Sobrado Azul escrita por Chiisana Hana


Capítulo 31
Capítulo XXXI




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Capítulo XXXI

 

 

Quatro anos depois…

 

— Um café sem açúcar e aquele macaron gótico – Pandora pede a June no balcão do café Jiyu, que a loira abriu com Shun poucas semanas atrás. Com a vida corrida, as duas amigas andavam se vendo pouco, por isso a alemã foi visitá-la na loja.

Depois de deixar a psicologia, Shun passou por vários momentos de inquietação até retornar ao ponto de partida: café. Seu primeiro emprego foi em uma cafeteria, conhecia um pouco da bebida e do funcionamento do local, e quando fez o curso de barista descobriu que era o que queria fazer da vida. June resolveu dedicar-se à confeitaria e, juntos, abriram o café cujo nome significava liberdade e que vinha fazendo sucesso por ser um ambiente gay friendly.

— Pand! Meu Deus, faz séculos que não te vejo!

— Pois é, agora você não tem mais tempo pra mim.

— Ah, não fala assim… Eu estou trabalhando como louca.

— Eu sei, querida. Que bom, né? Fico feliz que o negócio esteja dando certo.

— Sim! O movimento está muito bom e já temos muitas encomendas. A agenda do próximo mês está cheia, temos até alguns bolos de casamento. Por falar nisso, queria te contar que a gente até casou!

Enquanto serve o docinho preto com o café, June fala que ela e Shun assinaram os papeis como se fosse uma informação corriqueira tal qual fazer as unhas. Pandora dá um suspiro impaciente e incrédulo.

— Vocês se casaram assim, sem festa, sem nada? Ju, eu vou te bater. Você é minha melhor amiga e eu pretendia ser madrinha! Eu queria organizar a festa! Queria te ajudar a escolher um vestido maravilhoso!

— Não podemos gastar com isso agora. Investimos o pouco que tínhamos na loja. E na verdade, a gente não queria mesmo muito alarde, festa grande, nada disso. Só fomos lá na prefeitura e assinamos os papeis como o Ikki e a Mino fizeram.

— Sua mãe deixou você fazer isso?

— Ela só soube na hora. Ficou indignada, mas aí já era tarde demais.

— Estou feliz por vocês mas não é justo. O meu casamento foi aquela loucura na Alemanha, às pressas, e o seu foi escondido…

— Não foi escondido, foi discreto. Muito discreto. Ah, Pand, seja uma boa amiga e torça para que tudo continue dando certo.

— Claro que eu vou torcer, mas eu queria a festa, que fique registrado isso.

— Vai ter que se conformar em algum dia organizar o casamento da Pepê.

— Primeiro os quinze anos. Ainda faltam seis e o Radamanthys já está falando nisso. Você sabe como ele é, quer fazer uma festa imensa.

— Meu Deus! Ele é doido. E vocês, como estão?

— Estamos muito bem. Ele é ótimo marido, ótimo pai, ótimo em tudo.

— Você algum dia pensou que ia ser feliz com ele?

— Nunca. Ele era um bom amigo e só, mas hoje não me vejo sem ele e aquela monocelha que o Apollo infelizmente herdou. Ainda bem que, se ele quiser, dá pra tirar com laser.

June dá uma risadinha pois é verdade, o menino de cinco anos é uma cópia do pai e até já exibe suaves contornos de sua futura monocelha.

— Suspeito que ele não vai querer, Pandora.

— Também acho. Vai abraçar aquela monocelha como o pai e tudo bem.

De repente, June fica pensativa lembrando-se do longo caminho que ela e Shun enfrentaram até se entenderem e se aceitarem.

— É… é isso, é importante abraçar quem somos.

— Sim... E o seu maridinho, onde está?

— Ele foi a mais um curso. Quando um de nós vai, o outro fica aqui. Ele finalmente se encontrou no café.

Pandora assente com um sorriso e as duas conversam um pouco mais até que a alemã precisa ir e June volta a seus afazeres de confeitaria.

No começo da noite, a loira despede-se dos funcionários e vai para casa.

Começou passando um ou dois dias no puxadinho de Shun, depois foi ficando cada vez mais tempo, até que os dois resolveram que era hora de oficializar e partirem de vez para uma vida juntos. Pretendiam alugar um apartamento maior, mas os pais de June os presentearam com uma casa no mesmo bairro onde ficava o sobrado. Shun mudou-se na mesma semana e June foi logo em seguida. Dias depois, casaram-se. O novo lar ainda parecia meio vazio com os poucos móveis que foram do puxadinho mas era um bom começo para eles.

June se apressa para chegar em casa a tempo de preparar o jantar, mas assim que entra encontra uma bela mesa posta, com uma salada farta e colorida e uma panela fumegante de ensopado de peixe.

— Meu amor! Pensei que ia chegar antes de você.

— O curso terminou cedo, então quis te fazer uma surpresa e preparei o jantar.

— Hum, está com uma cara ótima – ela conclui e senta-se à mesa. Shun faz o mesmo. – A Pand apareceu na confeitaria hoje. Ela ficou louca porque a gente casou e não teve festa. Ela reagiu do jeitinho que eu imaginava, mas também ficou feliz por nós.

— Você está feliz?

— Sabe que estou. Não temos mais segredos, vivemos nossas vidas do nosso jeito, sem ninguém opinar, fazemos o que gostamos e até casamos do jeito que queríamos. Se eu deixasse, minha mãe ia me fazer uma cerimônia tradicional, cheia de regras… Não me encaixo mais nisso.

— É… Eu também acho e estou feliz agora. Posso ser eu mesmo sem medo e não te perdi por isso.

June concorda com tudo dirigindo a ele um olhar de amor e orgulho. Achou que aceitar a natureza dele exigiria um esforço tremendo quando na verdade foi simples. Bastou que se ouvissem e confiassem no amor que sentiam um pelo outro.

 

 

Do outro lado da cidade, Seiya e Shura enfiaram Seika no carro e saíram do apartamento do espanhol sem dizer a ela aonde estavam indo.

— O que vocês estão aprontando, hein? – Seika pergunta a Shura, que está ao volante. No banco de trás, Seiya olha para os dois, empolgado como uma criança, quase saltitando.

— Já dissemos que é surpresa – Shura repete pela terceira vez.

— Parece mais sequestro. Não estou gostando disso.

— Prometo que é coisa boa, amor.

— Sei… – ela murmura, torcendo para que fosse mesmo ou ia matar os dois.

Pretendia passar sua noite de folga com Shura como costumava fazer, mas foi arrancada do apartamento dele poucas horas depois de chegar e ficou ainda mais confusa quando percebeu que estavam pegando o caminho de volta para o orfanato.

— Gente, o que tá acontecendo? Acho melhor vocês dois abrirem logo os bicos.

— Você já vai saber – Shura diz.

— Tem alguém esperando para te ver… – Seiya completa. Está coçando-se de vontade de revelar logo tudo, mas pelo espelho o espanhol lhe dirige um olhar assustador que o faz se calar de imediato.

Minutos depois, Shura para o carro em frente ao orfanato Filhos das Estrelas.

Seika passou os últimos minutos do trajeto imaginando o motivo de tanto mistério para levá-la de volta ao lugar onde ela trabalha e começou a achar que só podia ser por uma razão: alguém que ela deixou para trás havia pouco mais de doze anos.

De repente, ela não sabe mais o que fazer ou como agir. Quer sair correndo dali porque não sabe o que dizer a ele ou se ele será capaz de entender os motivos que a levaram a deixá-lo. Antes que ela consiga fugir, a porta de correr se abre.

— Lá vem ele! – Seiya anuncia animado.

Seika engole em seco novamente ao ouvir a frase que só aumentava suas suspeitas.

Acompanhado da assistente social da Fundação Graad que foi à Grécia buscá-lo, o menino sai. É magro, de pele morena escura e cabelos fartos e encaracolados. Herdou os olhinhos rasgados da mãe japonesa, por isso se parece bastante com uma versão do tio com uma pele mais escura. Está assustado, olha ao redor e para aquelas pessoas desconhecidas, naquele lugar estranho onde todo mundo fala uma língua que ele não entende.

Igualmente assustada, Seika encara o menino. Doze anos atrás, quando o entregou para adoção logo após o nascimento, sequer olhou direito para ele. Não fazia ideia de como ele era ou quem dentre os homens que a exploraram podia ser o pai.

— Vocês… encontraram meu filho? – ela gagueja lutando contra o nó que se forma em sua garganta.

— Sim – Shura responde. – Aí está ele, o seu filho. Foi um pouco difícil, mas o Seiya me ajudou. Contratamos uma pessoa em Atenas e ela conseguiu encontrar com os dados que colhi. No orfanato, deram a ele o nome de Mavros.

— Mavros… – ela repete baixinho. Lembra da palavra grega que significa negro e que também é o nome de uma ilhota no mar Egeu. Shura só tinha a data de nascimento e poucas informações que ela foi soltando aqui e ali e conseguiu encontrá-lo facilmente… De repente, ela sente-se ainda mais culpada por não ter procurado.

Seika aproxima-se do garoto com cautela por não querer assustá-lo e porque ela mesma está amedrontada demais com tudo isso. Ela respira fundo e começa a falar em grego:

— Bem-vindo, Mavros. Eu sinto muito por tudo…

Embora esteja aliviado por ouvir de novo a língua que entende, o garoto ainda não fala nada, apenas observa e analisa a mulher e os dois homens. Quando o levaram do orfanato em Atenas, disseram que iria para longe, para onde sua mãe o esperava. Sabia que era mestiço de asiático, estava bastante óbvio nas suas feições, e as outras crianças do orfanato costumavam zoá-lo por ter olhos rasgados e pele escura, e sempre diziam que nunca seria adotado. Por muitos anos, Mavros manteve a esperança, mas o tempo passou, ele cresceu, percebeu que estavam certos e acabou se conformando. Agora essa moça japonesa está olhando para ele com os olhos cheios de lágrimas e pedindo perdão.

— Por que me deixou lá? – ele pergunta a Seika em um tom inocente e curioso, sem sinais de mágoa.

— Eu era só uma garota perdida em Atenas, miserável, explorada… – A voz dela fica embargada, mas ela respira fundo e retoma o controle. – Eu mal podia sobreviver sozinha, não tinha como ficar com você…

— E o meu pai?

— Eu não sei quem ele é… – ela responde, pensando nos muitos homens com quem foi forçada a ter relações sexuais e os que vieram depois, quando ela se prostituía no bairro perto do porto. – Eu não tinha como saber… E quando você nasceu, eu não podia ficar com você naquele lugar horrível onde eu vivia. Pensei que no orfanato pelo menos você teria um lugar seguro, comida e ficaria longe daquela gente ruim até que fosse adotado.

— E agora eu vou ficar nesse orfanato aqui?

— Eu acho que sim... Não sei direito, só soube agora que você tinha sido encontrado. Mas não se preocupe, eu trabalho e moro aqui. Vou cuidar de você. Tem poucas crianças, vamos ter tempo para nos conhecermos melhor.

O garoto balança a cabeça afirmativamente e, sem saber o que dizer, Seika chama Shura e Seiya para que eles se aproximem.

— Esse é o Shura, meu namorado – ela explica. – E aquele é o Seiya, meu irmão.

Eles cumprimentam com palavras que Mavros não compreende e o menino responde com um sorriso contido.

— Sei que vai ser estranho – Seika continua – e que vai levar um tempo para você se acostumar, mas nós…

Mavros nem espera que ela termine a frase e a envolve com seus braços magrelos. Qualquer coisa era melhor que voltar para o orfanato em Atenas. Se a moça era sua mãe, então tudo bem, ia se esforçar para gostar dela e ser um bom garoto.

Meio sem jeito, Seika também o abraça e faz uma prece silenciosa para que, de algum modo, consiga recomeçar do zero com seu menino.

Seiya e Shura entreolham-se cúmplices enquanto observam o primeiro abraço de uma mãe com seu filho.

— Ele é decidido – Seiya comenta.

— Bastante.

— E prático. Gostei dele, do meu novo sobrinho Mavros.

— Eu também. – Shura se aproxima mais dos dois e gentilmente toca um ombro de Seika. – Acho que é hora do Mavros sair do sistema, de ter uma casa só dele, uma família…

— Concordo, claro, mas eu moro aqui no orfanato. Não tem o que fazer.

— É, eu sei, por isso tomei umas providências… Ele só está aqui no Japão porque eu pedi a guarda dele. O Mavros vai morar comigo enquanto corre o processo para confirmar que ele é seu filho e então eu vou adotá-lo.

Seika o abraça com força, sentindo profunda gratidão por esse dia, pelo amor dele e pelo reencontro com o filho.

— Êeee, eu também quero abraço – Seiya brinca e, puxando Mavros, agarra os dois.

O menino entra na brincadeira mesmo sem entender nada do que eles disseram.

Então, com lágrimas nos olhos, Seika explica a ele em grego:

— Você não vai mais viver num orfanato, Mavros! Agora você tem uma casa e uma família porque o Shura quer ser seu pai! Ele vai adotar você!

Mavros arregala os olhos escuros, congelado de surpresa e emoção.

— Sério? Agora eu tenho mãe, pai, tio e casa?

— Sim! – Seika responde. – Tem tudo isso, filho.

O menino ainda fica parado por alguns segundos, absorvendo a novidade, depois abre um enorme sorriso e exclama:

— Beleza! Adorei!

Seiya bagunça um pouco os cachinhos do menino e intima a família para uma festa:

— Hoje vamos dar um tempo a ele, para se acalmar, conhecer a casa nova, mas amanhã quero todos lá em casa fazer aquela festança! E se preparem, vou chamar todo mundo porque além da chegada dele, creio que teremos outra coisa para comemorar.

Seika e Shura sabem muito bem do que se trata, Seiya vinha falando no assunto havia semanas, e aceitam o convite. Depois dão as mãos para Mavros e entram no orfanato para buscar a pequena bagagem dele e levá-la para a nova casa.

Do lado de fora, Seiya observa a cena com o coração aquecido de tanta ternura e sonha com o dia em que terá um filho também.

 

No dia seguinte, Shunrei leva Shiryu à consulta de revisão da cirurgia nos olhos feita dias atrás. Enquanto o médico o examina, ela observa em silêncio.

Há alguns meses, ela viu uma reportagem sobre o profissional o qual desenvolveu uma nova técnica cirúrgica que poderia ajudar o marido. A princípio, Shiryu não aceitou a ideia, achava que era uma despesa grande demais que não traria resultado, mas Shunrei insistiu. Com a parceria com o governo de Asgard dando certo, os contratos funcionando melhor do que o esperado e a filial em Asgard comandada por Bado indo igualmente bem, sabia que podiam arriscar. Se Shiryu recuperasse a visão, valeria cada centavo.

Depois de muita insistência, o advogado finalmente cedeu e marcou uma consulta com o médico e ouviu dele que a técnica cirúrgica desenvolvida poderia recuperar completamente a visão de um dos olhos e parcialmente do outro. Funcionou com dezenas de outros pacientes por isso ele acreditava que poderia funcionar com Shiryu. Com óculos, o advogado teria uma visão muito próxima da normal.

Shunrei encheu-se de esperança, enquanto Shiryu se manteve cauteloso. Ainda estava com medo de acabar se frustrando, mesmo assim acabou aceitando se submeter à caríssima cirurgia.

Agora, na revisão pós cirúrgica, ele tenta manter a calma enquanto o médico remove os curativos.

— Pode abrir os olhos – incentiva o doutor.

Shiryu respira fundo buscando coragem e finalmente os abre. De imediato, tudo já parece diferente. A escuridão que era sua companheira havia anos sumira. No lugar dela, um borrão indefinido porém colorido. Ele pisca os olhos algumas vezes e a coisa vai se ajustando, alguns objetos começam a tomar forma. Não é completamente nítido mas ele já consegue distinguir os rostos do médico e de Shunrei, até que a visão se turva um pouco mais por causa das lágrimas que afloram.

— Eu estou enxergando.

— Excelente! – exclama o médico satisfeito com o trabalho realizado.

Ao lado do marido, Shunrei também está com os olhos marejados de emoção.

— Com lentes corretivas, acredito que você vai poder levar uma vida normal – diz o médico ao final de mais alguns testes.

— Eu convivia bem com minha cegueira, mas estou muito feliz por ver o rosto da minha esposa de novo.

Shunrei sorri com ternura enquanto o médico faz as recomendações dos cuidados a serem tomados a partir de agora. Terminada a consulta, os dois voltam para casa.

Durante o trajeto, Shiryu permanece calado, apenas olhando pela janela do carro ao longo do caminho, para as ruas cheias de gente naquela tarde quente de verão.

Anos atrás, estavam em um táxi quando tudo aconteceu… o acidente, a cegueira… um segundo e tudo mudou.

Shunrei sabe bem que ele está pensando no acidente, por isso dirige em silêncio, deixando que ele viva o momento.

Quando chegam em casa, ele para na porta e vê pela primeira vez o imóvel para onde mudaram havia pouco mais de um ano, depois de doarem a antiga moradia vizinha ao sobrado para Ikki, Mino e suas crianças. O novo lar fica perto do antigo, porém é mais confortável e bem mais sossegado do que ser vizinho de um lar agitado como o do casal Amamiya.

— É exatamente como você descreveu – Shiryu comenta ainda admirando a entrada da casa de esquina, com seu muro de pedra cinzenta e o grande portão de madeira escura e o terraço amplo e confortável no andar de cima, onde Shiryu às vezes trabalhava. Agora finalmente ele teria acesso à vista da cidade que só conhecia pela descrição de Shunrei.

Ele entra em casa e observa atentamente a sala ampla e de decoração minimalista, com revestimento de madeira e cimento queimado, pensada para que ele pudesse se locomover livremente, e integrada com a maravilhosa cozinha que era o sonho de Shunrei. Portas de vidro de correr ficavam de cada lado do cômodo e abriam-se de um deles para o jardim e do outro para a área da piscina.

Shiryu senta no sofá e contempla os porta-retratos na mesa de centro com fotos do casamento, de viagens, das várias reuniões com os amigos.

— Então é isso… Estou vendo de novo. Ainda não enxergo muitos detalhes, mas nossa, como é bom voltar a ver as cores das coisas. Não achei que esse dia ia chegar, realmente não acreditava.

— Eu sempre acreditei, meu amor.

Shunrei vai até o sofá e deita no colo do marido, que simplesmente fica olhando para o rosto dela, analisando, percebendo como assim tão perto a vista fica ainda mais nítida.

Acha que ela parece bem diferente de dez anos atrás, quando entrou pela porta do sobrado onde ele vivia com os amigos. Agora estava mais velha, mais bonita e parecia genuinamente feliz.

— Minha Shunrei… Eu te amo desde o dia em que pus os olhos em você e amo ainda mais agora por não me deixar desistir em nenhuma das vezes em que pensei nisso.

Shunrei sorri e recorda-se da impressão que teve quando o conheceu: achou que ele precisava de colo. Nos últimos anos, deu e recebeu isso… E precisaria de mais nos próximos meses...

— Eu também te amo desde aquela noite, quando saiu cantando pneu e socou um desconhecido pra me salvar. Lembra disso?

— Claro que eu lembro. Não me orgulho, mas também não me arrependo. Faria tudo de novo.

— Me senti uma princesa de contos de fadas.

— Estou longe de ser um príncipe. Sou só um advogado, mas um muito apaixonado pela esposa.

Shiryu ergue-a um pouco e a beija de olhos abertos, encarando-a como se fosse a primeira vez, e a envolve com os braços, pronto para desfrutar desse recomeço da vida agora novamente em cores.

— Vamos convidar o pessoal para um jantarzinho? — Shunrei sugere. — Preparo uma comidinha bem gostosa para a gente comemorar.

Além da comemoração, ela tinha outra coisa em mente que queria deixar para contar durante o jantar...

— Ótima ideia. Vou ligar para eles. Disse que avisaria o resultado da cirurgia e até agora não dei notícias, a essa altura o Seiya já deve estar se rasgando de ansiedade.

Mal ele termina a frase e Seiya aparece buzinando na frente da casa.

Quando os dois saem para recebê-lo, o amigo pergunta ansioso:

— E aí? Deu certo?

Shiryu finge tatear pelo muro e faz mistério por alguns segundos, deixando Seiya à beira do desespero.

— Sim! Estou vendo sua cara feia de novo! – ele finalmente responde.

Seiya dá um grito e salta do carro para abraçar o amigo com força, erguendo-o do chão.

— Eu sabia!!!

— A vista ainda está um pouco turva, mas estou vendo. O médico disse que vai melhorar com o tempo e com uns óculos de grau que ainda vamos fazer.

— Tô tão feliz!!! Você tá vendo de novo e meu sobrinho chegou!!!

— Que sobrinho? – Shiryu e Shunrei perguntam em coro.

— Então, a Seika tem um filho. É uma longa história que eu vou contar no carro. Vamos lá para casa, já preparei tudo, vamos comemorar!

— Agora, Seiya?

— Claro, Shiryu! Já está todo mundo indo pra lá. Ikki, Mino e a criançada toda, Shun e June, Hyoga, Eiri e Hiro, todo mundo!! Quero que todos conheçam meu sobrinho.

— Nós vamos, sim! – Shunrei diz. – Deixa só eu pegar minha bolsa.

Muitas coisas mudaram enquanto outras continuam iguais, pensa Shiryu enquanto espera ela voltar. Ele preferia ficar em casa e aproveitar um momento tranquilo com Shunrei, ajudá-la a preparar a comida e só então reencontrar-se com os amigos em um jantarzinho. Ao invés disso, estava prestes a ser jogado naquela algazarra de sempre, mas acaba por render-se à empolgação do amigo e da esposa e deixa que o levem.

 

Na mansão Kido, Saori recebe Ikki, Mino e as crianças que acabam de chegar no ônibus da família e os leva para a área da piscina onde acontecerá a reuniãozinha.

— O Seiya foi buscar Shiryu e Shunrei – ela explica. – Já deve estar chegando.

— Já sabem se a cirurgia deu certo? – Mino pergunta.

— Eles não falaram nada. Só sabemos que era hoje a revisão, mas sabe como o Seiya é sempre um otimista, já está contando que deu. Tomara que ele esteja certo. Shiryu merece voltar a ver.

Mino assente enquanto Ikki não resiste a uma pergunta:

— E que história doida foi aquela de sobrinho do Seiya?

Aya, a filha mais nova e primeira biológica dos dois, está apoiada no antebraço dele, com as perninhas e bracinhos pendurados. Acaba de fazer sete meses e é uma adorável bolinha com cabelos pretos arrepiados e olhinhos sempre atentos a tudo.

— A Seika teve um filho quando morava lá em Atenas e acabou se separando dele… Mas agora ele está aqui. Ela e Shura já estão vindo com o garoto para conhecermos.

— Essa irmã do Seiya teve mais treta na vida que mocinha de novela. A mulher foi sequestrada, levada para a Grécia, teve um filho lá…

Mino dá a ele um olhar de repreensão muito parecido com o que costuma dirigir às crianças.

— Que é? É a verdade.

— Bom, fiquem à vontade – Saori diz rindo dos dois. – Preciso dar algumas orientações na cozinha e já volto.

— Você tinha que falar da Seika daquele jeito? – Mino pergunta assim que Saori está longe o suficiente.

— Não falei nada demais. Ela é cheia das tretas mesmo.

Enquanto os dois discutem a indelicadeza de Ikki, as crianças encaram a piscina com ansiedade, doidas para pularem na água. Como Saori avisou que seria uma festa na piscina, já vieram de roupas de banho, mas esperam a permissão dos pais.

— Vão logo! – Ikki diz e, com a autorização, o grupo se joga na água aos berros.

À beira, Mino grita para os adolescentes prestarem atenção nas crianças menores.

— Deixa eles se divertirem, Mino.

— Ikki, é sério! Sabe quantas crianças se afogam por ano? Algumas se afogam em baldes!! Três dedos de água já são o suficiente.

— Estamos do lado, com os olhos em cima deles. No máximo vão engolir alguma água com cloro.

— Ai, você não tem jeito…

— Você sabe, é o meu método: deixar a vida ensinar.

— Sei… como naquela vez que você deixou o Tengo comer doce quente.

— Eu falei três vezes para ele esperar e ele ficou enchendo o saco. Aí eu dei. Queimou a língua e aprendeu a esperar o doce esfriar. Funciona.

— Você não tem jeito mesmo. É até bom não aceitar o negócio do programa porque ia pegar muito mal na tevê o seu método.

Ikki dá uma gargalhada pensando que é ótimo ela pensar assim. Talvez até esquecesse essa história de programa.

Depois que a notícia do casal que adotou vinte órfãos espalhou-se pelo Japão, eles passaram a receber pedidos de entrevistas para o rádio, tevê e jornais, além de terem recebido essa proposta de filmarem o dia a dia da família em um reality show. Mino cogitava aceitar enquanto Ikki era terminantemente contra.

A exposição já era enorme sem o reality, e quando a história ganhou o mundo, eles começaram a receber tantas doações que conseguiam compartilhá-las com o orfanato e seus novos internos. Dessa parte Ikki até gostava, diminuía bastante as despesas, mas não queria ter uma equipe de câmeras atrás da família o dia inteiro.

Surpreendentemente, o que o programa mostraria caso eles aceitassem não era uma rotina tão caótica quanto se poderia imaginar. Mino era uma mãe amorosa mas muito firme e cobrava dos filhos disciplina e obediência. Quase sempre funcionava.

Todos ajudavam nas tarefas da casa e mantinham o ambiente minimamente limpo e arrumado.

Quando engravidou, Mino temeu não dar conta de tudo depois de o bebê nascer, mas tirou de letra. A gravidez de Aya foi tranquila, os irmãos adoravam-na e ajudavam a cuidar dela.

— Ih, lá vem a outra neurótica – Ikki suspira ao ver Eiri chegar com Hyoga e Hiro.

— O Hiro está doido para entrar nessa bagunça – comenta a loira depois de cumprimentar os dois.

Mal ela termina de falar, Hyoga joga o filho de cinco anos na água.

— Hyoga!! – Eiri grita. – O que tá fazendo?

— Quê? Ele faz natação desde que era bebê e está com as boias nos braços!

— Ai, meu Deus, Hyoga…

— Ele é meu filho, vai se virar bem. Somos uma família de nadadores.

Ikki revira os olhos e dá um tapinha de cumplicidade nos ombros do loiro.

— Eu já falei para a Mino que tem olho até demais vigiando os guris. Meu Deus! Relaxem.

De onde estão, eles avistam Seika chegar com Shura e o menino.

— O pivete é a cara do Seiya – Ikki comenta. – Um Seiya bem mais moreninho, é verdade, mas até o jeito de andar parece o do tio.

— Isso é verdade, igualzinho.

— Coitada da Seika. Tomara que não seja bocó igual a ele.

— Ô língua afiada! – Mino censura.0

Quando os três se aproximam, Seika apresenta Mavros a todos. O menino pergunta a ela se também pode brincar na piscina. Receosa, ela se certifica de que ele sabe nadar.

— Sou como um peixe! – ele responde.

— Então vamos lá. Vou te apresentar aos filhos de Ikki e Mino.

Ele se surpreende por todos serem filhos do mesmo casal e Seika explica brevemente a história da adoção. Depois chama as crianças e lhes apresenta seu garoto grego, que logo se enturma e pula na água com os outros.

— Pensei que a barreira da língua podia atrapalhar – Seika comenta ao retornar para perto dos amigos –, mas seus meninos gostaram dele. Quando falei que ele também viveu no orfanato e agora estava com a mãe, eles o abraçaram e acolheram. Não entendem uma palavra do que ele fala e nem ele entende japonês, mas vão se virando, fazendo mímica, e já estão brincando sem problemas.

As duas trocam um sorriso cúmplice e satisfeito.

— Criança é assim mesmo, se adapta fácil. Estou feliz por você ter reencontrado ele… O seu Mavros é lindo, Seika, e parece um bom menino.

— Sim, ele é. Estou feliz apesar de terrivelmente assustada. Conversamos muito ontem. Ele passou a vida no orfanato, sofreu por ser diferente, pelos olhos, pela cor, teve se impor e brigar para sobreviver… Temo que haja algum trauma, mas vamos dar um passo de cada vez.

— Não vou mentir, Seika. Você trabalha lá no Filhos da Luz, você sabe que o abandono deixa marcas neles, mas com amor a gente supera.

— Sim, é o que espero.

De repente, um grito estridente bastante conhecido de Ikki ecoa:

— Paaaaaaaaaaaaaai!

Quando ele olha, vê Penélope vir correndo e gritando com Apollo atrás dela, ambos já em roupas de banho, enquanto Pandora e Radamanthys andam elegantemente atrás deles.

As duas crianças abraçam Ikki, que se abaixa para que eles possam beijar a pequena Aya. Depois, cumprimentam Mino com um beijo apressado, dão um oi para os demais e correm para a piscina.

Pandora e Radamanthys se aproximam e cumprimentam os quatro.

— Pelo menos eles falaram direito com vocês? – pergunta a alemã.

— Mais ou menos – Ikki responde. – Estavam mais interessados na piscina e na criançada.

— Penélope, olhe seu irmão! – Radamanthys grita. – Ele é sua responsabilidade! Não esqueça!!

Ikki revira os olhos.

— Outro neurótico…

— Segurança, Ikki. Segurança.

— Ai, vamos sentar. – Ele aponta a mesa ali perto. O Seiya foi buscar Shiryu e Shunrei, já tá chegando.

— Me dá a Aya aqui – Mino pede a Ikki. – Vem, meu amorzinho. Seu pai te segura como se fosse um saco de laranjas…

— Você sabe que ela adora ficar assim com as perninhas livres.

— Você que acostumou ela assim.

— Só quero saber uma coisa: se acontecer algo, como é que você vai pular na piscina estando com ela no braço.

— Eu não vou pular, querido, eu vou gritar por você.

Ikki balança a cabeça rindo e vai sentar-se à mesa com os caras enquanto Mino, Eiri, Seika e Pandora ficam nas espreguiçadeiras à beira da piscina para conversar e vigiar as crianças.

— O que viemos comemorar mesmo? – Radamanthys pergunta e pega uma cerveja no cooler. – O Seiya ligou falando de um sobrinho. Não entendi nada mas as crianças quiseram vir, então viemos.

É Shura quem explica:

— Em resumo, a Seika teve um menino quando morava em Atenas e, por circunstâncias que não vêm ao caso, não pôde ficar com ele. Agora o encontramos e eu vou adotá-lo.

Todos na mesa o parabenizam pelo gesto que ele acredita não ser nada demais, apenas o mínimo que podia fazer pela mulher que ama e o filho dela.

— E também vamos comemorar que o ceguinho não é mais ceguinho! – Ikki acrescenta com uma cerveja na mão. – Pelo menos é o que a gente espera que tenha acontecido.

— Ceguinho enxergando? Confere! – Shiryu anuncia ao chegar sem ser notado, acompanhado de Shunrei e Seiya.

Os amigos se levantam e aplaudem deixando o advogado encabulado.

— Para com isso, gente…

— Você merece – Seiya incentiva com um tapinha nas costas dele, depois o abraça e os outros amigos o seguem e também envolvem Shiryu em um abraço.

— Opa! Chegamos bem na hora! – Shun diz e se junta aos outros no abraço em Shiryu. – Tô feliz por você.

— Obrigado mesmo, pessoal – Shiryu agradece emocionado. – Vocês são a melhor família que eu podia ter.

— É, mas não começa a chorar! – Seiya brinca.

Shiryu garante que não vai chorar e enquanto eles o parabenizam, Saori volta para a mesa bem a tempo de ouvir o que Shun tem a dizer:

— Então, já que estamos todos reunidos, queria aproveitar para dizer que June e eu nos casamos.

Ikki quase cospe a cerveja que está bebendo.

— Assim do nada?

— Do nada, cunhado? A gente namora há mil anos!

— Não sei por que a surpresa, mano. Eu fiz igualzinho a você, casei sem alarde.

— Bom, é verdade. Então finalmente está seguindo os passos do irmão!

— Não, eu sigo meu próprio caminho.

— Tô orgulhoso de você, maninho. Tô orgulhoso de todos nós. Quem diria que chegaríamos tão longe?

— Longe como? – Seiya pergunta, com a boca cheia de salgadinhos.

— Mas continua lerdo, hein? – Ikki dá um tapa nas costas dele fazendo-o cuspir uma nuvem de farelos. – Éramos um bando de órfãos ferrados, agora estamos bem.

— Eu não – Saori corrige rindo. – Órfã, sim, ferrada jamais, meu filho.

— Ui, esqueci que você já nasceu montada na grana – debocha o Amamiya mais velho. – O que eu quero dizer é que os dois bocós advogados ficaram ricos, eu sou um engenheiro bem-sucedido, Shun tem um café e Seiya deu o golpe em você, nem trabalha mais o desgraçado.

Seiya não gosta do comentário ácido.

— Ei, você não cansa de falar isso? Não dei golpe coisa nenhuma!

— E eu não tenho o café – Shun corrige. – Eu e Ju temos cinquenta por cento dele, o restante foi investimento dos pais dela.

— Mas você é a mente criativa por trás do sucesso do Jiyu – June diz orgulhosa.

— Nós dois somos — ele corrige novamente.

As mães finalmente tiram os olhos da piscina por uns minutos e se aproximam do grupo para parabenizar o casal.

— Obrigado, pessoal – Shun agradece. – De verdade. Lembram de quando o Hyoga casou e a gente achou que com o tempo íamos nos afastar?

— Achei mesmo – admite o loiro. – Eu tive um medo real de que acontecesse, mas aqui estamos, todos juntos, em uma imensa família, graças ao Ikki e seu vinte e dois filhos.

— Percorremos um longo caminho até aqui – Shiryu fala. – Na época do orfanato, eu não via esse futuro para nós, mas nós conseguimos. Todos nós. Sobrevivemos ao abandono, ao orfanato, aos acidentes, às mortes no caminho e estamos aqui, continuamos juntos.

— Ainda estamos aqui – Ikki completa pensativo, lembrando-se de Esmeralda, uma doce lembrança do seu primeiro amor, agora distante já que ele encontrou em Mino outro amor que o faz feliz e se renova todos os dias por ela simplesmente ser quem é.

— Agora que estamos todos casados, quem será o próximo a se tornar papai?

— Me tire disso, Hyoga – Shun pede. – Não vamos ter filhos nem tão cedo.

— Não mesmo – June concorda. – Na verdade, nem sei se vamos querer algum dia.

— O negócio dos filhos é com o Ikki. E eu estou satisfeito em ser tio de um ônibus cheio de crianças.

— Então eu serei o próximo – Seiya diz. – Se a Saori colaborar.

— Sei que está louco por isso, amor, mas por enquanto vá exercitando sendo tio do Mavros.

— A idade mental com certeza é a mesma – alfineta Ikki.

— Para, seu besta. Aliás, eu ia chamar ele para vocês conhecerem direito, mas ele está se divertindo tanto lá na piscina.

— Está mesmo, mano – Seika concorda.

— Imagina quando ele souber que comprei um videogame novinho pra ele.

— Pra ele? – ironiza Saori. – Meu bem, quem você acha que engana?

Rindo, Seiya abre os braços.

— Você mesma disse, enquanto não temos um filho, exercito com o sobrinho.

— Sobre isso, tenho uma novidade… – Shunrei começa a falar e o grupo inteiro vira olhos os arregalados para ela. – Estou grávida.

— Agora ele chora! – Seiya ri dando um tapa nas costas de Shiryu, que olha boquiaberto para a esposa.

— Sei que iríamos começar a pensar nisso depois da cirurgia – Shunrei continua –, mas o bebê quis vir logo. Eu ia te contar hoje à noite no jantarzinho que eu pretendia fazer, mas é isso, vamos ter um filho.

Shiryu olha para ela embevecido, com os olhos marejados, e agradece aos deuses por ter sido o timing perfeito.

— Estou tão feliz, amor. Ficaria em qualquer tempo, mas agora poderei ver tudo, acompanhar toda a gestação e ver nosso bebê. Vai ser incrível.

— Não falei que ele chorava? Um brinde ao filhote do ex-ceguinho! – Seiya puxa. – E também aos recém-casados e ao meu sobrinho!

— Um brinde ao futuro! – Shiryu completa.

Felizes e cheios de esperança, eles erguem seus copos e brindam, seguros de que o melhor ainda está por vir.

 

 

FIM

 

(ou não…)

 

 

CENINHA BÔNUS

 

O Jantar

 

Em Asgard, Bado e Ann saem para jantar no melhor restaurante da cidade a fim de comemorar o grande pagamento recebido pelos primeiros seis meses de trabalho com os japoneses.

— Aos seis meses de trabalho duro! – ele comenta erguendo uma taça de um vinho bem caro. Ann também ergue a dela.

— Aos seis meses!

— Valeu a pena cada noite em claro e, Ann, se não fosse você para criar uma oportunidade com os japoneses, isso nunca teria acontecido.

— Eu sei, meu querido, eu sei. Eu faço tudo, eu sou tudo.

— Bendita seja a hora que te conheci no continente.

— Foi uma loucura largar tudo lá e vir para esse fim de mundo, mas eu faria tudo de novo por você.

— Eu também faria tudo de novo, todas as loucuras que fiz.

— Então agora está podendo jantar aqui?

Parado ao lado da mesa onde está seu irmão gêmeo e a esposa, Shido pergunta em tom de deboche. Os irmãos se estranhavam desde a infância e a falta de afinidade e a clara preferência dos pais por Shido acabou se tornando raiva na adolescência, quando Bado saiu de casa e foi tentar a vida sozinho. Anos depois, quando voltou a Asgard já adulto e formado em Direito, surpreendeu-se por ter escolhido a mesma profissão do gêmeo.

— Ficou rico de repente? – Shido continua a provocar. – Porque até onde eu sei você era só um advogado de porta de cadeia.

— Então está mal informado, filhote de cruz-credo – Ann diz. – Ele trabalha para a Coroa.

Shido dá uma gargalhada debochada.

— Ouvi uns boatos sobre isso, mas o que eu soube foi que se associou com uns japoneses.

— Que são os advogados da Coroa Real Asgardiana – Bado completa. – Trabalho com eles. Sócio.

— Que piada. Se a Coroa fosse procurar um escritório, procuraria o meu.

— Parece que não, meu querido enjoadinho entojadinho – Ann novamente debocha.

— E para completar soube que também está trabalhando para aqueles homossexuais…

— Está falando de Alberich e Mime? – indaga Bado. – Sim, estou. Excelentes clientes. Adoro trabalhar com eles.

— Meu Deus, você é o fundo do poço…

— Ah, dá o fora daqui, seu metido insuportável – impacienta-se Ann. – Está atrapalhando nosso jantar, caçamba de lixo radioativo.

— Essa sua esposa combina mesmo com você, ralé igual.

Ann se levanta e joga o prato de risoto na cara de Shido.

— E esse prato é igualzinho a você, parece chique mas é só uma bosta com uma roupa bonita.

— Além de ralé, você é louca!! – Shido brada, esfregando o rosto para tirar o risoto.

— Ah, vai se foder, refugo de Chernobyl.

Bado arregala os olhos e sufoca uma risadinha. Não quer rir, mas simplesmente não consegue segurar.

Shido sai indignado, resmungando sobre a total falta de classe dela e outras coisas piores.

— Vai lá, almofadinha de Satã! – Ann grita. – Vai, cachorro do inferno! Pão bolorento amassado pelo capeta!

Na mesa, Bado chora de rir. A vida com Ann sempre tinha dessas coisas, ela era selvagem e indomável, uma imensa força da natureza, e era isso que ele mais amava nela.

— Ai, Ann, vão expulsar a gente daqui.

— E daí? Esse risoto tava ruim mesmo. Eu sei que você também achou.

— É… Prefiro a gororoba da taberna…

— Então vamos pagar logo esse negócio e correr pra lá. Mas esse vinho eu vou levar. O vinho é bom.

— Custou um rim, tinha que ser bom.

Bado acena para o garçom trazer a conta. O homem, que observava a cena indignado, dá graças a Deus e se apressa para que aqueles dois desclassificados possam sair do lugar o mais rápido possível.

Depois de pagarem a conta, Ann e Bado saem carregando a garrafa de vinho, alheios aos olhares e completamente felizes.

— Refugo de Chernobyl – já do lado de fora, Bado repete e cai na risada ao lembrar dos xingamentos que Ann dirigira a Shido. – Almofadinha de Satã… De onde você tira essas coisas?

— Da raiva e do álcool – ela responde rindo e dá mais um gole no vinho.

 

 

 


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Notas finais do capítulo


É isso, pessoal. Depois de quase treze anos, Sobrado chegou ao fim. :3

Eu tinha como certo na minha cabeça que Shiryu não ia recuperar a visão, mas acontece que os tempos estão tãp f*didos que eu mudei de ideia. Voltou a ver e pronto!

Acho que consegui contar a história que eu queria, estou feliz com o final, embora sinta que posso explorar esse universo um pouco mais algum dia… Tem a história da Seika em Atenas, tem Pandora e Rada antes de irem pro Japão e, principalmente, tem Asgard! :3 Eu tenho uma pequena cena pronta aqui que eu amei demais e infelizmente não se encaixou no cap final, mas queria aproveitá-la então ela seguiu como um bônus, mas ando com muita vontade de escrever mais de Ann e Bado nesse universo porque morro de saudades de “Mit Dir” e deles.

Obrigada a todos que acompanharam, seja quem está aqui desde o começo e resistiu bravamente, como Thai Rezende, Fabi Oliveira, Teh Chan, Wilton Tadayoshi, MadWolf, Tricya Freire e Okaasan que acompanham há muuuuitos anos, seja quem está chegando agora.

É isso, pessoal!


Até a próximaaaaaaa



Chii







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