Perspectiva escrita por mamita


Capítulo 16
Repatriação




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"Pai afasta de mim este cálice.

Pai afasta de mim este cálice de vinho tinto de sangue".

                                                          Chico Buarque

PDV Carlisle

Resolvi espairecer um pouco e por isso fui comprar comida para as crianças em um lugar onde houvesse mais fartura. No caminho pensei nas coisas que Esme havia me dito sobre Rose, ela estava realmente preocupada. Não sou cego, vejo como seu comportamento mudou desde o incidente com a menina, posso sentir a tensão entre ela e o irmão.

Pode parecer presunção, mas o que faço é realmente muito importante. Só quem já viu um campo de batalha pode saber. Para aqueles soldados, faço a diferença. Penso na vida das crianças que poupamos do sofrimento dos campos, da morte certa, fazemos a diferença.

Mas ao fechar meus olhos vejo o rosto de minha filha transtornado pela angústia da morte. Seus olhos distantes, seu rosto sisudo, as mão se entrelaçando nervosamente. Fico tentando imaginar a cena que Esme descreveu, e penso o quanto se lembrar deve fazê-la sofrer. É impossível negar que este ambiente de morte e dor agrava esse sofrimento.

Resolvo voltar o mais rápido possível para casa, vou ter uma conversa séria com Rose.

Mas ao retornar sinto que há algo estranho, resolvi entrar pelos fundos. Há uma marca diferente na grama, pelo contorno alguém se deitou aqui. Ao entrar na cozinha encontro um corpo estendido no chão, é um soldado, ele está apenas inconsciente. Minha reação, obviamente, é localizar logo minha família.

- Esme, Esme!

Eu chamei pelo nome dela angustiado, então ouvi um barulho vindo do porão. Será que alguém as fez reféns? Algum vampiro nômade? Mas só há cheiro de humanos.

Desci as escadas apreensivo. Então a vi, ela estava sentada no chão, encostada em uma parede, as mãos e as bochechas sujas de sangue, o vestido rasgado, e com olhos apavorados. Eu corri ao seu encontro.

- Querida, o que aconteceu? Esme? De quem é este sangue? Onde está Rosálie? E as meninas?

Ela permaneceu em silêncio e isto me angustiou ainda mais. Eu suspendi seu rosto, mas ela fechou os olhos.

- Amor, por favor, fale comigo. O que aconteceu Esme? Você está me deixando nervoso.

Ela olhou para mim pela primeira vez e com a voz tímida, disse:

- Eu bebi sangue humano, e matei por prazer.

Depois desatou em um pranto desesperado, eu a abracei o mais apertado que pude e esperei que se acalmasse. Então, quando seu choro cessou, eu tentei fazê-la falar:

- Me conte amor. O que aconteceu?

Ela descreveu tudo, a chegada do capitão, a aparição de Rose, o teatro, a reação dele. Sofia chorando no frio, Sylvie tremendo, Rose tentando convencê-lo. Então passou para a parte que ele tentou persuadir Rose para que se deitasse com ele e o que ele disse sobre a mãe das meninas e parou de repente.

- Tudo bem amor, pode continuar. Não vou te julgar, eu prometo. Tentei encorajá-la.

- Eu sou um monstro Carl. Você não vai querer ouvir, ou melhor, vai se decepcionar comigo e ficar triste. Você é tão bom, eu não te mereço. Estou tão envergonhada!

Ela disse com a voz chorosa, e eu me compadeci de sua dor. Só um louco poderia achá-la um monstro, Esme era a criatura mais doce e afetuosa que conheci.

- Está se condenando por um momento de irracionalidade, um único momento Esme. Deve se lembrar das muitas vezes que lutou contra o instinto e resistiu, e foram muitas.

- Ele estava assustando ela...

...ela estava apavorada, nem se lembrava que podia vencê-lo, ela não se movia...

...seu olhar era de pânico, ela se comportava como se ainda fosse humana...

Ela começou a falar frases soltas, e eu não consegui acompanhar seu raciocínio.

- Esme, calma. Quem estava assustada?

- Rose. Ele estava abusando dela...

...Eu fiquei com raiva, não pude fazer Royce pagar.

...Fiz ele pagar.

- O capitão? Olhei o corpo do homem estendido no chão, vi os hematomas, e o sangue nas roupas.

- Sim, fiz ele sentir dor...

Ela voltou a chorar, e aos soluços disse:

- Arranquei o sexo dele para ele não violar mais ninguém, então o cheiro de sangue...

Não consegui me controlar, eu falhei. Fiquei muito perto, estava com tanta raiva, que não pensei no sangue.

Me lembrei de seu rosto decepcionado comigo, quando eu ataquei a mulher em minha primeira caçada, eu parei...

Mas ele começou a se transformar, então eu terminei de me alimentar dele...

...desculpe amor. Eu não fui forte.

Não conte aos meninos. Estou tão envergonhada!

- Tudo bem Esme. Já passou, está tudo bem. Ninguém vai saber, eu prometo. Nem Edward, vou ser cuidadoso com meus pensamentos.

Agora, onde está Rose? E as meninas?

- Lá em cima. Quer dizer, no quarto. Mandei Rose ir ver as meninas antes de descer.

Eu a aproximei de meu corpo e a aconcheguei em mim, depois me levantei com ela em meus braços. Carregando-a subi as escadas e fui em direção à cozinha. Ela quis ficar em pé ao passarmos pelo corpo do homem. Ao chegar à sala encontramos Rose estática, em pé com o corpo apoiado na parede como se algo a prendesse. Eu me aproximei devagar, mas meu movimento a assustou e ela saiu correndo em direção à porta da cozinha. Estava tão transtornada que nem se deu ao trabalho de abri-la, derrubando-a ganhou a rua e depois a floresta que rodeava nossa casa. Esme me olhou angustiada, ela já havia passado por muita tensão, por isso resolvi cuidar pessoalmente de Rosálie. Então lhe pedi:

- Suba e veja como estão as crianças, elas devem estar apavoradas. Passaram maus bocados. Cuido de Rose, eu prometo.

- Carlisle, não a deixe sozinha. Ela costuma em direção ao leste. Por favor, ela precisa de nós. Ajude-a!

Esme me pediu, na verdade quase me implorou e eu me senti culpado por não ter percebido a gravidade da situação antes. Saí correndo em direção à floresta, não me importava com os olhares curiosos de meus vizinhos (que diga-se por sinal, nunca vi. Mas souberam bisbilhotar nossa vida e nos entregar aos nazistas), minha única preocupação era minha filha.

Eu ouvi seus gritos antes de vê-la, ela estava deitada de costas para mim. Me aproximei com muito cuidado e disse:

- Rose, sou eu, o Carlisle. Não vou te machucar.

Ela gemeu e se virou ficando de frente, seus olhos estavam abertos, mas ela parecia não me enxergar. Eu a sacudi tentando fazer com que percebesse que não era real, mas isso a deixou ainda mais agitada. Então me sentei a seu lado e segurei uma de suas mãos. Ela trincou os dentes, chorou, gemeu, se debateu e implorou que eu a matasse, isso durou horas. Depois seus olhos se fecharam e ela se acalmou.

Eu iria pedir perdão a Esme, assim que a visse. Sempre achei que a sua maternalidade aflorada prejudicasse o julgamento de qualquer coisa relacionada à Rose. Mas ela não mentiu ao dizer que vê-la se lembrar era angustiante e desesperador. Fiquei olhando minha filha, seu corpo deitado no chão, as expressões endurecidas pelo sofrimento e me senti a pior pessoa do mundo. Nunca achei que quando me pedia para ir embora, fosse um clamor justo. No fundo concordava com Edward que era egoísmo de sua parte.

Ela abriu os olhos, depois olhou assustada para seu corpo. Não entendi no início, mas me lembrei que fui a primeira pessoa que ela viu, depois de ser violada. Ela devia achar que ainda estava delirando.

- Tudo bem Rose, já acabou. Estamos na Polônia, no ano de 1943, você só estava lembrando.

O que ela fez a seguir me deixou ainda mais culpado. Ela não permitia que a tocássemos com muita freqüência, pelo menos não eu e Edward. Um aperto de mão, um beijo rápido na bochecha e às vezes um abraço, era o máximo que eu conseguia. Mas ao me perceber, ela se jogou em mim, passou os braços pelo meu pescoço e se enterrou em meu peito. Me abraçou como se eu fosse uma tábua de salvação, num aperto desesperado.

- Pai!

Ela quase nunca me chamava assim, chamava Esme de mãe com mais freqüência. E de alguma forma era necessário não nos acostumarmos com essas terminologias. Nossos disfarces mudavam constantemente, e nossas posições na família também. Aqui, por exemplo: ela era “minha irmã do meio”. Mas ela disse a palavra com tanto alívio, como se eu fosse algum herói que tinha chegado para resgatá-la. Como se o fato de eu estar com ela a livrasse do mal. Eu a aconcheguei e suspendi seu corpo de forma que a aninhasse como a um bebê.

- Shh. Tudo bem querida. Acabou! Sua mãe se livrou dele. Ele não pode mais te machucar.

Ela soluçava sem lágrimas, mas seu choro era tão real. Só ao ouvi-lo, alguém poderia saber como ela estava apavorada e temerosa.

- Eu estou aqui filha. Não vou deixar ninguém te machucar. Acabou. Eu quase cantarolei as palavras.

- ... E-le, e-le queria me...

Pai, eu es-tou com me-do. E-le, ...

Ela não conseguia falar com fluência, estava de fato apavorada. Ouvi-la dizer que estava com medo de forma tão convincente quase a transformava em outra pessoa. Quem conhecia a Rosálie determinada, que não admitia perder nem uma discussão, jamais diria que esta menina assustada era a mesma pessoa. Eu tinha que acalmá-la, mas eu mesmo estava nervoso, e culpado. Quanto mais ela me chamava de pai, mais eu podia sentir a confiança cega que depositava em mim. Maior então era a sensação de injustiça e traição ao negar a ela o direito de estar no lugar onde se sentia segura e longe do medo.

- Eu sei, mas ele nunca iria conseguir. Não vamos deixar ninguém te machucar. Esme não deixou ele te machucar, não foi?

Somos sua família e sempre vamos te proteger.

Ela se acalmou com minhas palavras, sua respiração regularizou e eu sabia que era hora de fazer o que era correto.

- Quero o Emmet. Preciso ver o Emmet. Ela implorou, me encarando.

- Ele vai voltar logo querida. Até lá eu vou ficar em casa, não vou deixar vocês sozinhas de novo. Eu prometi.

Ela enterrou o rosto em mim novamente, e eu pude sentir que ela estava lutando para reassumir o controle de suas emoções. Teria pouco tempo até que ela se fechasse de novo. Resolvi prosseguir:

- Filha, olhe para mim, por favor.

Ela levantou os olhos, eu a aninhei mais e alisei seus cabelos.

- Me desculpe. Não ouvi seus apelos para ir embora. Considerei que você não entendesse a importância do que fazíamos. Mas fui eu que não entendi o quanto você estava sofrendo. Me sinto tão culpado, lhe prometi que não deixaria mais ninguém te machucar e eu estou te machucando ao obrigá-la a ficar no meio dessa guerra. Me desculpe, filha.

Ela encostou o rosto em meu peito novamente, depois sussurrou:

- Não precisa se desculpar. Obrigado por me ajudar. Eu não estou mais com medo.

Pai...

... eu te amo.

Nós ficamos abraçados em silêncio por um tempo. Então eu disse:

- Vamos para casa.

Ela se levantou, mas antes que começasse a caminhar ela se virou para mim e pediu:

- Podemos ser discretos quanto à hoje? Não quero que Emmet saiba, nem ele.

Quer dizer, pode controlar seus pensamentos sobre isso? Por favor.

- Claro Rose. Ninguém vai saber o que aconteceu hoje. Nem pelas palavras, nem pelos pensamentos.

Ela deu um sorriso tímido, depois saiu andando ao meu lado, mas sem me dar as mãos. Sabia que já havia se fechado em sua concha novamente. Quando chegamos Esme estava entrando na cozinha, suas pernas e mãos estavam sujas de terra. Eu me distanciei de Rose e me aproximei até que pudesse segurar sua mão. Ela não se assustou, mas virou-se e olhando para a filha se aproximou dela.

- Nunca vou deixar que te machuquem de novo. Mães existem para amar e proteger. Lembra?

Rose balançou a cabeça afirmativamente e elas dividiram um olhar cheio de significados. Entramos em casa e elas se dirigiram aos quartos, eu acompanhei Esme até o nosso, ela entrou na suíte. Fui verificar as crianças, elas dormiam tranquilamente na cama e eu pensei que algum dia Rose foi assim, pequena, inocente e cheia de esperança. Não foi só seu corpo que foi violado aquela noite, se vampiros têm alma a de minha filha está dilacerada.

Voltei para o quarto, sentei na beira de nossa cama e esperei. Esme saiu de roupão do banheiro enxugando os cabelos, o cheiro do sabonete de lavanda não conseguiu ocultar seu verdadeiro aroma. Só de senti-lo eu me acalmei.  

- Deixei o soldado sem frada, próximo a uma estrada a uns 300 km daqui. Depois fiz barulho e alguns homens o encontraram. Acho que ele só viu meu rosto e apenas alguns segundos. Espero que custe a se lembrar, se não, teremos apenas algumas horas até que os nazistas cheguem. Ela me informou.

- Vou ao porão cuidar do outro, não se preocupe. Tentei diminuir a tensão do momento.

- Não precisa, já o enterrei e queimei as fardas na lareira. Ela disse sem emoção.

- Ela lembrou de novo, eu vi tudo.

Esme parou de esfregar a toalha nos cabelos e me olhou. Eu baixei a cabeça e em segundos ela estava ao meu lado na cama. Depois inclinou meu corpo, deitando-me e se deitou ao meu lado. Nos viramos e ficamos frente a frente, eu adorava passar horas contemplando-a, virou nosso hábito. Ela me lançou um olhar terno, colocou sua mão sobre minha bochecha e perguntou:

- Foi gentil com ela? Ela “desperta” muito assustada.

- Esme, que pergunta. Claro que fui gentil, ela também é minha filha. Apesar de te preferir, mas eu a entendo.

- Desculpe. Sei que é a pessoa mais atenciosa do mundo, amor. É só que, ela fica tão frágil. E ela não me prefere, é que somos mulheres e isso nos aproxima. Além disso, passamos mais tempo juntas. Você está quase sempre em um campo de batalha.

Eu fechei meus olhos e deixei o tom de sua voz aliviar minha aflição. Ela tratou de consultar o único médico, especialista em anatomia vampiresca.

- Você viu? Aquilo é normal? É como se ela estivesse em transe. Eu fico assustada, ela não se “desperta” até que transcorra o mesmo tempo da violência que sofreu.

- Demorou tanto assim? Esme, passaram-se horas até que ela parasse de gritar. Eu perguntei assombrado.

- Duas horas, quarenta e sete minutos e cinqüenta e quatro segundos.

Ela precisou o tempo como se pensasse sobre isso há um tempo e depois continuou:

- Acho que é o mesmo tempo. Ela fica mais agitada no final, pede para morrer e depois fecha os olhos e fica quietinha. Só então recobra a razão, mas muito assustada. Na primeira vez que vi, antes do casamento, não demorou tanto e ela gritou menos. Mas agora sempre demora esse tempo e tem sido com mais freqüência.

Em abril, no aniversário de sua transformação, ela lembrou cinco vezes no mesmo dia. Eu achei que enlouqueceria. No fim ela estava exausta, eu a trouxe de volta e Emmet ficou com ela. Ele disse que ela chorou por horas e não deixou que ele se aproximasse nem para abraçá-la, só segurou sua mão.

- Por que não me disse que era tão grave Esme?

- Eu tentei avisá-lo amor. Mas você disse que eu sou uma mãe extremada. Lembra? Ela disse entristecida.

- É verdade. Tem razão. Eu não dei importância, me desculpe amor.

Ela retrucou com uma frase que usei com Edward:

- Não é a mim que deve desculpas, desculpas sinceras.

Naquele momento não era minha Esme. Vi a mãe de Rose defendendo sua cria.

- Tem razão. Já me desculpei com ela.

Eu sorri ao lhe dizer, ela se aproximou e juntou nossos lábios. Me beijou com ternura, por alguns minutos, depois afagou meus cabelos e sorriu com toda a doçura que lhe era tão familiar. Eu me enchi de esperança e lhe confessei:

- Devemos ir embora, Shioban e outros podem continuar isto. Nossos filhos precisam de um ambiente mais ameno. Fazer coisas de jovens: ir à escola, assistir a um jogo, ouvir música num concerto, dançar num baile, talvez um jogo de beisebol na clareira.

Ela precisa de normalidade Esme. Se continuar assim iremos perdê-la, não posso permitir que mais nada a machuque. Prometi protegê-la quando a encontrei.

Antes que eu pudesse piscar ela girava pelo quarto como se dançasse arrumando nossas bagagens. Eu fui ao quarto de Rose e bati na porta, ela me respondeu e eu lhe avisei que partiríamos em algumas horas. Só ao passar pelo quarto das meninas é que me lembrei delas. Onde as deixaríamos?

Edward e Emmet chegaram pouco depois das nove, eles tiveram que esperar a noite para saírem, pois o tempo melhorou e o sol saiu. Assim que eles chegaram, eu lhes avisei da minha decisão, eles ficaram surpresos. Edward foi o que mais protestou, acho que Emmet também estava preocupado com o estado emocional de Rose. Antes de sairmos meu filho me chamou num canto e disse:

- Não acredito que partiremos por causa dela. O que fazemos é muito importante Carlisle. Imagine quantos soldados americanos e aliados morrerão nos campos sem sua intervenção. Quantas crianças estarão desorientadas nas florestas, ou morrendo em campos?

Eu olhei meu filho, sua vida era um pouco enfadonha. Acredito que viver cercado por casais também não deveria ser muito agradável. Aqui seus dias haviam ganhado outra dinâmica e sua existência um novo sentido. Sabia que deveria considerar suas necessidades também, mas agora ela precisava de mais atenção. Sabia que ele estava escrutinando cada pensamento meu na tentativa de achar argumentos para me persuadir, então lhe mostrei a imagem de Rose se contorcendo e chorando ao se lembrar, era necessário. Toquei seu ombro e disse em pensamento:

- Do que adianta ganhar o mundo e perder sua família?

Ele não retorquiu minhas palavras, seu semblante demonstrava compreensão. No trajeto até a Holanda ele lançou um olhar diferente para ela, sabia que se pudesse ele teria lhe dito que entendia. Deixamos as meninas na casa de um jovem casal sem filhos, a bisavó da mulher era de descendência judia, ela se afeiçoou as meninas assim que as viu. Sofia chorou ao deixar o colo de Esme, senti que pela primeira vez essa era uma tarefa difícil para minha esposa. Ela tinha se afeiçoado às meninas também, foram nossas hóspedes pelo maior tempo.

Os vôos comerciais eram caros e perigosos, e na sua maioria saíam de Londres. Não era possível para nós irmos de navio, a viagem era longa e sentiríamos sede, pondo os outros passageiros em risco. Como éramos vampiros e sobreviveríamos a um desastre, fomos até a Inglaterra e pegamos um vôo para Nova York.

Voltamos à Hoquiam e Rose quis ir até sua casa nos arredores de Forks. Ela e Emmet demoraram quinze dias para voltar e Esme concluiu que desta feita a casa não teria conserto. Nesse tempo, além de também matar as saudades de Esme, providenciei nossa próxima estadia.

PDV Esme

Os Estados Unidos que encontramos ao retornar da guerra era completamente diferente. Havia um clima de novidade e revoluções. Era possível ver mulheres andando de calças por todo o lado, dirigindo, trabalhando, até mesmo bebendo e fumando em público. Sei que sempre fizeram isso, mas era muito mais discreto.

Edward disse que com o envio dos homens à guerra, elas tiveram que assumir o comando das famílias e ir a uma luta diferente. A luta pela sobrevivência. Ele e Emmet iriam começar a estudar em uma universidade, Carlisle havia conseguido um emprego num hospital e também daria aulas e eu e Rose ficaríamos em casa. Desta vez Carlisle decidiu que moraríamos todos juntos, ele estava realmente preocupado com Rose, queria ficar sempre de olho.

Ela não ficou muito animada com a possibilidade de ficar tanto tempo longe de Emmet. Apesar do passar do tempo, eles estavam ainda mais melosos. Ficavam namorando o tempo todo, respeitosamente é claro. Mas devia ser um tédio para Edward, era para mim:

- Amor me leva para passear na praça?

- Claro docinho, eu te levo onde desejar ir.

- Emm, como fiquei nesse vestido?

- Sabe que tudo lhe cai bem, não é minha “Cachinho Dourados”? Jamais haverá outra mulher que possa chegar aos pés de sua beleza.

Eu não dizia nada por que isso a fazia feliz, mas era mesmo um pouco chato. Ela deu uma crise quando o pai anunciou a ida dos garotos para a universidade. Disse que era um plano conspiratório de Edward para afastá-la do marido, por que não havia se realizado no amor. E ainda acusou Carlisle de sexista preconceituoso, disse-lhe que era tão inteligente quanto os meninos e absolutamente capaz de freqüentar a universidade também.

Seu comportamento mudou muito depois do incidente da Polônia, acho que ela se ressentiu pelo fato de só termos a ouvido, quando a levamos a uma situação extrema. Ela quase nunca ficava conosco, só falava o indispensável com o irmão, e desconfiava até das sombras das árvores. Mas a maior mudança nela é que ela odiava qualquer contato com humanos, esse foi um dos fatores que levou Carlisle a não matriculá-la, ele tinha medo de sua reação. As universidades eram ambientes quase que exclusivamente masculinos. Das oitenta vagas no curso de direito de Yale apenas cinco eram destinadas às mulheres. Existiam cursos que se quer nos aceitavam, engenharia por exemplo.

Para ser sincera, eu também tinha meus receios, até mesmo comigo ela havia mudado. Era um sacrifício fazê-la se abrir e me contar algo. As crises de memória se atenuaram, eram menos freqüentes, mas ainda assim assustadoras, eu podia precisar o tempo.

E infelizmente meus pensamentos me levavam a tirar conclusões entre suas reações e as marcas que encontrei ao banhá-la e vesti-la durante sua transformação em nossa casa nos arredores de Rochester. Tenho a desconfiança que a obrigaram a praticar sexo oral, por que há um momento em que ela tenta respirar, mas não consegue. Posso afirmar que lhe pisaram na mão para que abrisse a boca, pois ela olha em direção a mão esquerda antes de sufocar. Acho que introduziram um punhal nela, pois seu corpo convulsiona como se ela estivesse sentindo muita dor, mas suas pernas se abrem, tentei fechá-las uma vez mais ela ficou ainda mais desesperada.

Queria muito que ela fizesse coisas humanas, que pudesse ir a faculdades como as mulheres de sua idade começavam a fazer. Mas tenho muito medo de que ela não tenha a dimensão de sua decisão e que freqüentar um lugar repleto de homens faça com que suas memórias venham com mais freqüência. Tentei conversar com ela sobre isso:

- Rose não julgue seu pai. Ele está te poupando.

- Não serei poupada do sofrimento quando estiver longe de Emmet. E ele só fez isso por que não me julga capaz de freqüentar uma universidade. Ele é medieval, acha que as mulheres devem ficar em casa e servir aos maridos.

- Acha mesmo que ele é assim? Acha que seu pai me considera inferior a ele?

- A senhora eu não sei Esme, mas a mim com certeza. Ele prefere Edward, sempre preferiu. E adora o Emmet. Quem não adoraria? A mim ele tolera. Sempre foi assim.

- Esta sendo mais injusta ainda. Seu pai te ama e você sabe disso.

- Então porque fui obrigada a passar os últimos anos no meio de uma guerra?

Para Edward bancar o herói e preencher seus dias tediosos. Ele é que não me quis, ele não quis Tânia também. Não posso fazer nada se ele se sente só, não posso ser obrigada a assistir sofrimento e dor para ele brincar de ser um herói, o tal Superman.

- Filha, meça as palavras.

- Por quê? Sou um monstro. Não amo ninguém além de mim mesma, não é?

Minha vontade era de levantar e lhe dar umas palmadas, ela sabia que tanto o pai como o irmão estavam ouvindo a conversa. Então fui despertada pela familiaridade das palavras e retornei a Suécia, a terrível conversa após a morte de Mishka.

Sabia que Edward iria me acusar de ser benevolente com ela, que possivelmente estaria morrendo de vontade de subir e discutir. Mas ao olhar para seu rosto endurecido pela fúria, para sua expressão impassível vi um lampejo em seus olhos. Quase era possível tocar em sua mágoa, sentir a frustração de ser vampira e sobreviver à morte de todos até mesmo a que esperava ansiosamente para ela. No fundo de seus olhos vi a menina assustada e indefesa da sala da Polônia, escorraçando todos ao redor com medo de ser ainda mais ferida, com medo dos outros descobrirem como ela é frágil e se animarem a machucá-la mais. Tentei abraçá-la, mas ela se esquivou de mim, agora sempre fazia isso. Ela não podia imaginar o quanto sua hesitação me machucava.

Não poderia repreendê-la, isso a afastaria mais de mim e ela se afundaria ainda mais em suas mágoas. Não tive coragem de dizer que ela não estava preparada para enfrentar um ambiente cheio de homens. Não podia acusá-la de ser covarde, de não conseguir enfrentá-los, sabia que ela passou anos se culpando por não reagir à violência de Royce. No fundo ela se achava cúmplice pelo simples fato de não ter gritado por socorro, não ter tentado fugir, correr, por ter perdido sua voz e sua coragem. Ela também não conseguiu se mover na frente do capitão, mesmo sendo vampira e podendo matá-lo com um apertar de mãos.

Não sabíamos se ela congelaria, ou os mataria como fez depois de transformada com os cinco que a agrediram. Não podia simplesmente dizer: “Não vamos mandá-la a universidade por que não sabemos como irá reagir. Se irá ficar paralisada de medo ou sairá matando cada exemplar do sexo masculinos por considerá-lo um potencial estuprador”.

Eu queria abraçá-la e livrá-la de todo o mal. Como mãe, desejava afastá-la de tudo que pudesse feri-la, às vezes até do irmão. (apesar de amar incondicionalmente meu filho)

Fingi que fui vencida por seus argumentos, toquei seu braço e disse:

- Vou conversar com seu pai. Pedir que ele reconsidere.

Por um momento pude sentir seu corpo se virar em minha direção, seu olhar baixar e enternecer como se ela entendesse perfeitamente meu gesto generoso de não confrontá-la. Seus olhos piscaram reprimindo o choro, ela me olhou agradecida. Senti que ela ia me abraçar, baixar a guarda de novo. Senti que ia recuperar minha filha. Então ouvimos sussurros de Edward (acho que ele não esperava ser ouvido):

- Não Carlisle, nem tente me convencer. Ela é sim, insensível e cruel. Ela está machucando a mamãe. Isso está errado e você sabe. Você é condescendente, e só a prejudica. Se olhasse a situação sem sentir culpa, agiria de forma diferente.

Então seu corpo enrijeceu, ela se virou em direção à penteadeira. Sentou-se enfrente ao espelho e começou a pentear seus impecáveis cachos dourados. E eu soube que levaria ainda mais tempo até que ela se permitisse ser vista novamente. Por enquanto ela continuaria nos afastando e como Edward disse me machucando (mesmo sem querer).

Mais do que eu, ela desejava um abraço, eu sabia. Ainda via a menina assustada me pedindo colo, através do olhar endurecido na imagem do espelho.

Depois de duas semanas desse fatídico desastre Carlisle chegou e foi diretamente falar com ela:

- Você venceu, irá para a universidade. Foi aceita em Wesllesley, é uma universidade e fica em Massachussets. É próxima o suficiente de Harvard para você? Estará perto de Emmet.


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Notas finais do capítulo

Gente,meus capítulos já escritos de Perspectivas chegaram ao fim. Tenho uma carga de trabalho muito grande, não consigo escrever dois capítulos por semana (Perspectiva e Segredos).

É com muita tristeza que tenho que reduzir o ritmo. Assim vou postar uma fic a cada semana. Isso significa que só vou postar a cada quinze dias Perspectiva. Espero que continuem lendo, e comentando isso me deixa muito feliz.

Laila já te adicionei, agora você precisa comentar.

Obrigado pelas palvras de incentivo de todas vocês através dos comments. MUUUUUUITO OBRIGADO :)

Então até o próximo capítulo.