Tá bom, talvez as coisas pudessem ficar piores do que já estavam.

            Ao abrir a porta, me deparei com ninguém mais ninguém menos que o meu parceiro e melhor amigo (que não se lembra de mim) Scotty Valens.

            _ Oi, Scotty – eu tentei parecer natural.

            Como ele sabe que eu moro aqui?

            _ Oi... Lilly, não é?

            Assenti.

            É impressão minha ou o climinha tá meio tenso?

            _ Hoje de manhã, quando você deixou suas coisas caírem, você se esqueceu de pegar sua carteira – disse Scotty, entregando-a para mim – Tinha o seu endereço, daí...

            _ Ah... Obrigada – eu sorri.

            Como o destino é engraçado.

            _ Er... Quer entrar? – eu o convidei, sentindo uma imensa vontade que ele aceitasse.

            _ Eu não sei... Tenho que voltar para o trabalho e... – acho que ele percebeu que eu fiquei decepcionada, pois mudou de idéia rapidamente – Mas acho que não tem problema se eu ficar um pouco.

            Dei passagem para o Scotty entrar.

            Christina olhou para ele discretamente e depois olhou para mim, balançando a cabeça.

            _ Bom – ela olhou para o relógio de pulso – Tenho que ir. Já está quase na hora de buscar o Gustavo na escola... E você sabe como ele é, né? Odeia que a mamãe dele chegue atrasada...

            _ Mamãe?

            Christina me fitou como se eu tivesse dito a coisa mais absurda do mundo.

            _ Eu... Noitada com o Ray... Presente para mim nove meses depois, que eu dei o nome de Gustavo... Em que mundo você está, Lil?

            Acho que eu fiquei pálida.

            _ Eu tenho um sobrinho?

            Christina fez um sinal para que Scotty ignorasse o que eu tinha falado e sentasse no sofá, e se aproximou de mim, me puxando para um canto da sala.

            _ Lil – ela sussurrou – O que você tem?

            _ Nada... Nada...

            Eu tenho um sobrinho... Filho da Chris e do Ray... Do Ray?! Ai, caramba... Certo, eu devo estar sonhando... Acorde, Lilly Rush! Acoooooorde!!!!!!!

            _ Quer que eu te leve ao médico?

            _ Não, estou bem...

            _ Certo, eu vou buscar o Gustavo – os olhos dela pousaram em Scotty, que estava de costas para nós – Quem é ele?

            Num primeiro momento, estranhei a pergunta.

            Foi então que a minha ficha caiu.

            Pelo jeito, seja lá onde eu estiver, a história da minha vida está sendo bem diferente, tudo está mudado... Entre isso, a Chris nunca conheceu o Scotty. Significa... Que eles nunca tiveram nada.

            _ Ele... É um amigo...

            _ Amigo, ah? – ela piscou maliciosa para mim – Amigo muito lindo! Já dormiu com ele?

            _ Quê?! – o ar de repente pareceu sumir a minha volta.

            _ Você já dormiu com ele? – ela sussurrou.

            _ Não! – avisei rapidamente, recriminando-a com o olhar – Ele é meu amigo!

            Christina revirou os olhos.

            _ Ai, Lil, você perde muito tempo! Se você não dormir com ele, eu dormirei.

            _ Não! – eu quase gritei.

            _ Então você vai dormir com ele?

            _ Não... Er... – como assim, eu parei para pensar? – Não!

            Christina suspirou.

            _ Vou buscar o meu filho que eu ganho mais do que ficar nessa conversa de louco com você.

            Voltamos para a sala; eu fui para perto do Scotty, ela para a porta.

            Antes de sair, ela lançou um olhar para Scotty:

            _ O que você acha de namorar mulheres com filhos?

            Antes que o Scotty respondesse, eu disse:

            _ Christina, vai buscar o seu filho!

            _ Tá, mamãe. Juízo! – e ela saiu.

            Olhei para o Scotty, enquanto me sentava ao lado dele.

            _ Não ligue para minha irmã.

            _ Ela parece ser legal...

            _ É, ela é...

            Espera um momento.

            Eu disse que a Christina é legal? Caramba, eu devo estar muito drogada, só pode ser isso.

            _ Mais uma vez, obrigada por trazer a minha carteira.

            Scotty sorriu, e eu sorri para ele.

            Tinha tanta coisa que eu queria dizer para ele nesse momento... Me ajude, não sei o que está acontecendo comigo... Minha vida está uma loucura! Acabo de descobrir que tenho um sobrinho... Scotty, por favor, você sabe quem eu sou... Você se lembra de mim... Você está ao meu lado há tanto tempo... Não quero perder você... Por favor, se lembre de mim...

            _ Você está melhor? – ele perguntou – Hoje de manhã você não parecia bem...

            _ Ah... Acho que estou um pouquinho melhor...

            Ele assentiu, e um silêncio caiu entre nós.

            Foi quando reparei na mão dele, ou melhor, na aliança de noivado dele.

            Senti uma pontada inexplicável.

            _ Você está noivo, Scotty?

            Ele suspirou.

            _ Estou... Ou melhor... Estava – ele tirou a aliança e guardou em um dos bolsos – Alex e eu tivemos uma briga feia ontem e pelo jeito, tudo foi cancelado...

            _ Você e a promotora?

            Ele hesitou, e me fitou em dúvida.

            _ Sim...

            _ Nossa, mas... Mas o que aconteceu? – não consegui me conter, e recebi mais um olhar de dúvida por parte do Scotty. Droga, esqueci que ele só me conhece há algumas horas, e não há seis anos.

            Achei que ele não fosse responder.

            _ Alex e eu vivemos brigando, brigas normais... Mas ontem, sei lá, foi como se eu olhasse para ela e percebesse que ela não é quem eu quero... Como se estivesse faltando alguma coisa... Foi estranho... De ontem para hoje, eu acordei com uma sensação de vazio, não por causa dela, mas... É como se eu tivesse perdido algo ou alguém muito importante... E nada mais parecesse ter sentido.

            Olhei para ele, atônita.

            _ Eu sei, parece coisa de louco... Mas estou com essa sensação de que realmente perdi uma parte de mim, e esta parte não é Alex... Não sei explicar...

            _ Scotty...

            Ele consultou o relógio e se levantou.

            _ Eu tenho que ir, senão meu chefe vai reclamar...

            _ É, o chefe não gosta de atrasos e sumiços inexplicáveis por um longo período de tempo...

            Scotty me olhou, confuso.

            Falei de mais, outra vez.

            Fomos até a porta, em silêncio.

            _ Tchau, Lilly.

            Me chame de Lil...

            _ Tchau, Scotty.

            Ele saiu, e eu fiquei parada na soleira da porta por um longo tempo.

            O que aconteceu comigo? Por que minha vida está tão diferente? Como parei nessa situação?

            Com um suspiro, fechei a porta e me virei, pronta para ir para o meu quarto.

            Foi quando eu vi uma moça de mais ou menos vinte anos, parada na minha frente, me fitando de forma assustada.