Sem opção, sem escolha, sem direção, decidi voltar para a casa da Christina.

            Desespero não leva a nada, não é mesmo? Tudo bem que eu estou mais assustada do que nunca, mas se eu não me acalmar, não vou conseguir entender o que está acontecendo comigo.

            Para descobrir, vou começar do zero.

            Voltei para a casa da Chris – onde tudo começou.

            Ela estava preocupada comigo, pelo meu sumiço de quase uma hora sem dar notícias, e até reparou que eu tinha chorado, e me perguntou se tudo estava bem.

            Vou mentir se disser que não estranhei.

            Nunca foi assim. Esse papel de irmã preocupada sempre coube a mim.

            No fim, Christina me levou para casa.

            Quando entrei “em casa”, tomei um susto, mas fiz o possível para disfarçar.

            “Essa é minha casa?”, foi o que quis perguntar. O endereço era o mesmo, mas por dentro... Tudo estava tão diferente. Mais colorido, sei lá... Tinha mais porta-retrato do que qualquer outra coisa espalhados por todos os cantos. A luminosidade também era maior.

            Por quanto tempo eu fiquei fora?

            Quem fez isso na minha casa?

            Olhei para a Christina, querendo ver se ela estava tão assustada quanto eu, mas ela parecia bem à vontade, tudo familiar para ela...

            Andei devagar, olhando tudo.

            “Não, não é aqui que eu moro”, era o que eu queria dizer, mas tudo parecia querer provar o contrário.

            _ Lil, você está bem? – eu ouvi Chris perguntar da forma mais delicada possível.

            _ Sim, sim... Eu...

            Eu não sabia o que dizer.

            Para ela, era como se tudo fosse como sempre foi... Para mim... Bem, não preciso explicar, não é?

            _ Sei lá, você parece tão fora do ar, Lil... Aconteceu alguma coisa que você não quer me contar, que eu não sei? Ou que você quer me perguntar.

            Ah, tem muita coisa que eu quero perguntar. Mas a que mais está me incomodando no momento: “O que diabos você está fazendo na minha vida?”.

            _ Estou bem, Christina, é só que...

            _ A festa, eu sei – ela completou.

            Que diabos aconteceu nessa festa?

            _ Chris...

            _ Senta um pouco, Lil, você precisa descansar – ela me pegou pelo braço e me levou para o sofá. – Vou pegar um copo de água para você.

            E assim ela me deixou.

            Tentando manter a calma, olhei para os lados. “Essa não é a minha casa”. É a mesma estrutura, é o mesmo endereço, mas... Não sou eu.

            Olhei para a mesinha do telefone, onde havia dois porta-retratos. Peguei os dois e olhei as fotos. No primeiro, Christina e eu estávamos abraçadas, sorrindo. Parecia uma festa. Pelas roupas, pelo cenário, virada do ano, eu acho. Foto recente. Quando eu passei uma virada do ano com ela? Só quando éramos crianças, e olhe lá! Preciso dizer que fiquei mais nervosa do que antes?

            Quando olhei a segunda foto, meu coração quase parou. Eu, minha mãe e Christina. As três. Abraçadas também. Felizes. A data era de dois anos atrás.

            _ O quê?

            Não, não pode ser... Não... Minha mãe está morta, a mais de quatro anos... Não... Isso está errado...

            _ Lil, tudo bem com você? – Christina sentou-se ao meu lado, bastante preocupada – Você ficou branca!

            _ Q-quando essa foto foi tirada?

            _ Há dois anos, quando nós três viajamos para Miami.

            Por que as palavras “Miami”, “nós três” e “há dois anos” não parecem se encaixar numa frase para mim? Isso é impossível!

            _ Nos divertimos tanto, lembra? – Chris, suspirou, nostálgica – Foi a última viajem que fizemos juntas antes da mamãe ficar doente e ter a parada cardíaca.

            _ Parada cardíaca? – balbucie.

            Christina suspirou mais uma vez.

            _ Fomos pegas de surpresa, né? Mamãe era tão saudável, tão cheia de vida!

            _ Mas... Mas... E a bebida?

            _ Bebida? – Chris me fitou de forma estranha – Você sabe que a mamãe era totalmente contra bebidas!

            Certo.

            Respire bem devagar, bem devagar.

            Quem sou eu? Onde estou? Que vida é essa? Estou num universo paralelo?

            _ Ela foi a melhor mãe do mundo – Chris completou, sem perceber que eu ficava mais nervosa a cada palavra que ela dizia.

            Por que minha mãe e “melhor mãe do mundo” parecem soar estranhas na mesma frase?

            _ Chris...

            _ Há tantas coisas que eu queria ter perguntado a ela antes dela morrer!

            _ Chris...

            _ Por exemplo, como ela conheceu o papai... Foi algo que eu sempre tive curiosidade de saber, mas nunca perguntei... Me arrependo tanto!

            _ Papai? – balbucie, sentindo uma leve pontada que iam notícias mais inesperadas ainda.

            _ É... Pela pouca coisa que ela nos contou, da pra perceber que os dois se amavam muito, né? – Chris sorriu, os olhos marejados – Eu tinha três anos quando ele morreu... Foi você que mais sentiu a falta dele, né? Pelo que a mamãe dizia, vocês dois eram tão próximos!

            Pisquei, atônita.

            Esta não é minha vida.

            Quem pegou o lápis e a borracha e a reescreveu para mim? Ou é tudo uma brincadeira? Se for, devo me curvar à cabeça do plano... Estou com medo.

            _ Mas a vida continua, né, Lil? Aqui estamos nós!

            Assenti, sem saber o que fazer.

            Antes que qualquer uma de nós pudesse dizer mais alguma coisa, a campainha tocou.

            Chris olhou para mim, curiosa:

            _ Você está esperando alguém?

            Balancei a cabeça, negando.

            _ Não.

            Esperamos um pouco, e tocaram novamente a campainha.

            _ Vai lá ver, deve ser sério – ela disse, apontando para porta.

            Eu, sem rumo, a obedeci.

            As coisas não podiam ficar piores, podiam?