Crônicas Saxônicas Dois escrita por Didi8Dedos


Capítulo 2
PRIMAVERA DE 895 DC - A RAPOSA E O CAVALO BRANCO




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Os dinamarqueses tinham o conhecimento de que Alfredo se escondera em Wintaceaster, mas estavam mais interessados nos saques Wessex adentro, porque era certo que com todas as suas forças unidas, derrotar-nos-iam como se quebra um osso duplo de galinha para tirar a sorte. Eu os vigiava constantemente, tentando descobrir seus passos, mas a distância não permitia muita visão, e quando eu me aproximava um pouco mais, eles mandavam batedores para me receptar. É claro que eu não permanecia no local, mas mesmo assim eles instigam os seus contra mim, como que querendo briga. Eu sabia que os dinamarqueses eram cautelosos e inteligentes, ao contrário do que muitos pensavam, eles se preparavam e estudavam os acontecimentos para não caírem em emboscadas.

Fui eu quem avisou a Alfredo, o rei, que as tropas dinamarquesas retornavam à beira do rio e com isso, deixei os padres do rei apreensivos. Mas eles ergueram as mãos aos céus e oraram a Deus por um milagre. E o milagre veio em formato de conversação. Uma pequena comitiva, liderada pelo nobre do estandarte da raposa, cavalgou até a colina. Eram dez homens. Nós éramos quinze, mas apenas eu, Leofric, Alfredo, Beocca estávamos a cavalo, os outros onze soldados atravessaram os campos nos seguindo o pé. Havíamos parado a uns vinte passos de distância dos pagãos, que nos cumprimentaram com um meneio de cabeça.

Tinham organizado uma força especial, aqueles eram os homens mais altos e largos que eu já tinha visto e me senti apreensivo. Quem deles se aproximou foi o mais baixo e magro, mas era o que tinha a cota de malha mais brilhante dentre todas e das roupas, as mais belas e limpas. Podia não ser troncudo e de pescoço grosso, e também não ter as mãos brutas e dedos cheios, tinha pescoço delgado e longo; ombros largos proporcionais aos quadris; as mãos eram belas e os dedos longos e finos, mas nada disso fazia diferença quando Kaet Cantador desembainhava a espada. Sim, Kaet Cantador era seu nome, e não era um dinamarquês, embora falasse bem aquele idioma, era norueguês e vinha com um pedido que não era o de guerrear.

Eu sou Kaet Ranrikesson, venho em meu próprio nome falar com Alfredo de Wessex. Quem de vocês é Alfredo? - ele falou com voz exigente em dinamarquês, supondo que alguém entre nós saberia o idioma.

Nenhum de nós se mexeu, acreditando talvez que seria uma bela emboscada para matar o rei. Então escoiceei o cavalo e me pus adiante de todos.

Sou eu. Eu sou Alfredo de Wessex. O que você deseja?

Talvez fosse o tom da minha voz, talvez não, mas pareceu que Kaet não se convenceu de que eu era o rei. Minhas roupas não eram muito piores do que as do verdadeiro Alfredo, mas estavam cheias de lama.

E então? O que está esperando? - eu disse enquanto me ajeitava na sela. - Está frio aqui!

Aquilo pareceu revelar algo mais a Kaet e então ele se aproximou com o cavalo. Recuei alguns passos, mas então ele tirou a espada da bainha e atirou ao chão.

Estou buscando por Haakon, o bom. É como os ingleses o chamam. É meu irmão e preciso da ajuda dele.

— Quer que lhe digamos onde estão nossos inimigos? - falei rindo, mas ele deu de ombros.

— Haakon é protegido de Athelstan...

Então Alfredo se aproximou com o cavalo, balançou a mão para que eu não me preocupasse e fitou com curiosidade o norueguês.

— Peça a ele o que quer com Haakon - disse Alfredo a mim. Eu perguntei, mas Kaet não respondeu, apenas refez a pergunta, queria saber se havíamos visto Haakon. Alfredo se aproximou de mim e disse: - Meu primo Athelstan criou um menino chamado Haakon e se não me engano é dinamarquês. Mas poderia estar morto agora porque não sabemos como está a situação na Mércia.

— Mércia? - Kaet pareceu entender o que Alfredo dissera.

Não sabemos onde está Haakon. A última vez que tivemos notícias dele estava com Athelstan, na Mércia - respondi e esperei que isso talvez nos levasse a uma trégua, já que o norueguês queria saber do irmão e não da guerra.

— Talvez pudéssemos encontrá-lo - um dos noruegueses falou, mas sem se aproximar de Kaet. - Viajemos até a Mércia...

— Melhor não. E se esses aí nos armam uma emboscada? Já mentiram sobre quem era o rei deles descaradamente - Kaet falou ao homem, e se calou depois.

— ­Se vocês nos dessem passagem, poderíamos mandar alguém até a Mércia - eu disse, mas fui cortado.

­— Para buscaram aliados e nos retaliarem? - Kaet foi cortante. - Acho que não - ele ia escoicear o cavalo, mas eu me adiantei e chamei a atenção dele.

Poderíamos ir juntos. Nós dois conseguiríamos o que desejamos: vocês notícias de Haakon e nós, aliados. - Minha proposta não pareceu fazer grande efeito a Kaet, que esporeou o cavalo e retornou ao assentamento pagão.

Enquanto voltávamos à fortificação, Beocca me reprovava em alto tom, mas Alfredo permanecia taciturno. Parecia temeroso.

Na manhã do dia seguinte percebemos que Kaet e sua comitiva, representada pelo imponente estandarte, esperavam sob a colina onde nos encontramos no dia anterior. Cavalgamos até eles, Alfredo, Leofric, eu e mais dois soldados, armados até os dentes. Kaet não fez rodeios, falou assim que paramos os cavalos.

Vocês irão conosco até a Mércia - e ele apontou para todos nós, mas acredito que falava de todos os nobres. - Caso contrário, atacaremos seu forte e não haverá mais Alfredo saxão.

Sua franqueza nos deixou atônitos e Leofric gritou "Podem vir, seus cagalhões!", mas duvido que algum deles fosse capaz de compreender. Alfredo permaneceu calado, pensativo, enquanto Kaet continuou a falar.

Vocês não podem com nossas tropas, é só subirmos o rio e varreremos aquela paliçada. Perderão seus homens e não haverá reino para...

Nós estamos sem reino de qualquer forma e que garantia teremos de que não seremos assolados quando retornarem? - disse Alfredo.

Traduzi para Kaet e ele riu alto, os homens dele também.

Depois que retornarmos a história muda. Posso garantir que não sejam atacados enquanto estiver fora, somente isso - ele disse ainda com o sorriso nos lábios finos.

E eu o acompanharia somente para não sermos atacados por hora?

— Exatamente - ele respondeu a mim coberto de arrogância. Senti-me humilhado, e tive vontade de sacar minha espada, Bafo de Serpente, e cortar-lhe a garganta.

Mas Alfredo interveio.

— Você até pode tentar nos atacar, mas duvido que com tão poucos homens vá conseguir. - Mentiu Alfredo. - Terá de esperar pelas forças de seus senhores dinamarqueses que estão por todo território saxão!

Eu traduzi.

Pois então esperarei - ele respondeu, balançou as rédeas e as afastou. Mas pouco depois puxou as rédeas novamente, num movimento brusco, e o cavalo deu uma guinada, e então voltou a galope para parar bem perto de Alfredo. Os homens de nossa guarda ergueram as lanças e um dos homens de Kaet disse uma palavra que não entendi, fazendo o seu senhor recuar alguns passos. - Você tem sua família sob seus braços! - gritou Kaet, e voltou para seu assentamento.

Naquela noite Alfredo me chamou. E chamou outros dois senhores de terras que tinham chego ao nosso forte havia alguns dias.

— Seria uma ótima oportunidade para conseguirmos nos comunicar com os que estão fora e pedir ajuda - Alfredo pensava em voz alta e nos levava a pensar também. - Ele não precisa de nós para chegar à Mércia e muito menos se comunicar com quem estiver no comando. A não ser que queira trocar reféns - e me fitou com interesse.

Eu entendi onde ele queria chegar. Kaet cavalgaria com alguns de nós e em troca de Haakon, daria a localização certa do rei saxão. Só não compreendia porque ele precisava fazer isso, já que era aliado dos dinamarqueses. O maior inimigo de Alfredo, o rei Dinamarquês Guthrum O Sem Sorte - apelido estranho para quem conseguiu conquistar quase toda Wessex -, certamente adoraria recebê-lo numa bandeja de prata, como Kaet o tinha. E o outro grande senhor, Svein Cavalo Branco, pagaria para poder entrar nas fortificações e acabar com o rei saxão de uma vez por todas.

Uma trombeta ecoou longe e corri para cima da colina. Cheguei a tempo de ver os dinamarqueses se organizando para a partida. O único estandarte em terra ainda era o da raposa branca. Esgueirei-me pelos arbustos até chegar razoavelmente perto a ponto de ouvir vozes e me sentei, esperando ouvir algo de importante, mas o que presenciei foi tão somente uma discussão sobre poder.

Vocês não estão se importando com o que realmente deviam. Você veio aqui por um motivo e agora se agarra a outro que não... - Kaet foi interrompido.

— CALE-SE! - Svein Cavalo Branco urrou estendendo o dedo em riste. - Nós temos nosso propósito, você é quem confunde as coisas!

— Eu só quero meu irmão ao nosso lado!

— Seu irmão não quer a nossa companhia, ele se juntou aos saxões, tornou-se cristão, é um deles agora! - Svein se esgoelava de ódio.

Eles o iludiram! Você deveria me ajudar...

— Não! Eu não tenho deveres para com seu pai!

— Você tem deveres para com Ashier! Para com Ranrike! É sua terra. É seu povo! Está aqui para que eles se...

— Não! Estou aqui porque EU sou um senhor e quero tornar a minha casa como tal. Não vou enriquecer outro homem que não eu mesmo - bradou Svein e deu as costas a Kaet, mas Kaet não estava disposto a receber não como resposta, desembainhou a espada e chamou Svein. A guarda de Svein ergueu as lanças, mas Svein, parecendo paciente com Kaet, pediu que as baixassem. - Eu lhe dou liberdade para ir até a Mércia, mas não posso ajudá-lo em mais nada, não sou eu quem comanda Athelstan. E duvido que Guthrum lhe desse tal passagem... A não ser que você estivesse pronto para aceitar a proposta dele...

— NUNCA - foi a vez de Kaet esbravejar e atirar a espada contra Svein, mas atirou de qualquer jeito porque ela caiu deitada sem atingir ninguém.

Faça como bem entender - disse Svein e saiu da presença de Kaet.

Nota do Autor

Alfredo foi realmente rei dos saxões do oeste, e Athelstan também existiu, mas este nasceu anos depois, porque era neto de Alfredo. Resolvi colocá-lo antes na história, como primo de Alfredo, para que alguns acontecimentos se entrelaçassem a outros. Haakon, O Bom foi um garoto norueguês criado por Athelstan.


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