E se Fosse Verdade escrita por EmyBS


Capítulo 20
Alcatéia




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Minha cabeça doía e eu me sentia um pouco zonza. Tentei abrir os olhos, mas não conseguia. Virei meu corpo e senti algo macio, bem macio. Passei a mão e pude perceber que estava deitada numa cama. Voltei a tentar abrir os olhos que arderam levemente. Fiz uma tentativa vã de tentar me sentar, mas voltei a cair na cama. Minha cabeça girava ainda mais.

- Você não deveria tentar se levantar ainda.

Meu corpo inteiro estremeceu ao ouvir aquela voz, não parecia ser a mesma que ouvi anteriormente, mas tinha o mesmo tom rouco que lembrava um cachorro. Minha vontade de abrir os olhos foi ainda maior.

- Aí... – ardia abrir os olhos.

- Você é teimosa menina.

Uma mão me empurrou de volta para a cama, uma mão quente, muito quente, chegou a queimar minha pele. Me retrai automaticamente.

- Desculpe...

Respirei e senti um aroma cítrico misturado a suor invadir meu corpo. Era estranho.

Tentei novamente abrir os olhos bem lentamente e ouvi uma risada rouca como tosse de cachorro.

- Muito teimosa.

- Quem é você? – minha voz soou embaralhada, minha garganta estava seca.

- Quem sou eu não importa.

- Aonde estou? – a garganta arranhava muito.

- É, talvez isso importe para você, mas não posso responder.

- Grande ajuda. – suspirei desanimada, ainda tentando me manter sentada, todo meu corpo doía como se eu tivesse dormido numa posição incomoda por um longo tempo. Lembrava-me muito das noites em que passei no sofá pequeno e desconfortável da casa do meu pai.

Outra vez a risada de cachorro.

- Você é engraçada.

- Ótimo saber que virei uma palhaça. – voltei a me deitar massageando a têmpora e tentando abrir os olhos lentamente.

Era horrível ficar as cegas. Meu senso de percepção era péssimo.

- Seu cheiro é bom também.

Senti a cama afundar e isso só podia significar que ele havia sentado nela. Levantei num pulo ignorando a dor que senti no corpo ao me sentar tão rápido e a ardência dos meus olhos ao abri-los de maneira tão brusca.

- Teimosa. – ele riu novamente.

Minha visão ainda estava um pouco fora de foco, mas eu podia vê-lo. Muito perto. Estava quente, muito quente. Eu estava transpirando pela proximidade dele. Pisquei algumas vezes tentando colocar a visão no lugar.

Na minha frente duas íris azul turquesa me analisavam calmamente. Ele não parecia forte e realmente não era o mesmo homem que tinha me apagado. Não era um homem na minha frente, e sim um rapaz que deveria estar nos primeiros anos da faculdade.

Cabelos loiros no estilo asa delta, olhos azuis, camiseta regata branca, mãos grandes, ele parecia desproporcional de alguma maneira, mas o conjunto era harmônico.

- Quanto tempo fiquei apagada? – será que pelo menos essa pergunta ele poderia responder?

- Dois dias. – ele sorriu.

Dois dias?

Dois longos dias?

Eu perdi a porcaria de dois dias da minha vida apagada não sei aonde?

Estava em choque. Tinha certeza que minha boca abria e fechava sem parar.

- Giovanni nunca foi bom nas dosagens dos remédios. – ele comentou despreocupado, como se essa explicação resolvesse todos os problemas.

Um meio sorriso surgiu nos meus lábios.

- Então você pode falar o nome dos outros, mas não o seu?

Ele inclinou a cabeça de um lado para o outro lembrando muito um cachorrinho confuso, que não entendia o que o dono queria dizer, até que balançou a cabeça bufando e me fazendo rir.

Certo. Essa não era a melhor situação para rir, mas o rapaz lembrava muito um filhote de cachorro. Daqueles que você tem vontade de pegar no colo e agarrar. Impossível me manter séria.

- Pierre. – ele resmungou cruzando os braços, mostrando músculos ainda pouco desenvolvidos.

Pierre. Bonito nome. Combinava com os olhos azuis dele. Mordi meu lábio com esse tipo de pensamento. Ok Isabella. Hospício agora.

- Aonde eu estou Pierre? – perguntei novamente com minha voz falhando, talvez eu tenha ficado um pouco vermelha também.

- No interior. – ele desviou o olhar para a porta do quarto.

Isso era um pouco vago, ou não? Interior de onde? Do Rio? Do Brasil? Da Europa? De onde? Eu tinha passado dois dias apagada. Poderia estar em qualquer lugar do mundo, pelo menos ele falava português. Eu não tinha condições para entender outra língua naquele momento.

Não tive muito tempo para continuar a pensar, pois a porta do quarto se abriu de maneira brusca.

- Vejo que finalmente acordou minha cara.

Não era o mesmo homem de antes, na verdade ele lembrava muito o garoto loiro, ainda sentado na mesma cama em que eu estava. Era loiro, mas os cabelos eram compridos presos num rabo de cavalo, tinha os olhos azuis esverdeado, era alto e grande, ombros largos e devia ter uns quarenta e poucos anos.

- Onde estou? – voltei a perguntar me encolhendo na cama.

Pierre bufou contrariado ao meu lado.

O homem a minha frente sorriu e passou a mão carinhosamente na cabeça dele.

- Na minha casa e ainda no seu país.

A voz dele tinha o mesmo tom rouco dos outros.

Eu senti um misto de alivio e apreensão. Pelo menos estava ainda no Brasil, mas isso não significava muita coisa levando em conta o tamanho do país.

- Porque estou aqui?

Abracei minhas pernas, aquele homem me deixava desconfortável e a presença dele me fazia sentir ainda mais calor. O quarto estava extremamente abafado. Podia sentir o suor escorrendo pela minha nuca e meu rosto. Parecia uma sauna potente.

Ele pareceu perceber meu desconforto.

- Abra a janela filhote.

Pierre se levantou sem dizer nada indo abrir a janela. Uma brisa gelada da madrugada entrou no lugar deixando o ambiente muito mais agradável, apesar do calor ainda emanar do lugar como se uma lareira estivesse acessa no quarto.

Ele se virou novamente para mim.

- Porque eu sei que o seu amiguinho vai vir aqui buscá-la.

Meu coração parou no peito. Uma armadilha? Para Carlos? Isso era tão obvio, mas e se ele não aparecesse? Carlos havia dito que iria embora para despistá-los e ainda tinha toda aquela história mal resolvida com Rodrigo. Não tínhamos conversado realmente. Ele disse que iria partir e se foi. Será que ele acharia que valia a pena salvar uma garota que vivia insatisfeita e tinha dormido com outro para aplacar um desejo carnal? Não pude evitar deixar transparecer minhas duvidas.

- E se ele não vier?

Os dois riram. Uma risada que me fez arrepiar inteira.

O outro homem simplesmente saiu me deixando novamente sozinha com o garoto.

- E se ele não vier Pierre? – repeti a pergunta não conseguindo segurar o desespero que sentia.

Ele ainda estava encostado na janela aberta de braços cruzados e um sorriso estranho passou por seu rosto.

- Em três dias é lua cheia. – ele disse calmo, seus olhos azuis brilhando intensamente.

Três dias?

Lua cheia?

Então...

Então eles realmente eram lobisomens? Mas... Não, eles deveriam estar tentando me pregar uma peça, deveria ter outra explicação. Aquilo não poderia estar acontecendo.

Porcaria de livros que diziam que eles estavam extintos.

- Vocês... – minha voz falhou.

- Você tem um cheiro maravilhoso Isabella.

Me encolhi ainda mais na cama vendo-o se dirigir a porta.

- Bem vinda a alcatéia do sul! – ele disse num sussurro antes de fechar a porta.

Estremeci. Que porcaria de realidade era aquela? Vampiros, lobisomens... O que mais eu iria encontrar? Fadas e duendes?

Ri nervosa e senti frio.

O quarto ficou rapidamente gelado sem a presença dos dois. Eles eram como lareiras humanas. O choque de temperaturas fez meu corpo se arrepiar e eu espirrei. Tudo o que eu não precisava era ficar gripada no meio daquela confusão toda. Fui até a janela e a fechei observando que estava no terceiro andar de uma grande casa.

Era impossível tentar pular dali e eu duvidava que conseguisse correr mais que eles.

Pelo menos eu sabia aonde estava.

No sul. Alcatéia do sul.

E eu tinha apenas três dias.

Eu realmente não queria estar ali na lua cheia.

Não queria mesmo.


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