Ameno Dore escrita por MyKanon


Capítulo 12
XII - Revelação




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/117592/chapter/12

Visivelmente forçada, Itacy cumprimentou a Enzo e ignorou propositalmente os outros ocupantes da mesa.

_ Olá, Tacy! Não resistiu a distância?

_ Droga, você sempre me decifra. - Itacy estendeu-lhe um grupo de folhas – Nossa nova valsa e cronograma.

_ Pensei que seu pianista já estava de volta.

_ E está. - ignorando o assunto, Itacy prosseguiu – Hoje não tem ensaio, trabalharei na nova coreografia, portanto, não falte na quarta-feira.

Sem dar a oportunidade de Enzo esclarecer suas dúvidas, Itacy voltou para sua mesa.

_ Concerto a quatro mãos? - brincou um dos garotos na mesa referindo-se aos dois pianistas.

Enzo folheou a partitura. O pianista original estava de volta, então por que deveria ficar à disposição de Itacy?

_ Sinto muito pela bailarina de ferro, mas não tenho tempo para ser sua marionete.

Não teve dúvidas, ao fim da aula, dirigiu-se resoluto ao estúdio de dança.

+

Itacy alongou as costas e o pescoço, aproveitando para verificar se a calça legging que usava não atrapalharia seus movimentos.

Satisfeita com o resultado, pensou em alguns passos.

Enquanto segurava a ponta do pé acima da cabeça, equilibrando-se com o outro braço, ouviu as portas do estúdio serem abertas, e imediatamente virou-se para elas, furiosa com a interrupção.

_ Pensei ter deixado claro que não teríamos ensaio hoje.

_ E eu pensei ter ouvido sobre o retorno do seu pianista.

_ E?

_ E então que o mais natural seria ele retomar as atividades e todos voltarmos às nossas rotinas, não?

Itacy soltou um muxoxo de impaciência e pousou as mãos sobre a cintura.

_ Certo, Lorenzo. Sei perfeitamente que essa convivência foi imposta a nós dois, mas você devia ao menos ter a dignidade de terminar o que começou.

_ Terminar o que comecei? Mas já nos apresentamos! Seu pianista pode muito bem assumir daqui pra frente!

_ Não, ele não pode!

_ Por quê?

_ Porque... - Itacy se deu conta que ainda não pensara na resposta.

Como pianista, Maximiliano era insignificantes perto de Lorenzo.

Lorenzo podia ser estúpido, pretensioso e insuportável, mas levara o grupo a uma apresentação de sucesso com apenas 2 semanas de ensaio. Mesmo com tantas interrupções.

E implicar com Lorenzo diminuíra o atrito com suas amigas, contribuindo imensamente com o aproveitamento dos ensaios.

Se fosse outro, Lorenzo já teria abandonado o barco muito tempo atrás. Mas sua ousadia lhe permitia enfrentar Itacy de igual para igual sem fugir ou se render.

Não podia perder esse pianista... Mas também não podia inflar seu ego e torná-lo ainda mais insuportável.

_ Porque ele ainda está com dores. Não se trata de uma recuperação fácil.

Itacy deu-lhe as costas e voltou para sua coreografia. Forçou-se a ignorar a presença logo atrás de si.

Depois de alguns segundos, ouvi-o gargalhar. Parou novamente e virou-se para encará-lo.

_ Posso saber o que é agora? - cruzou os braços.

_ Tacy, Tacy... Por que não admite logo?

Itacy sentiu o rosto corar.

_ Admitir o quê? Tá louco?

_ Vocês precisam de mim. Estão enfeitiçadas pelos meus acordes.

Enzo sentou-se ao piano, levantou a tampa e iniciou a música tema de Romeu e Julieta.

_ Posso embalar seu ensaio?

_ Lorenzo, deixa eu explicar uma coisa! - Itacy interrompeu a melodia, batendo com a mão nas últimas teclas – Chega de conversa fiada! Você vem me testando desde que chegou! E estou farta disso! Você é um pianista medíocre, mas precisamos de você porque o nosso está impossibilitado de tocar! Consegue entender?

_ Do que você está se defendendo?

_ Não estou me defendendo. Só estou estabelecendo limites.

_ Com o pianista medíocre?

Itacy recuou alguns centímetros. Estava claro que era mentira, mas não devia ter sido tão pungente.

_ Não precisa responder. Gosto de você justamente por sua franqueza e autenticidade.

Enzo levantou-se e jogou a mochila sobre o ombro.

_ Diga para o Max tomar alguns analgésicos.

Em seguida, deixou-a sozinha no estúdio.

Não era exatamente o que Itacy pretendia dizer. Só queria arrumar uma forma de mantê-lo na linha... Por que não podiam manter uma trégua?

Ainda incerta sobre a melhor atitude a tomar, Itacy também deixou o estúdio de dança.

Fazer o quê se ele era um conquistador incorrigível? Fazer o quê se ela era uma orgulhosa incorrigível?

_ Lorenzo, espere. - pediu quando alcançou o corredor que levava às escadas.

Enzo deu uma olhada para trás e riu:

_ Ah não, não desça do seu pedestal. Vai perder a graça. - voltou a andar em direção à saída.

Itacy apertou o passo. Teria se arrependido se pensasse uma segunda vez sobre o que faria a seguir, mas só pensou uma vez: agarrou a barra do blazer de Enzo, fazendo com que parasse.

Ao fazer isso, a gola de seu uniforme desceu uns poucos milímetros, mas o suficiente para Itacy visse algo que lhe prendeu totalmente a atenção. Era uma cicatriz.

Uma não, duas. Duas pequeninas cicatrizes circulares, uma ao lado da outra.

_ Uma cicatriz e tanto essa minha não? - perguntou em tom brincalhão.

_ Bem peculiar. - respondeu séria.

_ Mas você não tentou me despir só para apreciá-la, não é?

Itacy sabia muito bem o que era aquilo. Então Lorenzo também sabia...

Será que ele conhecia quem havia feito aquilo? Será que ainda estava por perto? Sabia ele de alguma coisa que ela não sabia?

Mais do que nunca, precisavam conversar.

_ Eu só... Só queria... Não quis dizer que você é medíocre.

_ Eu sei. - Enzo levantou a gola da camisa, escondendo a cicatriz – Você só não quer admitir, mas estava só se defendendo.

Itacy continuou calada. Aquela descoberta a atormentava mais do que tudo.

_ Só não sei do quê... - Enzo aproximou-se, colocando as mãos nos bolsos – Sente-se ameaçada por mim?

_ Não. - Itacy ignorou a provocação.

Deu um passo atrás e virou-se de costas.

Precisava que Lorenzo lhe contasse tudo que sabia. E hipnose não ajudaria. Apenas o deixaria letárgico.

Teria de usar uma outra técnica bem mais humana: compartilhamento de informações.

Ou troca de segredos, como chamava entre amigas.

E então a hipnose entraria em jogo. Tirando dele todas as lembranças de tudo que ela lhe contasse a fim de obter as informações que precisava.

Itacy voltou-se novamente para Enzo, que continuava a fitá-la, curioso.

Depois de suspirar, Itacy começou:

_ Mas eu tenho que manter as pessoas à distância.

Enzo contraiu as sobrancelhas, estranhando sua justificava.

Itacy virou-se outra vez e voltou a caminhar para o estúdio. Enzo a seguiu.

+

De volta ao estúdio, Enzo sentou-se ao piano, mas não o abriu. Observou Itacy caminhar de um lado a outro no estúdio, até finalmente parar à sua frente.

Estava prestes a contar algo muito importante sobre seu comportamento, mas não sabia por quê.

Itacy tirou do cabelo o palito que prendia seu coque e batucou com ele contra a mão.

_ Como conseguiu essa cicatriz?

Inconscientemente, Enzo levou uma mão à nuca, sobre a cicatriz.

_ Por que está tão interessada?

_ Porque eu sei o que é.

_ E por que pergunta?

_ Quero saber como foi. Quem foi.

_ Por que eu deveria te contar?

Enzo não parecia muito propenso a revelar seu segredo, então Itacy teria de começar.

_ Você não tem problemas com sangue, tem?

Enzo não entendeu a última pergunta. A garota bufou, não impaciente, mas tomando coragem, e forçou o prendedor de cabelo contra a palma da mão.

_ O que é agora? - ele perguntou estranhando.

Mas ao notar a expressão de dor em seu rosto, e o gemido sufocado, correu até ela, tentando impedi-la de continuar, sem sucesso.

_ Mas o que você pensa que está fazendo?!

Filetes de sangue escorriam da mão de Itacy, do local onde o palito havia atravessado a palma de sua mão.

_ Não é nada. - com um impulso, Itacy puxou-o para fora de sua mão, e estendeu-a para Enzo. - Para mim, não é nada.

Assustado com seu ferimento, Enzo tomou sua mão, tentando decidir o que deveria fazer primeiro, levá-la à enfermaria ou ao consultório psicológico do colégio.

Mas o que viu em seguida, surpreendeu-o de tal forma que o fez imaginar se ele não precisasse de um psicólogo. O ferimento úmido e vermelho secava e se fechava em uma velocidade sobre-humana.

Enzo passou o polegar sobre a pele manchada de sangue, porém totalmente... Ilesa.

Subiu seu olhar alarmado para o rosto da jovem.

_ Eu não sou humana. Não sou mais.

Itacy recolheu a mão para si.

_ Eu sou como a criatura que lhe fez isso.

Enzo observou o sangue em seus dedos.

_ Eu sou uma predadora. Sua predadora, para ser mais exata.

Enzo continuou a observar sua própria mão suja de sangue. Deu-lhe as costas e caminhou lentamente de volta ao piano.

_ Sei que deve estar com medo, e até com raiva. Mas não sou como quem te atacou. Eu... Não mato pessoas. Prefiro ser civilizada.

Enzo continuava a ignorá-la.

_ Saiba que não me importo com a sua repulsa! - começou a se alterar com seu desdém – Eu também fui uma vítima! Como você!

_ Não sinto repulsa. Nem estou com medo.

Enzo sentou-se.

_ Minha mãe foi a vampira que me fez isso.

Continua


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!