Ameno Dore escrita por MyKanon


Capítulo 9
IX - Medo




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Itacy piscou repetidas vezes enquanto cobria a boca com uma mão.

Será que Marian havia visto alguma coisa?

_ Nada, só me lembrei de algumas coisas.

Olhou a amiga nos olhos furtivamente, tentando descobrir o que havia visto.

_ Está passando mal?

_ Não. Estou ótima. - tirou a mão do rosto quando sentiu que tudo voltara ao normal.

_ Será que a Tacy está xonadinha? - sugeriu Francine.

Marian ergueu uma das sobrancelhas.

Mas não era nada disso... Antes fosse... Mas não... Estava começando a ficar faminta... Com apenas uma semana... Aquilo estava ficando muito ruim.

_ Sempre estive. Por mim.

Em seguida, deixou a mesa.

Durante a aula de história, com um pouco mais de calma, conseguiu se convencer que não era fome. Apenas havia se perdido em seus desejos secretos.

No ensaio do dia seguinte, não deu o braço a torcer. Não dirigiu-se a Enzo que não fosse para pedir para começar ou parar com a melodia.

Ele também não se dirigiu a ela, porém ainda assim atrapalhou o ensaio diversas vezes ao gesticular para Michele, que ao tentar responder, sempre acabava perdendo ou errando o passo.

Nessas ocasiões, Itacy suspirava profundamente, tentando não demonstrar seu incômodo.

Mas sob a tensão do último ensaio de sexta-feira, não conseguiu deixar de dar broncas em Michele ou em qualquer outra amiga sua que errasse algum passo.

E para completar, o pianista não usaria o fraque! Seria um fracasso de apresentação!

_ Mas que inferno!!! É tão difícil segurar essa porcaria de arabesque?! - ralhou não com uma, mas com três das garotas que não se mantiveram na posição final.

_ Eu já estava ficando com cãibra Tacy! - reclamou Juliana.

_ Pois sugiro que coma muita banana amanhã! Ou pretende arruinar toda a apresentação?

_ Mas não foi só eu que-

_ Eu acho que a gente podia dar uns cinco minutinhos para alongar e beber uma água, que tal? - interveio Marian.

Itacy continuou impassível, mas as outras bailarinas correram para sair da linha de fogo.

_ Tacy, estava tudo ótimo, fica calma... - começou Marian ao ser deixada a sós com a amiga.

Ignorando o comentário, Itacy virou-se para a barra, onde apoiou a perna e iniciou um alongamento.

_ Eu sei que é estressante, mas fica fria, vamos arrasar! - Marian também colocou uma perna sobre a barra.

_ Humpf. - resmungou.

_ É sério Tacy! O que é que você faz que não dá certo?

_ Valeu Mari, mas dessa vez é diferente. Acho que tem alguém querendo me sabotar.

Itacy olhava para o próprio joelho, mas Marian sabia exatamente a quem ela se referia.

_ Ué! Mas quem errou o arabesque foram as meninas, não o pianista...

_ Porque ele não parava de chamar a atenção delas! - disse enfurecida, levantando o rosto para encará-la.

_ E parece que isso tem chamado a sua atenção... - despretensiosa, dessa vez foi Marian que passou a encarar o próprio joelho.

“Que maravilha!” Pensou Itacy. Uma inconcebível e infundada crise de ciúme de sua amiga.

_ Exatamente. Odeio quando perdem o foco! E acho que esses cinco minutos já duraram demais.

Itacy voltou ao centro do estúdio, e suas amigas seguiram o exemplo, com exceção de Michele, que continuou recostada ao piano, conversando animadamente com Enzo.

Ambos riam descontraidamente, quando Itacy pediu:

_ Se não for atrapalhar, eu gostaria de terminar o ensaio...

_ E se for atrapalhar? - perguntou Enzo despreocupado.

Itacy limitou-se a lhe lançar o olhar mais colérico que conseguia.

_ E eu ainda nem te contei que sua amiga me pediu que viesse pelado para a apresentação, dá pra acreditar? - Enzo voltou-se novamente para Michele, em tom de confidência, mas alto o suficiente para que todas no estúdio ouvissem.

_ Sério, Tacy? - quis confirmar Michele, visivelmente se esforçando para segurar o riso.

_ Mas é claro que não!!! Eu disse que ele deveria se vestir como bem entendesse-

_ E se eu achasse que não precisava me vestir, podia vir a le Adão, no estilo mais natural. Agora vai me desmentir? - perguntou com ares de vitimado.

_ Michele, por favor, pro seu lugar. - pediu perdendo a paciência que se propusera a ter - E você também, seu...

_ Sua desavergonhada. - ele foi mais rápido.

Ah como gostaria de esbofeteá-lo...

_ Lorenzo, me ama menos. Vamos, vamos, vamos! - ordenou batendo palmas e colocando-se em posição para iniciar a dança.

Ao final do ensaio, todas reuniram-se no vestiário a fim de trocarem as últimas informações a respeito da apresentação do dia seguinte. Falaram sobre seus tutus, sobre a maquiagem, sobre a alimentação e até sobre meditação por cerca de quarenta minutos, até que se dessem conta que passava da meia-noite.

_ Tem certeza que não quer uma carona até em casa, Tacy? - perguntou Marian quando se despediam sob o arco de pedra da saída do colégio.

_ Absoluta, Mari. Sempre faço esse trajeto.

_ Mas hoje está realmente muito tarde...

Itacy conferiu as horas no relógio da torre central do colégio.

_ Só vinte minutos de diferença. Fica tranquila Mari, nos vemos amanhã.

_ Por que você não pode aceitar a carona?

_ Porque não tem necessidade. Agora vai logo. Você tem que estar com a pele luminosa para amanhã e isso não será possível sem uma boa noite de descanso! Até amanhã.

Antes que Marian pudesse insistir, Itacy despediu-se dela e saltou os degraus restantes.

Enquanto caminhava pela rua de paralelepípedos deserta, conferia as mensagens no seu celular. Algumas de seu irmão, pedindo que lhe trouxesse algumas coisas - ”tarde demais” - e outras de suas amigas, perguntando sobre o último ensaio. “Tenho que ser mais atenta...” Pensou depois de conferir as mensagens perdidas.

Guardou o aparelho no bolso do uniforme e continuou caminhando tranquilamente.

Ao saltar por sobre uma poça d'água, ouviu um assovio.

_ Que belezinha!

Instintivamente, parou e virou-se para ver quem falava com ela, mas não era nenhum conhecido.

Saindo da penumbra, um homem de camisa larga e calça jeans amarrotada colocou a mão nos bolsos e se balançou para frente e para trás. Usava um óculos escuro, - “em plena madrugada” - e mascava um chiclete de boca aberta.

Itacy pensou em simplesmente ignorar, mas ao se virar e voltar a andar, para seu desespero, percebeu que era seguida.

_ Corre não linda, quero levar uma ideia contigo.

Mas que língua do mal tinha a sua amiga... Nada parecido nunca havia acontecido, mas quando Marian trouxe essa possibilidade à tona, tinha de acontecer!

_ Fique longe de mim!

Ouviu-o gargalhar atrás de si, e se imaginasse que ele seria tão invasivo, teria fugido antes que ele pudesse tomar o próximo passo. Mas não imaginou isso.

Estava agora prensada contra uma parede de tijolos, com uma mão áspera e calejada imobilizando seu pescoço, e um quadril asqueroso pressionando seu corpo.

_ Mas que olhinhos encantadores tem essa princesa... - sorriu vitoriosamente e começou a aproximar seu rosto do dela.

_ Ecaaaaa!!! - Itacy gritou de nojo.

E sem pensar nas consequências, empurrou-o para longe, fazendo voar diretamente contra a parede oposta.

Atordoado, o homem sacudiu a cabeça de um lado a outro e colocou-se de pé. Fitou-a assombrado com sua força e tirou um canivete do bolso, mas antes que investisse contra ela, a garota já havia desaparecido.

+ + +

_ Mas que linda que você está! - exclamou Juliana ao encontrar com Itacy no camarim.

Itacy estava sentada de frente para o espelho, observando seu reflexo apático. Já tinha terminado sua maquiagem rosa cintilante, e também já tinha colocado a purpurina prateada em seu cabelo vermelho.

Seu colan cor de rosa tinha faixas de cetim da mesma cor transpassadas no busto e a saia de tule tinha detalhes em lantejoulas. Com o tema “Grande Valsa Brilhante”, não podia pecar em parecer sem brilho.

Mas era exatamente assim que estava sua expressão diante do espelho, totalmente opaca, sem nenhum brilho.

_ Toc, toc! - exclamou Juliana.

_ O que você quer, Ju?

_ Queria saber se você pode me ajudar com a purpurina do cabelo...

_ Me dê aqui.

Itacy tomou o pacote da mão da amiga e começou a espalhar o conteúdo pela sua cabeça.

Se seus pensamentos não estivessem tão perdidos nas lembranças da noite anterior, teria se lembrado de também dizer como Juliana estava bonita. Mas não estava com humor para confetes.

Havia guardado o fato somente para si. Não quis preocupar o irmão, e menos ainda Nicolai. Já que podia se defender, não via motivos para mobilizar mais ninguém. Claro, contanto que seu segredo continuasse a salvo.

Mas não conseguia se livrar da sensação de pânico que a invadira logo depois de se encontrar a salvo em seu quarto.

Podia ser uma aberração, mas ainda mantinha o espírito de uma adolescente normal. E adolescentes normais tinham medo de serem atacadas por maníacos em becos escuros.

Ainda podia sentir a pressão daquele corpo sobre o seu e o hálito podre em sua face.

O que poderia ter acontecido se fosse realmente uma adolescente normal como desejava?

Bem, em primeiro lugar, teria aceitado a carona de Marian...

Quando percebeu que seus olhos começavam a formigar, terminou o trabalho e disse:

_ Pronto, agora me dê licença, preciso terminar a minha.

_ Mas já não terminou?

_ Não!

A intensidade da resposta de Itacy fez com que Juliana desistisse imediatamente de qualquer argumentação.

_ Ok, nos vemos daqui a pouco! - despediu-se enquanto deixava o camarim.

Itacy trancou a porta e voltou a se sentar defronte ao espelho. Não poderia evitar, seus olhos já estavam marejados.

Permitiu que as lágrimas rolassem para se livrar logo daquele aperto que lhe sufocava.

Fazia anos que não chorava.

E coincidentemente, a última vez que chorara, foi também a última vez que sentira medo.

Mas agora, ironicamente, não havia motivo para medo... E aquilo era o que mais a assustava.

Era ela quem devia ser temida...

Suspirou profundamente tentando aliviar os soluços.

_ Maldição... - praguejou ao notar que teria de refazer a maquiagem.

Toc, toc, toc.

Dessa vez batiam de verdade na porta.

_ Quem é? - perguntou mal-humorada.

Depois de um momento de silêncio, a resposta veio em forma de pergunta:

_ Por que você está chorando?

Continua


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Notas finais do capítulo

Loteria da tia Kanon: Quem é, hein??

=**