Capítulo 10: Tempo de descanso.

O vento soprou. As folhas das árvores que estavam no chão seguiram seu movimento. Eu, porém, permanecia estática e silenciosa, analisando aquela que estava em minha frente.

Tomoko era o nome da serva. Mas diante de mim estava mesmo a imagem daquilo que talvez eu nunca pudesse ser...uma oni em sua forma completa. Com seus olhos dourados, cabelos lisos, escorridos e esbranquiçados. A franja reta que usava servia certamente para tapar seus dois pares de chifres. Ela simplesmente sorriu amigavelmente e estendendo a mão em direção a porta, se dispôs a me guiar.

–Vamos?

–...sim.

Fomos andando, até que as portas de madeira da entrada se abriram e eu pude ver uma parte daquilo que devia representar a grandiosidade daquela mansão.

As paredes eram alvas, o chão escuro. Havia vários tapetes espalhados, assim como estofados brancos. Detalhes em ouro apareceram diante de meus olhos e brilhavam, incomodando um pouco minha visão. E logo depois na entrada havia uma escada longa, coberta em parte por tapetes vinho, que dava acesso ao andar superior.

–Esta é uma das salas. -disse prontamente, Tomoko – ainda neste andar ficam alguns quartos, o deposito e a cozinha.

E subimos os degraus. Eu a aquela altura fazia um esforço tremendo para acompanhar o ritmo daquela oni, já que a caminhada anterior parecia ter consumido boa parte da energia que eu tinha.

Conforme andávamos, Tomoko continuava com seu trabalho de guia, me apresentando quase tudo. Soube ainda que naquela mansão apesar de ter muitos quartos, tinha poucas pessoas para ocupá-los. Vim a saber que o aposento de Kazama ficava num andar superior ao meu e a sala de banhos, ao menos, ficava no final do corredor daquele andar.

–E este é o seu quarto. -disse a oni depois de um tempo. Para meu alivio tínhamos finalmente chegado ao destino.

O Quarto era relativamente pequeno, se comparado com o restante da casa e de todos os cômodos que tinha visto. As paredes também eram claras, mas o que mais estranhei foi ver o chão de madeira ao invés do costumeiro tatame. A porta também não era de papel arroz e era feito do mesmo material que o chão, porem era mais escura.

Ali também havia poucos móveis : um grande guarda-roupa que ocupava quase uma parede do quarto, uma cama e um criado-mudo.No centro do quarto tinha um tapete de cor creme. A janela ficava do outro lado do quarto, assim como a cama, e ali era a única vista que poderia ter do que estava lá fora.

Mas sem muito reparar no quarto, eu apenas o analisei brevemente e assim que a serva se retirou anunciando que prepararia o banho...eu simplesmente me jogue na cama e aproveitei aquele curto momento sozinha.

Ah, talvez colchões não fossem para mim tão confortáveis quanto futons, mas...esse detalhe simplesmente não importava naquela hora....

Quando percebi meu corpo foi relaxando e cedendo ao cansaço. Não fechava os olhos e descansava tranquila desde que abandonei a base do Shinsengumi, a quase um dia. Desta forma, quando mal percebi já estava a beira de dormir profundamente.

E acordei apenas quando ouvi uma voz insistente tentando me chamar:

–Chizuru-sama!! Chizuru-sama!!

Aquela parecia ser Tomoko. Eu ainda demorei alguns segundos para processar a mensagem e abrir vagarosamente os olhos, que se incomodaram com a claridade do dia. Assim que consegui foco, vi o rosto de Tomoko ligeiramente aflito.

–Ainda bem! Pensei que não fosse acordar mais!! -disse ela quando percebeu que eu havia despertado.

–Tomoko-san...? O que houve? -e me sentei na cama, esfregando os olhos preguiçosos. Tornei a fitá-la espetando que terminasse de falar.

–Você está dormindo a quase um dia Chizuru-sama!! -e de imediato me espantei com a notícia- Parece que estava mesmo cansada, pois quando cheguei para levá-la ao banho, já estava dormindo e não havia nada que a acordasse!

–Um dia?! - eu ainda tinha dificuldades para processar a ideia - Como eu pude dormir tanto?!

Eu...talvez nunca tivesse passado tanto tempo na cama em minha vida, ou melhor, a menos quando adoecia quando era criança. Mas, mesmo assim, quando morava com meu pai ou quando estava com o Shinsengumi, meu dia de tarefas era cheio e eu não podia me dar ao luxo de dormir demais.

Percebendo talvez o meu espanto, Tomoko tentou me animar.

–Vamos, foi apenas cansaço da viagem. E agora que esta mais descansada, poderá conhecer o restante da mansão! Ainda tem bastante coisa para se ver!

–Hum, certo... -respondi, tentando não pensar muito nas horas que perdi - e Kazama-san? Como está?

–Está bem. Mas não o vi por aqui hoje, parece que saiu para resolver alguns assuntos. - e Tomoko tornou a sorrir animada - mas, bem, agora irei preparar a sala de banho e uma roupa apropriada para vestir depois que se lavar! Creio que ficará encantadora com a yukata que Kazama-sama lhe reservou!

–Uma...yukata?

–Sim...-disse ela, já indo até a porta - e um par de tamancos e enfeites também! Aguarde apenas uns minutos que irei esquentar a água!

Assim, Tomoko-san saiu do quarto. Eu fiquei a fitar a janela e reparar na bela vista que eu tinha, o que não havia dado tempo de notar quando cheguei cansada. De meu quarto dava para ver a entrada da casa, os majestosos portões, uma parte do belo e verde jardim e também da floresta densa que havia para além da propriedade.

É...talvez morar ali não fosse tão mal. Talvez com mais alguns meses eu pudesse me acostumar perfeitamente a esta vida e esquecer o que havia acontecido antes dela.

Sim, esquecer...deles. Mais especificamente de um só homem, pois dos outros eu tinha boas recordações. Não me esqueceria de Harada-san que sempre tentava me animar, ou mesmo de Heisuke-kun que nunca deixava de se importar comigo. Apesar de Okita-san sempre me assustar, eu não tinha coisas tristes a lembrar dele. Até mesmo Saitou-san, sempre silencioso, conseguia me alegrar com sua presença.

Agora que pensava, inevitavelmente meu pensamento era sempre atraído para aquela figura. E quase que automaticamente meu sorriso desaparecia. Olhei logo depois para o volume formado em minha barriga, fruto este de nossa irresponsabilidade. Eu devia esquecer que esta criança era filho dele, devia torcer para que se caso nascesse não se parecesse em nada com o pai. E talvez só assim eu pudesse aprender a amá-la e aceitar melhor esta situação.

Sabia também que Kazama-san sempre estaria por perto, fitando-me atentamente com seus olhos cor de sangue e sorrindo malicioso. Ele me lembraria pelo resto daqueles meses que tínhamos feito um acordo e que não havia mais volta.

“Eu deixaria você viver comigo, e com outros onis também...”, havia dito ele claramente naquela noite

.“...e deixarei você gerar esta coisinha...contanto que...”

Eu conseguia lembrar claramente das palavras que saíram por sua boca naquele momento. E daquela dura condição: “...o próximo filho que gerará , terá de ser meu.”

Não, eu não sabia ainda dizer se o trato foi minha salvação ou minha ruína. Apenas sabia que havia me tornado necessária de alguma forma para alguém. Enquanto que para isso tive que abandonar tudo aquilo que presava.

Hijikata Toshizou. Eu havia pedido ajuda para ele antes de me encontrar com Kazama-san. Este era o nome homem que por me rejeitar havia me empurrado para aquela situação. De alguma forma, meu coração se enchia de um sentimento negativo quando me lembrava apenas de seu rosto ou simplesmente de seu nome.

Mas, por quê? Por que estava pensando novamente nisso? Por que ele estava me atormentando novamente?

Mas antes que pensasse em mais alguma coisa, Tomoko-san apareceu na porta, me chamando.

– Chizuru-sama! O banho já está pronto! - e eu me levantei vagarosamente e dela recebi uma toalha branca - a sala de banhos fica no final do corredor.A levarei até lá.

Apenas assenti com a cabeça e silenciosamente a segui.

– O que houve Chizuru-sama? Parece atormentada... -perguntou-me ela quando estávamos a poucos metros da sala de onde vinha vapor. Talvez meu silencio e olhar tivessem denunciado meu incomodo com os pensamentos anteriores.

–Hm? N-Não, não é nada...- respondi um tanto insegura e tentei sorrir da forma mais convincente que pude.

E respirei fundo antes de colocar os pés naquela sala. Por hora, decidi que iria esquecer daquele assunto. Entraria em contato com a água quente que há muito tempo não via e iria tomar o mais relaxante banho de toda a minha vida.

Continua...