Sobrado Azul escrita por Chiisana Hana


Capítulo 15
Capítulo XV




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/11765/chapter/15

Os personagens de Saint Seiya pertencem ao tio Kurumada e é ele quem enche os bolsinhos. Todos os outros personagens são criações minhas, eu não ganho nenhum centavo com eles, mas morro de ciúmes.

SOBRADO AZUL

Chiisana Hana

Beta-reader: Nina Neviani

Capítulo XV

Tóquio, Japão.

Após o almoço, as crianças do orfanato começam a se acomodar para a soneca vespertina. Na cozinha, contando com a inacreditável ajuda de Ikki, Minu começa a limpar o refeitório.

– Eles gostaram do sorvete, né? – Ikki pergunta enquanto retira os pratos da mesa.

– Toda criança adora doce, Ikki – responde Minu, ainda surpresa com o fato de ele estar ali.

– Tenho muito a aprender sobre os moleques, não é? – ele pergunta ao se aproximar da pia. Minu ri.

– Primeiro você tira os restos de comida e joga fora – explica a garota. – Depois você passa uma água e vai ensaboando tudo e então é só enxaguar.

Ikki protesta:

– Minu, eu sei lavar prato!

– Desculpe... – a moça murmura, um tanto envergonhada. – Então enquanto você lava aí, eu vou dar uma olhada nas crianças, varrer o refeitório e passar um pano molhado lá. Já volto.

Quando Minu retorna à cozinha, encontra Ikki meio molhado, enxugando os pratos. Ao notar o olhar de Minu para a camisa molhada, o rapaz se explica:

– Devia ter tirado, né?

– É... digo, não. Devia ter colocado um avental.

– É ruim! Ia ser ridículo!

– Ia mesmo!

Os dois caem na gargalhada, mas Minu tem sentimentos ambíguos: gosta de tê-lo ali, mas também se sente desconfortável com essa proximidade. Enquanto estavam em atividade, com as crianças, ou limpando as coisas e arrumando, Minu até achou divertido, mas agora que finalmente terminaram o serviço ela se perguntava o que fariam. As crianças dormem e a casa está totalmente em silêncio, exceto pelo leve barulhinho dos ventiladores.

Cansados, os dois sentam-se do lado de fora, num banco embaixo de uma árvore frondosa, mas mesmo ali o silêncio é opressor. Na rua, que normalmente já é bastante tranqüila, não passa um transeunte sequer. Minu começa a se sentir cada vez mais desconfortável, tem medo até de pensar, como se Ikki pudesse ler seus pensamentos, e estremece ao sentir o braço forte do rapaz sobre seus ombros, convidando-a a se aproximar. Ela cede e aconchega-se nos braços dele, mas todos os seus músculos retesam-se tamanha é a tensão que lhe atravessa o corpo.

– Eu não mordo – ele diz ao perceber a tensão da moça. O comentário surte efeito contrário e deixa Minu ainda mais tensa. Seu coração bate tão forte que ela acha que se alguém passasse na rua agora conseguiria ouvir claramente. Assim, procura uma desculpa para afastar-se imediatamente do rapaz. Sem encontrar, deixa o corpo relaxar aos poucos e começa a apreciar o momento.

"Afinal, se ficar com ele é o que mais desejo, por que me sinto tão tensa?", ela se pergunta, e se arrisca a colocar uma mão no ombro dele. Gentilmente, Ikki ergue o rosto dela, fazendo com que os olhares obrigatoriamente se encontrem, do mesmo jeito que, logo em seguida, os lábios encontram-se. Minu sente como se fosse derreter nos braços de Ikki e entrega-se por completo ao beijo dele, vigoroso e penetrante, exatamente como ela imaginava.

-S -A - -S -A - -S -A - -S -A –

Atenas, Grécia.

Preguiçosamente, Seiya abre os olhos. Sobre seu corpo, Shaina respira profunda e lentamente, depois de ter conseguido o que tanto almejara. Enquanto sente a mulher sobre si, os seios fartos repousando sobre seu peito, uma palavra passa pela cabeça do rapaz: insaciável. Shaina é mais do que ele esperava e o sexo tinha sido qualquer coisa perto de incandescente. Ela não lhe dera trégua. Terminara uma vez, aguardara que ele se recuperasse e recomeçara tudo outra vez, levando-o a um êxtase sôfrego. Sem forças para se mover, ele apenas deixara-se ficar ali. Seria perfeito, não fosse o fato de ele amar outra mulher.

"Saori...", ele pensa, e o pensamento cai sobre si como uma imensurável pedra de gelo, apagando todas as sensações vividas horas antes. "Ela não vai me perdoar por isso... nunca", constata e uma pontada dolorosa se expande do peito para o resto do corpo. Tentando ser o menos bruto possível, ele move-se sob Shaina, empurrando-a para o lado. Ela acorda com o movimento, espreguiça-se vagarosamente e dirige ao rapaz um olhar lasso, que ele retribui com desprezo. Ela se senta na cama sem entender a razão daquele olhar e o porquê de ele estar se vestindo apressadamente.

– Já vai, meu querido? – Shaina pergunta, intrigada.

– Não devia nem ter vindo – Seiya responde seco, sem olhar para ela.

– Vai me dizer que não gostou?

– Gostei, sim, mas isso vai me custar muito caro, mais caro do que eu gostaria de pagar. Você é cruel, brinca com as pessoas, com os sentimentos delas. Brincou comigo. Me jogou num buraco de onde eu não vou conseguir sair vivo.

– Não, eu não brinquei – ela diz, com mais firmeza do que gostaria. – Eu desejei você desde que o vi pela primeira vez lá na empresa. Não sabia quem você era, nem de quem era namorado. Eu o amei desde aquele dia...

Shaina não pretendia confessar seu amor, mas o fez. Seiya é pouco mais que um garoto e ela, uma mulher experiente, que imaginava satisfazer-se por tê-lo como amante, mas acabara por se apaixonar.

"Quero que ele seja meu", ela pensa. "Só meu, sem dividi-lo com mais ninguém, muito menos com uma riquinha metida a intelectual."

– É isso, Seiya – ela recomeça depois de uma longa pausa. – Eu o amo. Amo tanto que sentia essa necessidade urgente de ser sua. Instigá-lo foi o meu jeito de dizer que sou irremediavelmente apaixonada por você.

O olhar dele continua duro, apesar de demonstrar alguma surpresa. Não lhe passara pela cabeça que ela poderia amá-lo por ela ser tão segura de si e independente. Sentia-se lisonjeado, mas deu a ela uma resposta firme antes de abrir a porta e deixar o motel.

– Eu amo a Saori, Shaina. Realmente sinto não poder corresponder ao seu amor.

Incrédula, a mulher permanece sentada na cama.

-S -A - -S -A - -S -A - -S -A -

Munique, Alemanha.

Pandora está parada em frente à mansão de seus pais(1), olhando o pesado portão de ferro, e respirando profundamente. O ar opressor da casa, lar de sua família há diversas gerações, aliado aos seus pais, carinhosos, porém rígidos e controladores, foram as principais razões para que ela decidisse viver o mais longe possível dali. A princípio, cogitou mudar-se para a Austrália, onde a barreira da língua seria menos intransponível, afinal, falava inglês com fluência, apenas com um leve, mas charmoso sotaque alemão. Mudara de ideia quando recebera a visita de uma estudante de intercâmbio na sua escola. Uma moça loira de olhos verdes, que facilmente seria confundida com uma alemã, mas que na verdade morava no Japão. Nascera na Etiópia, filha de missionários americanos, ela tinha contado, mas fora abandonada e adotada por um casal japonês. Foi conversando com ela que tomara sua decisão: iria para o Japão. Lá, seria desafiada a cada segundo para aprender a língua e habituar-se aos costumes orientais e, o mais importante, dificilmente seus pais resolveriam visitá-la. Tudo correra mais facilmente do que ela imaginava, principalmente porque seu grande amigo de infância subitamente resolvera ir junto.

"Ele foi junto", ela pensa. "Ele não precisava ter ido, mas ele foi". Só agora ela começa a se dar conta do que aquilo realmente significa. Radamanthys deixara tudo para acompanhá-la. E, sim, a presença dele fora de grande importância em muitas ocasiões, até o dia em que ela conheceu o inconvenientemente belo rapaz de cabelos azuis. Ficara atraída por ele já no primeiro olhar, apesar de tentar a todo custo ignorá-lo.

"Que tolice! Como eu fui burra! Não podia ter feito isso, meu Deus!", pensa, quando finalmente cai em si, e lamenta tudo o que ocorrera. A atração que sentira por Ikki fora tão forte, houvera tanta química entre eles, que fora impossível resistir.

– Química... – ela fala baixinho. – Que coisa mais idiota. Por causa disso eu vou ter de criar um filho sozinha. Tudo bem, acho que Ikki vai ser um bom pai, mas não é a mesma coisa de ter um marido do lado o tempo todo. Isso se eu sair viva daqui, porque meu pai vai surtar quando eu contar que estou grávida. Sim, ele vai.

Ela tinha passado toda a viagem pensando nisso, imaginando as possíveis reações do pai. A mãe ficaria chocada, mas certamente seria condescendente e acabaria por aceitar o neto 'bastardinho de olhos puxados'. Já o pai... Pandora começa a se perguntar se poderá cumprir o que prometera a Ikki. E se o pai quisesse realmente forçá-la a abortar o bebê?

"Não, ninguém vai me forçar a nada", pensa, mas logo cai em si outra vez. "Dependo deles, dependo do dinheiro deles para me manter no Japão. Quero acreditar que meu pai vai só surtar e depois aceitar, mas e se não for assim? O que eu vou fazer?". Instintivamente, ela dá um passo para trás.

"Não posso. Não posso contar a eles. Não agora. É. Vou entrar lá e fingir que está tudo bem. Meus seios estão um pouco maiores, mas se usar roupa folgada, não se notará nem isso nem a barriguinha. É, não vou contar nada. Está decidido."

– Está com medo de entrar? – uma voz conhecida pergunta.

– Radamanthys! – ela exclama, e o abraça sem se dar conta da felicidade que sente ao ver o rapaz ali. Ele retribui o abraço, aconchegando-a em seu peito. – O que faz aqui?

– O que eu sempre faço: cuido de você.

Pandora não esperava por essa resposta, mas se sente profundamente aliviada por tê-lo a seu lado.

– Você não respondeu minha pergunta. Está com medo de entrar?

– Sim – ela admite, depois de um longo suspiro. – Tenho medo da reação do meu pai.

– Se está preocupada com como se manterá no Japão se ele cortar sua mesada, fique tranqüila. Eu garanto que não vai faltar nada pra você e pro seu filho. Garanto como amigo, sem exigir nada em troca além de estar por perto.

Ele observa o olhar afetuoso que ela agora lhe dirige, o olhar que ele gostaria de ver sempre e, depois de escolher bem as palavras, diz:

– Mas também quero que se lembre de que a minha proposta é séria, e ainda está de pé. Eu me caso com você e assumo seu filho como se fosse meu.

Os olhos de Pandora marejaram.

– Na verdade, já o sinto um pouco meu – o rapaz admite, com a voz embargada. Radamanthys não gosta de Ikki, nem do que ele fez a Pandora, mas seu amor pela moça é tão grande que ele sente um carinho verdadeiro pelo filho que ela espera. Gostaria de criá-lo, de dar-lhe seu nome, de apresentá-lo como seu filho, embora tenha certeza de que Ikki não será muito favorável a essa ideia. Ele chega a se divertir ao imaginar a reação que causaria nas pessoas ao apresentar um bebê japonês como seu filho.

Pandora abraça Radamanthys com mais força. Aquele é o homem que está sempre pronto a ajudá-la, mesmo quando ela não quer. Ele. Sempre ele.

– Me leva daqui – ela pede. – Quero pensar. Quero pensar longe dessa casa.

– Pode ser na minha casa? – ele pergunta. Está preparado para a negativa dela, porém Pandora, surpreendendo-o, concorda. Ele então pega as duas malas dela e os dois caminham até o carro que ele estacionara um pouco distante, do outro lado da rua, para chegar sem ser visto.

O pai de Radamanthys mudara-se da Inglaterra para a Alemanha por conta dos negócios quando ele ainda era pequeno e, numa festa da empresa, conhecera os Heinstein. O pequeno inglês encantara-se desde então pela filha do casal alemão, na época, com nove anos. Ficaram amigos de imediato, mas ele sempre imaginava que um dia se casaria com ela. Cresceram, e ela, no entanto, nunca lhe dera sinais de que seu desejo pudesse se realizar, mas ele não desistira. Namorara outras mulheres, ela tinha namorado outros rapazes, mas no fundo ele sempre acreditou que um dia ela seria sua. Quando Ikki apareceu, foi a primeira vez em que ele sentiu seu sonho realmente ameaçado.

Quando chegam à mansão do rapaz, Pandora deixa-se cair no sofá. Radamanthys conversa rapidamente com seu mordomo e depois se senta ao lado dela, sem dizer nada e sem tocá-la. Depois de longos minutos de silêncio, ela finalmente fala.

– Rada, você realmente fala sério?

– Claro – ele afirma e continua falando: – Desejo me casar com você desde a primeira vez que a vi. Ainda éramos crianças, mas o que posso fazer se eu sonhava com isso? Eu a amo mais que tudo, Pandora. E meu desejo de assumir seu filho é sincero. Eu sei que você não me ama, não estou me iludindo. Mas somos bons amigos e acho que podemos ser felizes juntos. Acho até que um dia você poderá me amar... Eu vou ser paciente. Tudo o que peço é que me aceite, que deixe que eu cuide de vocês. Eu serei o melhor marido possível, serei um bom pai para o bebê, e sei que também ele vai me amar como se eu fosse seu pai verdadeiro.

Pandora perturba-se com a declaração. Seu amigo, sempre tão forte, marrento, abre seu coração sem reservas, prometendo amor a ela e a seu filho. Conhece-o bem e sabe que ele é um homem que cumpre suas promessas, mas tem medo de decepcioná-lo, de não fazê-lo feliz como ele espera, de não amá-lo. "Ora, mas o que estou pensando? O que é essa ternura que eu sinto se não é amor? Eu o amo. Como um irmão, como um amigo, é verdade. Mas sei que é possível amá-lo também como homem."

– Eu aceito – ela diz com voz firme. – Caso com você.

Radamanthys sente uma felicidade incontrolável, então abraça e beija Pandora. Ela retribui o beijo, o que o faz beijá-la ainda mais intensamente.

– Não imagina como estou feliz! – exclama o rapaz depois do beijo. Pandora sorri. Também se sente feliz e esperançosa.

-S -A - -S -A - -S -A - -S -A -

Atenas, Grécia

Seiya caminha pelas ruas de Atenas, movimentadas àquela hora em que todos estão saindo do trabalho. O tráfego não flui e alguns motoristas buzinam sem parar, mas ele quase não ouve. Tudo que ouve é a voz interior que lhe diz que estragara tudo e que Saori não o perdoará. Não sabe, nem tem vontade de mentir, por isso decide contar a verdade a ela, e caminha tentando reunir a coragem necessária para enfrentar esse momento.

– Melhor seria se eu sumisse – ele fala consigo. – Shiryu tinha razão. Um par de peitos não vale o amor que eu tenho pela Saori.

Ele vaga pela rua, perdido na confusão de pensamentos. Ainda sente o perfume de Shaina em sua pele, porém o odor que antes lhe parecia de outro mundo, agora lhe causa asco, e tudo que ele deseja é lavar-se. Ele pega um táxi e vai até a praia, onde tira a camisa, enrola a carteira nela e a deposita na areia. Corre para a água e se joga no mar de calça jeans, rezando baixinho para que a água salgada leve embora o cheiro daquela mulher.

Do outro lado da cidade, Shaina acaba de chegar ao hotel onde se hospedara com Afrodite. Antes, porém, tinha abusado da bebida que encontrara no frigobar do motel e ainda parara em um bar para comprar mais uísque. Já estava arrependida de ter ficado no mesmo quarto que o rapaz, pois agora terá de enfrentar no mínimo seus olhares que dirão "eu bem que avisei pra ir com calma". Ela abre a porta. O amigo, que estava sentado na cama lendo um livro, ergue os olhos e olha diretamente para ela.

– Não diga nada – ela anuncia. Depois, mete-se embaixo das cobertas e permanece imóvel. Pela expressão, Afrodite deduz que as coisas não saíram como ela planejara, e pela fala mole, deduz também que ela bebera muito mais do que devia. Ele fecha o livro, senta na cama da amiga e debruça-se sobre ela, abraçando-a em silêncio.

-S -A - -S -A - -S -A - -S -A -

Casa de Saori.

– Tem certeza, Tatsumi? – Saori pergunta exasperada ao telefone. – Ele sumiu há horas! Não pode ter evaporado no ar! Você tem de encontrá-lo. Ele pode ter se perdido, pode ter sofrido um acidente. O Seiya é muito distraído, você sabe!

– Já estou aqui... – Seiya diz ao abrir a porta. Saori volta seu olhar para o namorado, molhado, mais despenteado que o de costume, e com uma expressão muito séria que não lhe é habitual.

– Tudo bem, Tatsumi. Ele apareceu – ela fala para Tatsumi e desliga o aparelho. – Seiya! O que houve?

– Antes de dizer, quero que você saiba que eu estou profundamente arrependido – seu tom é grave e os olhos estão cheios de lágrimas.

– O que foi que você aprontou?

– Eu sou um idiota, Saori – Seiya diz, e já não consegue conter o choro. – Vou perder tudo que eu mais amo porque sou um idiota...

– Não me deixe mais aflita do que já estou! O que você fez?

– Eu e Shaina... – ele diz.

– A Srta. Meneghetti? – Saori pergunta atônita, incapaz de acreditar no que está subentendido nessas três palavras.

– Eu não consegui resistir...

Saori franze a testa, tentando assimilar a revelação que Seiya acaba de fazer, mas sem conseguir organizar os pensamentos. Seiya espera uma reação da moça. Quer que ela que grite, que jogue o objeto mais próximo em sua direção, mas ela se limita a ficar imóvel. Ao final, Saori apenas sussurra:

– Eu não esperava isso de você.

– Saori, eu não vou tentar justificar o que não tem justificativa. Só queria que você soubesse o que aconteceu através de mim e que tivesse a certeza de que eu estou arrependido. Só isso. Não espero que você me perdoe.

Ela novamente fica em silêncio.

– Vou pegar as minhas coisas e sair. Sinto muito, Saori.

– Não vai, não – Saori diz. Seu tom é frio e impessoal. – Depois você liga para o Tatsumi e diz onde vai ficar que eu o mandarei levar suas coisas. Quero que você saia daqui agora.

– Eu não sei para onde vou, Saori. O mais provável é que eu tente voltar pra casa, só não sei como.

Saori engole em seco. Achava que ele correria para Shaina, mas vê que ele realmente está arrependido. Também sabe que ele não pode comprar a passagem de volta para o Japão. Sente vontade de vingar-se, deixando-o na Grécia, mas resolve não fazê-lo.

– Mando Tatsumi levar uma passagem junto com as suas coisas.

– Obrigado, Saori, mas eu não quero. Sei muito bem que não mereço. Eu vou dar um jeito, não se preocupe.

– Não estou preocupada. Nem um pouco. Não me importo. Mas eu paguei para você vir, pagarei para voltar.

Seiya aprecia a resposta rápida, pois demonstra que ela começa a ter algum tipo de emoção, ainda que seja raiva. Prefere uma resposta ríspida aos longos silêncios.

– Se não tem mais nada a dizer, pode ir embora.

– Está bem... – ele diz, e deixa a casa, batendo a porta atrás de si, mas ao invés de ir embora, senta-se na soleira da porta e chora.

Atrás da porta, Saori caminha em direção ao escritório, onde se tranca e também começa a chorar.

-S -A - -S -A - -S -A - -S -A -

Fukui(2), Japão.

– June, será que eles não entendem que já estamos meio grandinhos para viajar com eles? – Shun pergunta, quando ele e a família de June param em um hotel.

– Ah, vai, até que está divertido – argumenta a moça, mas Shun responde de forma duramente sincera.

– Não, não está.

– Queridinhos, meninos num quarto, meninas no outro – a mãe de June anuncia. Shun arregala os olhos.

– Eu vou ficar com seu pai? – o rapaz pergunta a June, indignado.

– Ehr... mãe, não precisa. Shun e eu podemos ficar no mesmo quarto, mãe.

– Não é certo uma mocinha ficar com um rapaz no mesmo quarto, queridinha.

– Mas mãe, eu...

– Não, não, não – a senhora interrompe a filha, balançando a cabeça em negativa.

– Mocinha? – Shun murmura, incrédulo com a capacidade de ignorar totalmente o fato de June estar longe de ser uma mocinha.

– Mãe, é sério, não vai dar certo – ela tenta convencer os pais.

– Então vamos ficar todos no mesmo quarto – resolve o pai. Shun não consegue evitar uma careta.

No quarto, os pais de June acomodam-se na cama de casal, Shun num colchão do lado esquerdo da cama e, no lado oposto, June. No dia seguinte, os pais de June acordam cedo e logo em seguida chamam os dois, alegando terem planejado um passeio. Shun não conseguira dormir por causa do ronco tonitruante do pai de June, que se alternava com o ronco sibilante da mãe, e tinha olheiras imensas.

– Dormiu bem, queridinho? – a mãe de June pergunta ao rapaz. Shun responde com um risinho irônico, mas a senhora não percebe a ironia. – Vamos descer para o café e depois tem passeio surpresa! Vamos, vamos!

Depois de comerem o desjejum, eles saem de carro para o tal passeio. Shun mal consegue acreditar no que vê quando se aproximam do destino.

– Um parque temático infantil? – ele pergunta a June. – Mas eles só vão levar a gente pra programas de criancinha?

– Shun, aguenta firme, estou dizendo, eles estão testando você. Se sentirem confiança, acabam nos deixando em paz.

– Você está de brincadeira, né? Eu sempre soube que eles eram sem noção, mas a esse ponto? Daqui a pouco sua mãe vai querer me dar comidinha na boca.

– Não exagera, tá?

– Não é possível que essa tortura vai ser a minha 'diversão' nas férias, June! – Shun diz, e toma uma decisão.

Na primeira distração do casal, ele puxa June para longe do alcance deles.

– Não vou passar as férias com seus pais. Me diz uma coisa, como é que eles deixaram você fazer intercâmbio na Alemanha? Sim, por que eu estou me perguntando isso desde que entrei no carro. Eles não desgrudam de você.

– Eles conversaram com a família da Pandora semanas antes para saber se eram 'boa gente'. Ah, Shun, relaxa, não está tão ruim. E já disse, eles vão relaxar se sentirem confiança em você, assim como relaxaram comigo lá na Alemanha.

– June, nós namoramos há um tempão, o que mais de confiança eles podem querer adquirir? Não, June, pra mim já chega. Não vou passar mais dez dias nessa tortura.

– E o que você vai fazer?

– Vou embora, claro.

– Como é que é? Vai me deixar aqui?

– Vou, a não ser que você queira acabar com essa palhaçada e venha comigo. Sinto muito, June, mas isso é demais até pra mim.

– Se você for embora, está tudo acabado, Amamiya – ela brada, com o dedo indicador em riste.

– É uma pena que você pense assim... Se mudar de ideia, sabe como me encontrar – ele diz, mostrando o celular e dirigindo-se à saída do parque. Apressado, ele corre em direção à saída do parque e ainda ouve June gritar:

– Nunca mais fale comigo, Amamiya!

Dali, Shun toma um táxi para o hotel, onde pega sua mochila, e sai andando a passos largos. Quer afastar-se dali o mais rápido possível, antes que a bomba estoure. Ainda não sabe direito o que fazer, então só vai caminhando pela cidade, na direção oposta a que os pais de June provavelmente seguiriam. Sente-se mal por ter magoado June, mas ao mesmo tempo há uma sensação de liberdade que ele nunca sentira antes. Ele abre os braços e sente o vento, o sol bate em sua face, alegrando-o com o calor. Ele anda até chegar a uma estrada, onde olha a placa de sinalização e vê qual o local mais próximo.

– Hum... Estou a cinco quilômetros do povoado mais próximo – murmurou consigo. – Acho que vou andando mesmo. Vai ser uma boa caminhada.

Shun segue andando pela estrada, olhando a bela paisagem.

– Devia ter feito isso há mais tempo – diz, sentindo-se feliz e satisfeito com a decisão tomada. – Imagina a cara do Ikki quando eu contar que saí andando por aí sozinho!

Um carro encosta perto dele.

– Ei, vai aonde? – pergunta a motorista. – Quer uma carona?

Shun olha intrigado. A mulher que dirige o veículo tem cerca de quarenta anos, está bem vestida e tem um carro caro. "Parece confiável", ele pensa. Não cogitara a possibilidade de pedir carona, mas resolve aceitar. Mesmo porque com sua saída abrupta não se lembrara de trazer comida e sua garrafinha de água já está quase seca.

– Obrigado – agradece ao entrar no carro, e afivela o cinto de segurança.

– De nada – responde a mulher, analisando-o. – Você deu sorte. Essa estrada não é muito movimentada.

– Ah, sim, mas eu pretendia ir andando mesmo. Só que comecei a ficar com sede.

– Andando? – a mulher questiona, e olha para Shun analisando-o outra vez, provavelmente à procura de sinais de loucura. – Por que está andando por essas bandas sozinho?

– Bom, é uma longa história... Eu vim de carro com minha namorada e os pais dela, mas me enchi da viagem e resolvi seguir sozinho. Ia a pé o povoado e lá veria outro meio de transporte. Se bem que nem sei se quero voltar para casa agora. Talvez eu fique viajando sozinho por um tempo. Acho que vai ser bom pra mim.

– Tem bons lugares para conhecer por aqui. Estou indo para Kanazawa. Se quiser, deixo você lá.

Shun pondera uns instantes. Kanazawa não fica tão perto de onde estão, mas talvez seja um bom lugar para ir.

– Não vai ser um incômodo?

– De jeito nenhum!

– Então é para lá que eu vou!

Shun e a mulher passam parte do trajeto resolvendo quais seriam os melhores pontos turísticos de Kanazawa, bem como onde ele teria hospedagem barata e facilidade de transporte. Depois, ambos falam de suas vidas e Shun fica sabendo que a senhora se chama Tomiko Sakai, é dona de uma próspera empresa de cosméticos, casada e mãe de dois filhos mais ou menos da idade dele. Ele lhe fala da vida no orfanato com o irmão e, posteriormente, no sobrado. Diz que trabalha num café e fala um pouco mais da malfadada viagem com os pais da namorada.

Quando enfim chegam a Kanazawa, a mulher faz questão de pagar-lhe o almoço, mesmo sob os protestos dele. Depois, ajuda-o a traçar numa folha de papel o trajeto que ele resolvera fazer, começando pelos jardins de Kenroku, onde a senhora Sakai o deixa. Antes de partir, ela abre o porta-malas e dá a Shun um kit com o qual costuma presentear seus clientes.

– São amostras dos produtos – ela explica ao entregar a ele uma sacolinha. – Tem filtro solar! Você vai precisar, garoto!

– Obrigado, senhora Sakai – Shun agradece. – Obrigado por tudo. A senhora é realmente muito amável.

– De nada, meu filho. Vá com segurança! E mande um cartão na volta! Tem o endereço no kit!

– Mandarei! – Shun assente, sorri, e começa a caminhar pelos jardins.

-S -A - -S -A - -S -A - -S -A -

Naha, Japão.

– Ah, que sol lindo! – exclama Eiri, espreguiçando-se na praia, como se saudasse o sol. Hyoga já está deitado na areia, bronzeando-se.

– Isso é que é vida, não é? – ele diz.

Eiri senta ao lado dele e o abraça.

– É, isso é que é vida! – ela exclama.

– Eu poderia viver aqui pra sempre.

– E eu?

– Você viveria comigo, claro!

– Eu sentiria falta dos meus pequenos.

– Mas nós vamos ter os nossos pequenos no futuro.

– Ah, claro. Acho que eles vão ser tão lindinhos.

– Vão sim, só espero que não sejam tão travessos quanto os do orfanato.

– Também espero! Já basta o trabalho que tenho com eles!

O celular dele toca. Ele olha o visor.

– É da casa do meu pai... – diz, e pondera alguns segundos se deve atender ou não. Ainda está magoado com o homem que tão recentemente aparecera em sua vida. Imaginou que ele seria uma coisa boa, mas enganou-se. Por fim, resolve atender. – Alô.

– Seu pai deseja falar com o senhor – diz a voz do outro lado, que ele reconhece como sendo o velho criado.

– Hyoga, eu preciso que venha até aqui – diz o pai sem cerimônias, assim que pega o fone. A voz parece mais fraca, mas o tom autoritário continua o mesmo.

– Sinto muito, mas não posso, estou numa viagem de férias – Hyoga retruca, ríspido.

– Onde está? Eu vou mandar buscar você.

– Eu estou de férias! – insiste Hyoga, e acrescenta: – Com a minha noiva.

– É urgente, Hyoga. Eu sofri um acidente e gostaria de vê-lo.

– O senhor não pode esperar alguns dias?

– Não sei se tenho mais alguns dias de vida.

– Ah, vamos, não deve ser tão grave assim!

– É grave, Hyoga. E eu gostaria de vê-lo. Já que está com sua namoradinha, poderia trazê-la para cá.

Eiri observa tudo receando tratar-se de más notícias. Hyoga fala em russo e ela não entende uma palavra sequer, mas reconhece no tom dele alguma animosidade que, nas últimas frases, arrefece e se transforma em preocupação. Ela continua prestando atenção no que ele diz, tentando captar as expressões dele.

– Para quê? Para o senhor tratá-la mal?

– Não seja rancoroso. Sou um homem à beira da morte. Eu sei que não tenho sido bom pra você, por isso gostaria muito que viesse.

– Está bem – ele concorda. Mesmo conhecendo o pai há tão pouco tempo, sabe que ele não desistiria. – Mas vou precisar de dinheiro. Gastei todas as minhas economias nessa viagem.

– Não se preocupe, mandarei fazer um depósito hoje mesmo. Estou esperando por você.

– Ok, pai. Eu vou.

Hyoga desliga o telefone. Eiri espera que ele diga alguma coisa, mas ele permanece calado, com uma expressão contrariada.

– Vamos ter de interromper as férias – anuncia em tom grave, depois de algum tempo.

– Tudo bem – Eiri diz, mesmo não gostando.

"Será que de alguma forma o velho soube das férias e resolveu interferir de propósito?", ela perguntou-se intrigada.

– Ele disse que sofreu um acidente e está entre a vida e a morte – Hyoga explica, ao ver a expressão da noiva.

– E você acreditou?

– O que eu podia fazer? Vamos voltar ao hotel, tomar um banho, depois vou ver se consigo um voo daqui para Vladivostok ainda hoje.

– E eu?

– Você vai comigo, claro. Não vou deixá-la aqui.

– Para a casa do seu pai que me acha um ser inferior e deseja 'algo melhor' para você? De jeito nenhum. Me dê a passagem de volta para Tóquio e está tudo certo.

– Eiri, por favor, não quero ir sem você. Quero que você vá comigo. E de cabeça erguida, mostrando para ele que não se abalou com o que ele pensa.

– Mas eu me abalei sim, se você quer saber.

– Eiri, eu nunca daria ouvidos a ele. Vamos, por favor. Por mim.

– Aham – ela concorda com ironia. – Sair da praia pra me meter no frio da Rússia... Que maravilha.

– Não está tão frio assim nessa época. Vamos lá, não fique triste. Prometo que voltamos logo. Bom, não sei se voltaremos para cá, mas prometo mais uns dias de descanso só com você, nem que a gente tenha que acampar no quintal.

Eiri ri e abraça Hyoga.

– Tá, o que eu posso fazer, né? Vamos para Vladivostok!

-S -A - -S -A - -S -A - -S -A -

Rozan, China

"Quanto mais eu olho para ela, mais eu a amo", Shiryu pensa, sentado na cama, observando Shunrei dormir. É madrugada e ele havia acordado para ir ao banheiro. Ela está despida, deitada de lado, uma mão sob o travesseiro, a outra pousada delicadamente sobre o colchão, as pernas levemente dobradas. O cabelo negro está esparramado pela cama.

"Valeu a pena ter esperado", ele constata com satisfação. "Tinha de ser com ela. Não teria sido tão bom se fosse só por fazer, tinha que ser por amor. E como eu a amo! Eu sou grato por ela ter vindo até mim, por ter passado tudo o que passou até chegar lá em casa. Tinha de ser assim." Ele sorri quando ela se mexe e muda de posição, ficando voltada para ele. "Ela é a coisa mais linda que eu já vi", ele pensa, e deita-se ao lado dela. Abraçando-a, ele adormece outra vez.

No dia seguinte, o casal programara um passeio para o jardim botânico da cidade, entretanto, Shunrei não se sente muito bem ao acordar.

– Melhor deixarmos para depois esse passeio – sugere Shiryu vendo a expressão da namorada.

– Não, não vamos deixar de ir por causa de um mal-estar bobo – ela retruca. Não é propriamente um mal-estar o que sente, é mais um desconforto vago que ela não sabe dizer o que é ou de onde vem. A noite tinha sido melhor do que esperava, entretanto acordara com essa estranha sensação ruim. – Acho que tive algum sonho ruim e não consigo lembrar. Deve ser só isso.

Ele desconfia de que não seja isso, por isso insiste na pergunta:

– Tem certeza de que quer fazer o passeio?

– Tenho – ela diz. – Eu vou ficar bem.

– Então vamos tomar um banho com calma – ele diz, oferecendo a mão para ela. – Quem sabe assim você não se sente melhor?

– Tomar banho juntos?

– É – Shiryu confirma com um sorriso meio de lado, o que lhe dá um ar extremamente provocante. E irresistível.

– Acho que esse banho vai demorar mais do que devia... – constata Shunrei. Esforçando-se para esquecer a sensação ruim, ela segura a mão dele e segue-o até o banheiro.

Mais tarde, os dois pegam um táxi na porta do hotel. Mesmo depois de terem se amado outra vez no banho, Shunrei ainda se sente incomodada pela tal sensação ruim e acomoda a cabeça no peito de Shiryu. Ele a abraça.

– Não sei por que me sinto assim, Shiryu – ela diz quase chorando, sentindo-se vencida pela sensação. – Esse devia ser um dia feliz, mas não consigo me sentir completamente bem. Me desculpe, meu amor. Não consigo controlar.

– Não deve ser nada... – ele diz tentando acalmá-la, mas está preocupado e também não entende o que se passa com ela. Começa a se indagar se ela se arrependera de ter feito amor. Queria acreditar que não, mas se não é isso, então o que é? Ele se sente completamente feliz e esperava que ela sentisse o mesmo, mas não é o que acontece e ele não sabe o que fazer ou dizer. Ficam abraçados em silêncio, enquanto o táxi segue pela estrada. Shunrei tenta conter as lágrimas, mas já não consegue. Shiryu inquieta-se cada vez mais com o choro dela.

Ele está pensando no que fazer quando algo atinge o táxi por trás, fazendo-o girar na pista violentamente. Shiryu abraça Shunrei o mais forte que pode, enquanto o motorista luta para retomar o controle do veículo. O carro que os atingira acelera e vai de encontro ao táxi outra vez, empurrando o veículo ribanceira abaixo.

Continua...



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

-S -A - -S -A - -S -A - -S -A -

(1) Deliberadamente troquei o castelo Heistein por uma mansão.

(2) Essa parte do Shun foi totalmente inspirada por um livro que eu amo: "De Carona Com o Buda: O Japão de Cabo a Cabo", do Will Ferguson. Já li várias vezes! Trata-se do relato de um canadense que, pedindo carona, atravessou o Japão do Cabo Sata (extremo Sul) ao Cabo Soya (extremo Norte). Não é ficção! Ele atravessou mesmo! O trajeto de Fukui a Kanazawa é o meu preferido, por isso escolhi as duas cidades.

—S -A - -S -A - -S -A - -S -A -

É, chegamos na parte que eu acho que vão chiar muuuuuuuuuuuito: o acidente. Lembro tão bem do dia em que comecei Sobrado Azul! Nem tinha esse nome ainda, pois no texto original eles dividiam um apartamento, mas o acidente já estava lá. Desde esse primeiro rascunho à mão, feito na noite em que meu monitor pifou, o acidente era o ponto principal da fic. E, por incrível que pareça, eu queria muito chegar logo nele...

Estou de férias, então vou tentar dar uma adiantada nas fics!

É isso, pessoal!

Até o próximo capítulo!

Beijossss

Chii



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sobrado Azul" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.