Sempre foi assim. Se me perguntassem quando exatamente eu passei a ser tão protegida, eu responderia dessa forma, bem convicta.

Eu sempre fui protegida, fosse por ser a preciosa herdeira do clã Yukimura ou apenas por ser considerada uma frágil dama. Mesmo que eu não esperasse nada, até nos momentos mais críticos, de maior desespero, quando parecesse que não havia saída, sempre aparecia alguém ao meu lado, no último segundo dizendo que iria me proteger.

Pessoas já haviam se sacrificado por mim, para que eu continuasse a viver. Tinha consciência disso. E mesmo assim, em nenhum momento pude fazer algo além de assistir...

Mas, agora...não havia ninguém ali. Não havia esperança e não havia nada que pudesse nos salvar no meio daquela floresta escura.

Capítulo 14 : Frustração.

Um grito agonizante quebrou o silencio e logo em seguida mais um corpo foi ao chão. Eu agora segurava tremulamente a espada, com olhos marejados e expressão confusa. Nas minhas mãos, na minha roupa e até mesmo em meus cabelos que haviam ficado brancos, havia sangue.

Não sabia dizer em que momento isso ocorreu...em um minuto eu estava imobilizada, assistindo aqueles homens maltratarem Tomoko e agora eu...eu...

Os homens que ainda estavam vivos começaram a fugir, mesmo que cambaleando, aproveitando o momento em que eu permanecia imóvel, em choque. E no final restou ali apenas um, que ainda insistia em segurar Tomoko, como se não quisesse soltar o seu premio.

–Solte-a... -disse, apontando a espada em sua direção enquanto me aproximava.

–Um...monstro... você é um...!! -dizia ele, direcionando-me um olhar um pouco assustado, mas que no momento seguinte pareceu mais confiante- … se você se aproximar mais, eu acabo com a vida dela!! -e então voltou a encostar a lamina no pescoço de Tomoko.

–Vamos, solte ela... - insisti novamente- ...se fizer isso, talvez em poupe sua vida.

Talvez, apenas talvez. Tomada por uma raiva que eu nunca havia sentido, tinha vontade de cortar a cabeça dele naquele instante. Mesmo que não gostasse de ferir ou matar, naquele momento eu simplesmente não estava respondendo por mim.

–He...“poupar minha vida”? -zombou ele, começando então a gargalhar sonoramente.

–Qual é a graça? -por um momento comecei a reconsiderar aquela proposta de deixá-lo viver, aquilo estava me irritando.

–...por um momento pensei que você fosse mais forte, mas pelo que vejo não é nem capaz de me matar! Pois bem, não pense que eu sou tão fraco quanto aqueles caras que você conseguiu derrubar!

Dizendo isso, ele se levantou com um sorriso triunfante, jogando então o corpo fraco de Tomoko contra a árvore próxima.

– Depois cuido de você... -disse ele e logo depois se voltou para mim, apontando a espada – vamos ver se onis são criaturas tão fortes e assustadoras como dizem as lendas populares...se bem que já matei tantos que não consigo acreditar nessas besteiras.

–Ora...seu...!

–O que foi? Até agora você falou, mas não fez nada...vamos ver quanto tempo aguentará de pé!

Dito isso, ele avançou. Tentei manter a calma e vendo seus movimentos consegui bloqueá-los. Estava colocando tudo o que havia aprendido sobre lutas na minha vida naqueles poucos minutos. E devia admitir...se não fosse por essa transformação, talvez eu já tivesse sido atingida, pois aquele homem era habilidoso.

Depois de algum tempo apenas me defendendo, resolvi tentar atacar. Queria terminar logo aquela luta e se pudesse fazer isso apenas com mais alguns golpes seria bom. Mas, no momento em que posicionei a espada para acertá-lo, acabei sendo atingida no braço, o que fez eu me afastar alarmada e no momento seguinte voltar a posição defensiva.

–Então? Não consegue nem me acertar? -e voltou ele a rir.

Não, isso não era nada bom. Ele tinha razão. Não sabia quanto tempo ainda ficaria nessa nova forma e mesmo que os cortes cicatrizassem rapidamente, ainda não seria garantia de que eu venceria a luta.

Eu...ainda tinha medo de sentir dor, de ser atingida, de me entregar a luta. Tanto que apenas conseguia recuar e me defender bem. Se era preciso que perdesse esse medo para atacá-lo e conseguir o acertar...então eu...

Seria bastante arriscado, mas eu iria tentar um novo plano.

Fui então até ele, pronta para o ataque. Desviei do primeiro golpe, mas do segundo não. Deixei que ele acertasse então o meu ombro e dessa vez não recuei. Mesmo sentindo bastante dor com a lamina cravada em minha carne, me mantive firme e então segurei-a com bastante força.

Ele tentou puxá-la, mas não conseguiu resultado.

–Você... -era presente a irritação em sua voz. Eu apenas sorri, ainda que em meio as lágrimas pela dor intensa.

–Talvez até agora você tenha encontrado presas muito fáceis, mas...saiba que nunca se deve subestimar a força de um oni!!! - e dizendo isso, apertei mais a lamina. Minhas mãos já sangravam, mas eu não desistiria até alcançar meu objetivo.

O homem se afastou, espantado, enquanto via a arma trincar um pouco. Mesmo que não conseguisse quebrá-la, com um único golpe era possível torná-la totalmente inútil.

–É...o seu fim... -disse, assim que me livrei da espada.

–Não! Isso ainda não acabou!! -gritou ele, com o sorriso maldoso voltando ao seu rosto. Então, o homem tornou a se aproximar de Tomoko, que estava desacordada, e retirou de um bolso uma pequena faca bastante afiada.

– Você irá me deixar sair ileso, não? A menos que queira que eu mate a sua amiga...

–Não vou acreditar no que diz. -respondi, fria - Você precisa dela viva para seus planos, não?

–Oh, é mesmo? E quem disse que é preciso que ela esteja viva? De uma forma ou de outra ela acabará morrendo!

Naquele instante parei aonde estava, assustada com a ideia de que pudesse perder minha amiga por um simples descuido, uma atitude impensada.

Não podia ser verdade. Ele deve estar me testando...e de alguma forma, estava conseguindo me fazer entrar em seu jogo.

Mas, ainda que fosse arriscado, sei que não posso ficar parada, assistindo-o levar Tomoko embora. Tinha que matá-lo naquele instante. Era mínima a chance, talvez não desse certo dessa vez, eu conhecia os riscos...mas sem pensar tanto, comecei a correr o mais rápido possível, indo em direção a ele. Iria acabar com aquilo antes que ele tivesse chance de fazer mais algum mal.

Porém, mesmo que eu me aproximasse cada vez mais, ele continuava assustadoramente confiante.

–Bem, foi você que pediu então...!!

E com um rápido movimento ele atingiu Tomoko. Vi minha amiga desabar, diante de meus olhos. O sangue rapidamente se espalhou pelo chão, mas ela ainda estava viva, mesmo que dobrasse o corpo tamanha a dor.

–Não!! !Tomoko!!!

Naquele minuto não exitei e cravar a espada no peito daquele homem, acertando-o em cheio no coração e o fazendo parar de bater em seguida. Eu havia conseguido finalmente derrubá-lo, mas o alívio do momento foi substituído rapidamente por desespero. Tomoko, que estava caída um pouco mais distante, agora não tinha qualquer reação.

Fui até ela e com certo alívio constatei que ainda respirava, com bastante dificuldade. Mesmo que o corte fosse profundo, ela talvez ainda tivesse chance de sobreviver se eu conseguisse correr até a mansão.

Tentei então levantar e pensava em carregá-la nas costas até lá. Porém, meus joelhos perderam as forças logo em seguida e meu corpo começou a ficar mais pesado. Foi inevitável a queda.

O que é isso...? Não podia ser verdade...a transformação...não agora...eu tinha que ir até a mansão, se eu não for eu...Tomoko vai...

Tentei ainda rastejar, mas nem mesmo isso estava conseguindo. Estendi as mãos, tentando ir até Tomoko, mas ela se tornava mais inalcançável e sua imagem ia ficando cada vez mais embaçada, até sumir completamente da minha vista. Até que finalmente eu percebi, com muita frustração, que iria perder a consciência e que novamente teria presenciado a morte de alguém querido sem conseguir fazer nada.

Continua...