— É aquela? – Temari perguntou, olhando com discrição na direção da garota, sentada em uma mesa solitária no centro do refeitório. – Acha que ela vai aceitar?

Shino deu de ombros, olhando para a garota de cabelo castanho, que comia na mesa dos garotos que Gaara e Sasuke adoravam perseguir.

— Não sei se ela vai aceitar, mas acho que ela é exatamente o que você está procurando.

Shino olhou para Temari. Ela queria alguém parecido com ela própria para substituí-la. Shino ainda era da opinião que Temari podia perfeitamente continuar na presidência do Clube de Jornalismo, mas as regras do colégio para os clubes eram claras e não podiam ser contestadas.

Só eram permitidos na presidência dos clubes, alunos com notas altas na maioria das matérias. Temari não fazia o tipo estudiosa e dificilmente se concentrava por muito tempo nas coisas que se referiam à escola. Ela amava aquele jornalismo amador e fazia tudo pelo jornal. Porém, sua dedicação era tanta, que ela se esquecia de todo o resto. Juntando isso a problemas pessoais que Temari nunca lhe contara, a menina chegou a repetir o ano por mal comportamento, excesso de faltas e notas baixas.

Com isso, Temari precisara fazer um acordo com a direção, comprometendo-se a encontrar novos alunos para o Clube de Jornalismo, antes da metade do primeiro semestre. Com o pensamento fixo na idéia que somente pessoas qualificadas poderiam fazer parte daquele clube, até o momento Temari apenas encontrara Shino, que era bastante determinado em relutar seu convite. Filho de um jornalista e uma publicitária, o garoto não tinha muitas razões para gostar daquela área.

Desde que entendia alguma coisa do que acontecia ao seu redor, lembrava-se de sempre ser deixado de lado pelos pais, em nome de seus empregos. Por isso, durante a maior parte de sua vida, fugira de qualquer coisa que lembrasse a profissão de um dos pais. Porém, como Temari era insistente, Shino foi obrigado a aceitar ajudá-la a encontrar o resto da equipe. E, segundo o trato que fizeram, ele estaria finalmente livre da Sabaku, assim que a equipe estivesse completa.

— Qual o nome dela mesmo?

— O “nosso alvo” se chama Tenten Mitsashi. – Shino falou, com certo desagrado na voz.

— Por que você fala como se estivéssemos prestes a acabar com a vida dela?

— Porque estamos prestes a convidá-la para fazer parte do Clube de Jornalismo. - Ele respondeu seco, deixando bem claro qual era a sua posição sobre a profissão.

— Melhor não usar esse argumento com ela.

Temari de alguma forma concordava com ele. Uma parte dela esperava que a tal de Tenten aceitasse o convite. Precisava resolver aquele assunto o quanto antes, se quisesse recuperar suas notas. Mas o Clube de Jornalismo era mais importante. E precisava deixá-lo em boas mãos.

A outra parte de Temari não queria sair da presidência. Algo que pertencia a ela ficaria dentro daquela sala de “redação” para sempre e ela não sabia se estava realmente pronta para abrir mão disso.

Seu olhar manteve-se em Shino, que observava Tenten. Ele esperava o momento certo para falar com ela ou tentava encontrar um modo de começar. Shino era um pouco como Temari. Não gostava de denominações. Não gostava de se sociabilizar com pessoas com intelecto problemático. Ambos preferiam a humildade da onisciência que a arrogância da ignorância. Eram ambos, as páreas do colégio. Pensavam além dos demais, estavam além dos demais. E sabiam disso.

Talvez essa tal de Tenten fosse parecida com Temari. Mas a Sabaku não estava tão certa de que ela faria o que fosse preciso pelo Clube. Volta e meia a direção tentava limitar o trabalho dos pretensos jovens jornalistas. E, para enfrentá-los, era preciso pulso firme, coragem... Tenten podia ter as duas coisas, mas havia uma coisa que lhe faltava e Temari instintivamente sabia disso antes mesmo de conhecê-la. Tenten não tinha nem a paixão de Temari, nem o ódio de Shino pelo jornalismo.

Temari sabia por quem queria ser substituída. E sabia que Shino não via a hora de se desligar do jornal. Mas não podia arriscar “perdê-lo” facilmente. E, para ter Shino no seu lugar, precisaria arriscar outra coisa. Mais preciosa. O jornal. Era uma aposta cega. Ilusória. Mas era a aposta de Temari. E ela jamais perdia.

— Não vai falar com ela? – Perguntou impaciente.

— Você não vem junto?

Temari olhou de Shino para a desconhecida de quem tanto falaram nos últimos dias.

— Ela se parece mesmo comigo?

— Temperamento idêntico, se quer saber. Não deixa barato nenhuma provocação… Ela é uma versão mais nova de você. – Shino falou com tamanha convicção, que Temari não mais duvidou.

— Vá falar com ela primeiro. Preciso ver uma coisa.

Shino teria perguntado o que era, teria contrariado a afirmação, teria ido atrás de Temari. Mas preferiu ficar, vendo-a sair do refeitório, sem o brilho de sempre. Sem a satisfação de estar em uma posição importante. No lugar disso, Temari estava cheia da vergonha da derrota para as notas escolares, da tristeza por ter que se despedir de algo que ela era por inteira. Ela tinha dado tudo pelo Clube. Agora, tinha que abandonar isso, para ser menos do que uma aluna qualquer.

Ele não conhecia muito da família Sabaku. Porém, até o momento, achara que Temari e Gaara eram extremamente diferentes. Agora, percebia. O gosto de Gaara pelo poder, a expressão superior que ele exibia pelos corredores... Era a mesma que mantinha Temari no posto de garota indomável, indecifrável e porque não dizer aquilo que ela mais gostava, incomparável. O que restaria para ela depois do topo? Uma queda vertiginosa até o esquecimento? Temari não poderia ser esquecida.

Shino olhou para Tenten. Pela primeira vez duvidou que ela fosse capaz de substituir Temari. Não bastava que fossem parecidas... Tenten precisava de paixão... E ódio...

Tenten fechou a porta da sala de jornalismo assim que entrou, vendo Hinata sentada na mesa de canto. Sentou-se ao seu lado e encolheu os ombros, sem saber o que dizer. Ela e Hinata estavam se entendendo bem desde o incidente com Shino, mas nunca tiveram uma conversa longa e profunda sobre sentimentos ou coisas do passado. E para ajudar, nem sempre Tenten era boa com as palavras. Na maioria das vezes ficava sem paciência em situações como aquela. Mas dessa vez não queria ir embora. Queria entender quem era "Hinata".

Aliás, não bastava saber quem ela era, tinha que ir mais a fundo e conhecer seus sentimentos, sua personalidade verdadeira, sua história. E, então, soube por onde começar.

— Hinata... - Chamou. - O que o Neji quis dizer com "cuidar de você"?

— Ele acha que é obrigação dele me defender.

— Defender do quê?

— De tudo. Ele acha que como prima dele, eu tenho que estar sempre perto dele.

— Então porque ele não se garantiu disso quando você entrou no colégio? Não seria mais fácil do que deixar que você se aproximasse das pessoas erradas?

— Vocês não são as pessoas erradas, Tenten. - Hinata falou, como se aquilo a ofendesse também. - Eu nunca pensaria uma coisa assim. Quando cheguei aqui e o Shino me convidou para fazer parte d'Os Outros, eu não sabia o que esperar. Nunca fiz parte de grupo nenhum. Eu vi o jeito que vocês olhavam para o Shino, vi o jeito que ele falava com vocês... Então, eu vi como vocês sentiam falta dele, como gostavam dele apesar de qualquer coisa que ele tenha feito ou dito. Isso para mim é amizade, sinceridade, compreensão... Eu nunca vi alguém se preocupar tanto com o que é certo e justo quanto vocês. Eu fico feliz cada vez que penso que escolhi certo. - Hinata olhou Tenten, transmitindo-lhe sinceridade. - Principalmente por você, o Kiba e... Todos os outros. Literalmente Os Outros. - Riu.

Tenten ficou estranhamente feliz em ouvir aquilo. Hinata tinha se encaixado bem ao grupo, ainda que Shino não tivesse encontrado uma função certa para ela.

— Você já enfrentou o Neji?

— Já. Eu tento, mas ele é mais forte que eu, em todos os sentidos.

— Como assim?

Hinata suspirou, virando o rosto para a mesa de Shikamaru e Chouji. Não queria responder aquilo.

— Eu não posso simplesmente afastá-lo da minha vida, Tenten. Eu tenho uma dívida com ele. Eu não espero que você ou o Kiba, ou o Naruto, nem ninguém entenda isso. Um dia, eu deixei que ele tomasse conta de mim e da minha irmã. E ele continua fazendo isso. Do jeito dele, mas é o que ele faz.

— Não consigo te entender Hinata. Ele te trata como se você fosse uma...

— Tenten! - Hinata queria encerrar o assunto desesperadamente. Mas para isso, precisava tentar explicar, de alguma forma. - Quando a minha mãe morreu, meu pai perdeu o chão. Ele nunca mais foi o mesmo. O Neji não era muito mais velho que eu. Mesmo assim, ele assumiu a responsabilidade por mim e pela Hanabi. Ele fez pela minha irmã muito mais do que eu conseguiria, enquanto ela precisava sinceramente de mim. - Hinata não deixou que aquela sensação incômoda na boca de sua garganta a impedisse de terminar. Lembrar de sua mãe e sua irmã sempre mexia demais com ela. - Por mais que a situação esteja insustentável hoje, eu não consigo ignorar o que ele fez por ela. E por mim, apesar de tudo.

Tenten agora entendia um pouco mais. Porém, percebeu que não arrancaria muito mais que aquilo de Hinata. A menina não se sentia a vontade, como ela, para falar das coisas que a machucavam e ela teria que respeitar o tempo e o espaço de Hinata, se quisesse ser digna de confiança. Mas ela também tinha algo a dizer.

— A primeira vez que eu entrei nessa sala foi a convite do Shino, como você. Nós entramos juntos na escola, estávamos quase sempre na mesma sala de aula e morávamos na República, mas nunca tínhamos nos falado direito. Um belo dia, eu estava no refeitório, puta da vida com o meu pai, que tinha acabado de me mandar para a República, cansada das cobranças da minha mãe... Ela queria que eu fosse mais feminina, que me dedicasse mais aos estudos. E os dois queriam que eu fosse ou advogada ou médica ou qualquer coisa importante. - Tenten fez uma cara enjoada. - Não é por acaso que eu sempre quis fazer alguma coisa diferente, queria mostrar para eles que nem tudo é aparência, nem tudo é dinheiro. E queria que todos soubessem quem eu era, como eu era...

Hinata não falou, enquanto Tenten parecia se perder no meio das lembranças.

— Nesse dia, o Shino apareceu do meu lado e me chamou para conversar. Ele sentou na minha mesa, com o Chouji, o Lee e o Shikamaru que naquela época eram os "preferidos" - Tenten enfatisou a palavras, fazendo aspas com os dedos. - dos dois patetas. Ele não era presidente do clube de jornalismo ainda. Na verdade, quem estava no comando e procurando um substituto era a Temari.

— A Temari?

— É. Vocês não conversaram muito, né?

— Na verdade, nós nunca conversamos.

— Ela repetiu o primeiro ano por causa de uns problemas em casa. A família Sabaku sempre passou por situações difíceis, que provavelmente contribuíram para essa marra toda do Gaara.

— Imagino...

— Quando o Shino me convidou, eu nunca tinha pensado na possibilidade de ser jornalista. Nem estava procurando um clube para entrar. Ele me explicou que estavam faltando alunos para o jornal e que, se eu aceitasse e tivesse jeito para a coisa, eu ganharia algum cargo importante.

— Que oferta!

— O cargo de que ele estava falando naquele dia não era o de responsável pela televisão. Era o de presidente. - Hinata arregalou os olhos para ela. - O Shino odiava jornalismo. Ele preferia qualquer coisa, menos isso.

— E o que aconteceu?

— Eu não sabia disso. Fiquei sabendo depois, quando conversei com a Temari. Ela me explicou que eu estava sendo "treinada" para substituí-la. Quando eu perguntei porque "eu", ela não poderia ter sido mais sincera:

— Porque a minha primeira opção não quer o cargo.

— E quem é sua primeira opção?

— O Shino. Ele seria perfeito para o cargo. Ele tem o que é preciso. Audácia e sagacidade.

— E você não tinha nada disso?

— Se eu tinha não era suficiente. Eu percebi que, por melhor que eu fosse, a Temari continuaria querendo que eu fosse o Shino. Não dava para competir com isso. E eu tentei, Hinata. A Temari saiu do jornal de vez, mas continuava pegando no meu pé toda vez. Enquanto isso, o Shino conseguiu trazer o Lee, que sempre foi apaixonado por fotografia e é um rato de computador. Trouxe o Chouji, livrando ele do Sasuke. E o Shikamaru, tirando ele do perigo dos Impopulares.

— Como ele fez isso?

— Se algum dia você descobrir, me conte. - Tenten riu. - Quando eu estava ficando de saco cheio da Temari eu resolvi descontar na única pessoa que me ameaçava diretamente. Gritei com o Shino de um jeito que fez os meninos saírem da sala com medo de sobrar para eles. Acusei-o de querer me derrubar, se mostrar melhor que eu e um monte de outras coisas que nem me lembro mais.

— E ele?

— Não disse nem fez nada. Não na minha frente. No dia seguinte, a Temari veio falar comigo, disse que sentia muito e que eu estava fazendo um bom trabalho. Eu perguntei porque ela estava fazendo aquilo e ela me disse que o Shino tinha falado com ela.

Hinata sorriu.

— Não tinha como competir com isso, Hinata. Não tinha como ser melhor que o Shino. Ele nem fazia parte do Clube de Jornalismo e fazia mais pela gente do que eu seria capaz.

Hinata sentiu uma pontada naquela última frase de Tenten. "Do que eu seria capaz". Era como ela se sentia em relação à sua irmã, não era? Agora estava começando a entender onde Tenten queria chegar.

Porém a relação de Tenten com Shino era completamente diferente da relação dela com Neji.

— Eu entreguei o jogo. Passei para ele o comando do jornal. Precisei brigar com ele para isso e convencê-lo de que era isso que ele queria. E acho que consegui. Não consigo ver o Shino fazendo outra coisa, agora. - Tenten finalmente sorriu e Hinata a imitou, incerta. – Depois, ambos precisamos recomeçar. No começo, eu quis sair do jornal, mas ele não deixou. Me colocou na televisão e me mostrou que, mesmo odiando tudo isso, ele sabia muita coisa. O que antes era um desafio tornou-se uma paixão para mim. E eu fui me encantando por isso aqui. Eu finalmente tinha encontrado algo que eu quisesse fazer. E quem tinha me dado isso, era ele.

Hinata suspirou. Sabia que Tenten tinha todo aquele sentimento por Shino, mas até então, era incapaz de entender porquê. Em parte, era por que Shino ainda a assustava um pouco. Mas agora, aos poucos, ela descobria quem ele era de verdade. E gostava cada vez mais disso.

Tenten subitamente continuou.

— Eu comecei a admirar o meu rival. Eu sentia que devia isso a ele. Ele me deu um sonho. O que seria bom o bastante para retribuir?

— Acho que entendi onde você quer chegar, Tenten.

Tenten respirou fundo, antes de continuar. Observou o olhar triste de Hinata.

— Eu ainda não terminei, Hinata. - Falou, fazendo a menina olhá-la. - Eu tinha um sentimento de gratidão pelo Shino. Apesar do jeito dele, sério e antipático, ele nunca me tratou como se cobrasse alguma coisa. Ele nunca exigiu de mim, mais do que eu pudesse dar para o jornal. E foi por isso que a minha admiração por ele foi crescendo cada vez mais e tomando espaço dentro de mim. Até que ela se transformou em outra coisa. Eu amo o Shino, Hinata. Porque ele mereceu isso.

Hinata sentiu o coração disparar. Tenten parecia invadir a sua alma. Era assustador.

— Eu não amo o Neji. Ele não merece. - Falou com a voz fraquinha. - Mas também não amo o Kiba, que merece. Se eu sinto por alguém algo que chegue perto desse sentimento, não é por nenhum deles...

— Seu coração bate forte por alguém?

— ... - Hinata não tinha certeza daquela resposta. Sentia-se idiota por ser tão volúvel com seus sentimentos. Tão rápida para se apaixonar e tão lenta para esquecer as ilusões. - Não sei. - Falou com sinceridade, procurando aquele abrigo que estava descobrindo em Tenten.