Shiki Fuujin escrita por Pitty-chan


Capítulo 1
Parte Um


Notas iniciais do capítulo

Antes de tudo devo explicar que esta fic é como qualquer outra coisa em se tratando do famoso Yondaime Hokage, já que a grande maioria de informações que temos sobre ele ou são referências curtas ou teorias. Sendo assim esta história é meramente hipotética.



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Shiki Fuujin
Por Pitty Moraes
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Fumaça.

Tudo começou com fumaça. Ao longe pode-se ver uma nuvem negra que anunciava ruína e caos. Seu cheiro sufocante foi o primeiro que se alastrou pelo ar, poluindo os céus de Konoha.

Dizem que onde há fumaça há fogo, um mensageiro trazendo uma carta de declaração de guerra.

Chamas.

Labaredas subiram pelas construções, lambendo as paredes das casas, o chão pavilhado das ruas e as fachadas dos edifícios. O som do fogo crepitou por entre as folhas das florestas.

Dizem que o fogo é o elemento mais destrutivo da natureza, o único capaz de transformar a matéria até que fique irreconhecível.

Destruição.

O chão formou crateras, a terra rolou e estremeceu. O pavimento soltou-se em lascas e pedregulhos voaram pelo ar. Pessoas tentaram se salvar nos escombros e ainda assim foram esmagadas. A lua tomou uma cor avermelhada, como um Apocalipse.

Dizem que o que não mata fortacele, mas talvez os que sobreviveram naquele dia ainda duvidem um pouco disso.

Eu não saberia, porém. Eu sou parte daquilo que destruiu-se, e agora posso dizer que não estava preparado para ir embora.

Tá, pronto, eu disse. Agora foi. Me sinto mais leve. Não é fácil admitir estar assustado quando se é um cara durão, que aparentemente tem gelo correndo nas veias quando se trata de perigo.

Ah, não... eu tive medo sim. Imagine só, você acaba de ter a notícia que seu filho nasceu. Eu sou pai! Uma nova vida, nova família, novas alegrias, sonho realizado! Viva!...não. Estão atacando a vila, e não é qualquer invasor. Não é um simples exército de cinco mil homens; é nada mais nada menos do que a lendária kitsune, Kyuubi no Youko.

Isso já é o bastante para um cara se borrar de medo.

Mas acontece que quando você se torna um líder invariavelmente o peso cai nos seus ombros. Você ganha responsabilidades que muitas vezes são além da sua capacidade.

Não que eu fosse despreparado...isso seria mentira. Eu soube lidar com todas as minhas funções, mesmo as que envolviam assinar pilhas claustrofóbicas de documentos. Eu assumi meu papel com dignidade e força. Eu protegi Konohagakure com garras e dentes como uma águia protege sua ninhada.

Porém, o caminho shinobi é mais difícil do que parece. O que eu aprendi sendo Hokage? Aprendi que pergaminhos selados raramente são presentes, e a grande maioria deles explode nas mãos erradas. Matar pessoas dói, mesmo quando elas são culpadas. O fato de terem sido ordens não faz isso ficar mais fácil. O fato de você ter sido quem precisou dar as ordens o torna mais difícil ainda. Bolsas de armas só pesam no seu cinto porque estão cheias de armas. Sangue é fácil de lavar das mãos, mas não dos cabelos. Culpa é fácil de lavar do corpo, mas não do espírito.

Quando você passa a carregar as vidas de muitas pessoas é no seu coração - e não em suas mãos - que pesa. Quando você perde familiares, amigos, alunos... A vontade que se tem é de gritar até que o ar falte nos pulmões, chorar até que as lágrimas se transformem em maremoto, quebrar tudo ao redor até que não reste nada de pé.

Me lembro daquele momento. Apesar de eu ter passado ordens de combate com a voz firme, por dentro eu estava em pânico. Sentindo como se o meu cérebro estivesse prestes a explodir pelas orelhas, como se a qualquer hora eu fosse começar a chorar e a berrar e a chutar coisas. Mas eu não podia. Não podia, porque senão, quem iria restar para zelar por todos? Quem iria cuidar da minha desprotegida, amada vila, a vila que passou a depender tanto de mim? Quem iria comandar ela, quem iria se assegurar que nada fosse aos pedaços, quem iria ter sangue nas mãos e não se importar? Eu pensava que não seria eu, porque o pânico estava me tomando. Mas tinha que ser eu. Tinha que ser, ou Konoha iria cair.

E uma coisa mórbida sobre esse fato é que alguém já havia me dito o que aconteceria muito tempo antes. O que me ocorre agora o motivo pela qual comecei a pesquisar tanto sobre o assunto.

Eu achava que era apenas uma obsessão bizarra minha. Algum tipo de paranóia causada pelo cargo que eu ocupei, que originalmente seria do Sannin das Cobras, Orochimaru. E o que ele disse me despertou a tal neurose.

“Namikaze.”

Já estava me retirando da sala em que o conselho se instalara, quando ouvi a voz sibilante do homem. Me virei, encarando-o, tentando não mostrar nenhuma emoção. O que era difícil, já que a pessoa à minha frente não estava no melhor dos humores e tinha acabado de ser exonerado do futuro cargo que eu havia sido recém-escolhido para ocupar.

“Orochimaru-sama.” Repeti seu ato, curvando a cabeça um pouco, em reconhecimento.

“Não pense que será tão fácil ser Hokage.”

Eu não disse nada, mas tenho certeza que meu rosto respondeu por mim. Ele estava me ameaçando. Não era bem o sentido dúbio das palavras, e sim seu olhar de serpente que me deu a constatação.

“Quando se der por si será o seu sangue sendo sacrificado por Konoha. Nem mesmo implorar para a morte irá te salvar.”

Com um sorriso irônico e uma saudação sarcástica, ele se retirou, me deixando ali pregado no chão. Mau agouro. Algum tipo de praga sinistra.

Apartir daquele dia a morte passou a enfeitar meus sonhos, se agarrando à minha pele como tatuagem. Não que eu estivesse marcado para morrer, mas algo me dizia que por via das dúvidas eu deveria estar preparado. Por todos os que eu amava e estendia meus braços para proteger, eu tinha que tomar alguma atitude para me prevenir. Se como ele disse, implorar para a morte não adiantaria, quem sabe se fizéssemos um acordo?

Shiki Fuujin.

Agora o nome soa meio idiota nos meus ouvidos. Quando o pensamento me surgiu eu nunca imaginaria que se tornaria um kinjutsu. Essa é a idéia de jerico de um cara que se acostumou a fazer Kuchiyose de sapos gigantes... Brincar com a Morte é algo que não se faz, meu chapa. É pior do que se atrever a brincar com o Gamabunta, por mais que ele te respeite.

Ninguém jamais havia pensado em invocar um Shinigami. Mas veja bem, existe alguma entidade mais poderosa e inevitável do que a própria morte? Como adoram dizer os Hyuuga, ‘a morte é o único destino que todos os homens compartilham’. Sendo assim... Algo que possa destruir qualquer inimigo... Só a Morte mesmo.

Pesquisei loucamente durante meses. Lembro de Kushina me dizer que eu estava tão obcecado que parecia estar possuído. E é bem provável que ela tivesse razão, mas eu simplesmente não conseguia evitar. Aquele pressentimento ruim crescia como uma bola de gelo no meu estômago, e se encarregava de não me deixar esquecê-lo por um momento que fosse.

Fator um: Kuchiyose no Jutsu.

“Realmente, tenho que dizer que estou surpreso. É quase inédito você vir me pedir conselhos.” O Sannin dos Sapos parou por um instante e me dirigiu um olhar sacana. “Me lembro que a última vez foi porque estava incerto se Kushina iria gostar de ganhar uma calcinha comestív-...”

“Jiraiya-sensei!”

Tapei a boca dele com uma mão o mais rápido que pude, e olhei ao redor para me certificar que ninguém tinha ouvido tamanha sem-vergonhice em público. Só Deus sabe como não virei um tarado maníaco-compulsivo tendo um sensei como ele. Imagine a queda vertiginosa nos gráficos da minha popularidade entre o conselho se isso chegasse a certos ouvidos.

“Desde quando você parou de tentar desenvolver o Rasengan pra ficar estudando essas coisas macabras, Minato? É algum fetiche estranho?”

Tenho a impressão de que o meu olhar mortal respondeu por si só. Eu costumava ficar de cabelo em pé só de pensar no que ele podia estar ensinando à Kakashi nas idas convenientes ao bar da esquina. Enquanto me perguntava se meu inocente aluno seria corruptível, a voz do meu ex-sensei me tirou dos pensamentos.

“O que Kuchiyose tem a ver com Shinigamis?” Seus olhos repousaram nos meus, e eu lentamente engoli em seco. “Você não está pensando o que acho que está pensando, está?” Não respondi, minha atenção vagueou ao redor, contornando a vila. O pressentimento ruim emergiu de novo e a resposta ficou mais fácil.

“Sim.”

Pude ouvir um suspiro cansado vindo dele, o que me rendeu um olhar incrédulo.

“Provavelmente esta deveria ser a hora em que eu digo que você está maluco em querer fazer isso, mas...” Ele sorriu. “Sei que você não é o tipo de pessoa que faria algo sem um motivo.”

“É um motivo importante, Jiraiya-sensei. Como Hokage eu...”

“Tem o dever de proteger Konoha, eu sei.” Ficamos em silêncio por alguns minutos, até que ele recomeçou a falar.

“Você sabe que é impossível trazer à existência algo do nada, sem que haja algum tipo de sacrifício, não? A maioria dos seres invocados exige apenas um contrato de sangue com o invocador, mas existem outros que exigem sacrifícios maiores.” Ele parou para pensar por um momento e continuou. “Por exemplo, o Kuchiyose do Orochimaru, a serpente Manda, que exige cem sacrifícios humanos.”

Ao ouvir essas palavras a inquietação cresceu dentro de mim, e comecei a andar de um lado para o outro.

“Isso que você está querendo invocar... Não faço idéia do tipo de exigência que terá, mas não vai ser boa coisa, Minato.”

Fator dois: Selos

Tentei mudar o foco dos meus pensamentos incontáveis vezes após ouvir a opinião de Jiraiya-sensei. Isso já estava começando a afetar não só a minha vida pessoal, mas também minhas outras funções na vila, já que a minha atenção às vezes vagava para longe dos meus afazeres. Mas foi em uma conversa com o sensei do meu sensei que tudo voltou à estaca zero.

“Não pensava que Danzou iria resolver pegar no seu pé também. Sinto muito por isso.”

“Sem problemas, Sarutobi-sama, eu já me acostumei a lidar com a ANBU Ne. Além do mais, ele não deixa de ter alguma razão.” O ex-Sandaime me dirigiu um olhar curioso ao ouvir minha declaração. “De certa forma eu tenho negligenciado o conselho.”

“Não se preocupe,” Ele disse, sorrindo. “Sempre haverão rixas. É impossível agradar a gregos e troianos. Mas tenho certeza que escolhi bem ao nomear você como meu sucessor.”

“Por mais que o cargo fosse originalmente direcionado à Orochimaru-sama?”

“Sim. Além do mais, ele não merece mais o direito de ser chamado de ‘sama’. Traidores não possuem o privilégio de serem reverenciados por mais que seus poderes sejam elevados”.

A menção do nome daquele que me causou a origem da paranóia trouxe tudo de volta à minha mente.

“Professor?”

“Sim?”

“Eu estava pesquisando um jutsu...”

Minutos se passaram enquanto eu explicava a idéia sobre a invocação de um Shinigami ao homem que foi conhecido como Deus Shinobi, o único que dominara todos os jutsus de Konoha. Observei as várias mudanças de expressão que ele teve durante o trajeto da minha explanação. Algo na faixa da surpresa, admiração, intimidação, desaprovação e dúvida. Quando por fim pensei que ele rejeitaria a idéia com toda a certeza, Sarutobi-sama se fez ouvir.

“Sem dúvidas, se for possível de ser realizado será um jutsu perigoso, mas infalível.” Coçou o queixo, em reflexão. “Este é o tipo de Kuchiyose que ninguém nunca fez, então não deve haver pergaminho de contrato.”

“Era o que eu estava pensando. Perguntei à Jiraiya-sensei como o primeiro invocador fazia para criar um contrato com o invocado, mas ele não soube me dizer. Estava pensando se o senhor saberia.”

Observei enquanto o olhar dele vagou ao redor da Sala Hokage até voltar a mim, ponderando no que deveria responder.

“Se não me engano, as primeiras invocações foram por total acidente, ao invocador errar algum selo em uma seqüência de selos. Como por exemplo, a seqüência de selos de um Kuchiyose com contrato é ‘Javali, Cachorro, Pássaro, Macaco e Bode’, mas se você trocar um desses selos, pode acabar fazendo algo completamente diferente.”

A situação estava ficando complicada. Existem infinitas possibilidades de combinações com os doze selos, além de todas as ramificações como o ‘Nono Macaco’. Sendo assim, seria impossível tentar descobrir qual delas acarretaria na invocação de um shinigami se o padrão fosse totalmente randômico.

“Mas, Professor, não existe um padrão único? É tudo aleatório?”

“Não, não é completamente aleatório, existe certa matemática na seqüência, além do fato de selos como ‘Tigre’ serem associados à Katon e ‘Serpente’ à Doton.” O raciocínio foi cortado quando ele percebeu que eu estava revirando uma prateleira de livros no canto da sala. “Yondaime?”

“Isso me dá margem à mais pesquisas.” Eu sorri, colocando uma pilha de livros empoeirados sobre a mesa. “Apesar de que acho que Kushina vai me dizer que estou correndo o risco de me tornar um sociopata.”

Ele riu, e depois de pedir para ser informado da evolução do jutsu, se retirou da sala, me deixando envolto em pensamentos estranhos e livros de profecias e matemática sombria. Uma aura negra me cercou. E eu não sabia que ela viria a envolver minha alma em uma armadilha, através de apenas nove selos. Para jutsus menos complicados eram necessários até mesmo cerca de quarenta e quatro selos, mas descobri que, de certa forma, este era bem mais simples do que eu imaginava inicialmente. Porém apenas de certa forma.

Serpente, Javali, Bode, Coelho, Cachorro, Rato, Pássaro, Cavalo, Serpente.

Apenas nove selos. Bastou para acabar com a minha vida.

Fator três: Kage Bunshin no Jutsu

“Quanto tempo mais você pretende ficar aí?”

Voz melodiosa me desviou a atenção dos livros e pergaminhos espalhados sem organização sobre o carpete da sala de estar. Sentado no chão levantei os olhos, exatamente como uma criança pega no flagra pela mãe fazendo algo errado. Uma mulher ruiva consideravelmente irritada entrou no meu campo visual.

“Kushinaaaa... Agora não, por favor...”

“Agora sim! Nesse exato momento, ilustríssimo senhor Hokage!”

Ela se aproximou bufando e me puxou pelo braço, me fazendo levantar relutantemente. Por conseguinte pisando em livros e pergaminhos dados como patrimônio de Konoha sem a menor cerimônia, com a sutileza de um elefante. Algo que eu nunca diria, a menos que quisesse levar a maior surra da história shinobi.

“Qual é o seu problema, hein? Já passa da hora de deitar! Está virando a noite todo dia agora, é? Por acaso é um daqueles espécimes científicos que sofreram algum tipo de mutação ou evolução pra não precisar mais dormir?!”

“Você está de TPM?”

“Não desvie o assunto!”

Sorri, observando a luz fraca da madrugada contrastar com os cabelos vermelhos dela. Pode te parecer um clichê dizer isso, mas Kushina era o tipo de pessoa que ficava ainda mais bonita quando irritada. Outra coisa que eu não diria naquele momento, a menos que realmente quisesse que meu cadáver fosse encontrado na manhã seguinte boiando nas fontes termais.

“Do que está rindo?!”

“Nada não...” Ao observá-la franzir ainda mais a sobrancelha, não pude evitar outro sorriso. “Você está mesmo de TPM, né?”

“Não.” Dito isto, ela começou a caminhar em direção ao nosso quarto, me puxando atrás de si pela manga da camisa. “Seria impossível na atual situação.”

“Por quê?”

Ao ouvir minha pergunta parou de andar de repente, e eu não trombei com ela por uma fração de segundo. “O que é isso que você está fazendo, Minato? Você está estranho. Está diferente.”

“Diferente como?” Eu sabia o que Kushina queria dizer, mas algo me disse que seria melhor se eu me fizesse de desentendido. O que não gerou uma boa solução, no fim das contas. Depois de vinte minutos ininterruptos de discussão, acusações, xingamentos, beijos e sexo selvagem, ainda estávamos decididamente nos odiando.

“Aaah... Por que eu ainda gosto de você, hein, senhor Hokage? Deve haver algo errado com os componentes do meu cérebro.” Ela se virou para o outro lado da cama, deixando de me encarar.

“Gosto não se discute, se lamenta.”

“Apoiado.”

“Mas talvez seja porque eu sou muito bom no que faço.” Repliquei, rindo, ganhando um merecido golpe de travesseiro no meio da cara. Se ela tivesse feito mediatriz não teria saído tão certo.

“Mas que presunçoso!”

“Vamos, aceite! Pra ser melhor do que isso só se tivéssemos feito vários Kage Bunshin ao mesmo tempo...” Uma sonora gargalhada me escapou, me rendendo dezessete hits de travesseiro na cara. Eu admito, é impossível ser aluno de Jiraiya-sensei e não ter ficado nem um pouco pervertido.

Kage Bunshin, é?! Eu tô fora! Use os seus Kage Bunshin nesse seu maldito jutsu e me deixe em paz!”

Um estalo. Na verdade dois estalos. O primeiro foi na cama, dado a todos os combos em cima de mim, que a fizeram desmontar em um estampido. Nós afundamos junto com o colchão, eu rindo histericamente e Kushina ainda me batendo com toda a fúria.

O segundo estalo foi na minha mente.

Mas é claro. É claro! Conseguir a provável seqüência de selos para o futuro Shiki Fuujin tinha sido difícil, e envolvera várias noites sem dormir de constante pesquisa. Profecias e textos antigos falando sobre Shinigamis e os elementos da morte. Livros e mais livros de matemática, combinação, probabilidade. Mas eu estava certo de que conseguira. A seqüência de nove selos que eu formara parecia satisfatória e fiel aos padrões universais do Kuchiyose no Jutsu.

De acordo com livros antigos os Shinigamis eram deuses da morte, naturalmente encarregados de retirar as almas dos falecidos de dentro de seus corpos; e assim selá-las no destino eterno decidido pelos atos que cometeram quando ainda vivos. Retirar a alma do corpo... e selá-la. Um fuuinjutsu de rank S, totalmente inevitável e morbidamente perigoso.

Mas havia um problema, um grande problema. Esse jutsu tinha tudo para dar certo, mas também tudo para dar errado. Como Jiraiya-sensei dissera, eu não fazia idéia do tipo de exigência que invocar um Shinigami me traria. E se fosse algo mais valioso do que eu estava disposto a pagar? O que fazer? Há essa altura eu já estava praticamente certo que a cada passo dado esta técnica pendia cada vez mais para um verdadeiro kinjutsu.

“Minato?”

Não respondi, minha mente de repente extremamente concentrada e o raciocínio agindo freneticamente.

“Minato? O que foi?”

Kage Bunshin no Jutsu...

“O quê...?”

Levantei em um impulso e comecei a sorrir de maneira quase doentia, puxando Kushina pela mão para que ela se levantasse também. Ela continuou a me olhar com um olhar que claramente dizia ‘era o que eu temia, chegou a hora de internar’.

“Eu posso usar Kage Bunshin no Jutsu!! Entendeu, Kushina? Assim será o clone sofrerá os danos!”

Antes que ela pudesse concatenar com o que eu estava dizendo em plena madrugada com nossa cama recém-quebrada no chão, fumaça e som de jutsu executado anunciaram que eu acabara de fazer um clone das sombras. Ela olhou de mim para o meu clone e cruzou os braços, levantando uma sobrancelha.

“Eu já disse que não pretendo fazer isso com clones.”

Não a dei atenção. Minha mente estava concentrada em algo totalmente diferente. Olhei para o lado, e assim como eu desejara, meu clone estava executando uma seqüência de selos.

Serpente, Javali, Bode, Coelho, Cachorro, Rato, Pássaro, Cava-...

Antes que os últimos dois selos pudessem ter completado a seqüência, Kushina socou o clone com tanta violência que eu pude sentir o ventinho do golpe levantar meu cabelo. O Kage Bunshin sumiu em uma nuvem de fumaça antes de completar o jutsu.

“O que está fazendo?!” Eu disse, sem perceber que instantaneamente elevara a voz. “Você não sabe que esse jutsu é impor-...!”

“Não, o que você está fazendo, Minato?! Você ouviu alguma palavra que eu disse?! Você ao menos tentou me ouvir?! Você está paranóico, neurótico!! A guerra acabou, Yondaime! A guerra acabou!! Por que está agindo como se esse jutsu fosse nos salvar de algo terrível quando não tem nada da qual ele tenha que nos salvar?!”

Ela parou de falar tão depressa como começou. Seu peito arfando, o rosto quase tão vermelho quanto seus cabelos. Fiquei ali parado e sem ação, esperando que continuasse.

“O que você pensa que está fazendo com esse jutsu?! Você acha que eu não sei o que ele significa?! Você acha que não estou a par dos possíveis efeitos que isso pode causar?! Pois eu estou sim, seu IDIOTAAA!”

“Kushina... eu...”

“Não fale nada, eu não acabei!!” Imediatamente reprimi meu ato de me aproximar dela. “Você não estranhou quando eu disse que não poderia estar de TPM?” Clara interrogação pôde ser vista no meu rosto.

“Minato, eu estou grávida.”

Tá, essa eu realmente não esperava.

“E o que vai acontecer se, como eu estou pensando, isso acabar virando um kinjutsu...? E se você morrer? Você não é um homem qualquer. Você não é apenas um shinobi, apenas mais uma ferramenta para proteger Konoha sob qualquer sacrifício desnecessário. Você não é apenas o Yondaime Hokage. Você é pai desta criança.”

Apontando para sua barriga ela se calou, deixando finalmente que eu me aproximasse. Eu a abracei. Ela chorou. Pela primeira vez eu a vi chorar. Kushina não era o tipo de mulher frágil que choraria por qualquer coisa, a maneira que eu a senti sofrer somente em pensar na possibilidade da minha morte me doeu até os ossos.

Eu realmente não podia me dar ao luxo de executar o Shiki Fuujin. Como ela dissera, agora eu tinha não somente responsabilidades para com a vila, nem somente para com ela... Agora eu tinha responsabilidades para com você. O fio de vida que se formara no útero de Kushina. Você. Naruto. Por você eu prometi a Kushina naquela noite não que morreria para protegê-lo, mas que viveria para ser um bom pai, sem jamais tentar completar aquela seqüência de selos.

Ou pelo menos era o que eu pensava.

O que eu não sabia era que teria sim que executar aquele jutsu. E outra coisa que eu não fazia idéia era que, ao contrário do que eu deduzira, um Kage Bunshin não salvaria a minha vida.

“Hokage-sama! Hokage-sama!”

Parei no caminho pela vigésima terceira vez ao ouvir outra voz me chamando. Confesso, era uma verdadeira missão rank S conseguir deixar a Torre Hokage. A cada momento surgia um problema novo para que eu resolvesse, o que parecia uma ironia do destino exatamente naquele dia. Konoha passara a depender de mim até o último fio de cabelo.

Se fosse um dia qualquer eu normalmente cumpriria o expediente até o fim da noite, por não morar na torre como os Hokages antepassados. Mas exatamente naquele dia eu precisava sair mais cedo. Porém, a cada três passos que eu dava uma emergência que não podia esperar me atrasava cada vez mais.

Por fim, depois da vigésima quarta interrupção, resolvi trapacear.

“Yondaime-sama! Espere um pouco, acabamos de receber um pergaminho de Sunagakur-...”

Hiraishin no jutsu. Quem quer que tenha me chamado naquela hora com certeza comeu poeira. Às vezes é útil ser o Relâmpago Dourado de Konoha.

No segundo seguinte o jutsu espaço-tempo me levou à uma lápide, onde aterrissei equilibrado. As abas da minha capa ondularam atrás de mim dramaticamente. Alheios aos efeitos especiais da minha chegada, meus olhos encontraram meus dois ex-alunos - o ANBU com a kunai tridentada que eu o dera balançando desleixadamente entre os dedos.

“Você está atrasado.”

“Me desculpem.” Eu disse, sorrindo. “Problemas de última hora.”

“Foi a mesma coisa que disse no ano passado.”

“Ah, Kakashi, dê uma trégua para o Sensei. Não é fácil ser Hokage!”

“Você dá tréguas demais a ele, Rin.”

Levantei, me aproximando. Quase as mesmas palavras haviam sido trocadas no dia em que perdemos aquele que não o corpo, e sim a alma descansava abaixo daquela lápide.

“Isto me parece um déjà vu.”

Kakashi me enviou um olhar de reprovação debaixo de sua máscara, me recriminando pelo que dissera.

“Impossível. Obito não está aqui.”

Um silêncio desconfortável se formou. Rin se aproximou da lápide e a limpou, depositando flores sobre o túmulo, enquanto eu murmurava um ‘tem razão’ entre dentes. Ficamos ali durante cerca de uma hora. O dia em que Obito morrera havia marcado algo no espírito de nós três, nos impedindo de seguir da mesma forma que antes. Até mesmo em mim, o ‘eu’ que já experimentara o gosto amargo da morte e da guerra inúmeras vezes.

Quantos eu matara? Quantos eu vira morrer?

Mas aquele havia sido alguém especial, e eu tinha consciência disso. Eram naqueles momentos que eu queria afundar no chão por ter falhado e permitido que algo daquela natureza acontecesse. Eram naqueles momentos que ser um shinobi se provava muito difícil. E eram também naqueles momentos que meus dedos coçavam para testar aquele jutsu. O único jutsu que meus sentidos diziam que jamais permitiria que eu falhasse em proteger alguém novamente.

“Por que ninguém do Clã Uchiha veio limpar a lápide?” A pergunta de Rin me despertou dos pensamentos de súbito. “Quando chegamos aqui ela estava suja e não haviam flores, ninguém ofereceu sake. Estranho para um clã tão tradicional, não?”

Kakashi retirou a máscara da ANBU e o hitaiate, revelando o sharingan que herdara de seu colega de time. Disse algo tão baixo que por pouco não se tornou incompreensível, um comentário consideravelmente depreciativo sobre os Uchiha.

O fato é que o clã desprezava Obito. Por não ser brilhante como seu prodígio, Uchiha Shisui, ele era tachado como inútil, e lidavam com ele como alguém sem valor. Talvez por ter sido tão pressionado e tão cobrado, só conseguiu despertar sua kekkei genkai no dia em que foi marcado para morrer.

“Sensei... Embora eu seja considerado parte da elite por ter nascido no Clã Uchiha, eu sou um fracassado.”

Eu sempre fui pouco flexível com meus alunos, querendo assim que evoluíssem. Porém, ter um gênio e uma excelente médica-nin no mesmo time fizeram com que Obito se sentisse um ninja de habilidades rasas. Mas isso não devia ser o suficiente para que o deixassem de lado. Não devia ser o bastante para que o tratassem com tanto desprezo mesmo após a morte. Isso... fez o meu sangue se agitar dentro das veias.

Nunca tive nada contra o Clã Uchiha. Mas apartir daquele momento algo sobre eles fez meu sexto sentido gritar como louco que havia alguma coisa muito errada. Mesmo livre de todos os preconceitos que envolviam o líder de insurreições no passado - Uchiha Madara - o clã ainda era visto em Konoha com olhos desconfiados. Apesar de órgãos como a polícia serem entregues nas mãos deles, o conselho permanecia constantemente com a pulga atrás da orelha. E naquele dia eu me vi cada vez menos como um de seus simpatizadores.

O que me gerou uma obsessão novinha em folha.

“E então, como está a evolução daquele jutsu?”

Cercado por pilhas de papéis e relatórios de missões, levantei os olhos por um minuto para encarar o ancião à minha frente. A mesa abarrotada quase me impedia de ter uma visão clara do homem de baixa estatura.

“Já faz algum tempo que desisti dele, Sandaime-sama.” Ele me dirigiu um olhar espantado. Normalmente eu não era do tipo de desistir de uma idéia, ainda mais se tratando de um jutsu de rank tão elevado. Sempre fui conhecido por minhas persistência e determinação fora do comum; o próprio Rasengan com a qual eu ainda fundia meus miolos para desenvolver por completo rejeitava qualquer afirmação de desistência. “Ao que parece ele oferece riscos demais para ser considerado uma opção para um cara que está prestes a ser pai.” Eu sorri, e ele ficou em silêncio por um instante, até falar outra vez.

“Então se trata realmente de um kinjutsu?”

“Nunca cheguei a testá-lo, mas creio que sim.” Meu olhar vagou entre as pilhas de relatórios até parar sobre um deles, ironicamente o reporte de uma missão cumprida por Uchiha Fugaku. Só de ver o dito sobrenome a inquietação começou a crescer internamente de novo, e meus dedos coçaram outra vez. “Se bem que a todo o momento penso se haverá um dia em que alguém terá de usá-lo.”

“Você já havia pensado em um nome para ele?”

Um suspiro cansado me saiu antes que eu pudesse reprimir. Segundo todas as minhas pesquisas sobre Shinigamis e selamentos o nome mais correto seria...

Shiki Fuujin.

“Entendo. Apropriado, certamente. Creio que só este nome já traria arrepios para quem quer que fosse enfrentá-lo.” Sua expressão mansa endureceu ao perceber que eu ainda estava olhando atentamente para o mesmo nome sobre o papel, franzindo as sobrancelhas. “Algum problema em uma missão?”

“Não exatamente...” Apesar da negativa, a ruga entre as minhas sobrancelhas se afundou mais. “Sarutobi-sama... Acaba de me ocorrer algo estranho...”

“O quê?”

“Por que ainda possuímos cópias de todos os relatórios de missões cumpridas pelo Clã Uchiha durante todos os mandatos anteriores?” Por um segundo vi o semblante dele escurecer. “Olhando assim parece até... que estavam observando todos os mínimos movimentos deles.”

Como eu esperava, nenhuma resposta veio. Levantei-me da mesa, meus pés se dirigindo à estante no canto da sala por puro instinto, sendo seguido pelos olhos do ex-Sandaime. Também por instinto meus dedos percorreram lombadas de livros até encontrarem o que estavam procurando.

Colocando o dito livro sobre a mesa novamente, Sarutobi-sama observou silenciosamente enquanto eu passava as páginas de relatórios antigos da ANBU. Até encontrar a passagem que me chamara a atenção dois anos atrás, quando eu fora recentemente promovido à Hokage.

“Seguindo ordens não apenas suas, mas também de Shodai-sama e Nidaime-sama, existem centenas de relatórios da ANBU fichados na letra ‘U’.” Virei o livro de cabeça para baixo em relação a mim, para que ele pudesse ver. “Desde a fundação da vila pelo menos três esquadrões da ANBU eram designados para espionar todos os membros do Clã Uchiha.” Um segundo se passou até ser feita a pergunta de ouro. “Por quê?”

Acredito que por aquele momento ele realmente não soube o que responder, até que aparentemente o nó feito em sua garganta se soltou. Durante um tempo que eu não soube identificar, - poderia ter sido questão de vinte minutos ou duas horas - Sarutobi-sama me explicou todo o temor que os Uchiha representavam para a ordem em Konohagakure. Depois da insurreição de Madara contra o Shodai Hokage, Hashirama-sama no Vale do Fim, apesar de todas as barganhas e votos de confiança, o clã ainda era visto como uma ameaça em potencial.

Por quê? Haveria uma real explicação, ou tudo não passava de especulação sem fundamento? A questão era que quanto mais aquele sobrenome pulsava na minha cabeça, mais algo me dizia que havia uma coisa muito errada. Mais a minha intuição apontava ‘perigo’ com setinhas e imensos letreiros de neon.

E não durou muito para que eu desencavasse algo que à princípio jamais me havia passado pela cabeça. Algo que secretamente o Clã Uchiha escondia da vista de todos, um fato que podia significar a total destruição de Konoha. Uma verdade que eu carregaria para o meu túmulo, o ventre do Shinigami: Shodai-sama não havia tido vitória completa oito décadas atrás...

Uchiha Madara estava vivo.

“Você tem andado distraído ultimamente.” Voltei o olhar para o homem à minha frente. Já faziam cerca de dez minutos que eu estava - aparentemente - em outro mundo, perdido em meus próprios pensamentos. Ele me olhou com estranheza, uma interrogação facilmente perceptível em sua expressão. “Aconteceu alguma coisa?”

“Não, nada...” Menti descaradamente. O que não adiantou, dado que a minha habilidade para tal era inversamente proporcional à minha habilidade ninja: o equivalente a zero. Jiraiya-sensei apenas levantou uma sobrancelha.

“Sei...”

“Ah, eu acabei de ler o seu livro ontem!” Resolvi mudar de assunto antes que ele pudesse retrucar.

Não que eu me recusasse a dividir minhas suspeitas com o Sensei, mas meu senso comum me dizia que eu não deveria levantar acusações sem base em algo realmente concreto. Depois de selecionar um grupo de extrema confiança da ANBU, eu passara os últimos meses colhendo sorrateiramente todo tipo de informação acerca dos Uchiha.

Algumas não haviam me levado a nada, apenas a becos sem saída. Porém, outras... Falta de coerência em relatórios, buracos mal preenchidos em versões de fatos, desvio de trajeto em missões... Desvio de certo tipo de informações sigilosas. Tudo era feito de forma extremamente sutil, de maneira a não ser perceptível se alguém não soubesse pelo que procurar. Como achar uma agulha em um palheiro.

Por essa razão o conselho andava em círculos tentando arranjar uma maneira qualquer de encriminá-los, mas não importava o que fizessem não a encontravam. Porém, diferente deles minhas suspeitas apontavam para algo na qual ninguém em sã consciência jamais pensaria. Para que estava sendo destinada toda aquela informação extra-oficial? Para onde estava sendo desviada? Mais importante do que isso: para quem?

O único grande líder do clã capaz de organizar uma rebelião significativa em Konoha, o único shinobi que havia sido exilado há mais de oitenta anos atrás... Uchiha Madara. E se ele realmente estivesse vivo?

Quais os efeitos que isso causaria? Além de todos os poderes e intenções daquele homem... Ele nutrira grande oposição aos líderes antigos. Grande sede de vingança pela Vila da Folha. Acima de tudo, o que lhe dera fama e o tornara uma lenda no passado fora a habilidade única de invocar bijuus com seu sharingan, algo absolutamente devastador. Madara era a definição de perigo. E no atual momento o único que poderia pará-lo, o Hokage do Clã Senju, perecera há décadas.

“Meu livro...? Kushina, ele sempre muda de assunto tal mal assim? Ele não costumava fazer isso nos tempos de genin...”

“Quando está querendo esconder algo, sim.” Ela se aproximou da sala de estar onde estávamos sentados, vindo da cozinha com uma bandeja de chá. O sorriso moleque nos lábios contrastando com sua barriga de nove meses de gravidez. “Ele não sabe mentir. A que eu sou grata, porque sempre sei quando está tramando alguma coisa.”

“Hmm... Minato...” Jiraiya-sensei se aproximou com um olhar significativo, fazendo voz de ‘mamãe preocupada’. “Conte para nós o que aflige a sua cabecinha! Não quer dividir seus pensamentos?”

“Se eu quisesse dividir meus pensamentos estaria proclamando-os no alto do monumento Hokage!” Eu disse rindo, mas um olhar de cumplicidade foi trocado entre nós dois. Meu antigo sensei o percebeu, e deixou o assunto morrer por enquanto. Ficamos ali conversando por alguns momentos sobre assuntos triviais, parte da inquietação me fazendo tamborilar com os dedos no tampo da mesa. De vez em quando meu olhar vagava para Kushina, para sua barriga, para nosso filho.

Naruto, hoje você se pergunta se foi a última pessoa na qual eu pensei antes de morrer... Bom, na verdade o meu último pensamento deve ter sido na faixa do ‘Kuso, eu vou morrer!’, mas antes disso com certeza meu pensamento estava em você.

E mesmo depois de tudo se passar eu ainda estava lá no chão em total desespero, o selo que eu havia feito em você ameaçando levar sua alma, apagar seu fogo de vida. Logo eu que não me lembrava de ter em algum momento implorado pela vida de alguém. Mas tudo o que eu pude fazer enquanto a alma me saía foi pedir com todas as forças para que você vivesse.

Talvez agora você não entenda. Talvez você se sinta usado. Talvez você nunca me perdoe.

E sabe, eu não espero que o faça. Eu não te dei chance para que me entendesse, não te dei razão para que me reconhecesse, certamente não te dei motivos para que me amasse. Você nem ao menos pôde escolher o seu destino.

Hoje olho para trás e vejo o tamanho da minha loucura. Me recordo de segurá-lo nos braços no meio daquela devastação, o barulho tão ensurdecedor que até mesmo o seu choro não tinha como chegar aos meus ouvidos. Te segurei com força contra o peito, meus olhos cravados em você, como se você pudesse de repente se transformar em alguma outra coisa. Me lembro de Gama-Oyabin dizer algo sobre soltar o bebê, deixá-lo com alguém ou não conseguiria lutar. Mas eu não podia. Não havia como.

Dentro da minha boca o gosto de sangue começou a fluir, de tanta força que eu estava fazendo para me impedir de gritar. O pensamento que me ocorreu naquela hora era que eu havia sido deixado sem alternativas.

Porque eu já sabia há muito tempo que quando tudo se realizasse e eu morresse como um guerreiro, não importaria o que acontecesse, eu morreria sozinho. Você cresceria sem pai nem mãe, possivelmente abandonado, talvez desprezado. Talvez as pessoas escolhessem odiá-lo ao invés de acolhê-lo. Rejeitá-lo ao invés de agradecê-lo por carregar o fardo que carrega. Eu queria que você fosse um herói, queria que você tivesse algo com a qual pudesse se proteger do mundo, de pessoas como Madara. Eu nunca quis te dar uma maldição.

Mas naquela hora eu vi que invariavelmente o que eu estava prestes a fazer te carregaria por um caminho terrível. Você era meu filho, e ao fazer aquilo eu senti como se estivesse desertando de você ao permitir que acontecesse. Entretanto, coisas que se aprendem na vida é que nem todos os finais são felizes, e que a decisão é fácil quando não se tem escolha.

Eu nunca irei ter paz.

Enquanto Jiraiya-sensei falava animadamente sobre suas últimas desventuras, senti meu coração mergulhar no estômago. Ali na sala de estar, olhando para Kushina tudo dentro de mim começou a desmoronar, uma visão que fez a minha alma se sentir inexplicavelmente em pedaços.

As peças de um quebra-cabeça começaram a se juntar em frente aos meus olhos, um que deveria ser impossível que eu conhecesse. Como querer montar um quebra-cabeça sem nunca ter visto a imagem que ele forma. Ali eu soube que um dia Uchiha Madara iria assolar Konoha, e eu não poderia salvá-la. Ali eu soube que um dia ele iria perseguir você. Ali eu soube que não poderia protegê-lo.

“Ah, aquela Tsunade é terrível.” A voz de Jiraiya-sensei me despertou. Eu não podia ficar pensando demais nessas coisas. Tinha que agir normalmente. Sorri cordial, tentando retornar os pensamentos para a conversa, impedir que a concentração afunilasse novamente em direção à coisas catastróficas.

“E volta o cão arrependido... Não vai me dizer que levou outro fora de Tsunade-sama?”

“Aquela filhote de cruz-credo? Que morra, seria um bem pra sociedade.” Ele disse, sem dar muita confiança para as próprias palavras.

“Ahãm. Tá bom.”

“Aah... Tanto faz. A experiência de levar um toco faz um homem ficar mais forte. Mas todo mundo sabe, né? Homens não foram feitos para serem felizes...”

Ao ouvir isso Kushina se levantou do sofá, pronta para estapear meu sensei.

“Não roga praga, Jiraiya-sama!”

“Desculpe, desculpe!” Ele disse defensivamente, procurando refúgio em mim. O que me custou ambas as mãos e muita disposição para separar os dois, Jiraiya-sensei se escondendo às minhas costas e Kushina querendo atingi-lo. Uma verdadeira versão humana de Tom e Jerry. A ordem só se estabeleceu cinco minutos depois, com muito suor da minha parte.

“Mas você é um homem casado, Minato! Com a Kushina não tem porquê ir pra saideira. Me pergunto se eu não errei em algum momento na sua criação...” Ele disse, insinuando coisas, fazendo com que agora fosse eu que quisesse acertá-lo.

“Eu sou homem. A diferença é que você é praticamente um ninfomaníaco, Jiraiya-sensei!”

“Obrigado pela parte que me toca. Agora vejo quanto crédito você dá a mim.”

“Não se preocupe, Jiraiya-sama, Minato também não tem todo esse crédito. Sou eu que carrego o legado dele aqui.” Ela disse, colocando uma mão na barriga e me dando um tapa na nuca com a outra. “Até hoje não entendo. Por que você não pode ser o grávido?!”

“Porque, querida, nós dois sabemos que não aguento a dor tão bem quanto você.”

Ela me dirigiu um olhar mortal e eu caí na gargalhada. Jiraiya-sensei se levantou, se dirigindo à porta.

“Bom, eu vou indo porque não quero queimar meu dedo segurando vela.”

“Vai na fé.”

No último momento me dirigiu um olhar quarenta e três, quinze por cento de seriedade e oitenta e cinco por cento de zoação oportunista.

“Nós ainda não acabamos aquela conversinha...”

“Claro, claro.”

Agora penso que teria sido melhor se eu tivesse, de fato, contado a ele todas as minhas suspeitas. Mas eu fui cabeça-dura e guardei tudo para mim, deixando para dizer nos meus últimos segundos que eu sabia de algo muito importante. O que foi idiotice, no fim das contas...

Porque no dia seguinte a Kyuubi atacou a vila.


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Notas finais do capítulo

Se puderem, por favor deixem um review. Senão a Kyuubi virá atacar seu bairro, o Shinigami selará sua alma e o Yon-sama irá puxar seu pé do além.