Sexo, Escola e Rock And Roll escrita por Fernanda Lima


Capítulo 7
Renovando as alianças e descobrindo o mundo alheio


Notas iniciais do capítulo

* Versão de Isabel Rigardi *



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  Pois é. Agora que eu e Jack estávamos namorando, optei por agir mais como uma garota.

  - Môzinho, compra um sorvete de morango pra gente tomar juntinho! - Falei isso apertando as bochechas dele.

  - Que saco, para com isso! - Ele corou. Ah, como eu adorava irritá-lo. Caí na gargalhada. - E agora, qual o motivo do riso? - Ri ainda mais.

  Éramos um casal idiota, daqueles que o carro quebra na viagem pra Ilha do Mel e acabam parando numa mansão abandonada e fantasmagórica. Acho que a mansão, nesse caso, se traduz por Colégio Federal Cristóvão Colombo.

  - Parabéns, vocês dois! - Allen veio nos cumprimentar.

  - É, eu já escutei isso. - Disse, abraçando-o.

  - Jack, vocês dois já... - E fez um gesto que eu gostaria que ele não tivesse feito.

  - Por que você não vai falar de - E ele imitou o gesto de Allen - com a sua namoradinha?

  - Eu já disse que a Maria não é a minha namorada! - Moe moe kyun!

  - Eu estava falando da Rebecca, aquela guria da sua quadra de quem você tanto fala. - Opa.

  - Ah é, tem a Rebecca, né... - Ele dizia isso, distraído, enquando olhava para Maria subindo a escada do lado da porta na nossa sala. Eu e Jack nos entreolhamos, com um sorrisinho irônico e as sobrancelhas erguidas.

  - Alô gente linda do meu Heart. - Ela pulou, sorridente, nos ombros de Allen, que corou com o gesto. Curiosa, puxei Maria para dentro da sala. - Ai, não me puxa!

  - Você e o Allen estão ficando? - Adoro ser cara-de-pau.

  - Quê? Lógico que não! Quem te disse isso? 

  - Tirei minhas próprias conclusões. Você gosta dele?

  - Gosto dele como amigo, nada mais. - Ela fez questão de dizer isso em voz baixa, talvez sabendo que Allen gostava dela. 

  - Que pena. Vocês são ótimos juntos.

  Seu sorriso se desmanchou. Era como... como se ela estivesse escondendo algo de importante. Algo que eu iria descobrir sem ela perceber que eu estava tentando.

Depois da aula, no Giraffa's

  - Ai. Meu. Deus.

  - O que é aquilo?

  - Acho que tem um rato de laboratório mutante na cabeça dele.

  - Querem calar a boca e se concentrar na conversa principal? - E Jack sempre era o estraga prazeres.

  Olhávamos para um cara de black power verde-vômito que passava em frente à lanchonete, esquecendo rapidamente do assunto inicial.

  - Ok, foco. - Allen se manifestou, com lágrimas escorrendo pelas bochechas de tanto rir da situação.

  - Isso não era para ser feito no terceiro ano? - Maria olhou para a pilha de testes vocacionais manchados de ketchup no centro da mesa.

  - Provavelmente, mas nos mandaram fazer agora, então faremos. Cada um pegue a sua folha e trate de dar um jeito de limpar a sujeira que fez. - Por essas e outras eu amava tanto Jack. Peguei minha folha e limpei a mancha de comida com um guardanapo o máximo que pude.

  - Então - continuou Jack -, temos que marcar na coluna "A" as atividades que nos agradam, na coluna "B" os intrumentos de trabalho com os quais temos afinidade, na coluna "C" os locais onde gostamos de exercer nossos afazeres e na coluna "D" os atividades para as quais temos vocação. 

  - E como eu vou saber, cacete?! 

  - Acalme-se, Maria. Você tem uma vocação incrível para vôlei, pois apesar de ser baixinha - Ela franziu o cenho com a afirmação - é a melhor jogadora do Ensino Médio. Acho que você leva jeito com computadores, pois aprendeu rápido a mexer com programação e coisas do tipo.

  - Ok, então marco isso aqui? - Jack assentiu.

  - Eu acho que o Jack é um líder nato. - A fala de Allen depois de tanto tempo de silêncio de sua parte fez com que virássemos rápido para ele. - Foi capitão do time de basquete, representante de sala em todos os anos desde que o conheço, sempre faz o discurso de final de semestre e tira as melhores notas do segundo ano. Concordam?

  - Positivo. - O que fez Jack corar e ficar sério. Apertei suas bochechas.

  - Que saco! - Todos riram.

  Saímos do Giraffa's quase fechando, pois demoramos tempos falando sobre nossos gostos e vocações, e além disso Maria e Allen resolveram discutir sobre o que importa, dinheiro ou satisfação profissional. Eu sentira falta de passar um tempo assim com os amigos, principalmente com Jack, já que todos viajamos com nossas respectivas famílias durante as férias e depois tivemos - bom, eu tive - um início de ano conturbado.

  Como minha casa ficava bem longe, ou Jack ou Allen me acompanhava quando era mais tarde. Jack tinha que passar no supermercado antes, então Allen voltou para casa comigo.

  Allen estava mais quieto do que o normal. Sempre quando ele me acompanhava até em casa, falávamos sobre mil coisas, desde sobre o atraso do mangá X ou Y na banca até sobre o domínio da Igreja na sociedade medieval.

  - Allen, aconteceu alguma coisa?

  - Ahn? Ah, não, só estou sem ter o que falar hoje. - Seu sorriso era tão falso... e o imbecil ainda tinha a intenção de me convencer, mesmo sabendo sobre meu dom.

  - Desenvolve. Eu estou esperando. Ainda tenho 40 minutos de viagem para te encher o saco. Acabamos de entrar no primeiro ônibus, e com mais o trânsito, os outros dois ônibus e a caminhada até a porta da minha casa, pode dar até uma hora.

  - Sua garganta vai sangrar de tanto me perguntar.

  - E isso quer dizer que realmente tem alguma coisa.

  - Besta.  

  - Ser patético desprovido de funções cerebrais ativas.

  - Criatura acéfala de contornos excessivamente adiposos.

  - Recipiente inexorável de dejetos em estado de putrefação.

  - Moradora obscura do ambiente trevoso que se traduz por seus pensamentos.

  - Você vai me contar o que é ou não?

  - Eu prometi para alguém que não iria contar.

  Alguém, é? Olhei bem em seus olhos, durante cerca de 20 segundos.

  - Tem algo fundamental atrapalhando a relação que você gostaria de ter com a Maria.

  - Eu odeio você.

  - Mais um pra lista. O que seria essa 'coisa fundamental'?

  - Eu já disse que não vou contar! - Um carro buzinou bem durante a sua fala.

  - O quê, não ouvi? - Por experiência própria eu sabia que me fazer de idiota irrita as pessoas a ponto de elas falarem coisas que não querem.

  - Eu. Disse. Que. Não. Vou. Contar. - Enquanto ele falava, olhei para a janela do outro lado.

  - Pode repetir? Não prestei atenção.

  - Você vai parar de tentar me irritar se eu falar pra você?

  - Parei. - Funcionou.

  - Nossa, como eu falo isso?

  Allen era muito fofo. Não sabia exatamente qual o motivo pelo qual Maria não ficava com ele de uma vez por todas.

  - Ok. Maria é lésbica.

  Meu mundo caiu.

  - Como é que é? Repete.

  - Não me irrite. Eu já disse o que tinha que dizer. - Timidamente, ele ficou olhando o pôr-do-sol pela janela de forma a não encontrar meus olhos, que o encaravam agora.

  Dessa vez eu tinha decrescido à posição de idiota de uma vez por todas. 

  Maria, lésbica, como assim? Desde quando? Ela era uma quase-tsundere-moe-kawaii ambulante - excesso de expressões desnecessariamente otakus.

  - Allen... quando você descobriu isso? E desde quando ela é... sabe?

  Ainda sem olhar para mim, ele respondeu:

  - Descobri ano passado. Perguntei se ela gostava de algum garoto da turma, sabe, esperando que ela dissesse "Eu te amo, Allen gostosão paixão da minha vida" - Eu ri. Mesmo nessa situação ele conseguia fazer graça. - E ela disse "não sei qual a graça nos garotos". Em minha lerdeza habitual pensei simplesmente que ela tinha tido uma decepção amorosa recentemente e não falei nada de meus sentimentos para não confundí-la. Até que...

  Suspense me irritava. Muito.

  - Anda! - E dei um tapa em seu braço.

  - AI! Calma, droga. Até que ela veio me dizer toda tímida e moe moe "Não conte pra ninguém, mas penso que estou tendo uma espécie de... sentimento pela Karin da turma F", e eu olhei para a cara dela e disse "Como assim, vocês brigaram?", e ela "Não, idiota", e ficou me encarando, aí eu tive um estalo e disse "AAAAAH.", e depois "CACETE! Você é...?" e ela "Não sei,  não conte para ninguém" e me fez assinar um contrato de silêncio absoluto que acabei de descumprir impiedosamente!

  Esse era o Allen que eu conhecia.

  - E aí eu fiquei chateado porque a Karin da turma F é uma ruiva gostosa e eu sou um garoto lerdo e verticalmente prejudicado, mas Deus, como eu gosto da Maria... 

  Abracei Allen, reconfortando-o. O céu já estava no tom azul-marinho do Crepúsculo.

  - O que você quer que eu faça, Allen?

  - Não precisa fazer nada... 

  - Você gosta mesmo da Maria, como pensei...

  Então... era isso que ela estava escondendo hoje de manhã. Fiquei em choque e com pena de Allen ao mesmo tempo.

  - Ah... ela é tão linda, com aqueles olhos castanho-avermelhados e aquele cabelo repicado e macio... - E o amor estava vindo à tona de uma vez. Allen deitou no meu colo, aproveitando o espaço dos bancos de trás. - Ela é sempre tão alegre, aventureira, e apesar de parecer frágil, é forte tanto por fora quanto por dentro.

  Tive que concordar. Se Maria tivesse passado pela mesma situação que eu passei com Jack, ela não derramaria uma lágrima sequer e resolveria tudo no tato.

  - Atenção, última parada, desembarque obrigatório.

  - Vamos, Allen. - E então descemos do primeiro ônibus, já escuro.

  Dois minutos depois, chegou o microônibus que me levaria até o ponto da terceira condução. Já dentro, tive uma ideia.

  - Allen, por que você não passa a noite em minha casa? É sexta-feira mesmo.

  - E seus pais deixariam?

  - Que isso, eles te conhecem como à palma de suas mãos. Além disso, eu durmo com o meu irmão no quarto, o William, lembra dele?

  - Aquele bombado com cara de serial killer? Me lembro muito bem. - Sua voz era falha. Bons tempos.

  - Exatamente. Você vai dormir no quarto conosco.

  - Tá brincando com a minha cara? - Ele me olhou, sonso.

  - Eu nunca brinco. Se você tentar algo, ele vira Super Saiyajin 4 e detona com você e com o resto do mundo.

  - Captei a mensagem.

  Chegando em casa, cumprimentei minha mãe, que como sempre estava escondida atrás de pilhas e mais pilhas de livros de direito, matemática, literatura e gramática, já que prestaria concurso público naquele ano. Arrastei Allen para o meu quarto,peguei um pijama do meu irmão no armário e emprestei para o meu querido visitante envergonhado.

  - Ele vai me matar.

  - Não vai se eu não deixar.

  - Ele vai me matar.

  - Veste logo isso.

  Allen ficou mais tranquilo, muito mais tranquilo depois de receber a notícia de que William dormiria na casa da namorada. Idiota... 

  Depois de uma sessão de chicken popcorn e filmes de terror antigos fomos dormir. Bem, "dormir".

  - Psiu, Bel.

  - Por que me chamas?

  - Você acha que eu devo me declarar pra Maria?

  - Quem sabe depois de uma declaração máscula e cheia de testosterona ela não passe a gostar de homens?

  - Haha, engraçada.

  - Não estava brincando. Que parte do "eu nunca brinco" você ainda não entendeu?

  - O "eu nunca brinco". É sério então? Lembre-se de que sou um homem perdido pedindo pela opinião de uma garota madura e especialista em amor.

  - Obrigada. E sim, acho que você deveria falar. Mas não diretamente. Pergunte sobre os sentimentos dela, perceba se está triste, confusa, vai ver ela até está mudando de ideia sobre a própria sexualidade. 

  - E como diabos vou fazer isso: "Oi, quais são os seus sentimentos? Você está triste, confusa? A propósito, já deixou de ser lésbica? Responda logo, assim eu posso dizer que te amo."

  - Idiota. - Joguei um travesseiro nele.

  - Então o que eu falo?

  - Vá dormir. Segunda-feira eu te ajudo, mas nesse fim de semana quero que você distraia sua mente. A propósito, avisou sua família que viria para cá?

  - Mandei uma mensagem dizendo que iria para a escola com você na segunda.

  - Ok, Buona notte.

  - Oyasuminasai.

  - Psiu, Allen.

  - O que foi?

  - O que você achou da apresentação da oxigenada essa semana?

  - Achei muito legal. Penso que gostaria de tocar baixo.

  - Sério? Eu queria aprender a tocar bateria.

  - Lembra de K-ON?

  - Como não lembrar?

  - A gente podia fazer uma banda.

  - Não fale besteiras, estamos grogues de sono. Amanhã discutimos isso.

  - A Yui aprendeu guitarra depois de entrar no keionbu.

  - Durma.

  - De repente demais pra você?

  - Você sabe que eu gosto de coisas planejadas, sistemáticas e úteis. Não me venha com gracinhas. Vamos aprender a tocar baixo e bateria juntos, mas é só.

  - Você ainda vai mudar de ideia. Que sono. - Estávamos iguais à dois bêbados, de tanto sono. Rimos com isso. - Ok, vamos dormir então. Gute Nacht.

  - Buenas noches.


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