinto acolhedor, mas nunca entendi suas reações.

Compreendi naquele instante por que ela desejava a morte, por que se vingou pessoalmente de todos, por que detestava ser tocada, suas explosões de raiva, sua intolerância. E me senti impotente diante de tamanho sofrimento, se pudesse escolher teria poupado-a daquele sofrimento e o viveria por ela.

Em meus braços agora tentava se abrigar a menininha assustada e violada que estava fragilizada e ferida de morte. Seu desabafo fez meus olhos descerrarem e eu podia ver por detrás de sua máscara de mulher intempestiva e geniosa. Sua agressividade e excesso de segurança eram uma proteção natural, e eu comecei a experimentar sentimentos desconhecidos para mim

A ternura da maternidade deu lugar ao instinto protetor. Tentava me controlar para acalmá-la, mas meus olhos enxergavam o mundo todo vermelho. Pela primeira vez senti a caçadora tomar o controle, eu visualizava todas as formas de devolver a eles a tortura que infligiram à minha menina. Me arrependi de permitir que ela os matasse sozinha, deveria ter ido junto, eu quebraria cada osso, cada centímetro de pele seria arrancada, aliás eu cortaria lentamente seus sexos, eles se arrependeriam o dia em que colocaram os olhos em minha filha.

Um suspiro me fez despertar de meu devaneio, isso não era importante agora, ela era minha única preocupação. Precisava convencê-la de que não era necessário cancelar o casamento. Será que eu teria a coragem necessária para adentrar tanto a intimidade dela e expor a minha própria?

Ou pior, será que casar-se realmente era o melhor para minha filha? Ela estava tão fragilizada.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo conhecerão o despudor de esme quando o assunto é proteger seus filhos. O que uma mãe é capaz de fazer?