Your Guardian Angel... escrita por Misu Inuki


Capítulo 12
Um fio de esperança




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Apoiei meu peso instável na mesa da cozinha.
Minhas mãos tremulas mal conseguiam segurar meu peso, que ameaça tombar de lado a qualquer momento da cadeira.
Minha avó.

Minha falecida avó era nada menos que Zeniba.
Minha professora de história que tinha fantasmas gosmentos como assistente de aulas.

 

Seria bem menos assustador se o chão tivesse aberto e me engulido por inteira.
Como um monstro faminto e insaneável.
O gosto amargo de bile subiu até a minha garganta.

Medo.

Eu estava completamente apavorada.
Só haviam duas opções: eu estava perdendo completamente a sanidade, perdida em uma paranoia que envolvia desde lembranças esquecidas da infância a personagens de contos de terror.

Ou aquilo tudo era inegavelmente real. E de alguma maneira absurda minha avó conseguira entrar em contato comigo vinda diretamente do mundo dos mortos por alguma razão que eu desconhecia.

E eu não sabia dizer qual opção me assustava mais.
Estava afundando cada vez mais dentro de meu próprio pavor, incapaz de até mesmo encontrar voz para gritar. Então um ruido distante chamou minha atenção.

Palavras tranquilizadoras que era incapaz de traduzir mas que acalentavam meu coração acelerado.
Senti algo parecido cócegas.
Olhei para meus pés e vi Yang se esfregando entre meus pés.

Me devolvendo aos poucos o calor que o medo tinha me roubado.
Consegui respirar novamente.
Inspirei profundamente uma, duas, três vezes.

E os sons indefinidos se tornaram baixos e comuns miados.
Estava de volta para minha cozinha. O piso de madeira esta firme sob meus pés, o tampo da mesa gelado sob meus dedos das mãos. Ou seria eu que estava quente demais?

E bem na minha frente minha mãe me encarava silenciosamente. Seus olhos e seus lábios franzidos não escondiam sua preocupação, apesar de não dizer uma única palavra.
Não era a primeira vez que eu tinha uma crise como essa.

O problema é que faziam anos desde que ela tinha presenciado a última.

Filha? - Minha mãe perguntou exitante.

Sorri fracamente para acalmá-la. O susto mal superado ou talvez uma súbita febre, me deixavam aérea.

—Posso comer a sobremesa no meu quarto? - Perguntei mais para mudar seu foco sobre mim, mas logo em seguida lembrei do Gasparzinho no meu armário.

“Espero que ele goste de doces.”- pensei enquanto minha mãe autorizava minha saída antecipada.
Peguei uns dois potinhos de flan de baunilha, um pacote grande de pipoca pronta de mercado e uma garrafa de água.
Isso teria que dar pra enganar a fome do meu mais novo coleguinha de quarto, pelo menos até de madrugada. Quando eu poderia atacar a geladeira sem julgamentos contra uma adolescente esfomeada e em fase de crescimento.

Cheguei em meu quarto com passos leves e rápidos.
Coloquei minha pequena “oferenda” ao espírito Sem Rosto e dei três toque na porta do guarda-roupa para alertar meu mais novo colega de quarto.

Estava sem forças para mais nada, a não ser me jogar na cama.
Me sentia quente, febril e muito cansada.
Mal percebi a presença dos meus gatinhos na minha cama, permaneci enrolada até a cabeça incapaz de me mover.

A febre queimava meus olhos por baixo de minhas pálpebras.
Minha pele queimava, tremia. O suor escorria pela raiz dos meus cabelos soltos.
Como se eu estive dentro de uma sauna quente, sufocante e escura.

Tentei focar em alguma coisa mas estava tudo completamente escuro.
Em algum lugar da minha mente atordoada eu sabia que estava sonhando.
Mas o calor sufocante era real. Queimava a sola dos meus pés descalços como se pisasse em pedra em brasa. Como se estivesse dentro de uma caldeira.

Um barulho distante chamou minha atenção. Era metálico. Ferro contra pedra.
Caminhei em direção ao som tentando ignorar o calor infernal.
O som ficava cada vez mais claro.
Passadas pesadas, correntes de ferro sendo arrastadas pelo chão.

Tentei abrir a boca para falar alguma coisa. Perguntar quem ou o que estava ali.
Mas meus lábios estavam completamente selados, o calor absurdo secando até mesmo minha saliva.


“Chihiro...”


A voz que chamava era um sussurro.
Um suspiro que vinha da minha frente e de lugar nenhum.

As sílabas do meu pequeno nome ecoavam dentro daquele cômodo quente, recocheteando em suas paredes de pedra negra. Seria uma dúvida? Um pedido?
Não conseguia saber se quem me chamava sabia que eu estava ali ou se por alguma coincidência apenas falara meu nome.

Mas eu sentia sua dor. Sua solidão. Seu medo.
Mil perguntas significava meu nome e mil perguntas ocultas tinha naquele sussurro ao vento.
Implorando por respostas.
Por um fio de esperança.

“Chihiro...” a voz me chamava mais uma vez.

Uma voz profunda, atemporal. Masculina mas nem jovem, nem velha.
Uma voz que eu reconhecia mas não sabia nominar.

Uma fumaça branca e espessa encheu o lugar. Como a respiração de um gigante, se movia pelo espaço, inspirando e expirando em círculos lentos.
Era uma brisa fresca naquele espécie de pequena cela do inferno.
Caminhei mais perto para o centro da fumaça branca, meus pés seguindo por conta própria.
Meu coração martelava no meu peito mas eu seguia em diante com as mãos esticadas na frente do meu corpo.
Algo gélido tocou meus dedos quentes.
Áspero como areia, como escamas de peixe.
Meus olhos ainda estavam cegos pela fumaça e pela escuridão absoluta mas eu ainda podia contar com meus outros sentidos. A parede ondulou sob as minhas mãos, como se respirasse.

Me permiti respirar profundamente pela primeira vez naquele sonho confuso.
E senti novamente aquelas estranhas notas aquáticas. Frescas como orvalho da manhã, como o leito de um rio.
Um perfume deliciosamente familiar, convidativo.
Dei mais um passo para frente, meu rosto a centímetros de distância da parede que se mexia.
Minhas mãos delimitavam cada uma das escamas delimitando seus limites, absorvendo sua forma.
Percebi que não estava diante de um muro e sim de algo mais sinuoso, estreito. Escamas logo deram lugar a macios fios de cabelo. Eram compridos e lisos. As mechas também exalavam o inebriante perfume, enquanto eu as penteava carinhosamente entre meus dedos.

 

Mais uma respiração profunda. Menor e sem levantar a fumaça de antes.
Mas estava muito mais próxima de mim. Vindo de alguns centímetros acima da minha testa.
Estiquei uma das mãos nesta direção.
Encontrei algo macio, reconhecível.

Um rosto.

Desenhei com cuidado seus traços. Comecei pelo seu queixo anguloso e subi delicadamente até sua orelha. Sem ser capaz de enxergar, eu tentava montar a imagem de quem eu sentia em minha mente.
Mas era impossível fazer qualquer coisa que fosse a não ser apreciar aquele momento. Continuar sentindo seu rosto em minhas mãos e rezar para não acordar tão cedo.
Era um momento sagrado, frágil.

Acariciei as maças do seu rosto e as senti úmidas.
Franzi o cenho.
Seria gotas de suor que escorriam pelo rosto do meu estranho companheiro de cela?
Ou seria lágrimas silenciosas?
Tive minha resposta quando encostei delicadamente em seus longos cílios molhados. O dono do rosto mal fechou os olhos durante minha impertinente investigação. Será que ele também tinha medo de se mexer e acabar com o encanto? Será que seu coração martelava em seu peito tão desesperadamente como o meu?

Não era real, eu sabia. Era apenas um sonho febril de uma adolescente.
E por apenas um delírio, uma ilusão noturna, eu não precisava reprimir meus instintos.


Emoções colidiam umas contras as outras numa espiral caótica.
Não era capaz de descrevê-las mas as sentia cada uma em uma intensidade que eu achava ser possível.
Só sabia que nenhuma delas era medo. O medo era um velho amigo que eu conhecia bem.
Aquilo era algo novo e indescritível que me deixava ansiosa.
Sentimentos que eu nem sabia que existiam brigavam com sensações que estavam adormecidas pelo tempo.
Mas nada importava, nada mais importava além daquele momento. Nem mesmo o ar em meus pulmões ou a veracidade daquele lugar.
Era doloroso demais sequer pensar em me afastar então eu fiz o oposto.

Enquanto meu rosto avançava os poucos milímetros que separava nossos lábios, eu consegui nomear um deles.

Saudades.

Uma insuportável saudade queimava meu peito e pesava sobre nós como um manto pesado.

E o único que remédio que tínhamos era aquele momento. Aqueles poucos instantes em que o mundo parou de girar enquanto flutuávamos na linha tênue entre a realidade e a ficção.

Eu achava que sabia o que era beijar uma pessoa.

Mas minhas poucas experiências eram pálidas quando comparadas aquele beijo.

Era uma tempestade em um oceano revolto onde tínhamos uma ao outro para nos apoiar.
Ele era meu bote salva vidas, o meu próprio oxigênio.

Eu nem sequer sabia quem estava no controle daquele beijo, eu me desfazia e refazia nos braços daquele estranho que me segurava firmemente pela cintura.
Seus braços eram meu alicerce, o centro de equilíbrio do meu pequeno universo.
Era um beijo ora doce, ora intenso. Cada músculo, cada pedaço do meu corpo se apoiava no dele.
Um beijo sem reservas, ávido, completo.

Eu poderia passar cada segundo da minha vida naquele momento etéreo.
O gosto dele era único, enebriante.

Em algum pontinho da minha mente eu conseguia ouvir a minha consciência reclamando que eu estava completamente entregue nos braços de um total estranho.
Alguém que não tinha um rosto visível mas que também me beijava com o mesmo ardor.

 

Não sabia dizer quanto tempo tinha passado quando senti uma das suas mãos tocou meu rosto.
Seus dedos eram longos e macios. Com delicadeza, ele segurou meu queixo e afastou os nossos rostos. Seu polegar cuidadosamente secou algumas lágrimas da minha bochecha.
Eu nem tinha percebido que estava chorando, tão pouco conseguia parar.
As lágrimas serviam para drenar um pouco das ondas de emoções que ainda naufragavam o meu peito.

Sua voz estava mais baixa, contida, porém foram suas palavras que me surpreenderam.

“Você não devia estar aqui…”


Uma brisa gelada foi soprada delicadamente na ponta do meu nariz.
Um som vítreo encheu meus ouvidos como se uma nuvem de pequenos cacos de espelho me cobrissem dos pés até a cabeça.

 

Então eu estava de volta a minha cama.


Levantei de uma vez, meus olhos piscando para se adaptar a súbita luz do aposento.
Aparentemente eu tinha dormido de luz acessa.
Olhei para a janela, a total escuridão da noite me servindo como uma lembrança triste do sonho que chegara ao fim.
Sentia novamente as lágrimas ameaçando a cair.

Eu sempre quis lembrar dos meus sonhos e justamente o mais doloroso de todos estava gravado como ferro em brasa na minha memória.
A saudade daquele doce estranho me queimava por dentro, e eu precisei de longos minutos para perceber que meu celular estava apitando.

Era uma mensagem do Eriol.
Na verdade uma dezena delas.
Queria saber como eu tava.
Se tinha melhorado, chegado bem em casa.
Se estava dormindo bem.

Sorri ao responder que estava com um pouco de insônia, que ele deveria estar se divertindo com os amigos aquela hora ou descansando depois de um dia tão longo. Não era de todo mentira pois eu duvidava ser capaz de dormir aquela noite.

A resposta levou apenas uns 15 segundos para chegar, como se ele estive agarrado ao telefone esperando que eu retornasse.

“Também não consigo dormir… Quer conversar?”


Fiquei encarando a mensagem piscar na tela por alguns minutos.
Eriol era um dos meus mais antigos amigos.
Era um rapaz inteligente, divertido e se importava de verdade comigo.

E era real.

Não era o fantasma de uma avó falecida.
Não era um monstro Sem Rosto escondido no meu armário.
Nem um estranho de lábios macios que me arrebatava em sonhos delirantes no meio da madrugada.

Eriol estava ao meu lado. Era de carne e osso.

Eu estava exausta, assustada e absurdamente triste.
Estava tantos anos questionando minha própria sanidade mas aquela noite tinha sido a gota d’água.
Não tinha como se tornar mais real que aquele beijo.

O que só me deixava com duas opções, as mesmas duas opções que sempre cercaram a minha vida atribulada.

Ou de alguma maneira eu tenho uma ligação com o mundo dos espíritos.
Sou neta de uma feiticeira, herdei a capacidade de me comunicar com fantasmas e outras criaturas que mais ninguém vê e por alguma razão desconhecida essas habilidades estão cada vez mais fortes.

Ou estou completamente maluca.

 

De um jeito ou de outro, eu precisava muito de ajuda. De um concelho.

Digitei rapidamente uma mensagem para o Eriol.
Não esperei pela resposta e já abri as gavetas do armário para pegar roupas novas.

Em cima da cama, meu celular piscava com a última mensagem enviada.

“Precisamos conversar… Pode me buscar em casa agora?”

Estava tão distraída que mal reparei que a tela piscou sozinha três vezes.
Apesar de o celular estar com crédito e estar 100% carregado.

A conexão da internet oscilara como se tentasse em vão impedir a mensagem de ser enviada.


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