A Escolha escrita por Miss Black_Rose


Capítulo 2
Capítulo 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/10898/chapter/2

Harris bateu o punho contra a madeira lustrada. Três baques foram suficientes para anunciá-lo e assim que a porta se abriu o agente se deparou com uma quarentona de olhos graves e penteado Chanel, trajando um vestido azul de seda, com um xale enrolado nos braços. Embora ela lhe lembrasse uma daquelas velhas cafetinas orientais, Harris sabia que era uma mulher de grande importância na organização e principalmente em seus planos. Abrindo-lhe espaço, a quarentona se equilibrou nos saltos finos até a sala e sentou-se em um sofá aveludado, cor creme, com almofadas coloridas, fimbriadas e macias, que ele logo teve vontade de apalpar.

“tecido importado...” foi o que pensou, quando sentou ao lado de uma delas e acariciou as franjas entre os dedos calosos.

A pequena asiática se sentou ao lado dele, taciturna, como sempre, apenas os olhos a se moverem lentamente por toda a sala, cruzando as cortinas, os tapetes, os vasos e as plantas, chegando às estantes com pequenos objetos dourados, outros cristalinos, e estacionando na mesinha à frente do sofá com um pote cheio de bala de goma.

- o que trouxe, Harris? – a voz da quarentona ressoou suavemente, mas Harris o interpretou como um alerta e com cuidado equilibrou as palavras:

- Vim lhe pedir um favor, Mary. – seus olhos analisaram a expressão da quarentona. Esperava que suas rugas esboçassem surpresa ou quem sabe desgosto, mas elas estavam lá: estacadas e neutras, esperando um comando. – Acho que já sabe que a organização está “adotando” crianças que se encontram em estado miserável ao invés de contratar novos agentes.

- ouvir falar, Harris. – a voz calma, sem sentimento algum.


- Bem, eu recebi a ordem de treinar uma dessas garotas e por isso saí à procura da minha... Discípula.
O olhar de Mary analisou a menina. Expressão neutra.


- mas eu tive alguns problemas, Mary, e agora vou ter de abandonar essa ordem. Vou me aposentar.
- aposentar? – enfim, um tom mais alterado, uma surpresa disfarçada na indiferença da voz.

- exatamente. – Harris responde, agora ligeiramente grave.

- isso quer dizer...

- sim.

- oh, sinto muito. – Mary lamenta, mas sem mudar a expressão e o tom de voz.

- bem, o que vim lhe pedir é que termine o que eu comecei, Mary. Já é veterana no nosso ramo e acho que dará uma ótima tutora. Eu lhe peço esse favor. A menina já está há seis meses comigo. Já aprendeu a atirar, a desmontar e limpar as armas, mas sei que falta muito ainda para aprender. No entanto, com a minha aposentadoria o único destino dela será... – Harris hesitou e respondeu com o olhar.

A menina continuou sentada, olhando fixamente para Mary com os olhos cor de chumbo.
- acho que eu não teria problema em educá-la, Harris. Sempre quis passar tudo o que sei para alguém, mas...

A empregada, com um branco vestido de seda, estendeu a bandeja com duas xícaras. Uma fumaça tênue emergiu do chá e se dissipou aos poucos.

- mas já não sei se tenho paciência para lidar com crianças. – continuou Mary.

- isso não é problema. A menina é isso que está vendo. Não fala, é muito tímida e é obediente. Não deu trabalho durante todos esses meses.

Mary a analisou mais uma vez. A chinesinha devia ter entre nove e dez anos, mas pela altura e pela delicadeza dos traços, aparentava ter menos. Os olhos acinzentados indicavam que era mestiça, tornando-a mais bonita e mais autêntica. Se se empenhasse, poderia transformá-la em uma femme fatale assim que ganhasse um pouco mais de corpo e, com toda a sua experiência, torná-la uma de suas melhores espiãs.

- Que nome deu a ela, Harris? – perguntou.

- nenhum. A chamo pelo número de identificação.

- Ela não é uma máquina. – respondeu a quarentona, repreendendo-o.

- de certa forma ela é, sim, Mary. – respondeu o agente com certo tom mórbido e irônico na voz. – uma máquina de matar.

- se não se importar... – ofereceu-se Mary, impassível.

- não, tudo bem. Eu devia ter feito isso antes, mas acho que tive um pouco de receio de me envolver, afinal de contas, não deixa de ser uma criança. Mas então, só por curiosidade, que nome vai dar a ela?

Mary raciocinou por alguns segundos, silenciosamente, então abriu os olhos azulados e os voltou para a menina, revelando com a voz suave:

- Ada. Ada Wong.

- Ada – Harris repetiu. – É um belo nome, um tanto exótico, mas combina com a menina. Bem, tenho de ir agora, Mary. Parece que quando se vai “aposentar” as horas passam mais depressa. Espero que tenha sucesso no treinamento dela. Acho que ela tem potencial e provavelmente será uma grande espiã. – continuou, erguendo-se. A quarentona se levantou também e, estendendo a mão para ela, Harris se despediu: – Adeus Mary, adeus Ada.

O agente fez um leve cafuné nas mechas negras da chinesinha e foi acompanhado até a porta. Seguindo-o com os olhos, Ada permaneceu sentada no sofá até que a porta se fechasse e até que os passos de Harris ecoassem para fora da varanda, rumo à sua aposentadoria.

* * *


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Escolha" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.