Durante a noite. Depois da chuva.

Tenten estava sentada na cama, lendo sob a luz fraca de um abajur, um livro que Shino lhe emprestara no ano anterior e que nunca passara da décima página. Agora que o garoto começava a cobrar a devolução do livro, Tenten chegava à página vinte. Até que o livro era interessante, mas ela já não se lembrava de porque o pedira emprestado.

De qualquer forma, sabia que se entregasse o livro depois de tanto tempo, sem ter realmente lido, enfrentaria um interrogatório irritante sobre coisas que ela não saberia o que era. Queria estar pronta para enfrentar Shino. Mostrar-se uma garota culta e inteligente não era sua preocupação, mas perder para Shino não estava nos seus planos.

Ela sabia que de todos os membros do clube de jornalismo, Shino era o que tinha o futuro mais brilhante. Tinha inteligência, sagacidade, observava tudo e todos, e seus textos tinham uma estilo próprio, uma identidade que ela admirava.

Além disso, Shino tinha visão. Desde que fora escolhido presidente do clube de jornalismo, ganhara autonomia como editor e a direção já não controlava as edições do jornal, nem os programas do rádio e da televisão.

Tenten sabia que devia a ele o orçamento que recebiam da reitoria e a liberdade que tinham para falar o que queriam, não teriam em nenhum outro lugar. Mais do que isso, antes de entrar para o clube, um convite pessoal de Shino, Tenten não tinha idéia do que faria depois do colégio. Não tinha planos para nenhuma faculdade. Começara como Shikamaru e Naruto, ajudando aqui e ali, até começar a escrever para o jornal. Depois, passou a ser a responsável pela televisão, assim como Chouji pelo rádio...

Antes disso, rádio e televisão pertenciam à escola, recebendo mais intervenção da direção que o próprio jornal.

Aprendera com Shino truques de câmera e edição de videos que só aprenderia em uma faculdade. A garota não sabia como Shino conseguira tudo aquilo. Sempre que perguntava, Shino desconversava, no que era um gênio.

Uma única vez ele falara mais do que meias palavras.

— Posso fazer um pergunta?— Perguntara ela, quando editavam as fitas da briga de Sasuke e Gaara, na ocasião da publicação do edital.

— Pode.— Respondeu Shino distraido, olhando para as imagens.

— O que você fez para conseguir todas essas melhorias para o jornal?

— Não fiz nada demais. Está no estatuto da escola, que eu já li milhares de vezes. A reitoria disponibiliza os recursos e a diretoria tem obrigação de repassar para nós. Mas o antigo diretor preferia usar os recursos em proveito próprio.

— Sério?

— É. Quando a reitoria descobriu, o diretor foi deposto, e eles queriam desativar o clube de jornalismo. Era muito dinheiro para ser mal administrado. Foi aí que a diretora Tsunade entrou e eu conversei com ela.

— O que vocês conversaram?

Shino não respondeu, paralisando o vídeo em uma imagem de Gaara e Sasuke.

— Viu isso?

— Quê? — Tenten olhou para a tela do computador. - O que foi?

— Vê? Aqui... — Shino apontou para a tela, na direção do rosto de Jiroubou. - Naruto falou disso no texto dele. Não tinha reparado nisso.

— É... Estranho...

Depois disso, Shino não falara mais nada.

Distraída da leitura do livro, Tenten fechou-o e deitou-o na cama. Uma chuva fina caía lá fora e um friozinho entrava pela janela, mesmo fechada. Era por esse e outros motivos que Tenten gostava de passar as noites no quarto dos meninos, quando eram apenas elas e os três amigos.

Dormia no beliche com Shino e todos passavam a madrugada falando besteiras. Naruto era o primeiro a dormir. Lee dormia logo em seguida. Tenten ficava em silêncio por um longo tempo, tentando descobrir se o garoto que dormia na cama de cima estava ou não acordado.

— Shino?

— Hum...

— Pensei que estava dormindo.

— E eu pensei que você estava dormindo.

— Estou com fome...

— Que coisa, não?

— Vai lá na cozinha comigo?

— Você? Fazendo voz de criança? O que deu em você?

— Estou realmente com muita fome!

— Tudo bem. Mas prometa que vai parar de fazer essa voz.

— Prometido!

Tenten ouviu um ranger vindo da cama de cima e logo os pés de Shino apareceram ao lado de sua cama. No momento seguinte, ele estava parado ao seu lado, com uma bermuda e uma camisa cinzas que usava como roupa de dormir.

— Vamos logo.— Estendeu a mão para ela, que lançou o lençol para longe e aceitou a ajuda para se levantar.

Os dois desceram a escada em silêncio, para não acordar Iruka, que reprovava assaltos à geladeira em plena madrugada. Ao chegarem na cozinha, Shino se sentou em uma cadeira e esperou ela pegar algo para comer. Tenten abriu a geladeira, não havia nada que quisesse ali. Depois, correu para o armário da dispensa, onde escondiam-se vários pacotes de bolacha. Na ponta do pé, espiava para dentro do armário.

— Gosta de bolacha amanteigada?

— Amanteigada?

— É. Aqui diz: Amanteigada sabor chocolate.

— ...

— Melhor não, né? — Tenten guardou o pacote na dispensa e procurou outro.

— Deve ter sido o Lee que comprou esse.— Comentou Shino, levantando e dando a volta na mesa. - Quanto mais barato, melhor.

— Ainda bem que o Iruka não é pão duro como o Lee... — Disse Tenten, começando a pular para ver o fundo do armário.

— Tente agora...— Disse Shino, parando ao lado dela com uma cadeira. - Fica mais fácil.

— Ah... Eh... — Disse a garota, sem graça, apoiando-se em Shino para subir na cadeira. - Valeu. O que seria de mim sem você?

Shino não respondeu e Tenten achou que era melhor não responder mesmo. Pegou mais um pacote de bolacha e mostrou para ele.

— Chocolate!

— Shhhhh! Fala baixo.

Tenten agora pulava na cadeira, com o pacote de bolacha de chocolate na mão. Shino a olhava. Tenten parou subitamente de pular.

— Ah... Eh... Verdade.

Tenten pôs-se a descer da cadeira, do lado oposto ao de Shino. Sua mão vazia escorregou pelo encosto da cadeira, fazendo-a perder o equilíbrio. Shino puxou-a para si, antes que ela caísse e tirou o pacote da mão dela, colocando-o sobre a pia.

Tenten ajuelhou sobre o assento da cadeira, de cabeça baixa, agradecendo a si mesma por não ter acendido a luz quando entrara na cozinha. Shino deveria achá-la muito idiota naquele momento. Havia anos que não agia como criança, por que com ele tinha que ser diferente? Shino se afastou dela, estendendo a mão para audá-la a descer.

Tenten hesitou, mas acabou aceitando a ajuda.

— Desculpe.

— Não por isso.

— E obrigada.

Shino sorriu.

— A bolacha... — Pegou o pacote da pia e entregou-lhe.

— Valeu.

Tenten despertou daquela lembrança pela voz de Karin.

— Quer apagar essa luz?

Sem responder, Tenten apagou a luz e se deitou, tentando dormir.

O barulho de chuva estava diminuindo. Gostava de dormir sob o som da chuva batendo na janela. Aquilo acalmava seu coração, seu espírito inquieto e suas lembranças sem sentido. Ficou na cama um tempo incontável, até que ouviu um barulho no corredor. Sem conseguir dormir, ficou atenta aos movimentos na casa.

A pessoa havia descido para a cozinha. Havia som de armário abrindo...

Desistindo de tentar dormir, assossiando a insônia a um repentino vazio no estômago, afastou as cobertas e saiu do quarto. Estava certa. A pessoa que descera estava na cozinha. Suavizou o passo até chegar à porta e espiou para dentro, tentando evitar encontrar alguém indesejado.

Quando viu quem assaltava a dispensa, sorriu e encostou-se no batente da porta. Shino espiava para dentro da dispensa.

— Precisa de uma cadeira? - Perguntou, numa voz baixa, mas suficiente para que ele ouvisse... E se assustasse.

— Não... - Shino respondeu, apresentando um pacote de bolacha. - Eu escolho mais rápido que você. - Os dois sentaram-se à mesa. - Quer? É de chocolate.

— Hum... Quero! Quero!

Shino riu.

— Só dou se parar de pular!

Tenten corou. Estava fazendo de novo. Por que...

— Sempre me comporto como criança perto de você...

Shino a encarou sem dizer nada. Tenten, percebendo que pensara alto, desviou o olhar.

— Pegue. - Ele estendeu o pacote para ela.

— Valeu. - Tenten ajeitou-se na cadeira.

Costas retas, pescoço duro, olhar parado na pia, atrás da cabeça dele. Uma posição neutra. Um lugar neutro. Pena que sua mente não estava tão neutra assim.

Os dois ficaram em silêncio, comendo. Shino olhava para Tenten em alguns momentos, enquanto ela lutava para olhar para qualquer lugar que não para ele.

Merda. Queria que a geladeira, os armários e a pia fossem mais interessantes.

— Não quero mais. - Anunciou pouco mais tarde.

Levantando-se e indo para a porta da cozinha. Antes, porém que desse muitos passos, o clarão de um raio iluminou a cozinha e logo o barulho de chuva recomeçou. Voltou para dentro da cozinha, indo dessa vez para a porta de vidro que dava para o jardim.

— Adoro chuva...

— Eu não.

— Por quê?

— Meus piores dias foram dias de chuva.

Tenten encarou-o.

— Como assim?

— Nada... Deixa quieto.

— Por que você nunca fala de você?

— Porque não há o que dizer.

— Talvez haja.

— Ninguém se interessaria.

— Eu me interesso.

Shino calou-se, olhando para a porta de vidro.

— Você também não fala muito de você.

— O que você quer saber? - Perguntou, tentando parecer descontraída.

Shino a encarou. Seu olhar nunca lhe parecera tão invasor.

— Por que sempre se comporta como criança perto de mim?

Tenten congelou. Não responderia àquela pergunta e ele sabia disso. Chegou a recuar um passo quando Shino levantou-se da cadeira. Mas arrependeu-se em seguida, pois mais uma vez ele lhe lançava um olhar invasor.

— Me comporto diferente perto de você também, Tenten... Boa noite.