Todo Mundo Odeia o Chris escrita por erico_nietto


Capítulo 2
Capítulo 1 - Todo Mundo Odeia o Banheiro da Escola




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Brooklyn, 1982

Toda mãe costuma ficar orgulhosa com o primeiro dia de aula do filho. Menos a minha.

Rochelle:
Chris, acorda! O tempo está passando e seu futuro desabando. Quer ser mais um negro no bairro? Quer levar um tiro de um branco?

Depois do discurso feito pela minha mãe, imaginei como seria o futuro. Mas não o meu futuro! O futuro dela!

ALGUNS ANOS DEPOIS

Rochelle no alto de um palanque na frente da casa branca.

Rochelle: Apartir desse ano, todo dia é dia do negro! Nada de impostos! Nada de aluguel! Comida na mesa pra todos!

Alguma coisa me disse que nada daquilo iria acontecer. Mas não custava nada imaginar.

Tonya entra no banheiro da escola e leva um susto ao ver Drew.

Tonya: Drew? Está fazendo o que aqui?
Drew: Eu fiz uma aposta e acabei perdendo. Tenho que ficar aqui até uma garota entrar no banheiro.
Tonya: Então pode sair!
Drew: Não, eu não posso! Tem que ser uma garota branca.
- Não tem brancas nessa escola!
- Então você trate de arrumar uma, pelo amor de Deus.
- Mas eu não fiz aposta nenhuma. Esse problema é seu.

Drew pensou enquanto observava Tonya lavando as mãos com sabonete líquido na pia.

Drew: Vamos combinar o seguinte! Se você me tirar daqui eu faço suas tarefas por uma semana. E lavo a louça.
Tonya: Duas semanas, louça lavada e meu quarto arrumado.
- Mas isso é uma exploração.
- É pegar ou largar.

Enquanto a Tonya tentava livrar a cara do Drew, a Senhorita Morello começa o primeiro dia de aula com a mesma história de sempre.

Professora: Quero que façam uma redação com bastante calma contando sobre as férias e o que vocês curtiram nela. Chris, se quiser comentar sobre a prisão da sua mãe ou a difícil batalha de seus irmãos, eu vou entender.

Cara! Qual é o problema dela?

Greg levantou a mão.

Professora: Sim, Greg.
Greg: Eu passei as minhas férias em casa e não tenho muito o que contar.
Professora: Se quiser você pode falar do seu pai advogado... Ou da sua mãe, aquela atriz do seriado... Qual é mesmo o nome dela?

A mãe do Greg, atriz? Se o papel dela fosse um Anjo, eu até entenderia.

Tonya desce as escadas da escola e olha para todos os lados. Avista de longe uma mulher branca num pequeno mercadinho, logo na esquina.

Tonya: Com licença.
Mulher: Sinto muito, não tenho dinheiro.
- Não é nada disso.
- O que é então?
- Meu irmão Drew perdeu uma aposta na escola e teve que entrar no banheiro feminino. E agora só pode sair de lá quando uma mulher branca entrar.
- É impressão minha ou você está querendo me levar para uma armadilha?
- Senhora, não é armadilha. Por mim eu deixava meu irmão lá pro resto da vida. Mas ele vai lavar a louça, fazer minhas tarefas e arrumar o meu quarto se eu ajudá-lo.
- Sinto muito, mas não posso fazer nada.
- Mas a escola é logo ali!
- Aquilo é uma escola? Eu jurava que era uma FEBEM!

Depois de tamanho preconceito, eu só queria naquele momento pegar meu caderno no armário e aproveitar o intervalo pra fazer uma redação.

Greg:
Ei, Chris. Já pensou no que vai fazer?
Chris: Claro! Vou falar da minha mãe presidiária.
- Sério que sua mãe é uma presidiária?
- Claro que não! Isso é puro preconceito da senhorita Morello.
- Você precisa conversar com sua mãe a respeito disso. Daqui a pouco as pessoas vão ter medo de você.

Joey Caruso pára na frente de Chris, derruba seus cadernos e lhe acerta um forte golpe.

Caruso: Bem-vindo de volta às aulas, Saci.

Tonya entra na escola puxando a pequena menina branca pelas mãos. Drew se surpreende e logo sai do banheiro.

Drew: Tonya, quem é ela?
Tonya: Deixe de fazer pergunta e vamos sair logo daqui!

Rochelle termina de passar as compras no caixa e assim que abre sua carteira, não encontra nenhum dólar. Só havia ticket alimentação. Ela olha discretamente para os lados e os jogos sobre a caixa.

Rochelle: Rápido, rápido! Se alguém me ver usando isso, vou passar uma vergonha!
Caixa: Vergonha? Deveria ter orgulho.
- Orgulho de Ticket alimentação? Isso só faz você pensar que não tem dinheiro.
- Pense pelo lado bom! Mesmo ficando pobre, você ainda não vai passar fome.
- Por um lado você tem razão. Mas se você fosse negra, iria me entender.
- Minha avó é negra.
- Jura?
- Tudo bem que eu fui adotada - ela queria dizer roubada.
- Olha, a conversa está boa mas eu preciso ir! Gostei de conhecê-la.

Enquanto tudo dava certo para os outros, pra mim estava piorando.

Chris puxava a descarga com força, mas a água não caía de maneira alguma.

Chris: Droga! Era só o que faltava!

De volta para a sala, todos terminavam sua redação. Até a Senhorita Morello entrar ao lado do diretor.

Professora:
Chris.
Chris: Sim?
Professora: Poderia nos acompanhar, por favor?

Eles entram no banheiro. Olham dentro do vaso.

Professora: O que significa isso?
Chris: Eu não fiz isso. A senhora já está exagerando ao meu respeito.
Professora: Eu sei que isso é constrangedor, mas iremos entender.
Chris: Uma coisa a senhora tem que entender! Poderia ser qualquer um.
Diretor: Vocês acreditar em você.

Naquele momento imaginei a equipe da SWAT me retirando da escola e minha mãe gritando e tentando me libertar.

Rochelle:
 Deixe meu filho em paz! Ele não fez nada!
Policial: Se acalme senhora! Recebemos uma denúncia de clonagem!

De volta pra sala, terminei minha redação e recebi mais uma crítica.

Senhorita Morello:
 Chris, sua redação é emocionante. Uma mãe como a sua batalhando pelo seu filho... - negro - e dando a ele tudo o de melhor... - Feijoada - é muito legal de ler. Mas mentir dessa maneira, é constrangedor. Você vai tirar um C - .

C - ? Sinceramente, esse preconceito destruiu minha infância!

Chris entra em casa. Todos já estavam sentados, prontos para almoçar.

Rochelle: Chris, querido! Sente-se!
Tonya:
E não demore por que estou morrendo de fome.
Rochelle: Tonya!

Almoçar em família era a coisa mais confortante. É claro que eu exagero contando alguns fatos.

Julius:
Como foi a escola hoje?
Chris: Tivemos que fazer uma redação. E depois eu usei o banheiro e ele estava sem água. Acabou que não desceu e eu tive que chamar a professora.
Drew: Que nojo!
Rochelle: Tem certeza que foi só isso?

Não! Eles me acusaram de tentativa de clonagem e ainda falaram que aquilo se parecia comigo '666.

Chris:
Sim, foi só isso.
Rochelle: Nós sabemos que é difícil pra você conviver com todo esse preconceito. Mas você sabe que qualquer problema, pode nos contar.

Saber que a minha mãe estaria sempre ao meu lado foi mais uma vez agradável. Minha vontade era de sair na rua apontando para todos os brancos e dizer "Mãe! Ele me chamou de preto!". Mas naquela época as coisas não funcionavam assim. Hoje todo mundo tem sangue negro e assim vamos vivendo cada dia.


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Notas finais do capítulo

Nesse capítulo tentei mostrar como o preconceito era forte naquela época; uma espécie de "humor negro". Mas entendam, crianças: Não façam isso com seus colegas! Afinal, todos nós temos sangue negro nas veias!