Ameno Dore escrita por MyKanon


Capítulo 7
VII - Controle




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Enzo acomodou-se em sua carteira. Quase cedera ao desejo de matar todas as aulas, e comparecer somente ao ensaio do balé, mas a ideia de observar Itacy na sala do prédio ao lado sempre lhe servia como estímulo.

_ E aí, cara? - cumprimentou Jonas, virando-se para trás.

_ Tudo certo. E contigo? - perguntou sem o menor interesse.

_ Ow cara, verdade que você é o novo pianista da Tacy?

_ Não. Sou o novo pianista do corpo de balé.

_ É, isso... Mas diz aí, estava escondendo o ouro?

_ Só não sabia que devia anunciar.

_ Seu grande sortudo! Você chegou não tem mais que alguns dias e já está passando suas noites com as maiores gatinhas da escola nas poses mais reveladoras! Você acha mesmo que isso não deve ser anunciado, e até comemorado bro?

_ Que nada. Faço isso pela arte.

_ Lógico. Principalmente porque aqui no Sapienti a arte é ruiva e tem olhos azuis, não é?

_ Você tem que concordar comigo que a arte tem várias facetas... E essa do Sapienti, realmente me pegou.

Jonas riu e apontou para a sala adiante, onde o assunto acabava de adentrar.

+ + +

_ Bom dia Tacy!

_ Míriam, quais seus planos para o fim de semana? - perguntou Itacy sem se dar ao trabalho de responder.

_ Tinha algumas coisas em mente, mas ainda não tenho certeza...

_ Espero que um cabeleireiro esteja entre essas coisas.

Imediatamente Míriam passou a mão pela extensão de seu cabelo vermelho berrante. Aquilo a chateava verdadeiramente, mas no fundo, sabia que Itacy tinha razão.

_ Háháhá! - Francine que acabava de se juntar ao grupo fingiu gargalhar.

_ E claro que você devia seguir a sugestão da Míriam e retocar sua raiz. - prosseguiu Itacy, fazendo-a silenciar – Na boa, Fran... Se você insiste em usar seus cabelos platinados, ao menos seja mais cuidadosa.

Francine enrubesceu de ódio. A forma como Itacy pronunciara “Se você insiste” era quase como dizer que aquilo era péssima ideia. Mas quem era ela para lhe dizer o que era certo ou errado? Embora fosse extremamente divertido quando fazia isso com Míriam...

_ Você sabe que digo isso para seu próprio bem, agora, vejamos... A posição da mulher no mercado de trabalho. Hum, parece interessante... Licencinha, meninas.

Depois de ler o assunto da aula no quadro negro, Itacy desvencilhou-se de suas amigas e dirigiu-se à sua carteira. Poucos segundos depois, Francine sentou-se ao seu lado, de cara ainda amarrada, mas que não durou muito tempo.

Durante o intervalo, Itacy não teve coragem de recusar a barra de sementes de sua amiga Marian, e dessa forma, foi obrigada a adotar uma tática diferente, fingindo comer o cereal, enquanto o escondia sob o uniforme.

_ Vamos fazer assim, vamos as duas ao salão nesse sábado. - sugeriu Míriam à amiga Francine enquanto caminhavam de volta à aula.

Francine não queria ter que admitir, mas estava mesmo na hora de arrumar sua raiz...

_ Vai, Fran, deixa de besteira! Podemos decorar as unhas também! - insistiu a nova ruiva.

Itacy aproveitou o momento de distração das outras duas amigas, para se livrar dos pedaços de barra de cereal dentro de sua blusa. Não queria derrubar sementes no vestiário enquanto se trocava para o balé...

_ Certo... Eu estava querendo fazer uma franja... - concordou Francine.

_ Maravilha! Tacy, você vem também não é?

_ Não obrigada. Sou fiel à minha cabeleireira.

_ Mas você não estava reclamando que ela cortava mal o seu cabelo? - estranhou Francine.

_ Mesmo assim, ela ainda erra divinamente. Vamos logo, já estamos atrasadas.

As outras duas correram para segui-la para a aula.

+ + +

Enzo olhou para o relógio de pulso. Pronto. Agora estava cinco minutos atrasado.

Empurrou as portas duplas e adentrou o estúdio de dança.

As dançarinas se aqueciam e se exercitavam em frente ao espelho, enquanto o pianista não chegava.

_ Parabéns Lorenzo. Você conseguiu chegar ao rodapé da minha lista.

_ Que lista? Aquela de pessoas que você nunca amaria?

_ Que tal você tocar para garantir a integridade de seus dedos, hum?

_ Se eu fosse você, não agrediria seu pianista... Vocês só têm mais uma semana para a apresentação.

_ Então acho melhor para todos que você toque! - pediu entre dentes, já irritada.

_ Ok, ok, como quiser! - respondeu já sentando-se ao instrumento.

Mas antes que Itacy pudesse dar instruções às suas amigas, a melodia da Grande Valsa Brilhante tomou conta do estúdio.

Itacy suspirou profundamente, tentando se controlar. Sem sucesso.

Antes que Lorenzo pudesse piscar, ela já estava ao seu lado. Abaixou-se até ele e pediu, quase afável:

_ Por favor, quando eu pedir. Se não se importar.

Enzo virou-se para encará-la, e aproximou-se perigosamente, até enxergar-se refletido em seus olhos claros.

_ Em absoluto. - respondeu.

+

Itacy endireitou-se rapidamente, quase temendo cair na profundidade de seus olhos negros, e não conseguir nunca mais retornar à superfície.

_ Ótimo.

Dando-lhe as costas, voltou para perto de suas amigas e ordenou o início da peça quando já estava posicionada.

Não tinha jeito, o forasteiro não dava trégua. Ser enérgica com ele não surtia o mesmo efeito que surtia em outras pessoas... Na verdade, não surtia efeito algum! Pelo contrário, parecia incentivá-lo.

Mas não podia negar sua virtuosidade. Podia recomeçar a obra a partir de qualquer ponto, diferente de Max que precisava sempre do gancho de um compasso, obrigando ela e suas amigas a repetirem passos desnecessários.

E quando não a estava irritando, sabia exatamente quando parar e quando recomeçar, sem que lhe fosse ordenado.

Nunca admitiria, mas Lorenzo era um pianista formidável.

_ Muito bem. Por hoje é isso.

Itacy virou-se para encarar suas cinco amigas e avisou:

_ Muito cuidado com o fim de semana! Não extrapolem. Só temos mais esta semana. Até segunda-feira.

_ Até segunda, Tacy!

_ Se cuida, Tacy!

Algumas de suas amigas despediram-se e foram direto para a saída, enquanto outras decidiram se trocar antes de ir. Marian esperou pela amiga e a seguiu para o vestiário.

Enquanto mudava de roupa em um dos cubículos, Itacy ouviu sua amiga perguntar, com a voz cheia de preocupação:

_ Tacy, como você tem estado?

_ Ótima Mari. Melhor que nunca.

_ Fala sério! Você parou com aquela bobagem?

Raios!” Seria possível que teria de arrancar aquele fato da memória de Marian também?

Abriu a porta e deparou-se com Marian logo a frente.

_ Sim Mari, estou ótima, não consegue ver?

Marian estudou seu rosto com interesse, e pareceu se convencer.

_ Certo. Mas, se precisar conversar, estarei aqui.

_ Tá, tá. - arrematou já sem paciência.

Desviou-se da amiga e guardou suas roupas na mochila. Não precisou chamar para que Marian a acompanhasse até a saída.

+ + +

Assim que o sol se pôs no dia seguinte, Itacy saiu da cama. Depois de escovar os dentes e lavar o rosto, vestiu um colan confortável que usava para ensaiar em casa e desceu a escadaria de mármore no centro da casa, rumo ao seu estúdio de dança particular.

Ensaiou por horas a fio, até ser interrompida por seu irmão mais novo.

_ O que é agora? - perguntou ríspida, para seu reflexo no espelho que cobria toda a parede do fundo da sala.

_ Nada, oras. Terminei o terceiro capítulo do livro de história, e me deu vontade de ler mangá.

_ E tinha de ser aqui?

_ Queria ouvir Chopin também.

Itacy meneou a cabeça e voltou sua atenção para o ensaio enquanto seu irmão se largava no chão. Bem, se já tinha terminado a obrigação acadêmica que Nicolai havia imposto, não tinha problemas.

E aquela súbita vontade de lhe fazer companhia também já não era mais surpresa. Talvez Eloy ainda não entendesse, mas sentia-se responsável por ela. Era muito jovem, e Nicolai ainda não explicara tudo aos dois, mas certas coisas, Itacy conseguia compreender sem necessidade de explicação. Era instintivo.

Pouco depois da meia noite, deu-se por satisfeita pelo ensaio, mas ainda sentia-se cheia de energia, e decidiu que devia correr um pouco, já que fazia muito tempo que não se exercitava ao ar livre.

Correu para seu quarto e vestiu seu moletom roxo preferido. Soltou o coque que havia feito, e fez um rabo de cavalo. Olhou para seu relógio de cabeceira: 1:24.

Era um ótimo horário. As pessoas que saíam à noite provavelmente já haviam chegado a seus destinos, então as ruas estariam praticamente desertas.

Alongou os braços e as pernas, e correu até a porta da sala, mas antes de abri-la, pensou no irmão lendo no estúdio de dança.

Também fazia muito tempo que ele não saía. Da última vez que Nicolai viera, não teve tempo de sair com eles.

Devia fazer quase um mês que seu irmão não sentia uma brisa fresca...

_ Ei! - chamou quando empurrou a porta do estúdio.

_ Quê?

_ Vou correr.

_ Hum. - ele já não se atrevia mais a pedir para acompanhá-la.

_ Você está bem?

_ Estou.

_ Bem, bem?

_ Bem, bem. - garantiu.

Itacy continuou encarando-o por mais algum tempo. Tinha que ter certeza, pois não conseguia dominá-lo quando não estava bem.

Seus olhos pareciam tão esperançosos...

_ Certo, será que você me vence?

_ Sério? Posso mesmo ir?

_ Antes, me prometa que vai se comportar!

Eloy beijou os dedos cruzados, em sinal de promessa.

_ Então, vamos logo. Posso até te dar uma vantagem...

_Qual é! Eu sempre fui mais rápido que você!

Dizendo isso, levantou-se e num segundo já estava esperando-a na porta de saída.

_ Será que eu é que terei que te dar uma vantagem, maninha?

_ Veremos!

Deixaram a casa e caminharam lado a lado até o bosque nos limites do bairro. Lá poderiam correr com menos receio, apesar de tudo estar deserto, como Itacy previra.

_ No três! Um, dois... - antes de pronunciar o último número, Itacy disparou, e gritou para o irmão – Três!!!

Eloy gargalhou e correu até alcançá-la.

Ele era mesmo rápido, pensava Itacy.

Eloy agarrou seu agasalho, fazendo-a cair, e assim atrasando-a na competição.

_ Isso é desonesto seu pirralho! Eu te pego!

Itacy voltou a correr, e teve de se esforçar para voltar a alcançá-lo. Quando conseguiu, fez o mesmo.

Tombou ao lado dele no gramado, quase sem fôlego.

_ Você não sabe brincar! - reclamou com ele.

_ Você é quem não sabe perder! - ele rebateu – Você não disse que tinham regras, por isso...

Elou deixou a frase morrer.

Itacy virou o rosto em sua direção, curiosa.

_ Por isso...? - repetiu.

Mas seu irmão permaneceu em silêncio. Seus olhos estavam fixos no céu sem estrelas, assustadoramente vidrados.

Itacy ergueu-se num salto e debruçou-se sobre ele.

_ O que foi, Eloy?

_ Não está sentindo?

_ O quê? - perguntou quase em pânico.

Eloy calou-se novamente. Então, cobriu o nariz com ambas as mãos.

_ Está bem longe... Mas é sangue.

Por um instante, Itacy perdeu a ação. Concentrou-se e aspirou o ar profundamente. Eloy tinha razão. Estava fraco, mas estava ali, em algum lugar...

_ Melhor voltarmos, Eloy. Vamos.

Itacy levantou-se, mas seu irmão continuou deitado sobre a grama, tapando o nariz com as mãos.

_ Vamos logo, Eloy! - ralhou.

Como ele não moveu, agarrou seu braço e o puxou, só para ter certeza que era tarde demais.

Continua


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Notas finais do capítulo

N/A: Hey, flowers!
E aí, já deu pra tecer suas teorias, não deu não???

BjuBju!